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Relato
de
caso
Lesão
da
artéria
braquial
decorrente
de
luxac¸ão
posterior
fechada
do
cotovelo:
relato
de
caso
夽
Alberto
Naoki
Miyazaki
∗,
Marcelo
Fregoneze,
Pedro
Doneux
Santos,
Guilherme
do
Val
Sella,
Caio
Santos
Checchia
e
Sergio
Luiz
Checchia
FaculdadedeCiênciasMédicasdaSantaCasadeSãoPaulo,SãoPaulo,SP,Brasil
informações
sobre
o
artigo
Históricodoartigo:
Recebidoem11dedezembro
de2014
Aceitoem6demarçode2015
On-lineem18denovembrode2015
Palavras-chave:
Traumatologia
Artériabraquial
Luxac¸ões Cotovelo
Procedimentoscirúrgicosvasculares
r
e
s
u
m
o
Aassociac¸ãodaluxac¸ãoposteriorfechadadocotovelocomalesãotraumáticadaartéria
braquialérara.Aausênciadopulsoradialàpalpac¸ãoéumimportantesinaldealertaea
arteriografiaéoexamediagnósticopadrão-ouro.Odiagnósticoprecoceéessencialpara
aprovidênciadotratamentoadequado,queenvolveareduc¸ãoeaimobilizac¸ãoarticular,
alémdorestabelecimentocirúrgicourgentedofluxoarterial.Érelatadoumcasoinédito
naliteraturabrasileiradaassociac¸ãodessaslesões(edotratamentofeito),ocorridaemum
pacientede27anos,dosexomasculino,apóstersidovítimadeagressãofísica.
©2015SociedadeBrasileiradeOrtopediaeTraumatologia.PublicadoporElsevierEditora
Ltda.Todososdireitosreservados.
Brachial
artery
injury
due
to
closed
posterior
elbow
dislocation:
case
report
Keywords:
Traumatology
Brachialartery
Dislocations Elbow
Vascularsurgicalprocedures
a
b
s
t
r
a
c
t
Anassociationbetweenclosedposteriorelbowdislocationandtraumaticbrachialartery
injuryisrare.Absenceofradialpulseonpalpationisanimportantwarningsignand
arte-riographyisthegold-standarddiagnostictest.Earlydiagnosisisessentialforappropriate
treatmenttobeprovided.Thisconsistsofjointreductionandimmobilization,alongwith
urgentsurgicalrestorationofarterialflow.Here,acase(noveltotheBrazilianliterature)of
anassociationbetweentheseinjuries(andthetreatmentimplemented)ina27-year-old
malepatientisreported.Theseinjuriesweresustainedthroughphysicalassault.
©2015SociedadeBrasileiradeOrtopediaeTraumatologia.PublishedbyElsevierEditora
Ltda.Allrightsreserved.
夽
TrabalhodesenvolvidonoDepartamentodeOrtopediaeTraumatologia,FaculdadedeCiênciasMédicasdaSantaCasadeSãoPaulo
(DOT-FCMSCSP),PavilhãoFernandinhoSimonsen,SãoPaulo,SP,Brasil.
∗ Autorparacorrespondência.
E-mail:amiyazaki@uol.com.br(A.N.Miyazaki).
http://dx.doi.org/10.1016/j.rbo.2015.03.006
Somadoaofatodeserumaassociac¸ãoinfrequente,o
diag-nósticoclínicodalesãodaartériabraquialassociadaàluxac¸ão
fechadadocotovelopodeserdifícil,mesmocomumaltonível
desuspeita.3,4Entretanto,fazê-lodeformaprecoceéessencial
paraaprovidênciadotratamentoadequado,jáqueoatrasono
diagnósticoéoprincipalfatorparaapiorianoprognóstico.5
Desde1913,poucoscasosdessaassociac¸ãoforam
descri-tos.Umlevantamentobibliográficofeitoem2009mostrouque
somente40casoshaviamsidoreportadosnasliteraturasem
inglêseemfrancês.4 Emportuguês,nãoencontramoscaso
algum.Aseguir,reportamosocasodeumpacientequefoi
tratadononossoservic¸ocomessacondic¸ão.
