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A história do Senhor Bom Jesus da cana verde: Conflitos e celebrações em torno de uma imagem religiosa (Siqueira Campos- PR,1933)

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

A HISTÓRIA DO SENHOR BOM JESUS DA CANA VERDE:

CONFLITOS E CELEBRAÇÕES EM TORNO DE UMA IMAGEM

RELIGIOSA (SIQUEIRA CAMPOS – PR, 1933).

ANDERSON LINO

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

A história do Senhor Bom Jesus da Cana Verde: conflitos e celebrações em

torno de uma imagem religiosa (Siqueira Campos – PR, 1933).

ANDERSON LINO

Orientador Professor Doutor Leonildo Silveira Campos

Dissertação apresentada em cumprimento do Programa de Pós - Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, para obtenção do grau de Mestre.

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BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Presidente: Professor Doutor Leonildo Silveira Campos – UMESP

_________________________________________ 1º Examinador: Professor Doutor Enio da Costa Brito – PUC-SP

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AGRADECIMENTOS

Ao meu Professor e orientador Doutor Leonildo Silveira Campos

pela confiança neste humilde escriba.

Com carinho, agradeço a Professora Doutora Sandra Duarte de

Souza que me fez enxergar a religião com olhares diversos.

Aos professores doutores Enio da Costa Brito (PUC-SP) e Etienne

Alfred Higuet pelas sugestões na Banca de Qualificação.

Ao meu amigo do Curso de Pós-Graduação Emílio Zambom de

Mendonça, suas experiências de vida nas andanças pelo Brasil e por

esse mundão aí afora muito contribuíram com o nosso trabalho;

Aos meus Professores e Professoras da Faculdade Estadual de

Filosofia, Ciências e Letras de Jacarezinho – PR. Ali aprendi a

gostar da História e da importância do ofício de ser historiador;

A Maria da Graça Montanha César, Coordenadora do Museu

Histórico de Siqueira Campos – PR, que muito contribuiu para a

pesquisa ao resgatar grande parte dos documentos que registraram a

História do município e do Bom Jesus;

Ao Instituto Ecumênico de Pós-Graduação (IEPG) e a Coordenação

de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela

bolsa de estudo concedida para a realização desta dissertação;

Aos meus amigos e amigas de botequim pelos contos, causos e

fantasmagorias em torno do Bom Jesus;

Ao meu amigo Bira pela companhia nas viagens e nas pesquisas

pelo Norte Pioneiro do Paraná;

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SUMÁRIO

CRONOLOGIA...08

RESUMO...10

ABSTRACT...11

INTRODUÇÃO...12

CAPÍTULO 1 – ESPAÇO GEOGRÁFICO E CONFLITOS EM TORNO DA IMAGEM DO BOM JESUS DA CANA VERDE...34

INTRODUÇÃO...35

1.1. O SENHOR BOM JESUS E A (RE) OCUPAÇÃO DO NORTE VELHO DO PARANÁ – O PATRIMÔNIO DOS MURZILHOS...36

1.2. O ESBULHO DE UMA IMAGEM RELIGIOSA...41

1.3. A REINTEGRAÇÃO DA IMAGEM DO BOM JESUS...47

1.4. A DOAÇÃO DO BOM JESUS À IGREJA-MATRIZ DE SIQUEIRA CAMPOS...52

1.5. NADA RESTOU AOS HERDEIROS DE CHICO PINTO...54

1.6. A CONJUNTURA POLÍTICA, SOCIAL E ECONÔMICA DO PARANÁ NA DÉCADA DE 1930...59

CONCLUSÃO...68

CAPÍTULO 2 – O NORTE PIONEIRO PARA ALÉM DO ESPAÇO GEOGRÁFICO...70

INTRODUÇÃO...71

2.1. O BOM JESUS NO CONTEXTO SÓCIO-ECONÔMICO DO NORTE PIONEIRO...72

2.2. TIPOLOGIAS DO CATOLICISMO OFICIAL-URBANO E DO CATOLICISMO POPULAR-RURAL...77

(7)