Relato
do
caso
Umhomemde27anosfoitrazidoaonossopronto-socorro,
vítima de agressão física havia menos de duas horas. Ao
exame físico, além do aumento do volume do cotovelo
esquerdoedadorintensaàmobilizac¸ão, tinhadiminuic¸ão
discretadatemperaturadamãoipsilateral,perfusãocapilar
periférica discretamente lentificada e, à palpac¸ão dos
pul-sos,oulnar estavadiminuídoeoradial,ausente.Oexame
neurológicodomembroeranormale,excetoporpequenas
escoriac¸ões,otegumentoestavaintacto.
Feitoodiagnósticodeluxac¸ãoposteriordocotovelo(fig.1),
aarticulac¸ãofoiprontamentereduzidadeformaincruenta.
Entretanto,oquadroclínicovascularmanteve-seinalterado.
Apósaavaliac¸ãodaequipedacirurgiavascular,foifeita
uma angiotomografia do membro que evidenciou oclusão
completadaartériabraquial(fig.2).
Àexplorac¸ão cirúrgica de emergência, foi diagnosticado
estiramentodaartériabraquial(quecursoucomconsequente
trombosedamesma)cercade3cmproximalàsuabifurcac¸ão
emartériasradialeulnar(fig.3),quefoitratadacomressecc¸ão
dalesãoeconfecc¸ãodeumaanastomosebraquiobraquialcom
usodeenxertoinvertidodaveiasafenaretiradodomembro
inferioripsilateral(fig.4).Tambémfez-sefasciotomiado
com-partimentovolardoantebrac¸odevido aograndeedemado
mesmoefixac¸ãoexternatransarticulardocotovelo(fig.5).
Opacienteevoluiubemdopontodevistavascular.Jáno
intraoperatóriohouveretornodospulsosradialeulnar,além
danormalizac¸ãodotempodeperfusãocapilarperiférica,da
coredatemperaturadaextremidade.Essessinaisdepatência
dofluxoarterialsemantiveram,atéapósaretiradadefinitiva
dofixadorexterno(seissemanasdepoisdaprimeiracirurgia),
oqueconfirmouosucessodaanastomose.Asbordascutâneas
dafasciotomiaforamreaproximadasesuturadascomsucesso
apósumasemanadaconfecc¸ão.
Figura1–Radiografiaemperfildocotoveloesquerdo, evidenciandoaluxac¸ãoposterioreoedemadaspartes moles.
Valeressaltarque,devidoaquestõessocioeconômicas,o
pacienteperdeuoacompanhamentoambulatorialapósa
reti-radadofixadorexternoe,portanto,nãopodemosrelatarsua
evoluc¸ãocompleta,principalmentenoqueserefereàfunc¸ão
docotovelo.
Discussão
Apesar de o cotovelo ser a segunda6 ou a terceira1,2,5
articulac¸ão que mais luxa no corpo humano, a literatura
resume-seapoucoselimitadosrelatosdecasosdelesão
vas-culardecorrente dessa lesão.4 Portanto, afrequênciadessa
associac¸ãoédifícildeseestimar.2,4Entretanto,jásesabequea
maioriadoscasosdelesãoarterial,principalmentedaartéria
braquial,ocorreemcasosdeluxac¸ãoexposta.1-3Nesteestudo,
porém,vamosnosateràdiscussãodaocorrênciadessalesão
emcasosdeluxac¸õesfechadas,conformeoocorridono
pre-senterelatodecaso.