2.4. OS MILAGRES DO SENHOR BOM JESUS...88

2.5. CULTURA OFICIAL E DIVERSÃO POPULAR...95

2.6. CELEBRAÇÕES EM TORNO DO BOM JESUS...101

CONCLUSÃO...112

CAPÍTULO 3 – O BOM JESUS NO ALTAR: FESTAS E DEVOÇÕES EM SIQUEIRA CAMPOS...114

INTRODUÇÃO...115

3.1. O BOM JESUS NO ORATÓ RIO DE SIQUEIRA CAMPOS...116

3.2. A ORGANIZAÇÃO ECONÔMICA DA FESTA DO BOM JESUS...121

3.3. O SEQUESTRO DO BOM JESUS NO CONTEXTO SÓCIO-POLÍTICO DA DÉCADA DE 1930...132

3.4. O BOM JESUS E A CONSTRUÇÃO DE UMA MEMÓRIA HISTÓRICA...139

3.5. ALEGORIA EM TORNO DO BOM JESUS...144

3.6. ROMANIZAÇÃO E MONOPÓLIO DO PODER SIMBÓLICO...153

CONCLUSÃO...157

CONSIDERAÇÕES FINAIS...158

BIBLIOGRAFIA...165

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CRONOLOGIA

1853 - A província do Paraná é desmembrada da capitania de São Paulo;

1853 - Formação do núcleo urbano de São José da Boa Vista;

1862 - Formação do núcleo urbano da Colônia Mineira;

1865 - Formação do núcleo urbano de Tomazina;

1876 - Criação do Município de São José da Boa Vista;

1870/1880 - Chegada da imagem do Bom Jesus e da família Pinto no Patrimônio dos Murzilhos;

1886 - Primeira capela do Bom Jesus erguida no Patrimônio dos Murzilhos ;

1892 - Tomazina é desmembrada do município de São José da Boa Vista;

10-10-1902 - Legalização e doação feita por Francisco de Paula Oliveira Pinto, da capela com 35 alqueires de terra para o Bom Jesus;

1902 - Morte do fazendeiro Francisco de Paula Oliveira Pinto;

27-10-1905 - Julgamento do inventário;

1918 - Divisão da Fazenda dos Murzilhos perante o Juízo Federal no Estado do Paraná;

15-8-1919 - Inauguração da estação ferroviária RVPRSC (Rede Viária Paraná Santa Catarina);

1920 - Emancipação da Colônia Mineira do município de Tomazina;

26-4-1933 - O padre Alfredo Simon, do Distrito de Salto do Itararé, reúne cerca de vinte homens armados para “expropriar” a imagem do Bom Jesus de José Pinto de Oliveira;

26-4-1933 - Ocorre o conflito no Patrimônio dos Murzilhos;

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26-4-1933 - José Pinto de Oliveira é ferido por arma de fogo no conflito pela imagem do Bom Jesus no Patrimônio dos Murzilhos;

29-6-1933 - Processo por esbulho no município de São José da Boa Vista;

29-11-1933 - Morre José Pinto de Oliveira vítima dos ferimentos que recebeu no conflito pela imagem do Bom Jesus;

1933 - O Bispo Diocesano de Jacarezinho, Dom Fernando Taddei, doa a imagem do Bom Jesus para a Igreja-Matriz da Colônia Mineira;

6-8-1934 - É celebrada a primeira festa religiosa em louvor ao Senhor Bom Jesus da Cana Verde no município da Colônia Mineira;

17-10-1935 - Incorporação do Distrito de Salto do Itararé ao município da Colônia Mineira;

8-11-1937 - Criação da Comarca de Siqueira Campos (ex – Colônia Mineira);

25-6-1960 - Criação do município de Salto do Itararé;

29-10-1964 - Criação da emissora de rádio Bom Jesus;

11-11-1967 - Lançamento do filme “Senhor Bom Jesus da Cana Verde” na Cinemateca do Museu Guido Viaro em Curitiba (1° primeiro longa- metragem colorido do Estado do Paraná);

1975 - Construção do santuário do Senhor Bom Jesus da Cana Verde;

2007 - Seqüestro dos padres capuchinhos após a festa do Senhor Bom Jesus da Cana Verde;

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LINO, Anderson. A história do Senhor Bom Jesus da Cana Verde: conflitos e celebrações em torno de uma imagem religiosa (Siqueira Campos – PR, 1933). São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo ; Dissertação de Mestrado, 2009.