Aliteraturamostraqueolocaldelesãodaartériabraquial
étipicamentenasuaporc¸ãomaisdistal,poucoscentímetros
acimadasuabifurcac¸ãoemartériasradialeulnar,3-5comofoi
encontradononossocaso(fig.3).Atopografiadalesãopode
serexplicadapelaanatomia:noscasosdeluxac¸ãoposteriordo
cotovelo,aporc¸ãodistaldaartériabraquialpodeficar
compri-midaentrearígidaaponeurosebicipitaleasestruturasósseas
luxadas,particularmenteaepífisedistaldoúmero.3-5
Ainterrupc¸ãodofluxoarterialpodeserclinicamentetão
evidentequantoaluxac¸ãoqueaproduziu,comausênciados
pulsosradialeulnarepalidezdamão.Porém,oquadro
clí-nicopodesermaisfrustroeodiagnósticomaisdifícil,mesmo
após areduc¸ãoarticular,1-4fatoquepodeserexplicadopor
umatromboseincompletaouporumacompensac¸ão
Figura2–Reconstruc¸ãotridimensionaldaangiotomografia computadorizadadomembrosuperioresquerdo.Nota-sea aperdadacontinuidadedopreenchimentodaartéria braquial(setabranca)eamanutenc¸ãodopreenchimento parcialdasartériasdistaisaocotovelo(setavazada), provavelmentedevidoàintegridaderesidualparcial dacirculac¸ãoarterialcolateraldocotovelo.
Endeanetal.,2 emtrabalhopublicado em1992,
estabelece-ramumarelac¸ãoestatísticapreditivapositivaentrealesão
arterialdecorrente da luxac¸ãodo cotovelo com os
seguin-tesachados:(1)ausênciadopulsoradialàpalpac¸ãoantesda
reduc¸ãoarticular,(2)presenc¸adeoutraslesõessistêmicase
(3)luxac¸ãoexpostadocotovelo.Portanto,aavaliac¸ãoclínica
detodoopacientee,particularmente,davascularizac¸ãodo
membrodeveserfeitasistematicamentetantoantesquanto
apósareduc¸ãoarticular.2-4,6
Apósareduc¸ãodocotovelo,quedeveserfeitaomaiscedo
possível,qualquerdúvidaquantoàpatênciavascularjustifica
afeituradeumaarteriografia(ouangiotomografia(fig.2),que
éoexamecomplementarpadrão-ouroparaodiagnósticoda
interrupc¸ãoarterial.3-6Aliteraturadiscuteseháespac¸opara
ultrassonografiaDopplernesses pacientes.Alguns autores4
defendemseuuso,enquantooutros2,3nãoorecomendam,sob
ajustificativaqueéumexamededifícilfeituraemmembros
traumatizados.Oexameneurológicotambémdeverserfeito
antesedepoisdareduc¸ãoedeveservoltadoparaosnervos
mediano,radialeulnar.1,4
Figura3–Cotoveloesquerdo.Vistaanterior.Foto
intraoperatóriadaartériabraquialtrombosada(B),poucos centímetrosacimadasuabifurcac¸ãoemartériasulnar(U) eradial(R).
Apósfeitaareduc¸ãoincruentadocotoveloeconfirmado
odiagnósticodalesãoarterial,opacientedevesersubmetido
ao tratamentocirúrgico deurgência.1-5,7-10 Antesda guerra
daCoreia(1950a1953),omanejodopontodevistavascular
mais aceito desses casos se resumia à ligadura arterial.
Aperfusãodistaldomembroficavadependentedacirculac¸ão
arterialcolateraldocotovelo.2Entretanto,apósessaconduta,
houverelatosdeevoluc¸ãoparagangrenadoantebrac¸oe/ou
outras complicac¸ões que culminaram em resultados
fun-cionais insatisfatórios, tais como trombose secundária da
circulac¸ãoarterialdocotovelo,compressãoporumhematoma
extenso,isquemia domembroaosexercícios eintolerância
aofrio.4,7 Portanto,atualmente,háevidêncialiterária
sufici-ente(eirrefutável,segundoAyeletal.4)paraserecomendar
o reparo vascular em todos os casos,1-5,7-10 até naqueles
em que o membro esteja aparentemente viável ao exame
clínico.2,7 Entre outras,umacontribuic¸ãomuitoimportante
paraaconsolidac¸ãodessacondutafoiadeLouisetal.,7que
publicaramumestudoanatômicodapatênciadacirculac¸ão
arterialcolateraldocotovelo.Doisachadosmuitoimportantes
desseestudoforam:(1)queacirculac¸ãocolateraldocotovelo
mostrou-se vital para amanutenc¸ão da perfusão distaldo
Figura4–Cotoveloesquerdo.Vistaanterior.Foto intraoperatóriadaanastomosebráquio-braquial(A), confeccionadacomenxertoautólogodeveiasafena, imediatamenteproximalàbifurcac¸ãoemartériasulnar(U) eradial(R).
casosestudadosocorreulesão depelo menosuma
anasto-mosearterialapósaluxac¸ãodocotovelo.Aligaduraarterial
é uma conduta reservada àqueles que requerem atenc¸ão
imediataaoutraslesõesouchoquehipovolêmicograve.8
Emrelac¸ãoaotipodereconstruc¸ãovascular,sabe-sequeo
reparoprimáriodalesãonormalmentenãoépossíveldevido
àperdadocomprimentoarterialapósoseudesbridamento.3,4
A maioria dos autores recomendaa ressecc¸ão dolocal da
lesãoeaconfecc¸ãodeumaanastomosecomenxertovenoso
autólogoinvertido(fig.4),preferencialmenteda veiasafena
deummembroinferiornãotraumatizado.1,3-5Asindicac¸ões
Figura5–Radiografiaemperfildocotoveloesquerdo apóstersidoreduzidoesubmetidoàfixac¸ãoexterna transarticular.
de fasciotomiana literaturaconsultadaforam aumento da
pressãocompartimentaldoantebrac¸o,edemamuitointenso
docotovelodevidoàgravelesãodaspartesmoleseintervalo
muito prolongado (maior do que quatro horas, segundo
Bongardetal.10)entreotraumaeacirurgia.2-4
Emcasosdelesãoneurológica,muitosautores
recomen-damumaatitudeexpectante.Endeanetal.2eGrimereBrooks9
relatamqueamelhoriacompletaespontâneadessaslesões
écomum. Emcontrapartida, háautores1 que mostramem
suassériesquetodosouquasetodosospacientesnão
tive-ramrecuperac¸ãoneurológica,fatosessesquepodemsugerir
umamudanc¸adessaconduta.
Dopontodevistaortopédico,nãohádúvidasdequeo
coto-velodeveserreduzidoassimqueconfirmadoodiagnósticoda
luxac¸ão.Entretanto,permanecemasdiscussõessobrecomo
deveserfeitaaimobilizac¸ãoarticulareanecessidadeounão
dareparac¸ãoligamentar.
Aimobilizac¸ãodocotovelosefaznecessáriatantodurante
a cirurgia, para permitir a sutura meticulosa do enxerto
venoso,quantonoperíodopós-operatório.Issopossibilitaque
oenxertocicatrizeepasseporumprocessode“transformac¸ão
arterial”.4Platzetal.1recomendamafixac¸ãoexterna
transar-ticularemtodososcasos,oquegarantemáximaseguranc¸a
àestabilidadeefacilitaos cuidadoslocais, particularmente
apósafasciotomia.Essarecomendac¸ãoestáemconcordância
comnossaopinião.Porém,outrosautores3,4avaliama
estabi-lidadedocotoveloapósareduc¸ãoesófazemafixac¸ãoexterna
seele estiver instável.Casocontrário,empregam umatala
axilopalmar.
Por fim,vale discutirmos aconduta em relac¸ão à lesão
capsuloligamentar.Paraocorrerluxac¸ãoagudadocotoveloé
ouambos os ligamentos colaterais.6 Noscasos de luxac¸ão
posteriorsimplesdocotovelo, umavezreduzido,háquem
acredite que o reparo ligamentar não oferec¸a vantagem.5
Porém,diversosautores4,6preconizamotestedaestabilidade
emvaro/valgoedasusceptibilidadedereluxac¸ãoaosúltimos
grausde extensão.Quando eles sãopositivos para
instabi-lidade,oreparoligamentar estáindicado.Há atéumoutro
argumentoafavordoreparonoscasosdeinstabilidade,
espe-cialmentenoscasosde lesãoassociadada artériabraquial:
o próprio acesso cirúrgico anteromedial necessário para o
reparovascularpermiteoacessoàsestruturas
capsuloliga-mentaresmediais.1,4
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
r
e
f
e
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ê
n
c
i
a
s
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