RESUMO

Essa dissertação abordou os conflitos que ocorreram no espaço geográfico denominado “Norte Pioneiro”. A imagem do Bom Jesus, de propriedade da família Pinto, foi expropriada pelo vigário da paróquia do Distrito de Salto do Itararé, padre Alfredo Simon, que reuniu cerca de vinte homens aramados para capturar esse santo. Nesse conflito religioso que ocorreu no dia 26/4/1933 duas pessoas foram mortas: o comerciante do Arraial dos Pintos, João Moreira, e o herdeiro do Bom Jesus, José Pinto de Oliveira. Esse último veio a falecer meses depois do conflito. Ao redor dessa imagem foi sendo criada uma história oficial e vigiada pelos donos do poder simbólico, mantenedora da ordem e da tradição. No entanto, a história do Bom Jesus foi compreendida numa concepção mais ampla, pois na esfera religiosa ocorria um fenômeno denominado de romanização. A Igreja Católica seguia o Código de Direito Canônico de 1917, não reconhecendo o Código de Direito Civil do Estado Nacional Brasileiro. Na esfera política, o governo paranaense colocou em prática o sistema de terras devolutas. No setor dos transportes, a estrada de ferro RVPRSC (Rede Viária Paraná Santa Catarina) já se encontrava na região desde 1919. E nesse ínterim, as novas relações sócio-culturais e econômicas foram introduzidas no campo, isto é, o capitalismo agrário .

PALAVRAS-CHAVE: História. Estado. Igreja. Catolicismo popular. Bom Jesus. Conflitos.

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LINO, Anderson. The History of Mr Bom Jesus da Cana Verde: conflicts and celebrations around a religious image (Siqueira Campos - PR, 1933). São Bernardo do Campo: Methodist University of São Paulo, Dissertação de Mestrado, 2009.

ABSTRACT

This dissertation addressed the conflicts that occurred in the geographical space known as "Northern Pioneer". The image of the Bom Jesus, the family-owned Pinto, was expropriated by the vicar of the parish of the district of Salto Itararé, priest Alfredo Simon, who met about twenty armed men to capture this saint. In this religious conflict that occurred on 26/4/1933, two people were killed: the business of the Small Village Pintos, João Moreira, and heir of Bom Jesus, José Pinto de Olive ira. The latter has died months after the conflict. Around this image was created an official history and supervised by the owners of the symbolic, sponsor of the order and tradition. However, the history of Bom Jesus was understood in a broader concept, as occurred in the religious sphere a phenomenon called Romanization. The Catholic Church followed the Code of Canon Law of 1917, not recognizing the Code of Civil Law of the Brazilian. In the political sphere, the government paranaense put into practice the system of land vacant. In the sector of transport, the railway RVPRSC (Roads Paraná Santa Catarina) was already in the region since 1919. And this time, the new socio-cultural relations and economic fields have been made in, that is, the agrarian capitalism.

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INTRODUÇÃO

As associações religiosas e os santos, em quase todos os municípios brasileiros, surgiram como constituição e representação das comunidades locais. Suas imagens poderiam pertencer à comunidade local, à Igreja, à família e a indivíduos. E foi através dessas imagens conhecidas regio nalmente e localmente que foram atribuídos milagres e poderes miraculosos a esses santos. No meio rural brasileiro, as famílias tradicionais possuíam seus próprios bens simbólicos e essas imagens de santos eram passadas de geração em geração. Foi Gilberto Freyre quem percebeu que a mudança da propriedade de uma família e de sua fazenda para outra região importava na transferência do santo de oratório, pois a família que se instalava em seu local trazia junto de si outra imagem de santo.1 Nos bairros rurais essas famílias possuíam grande prestígio. As festas dependiam da relação entre o poder milagroso do santo e da participação do fazendeiro local. Ficava bem demarcado e estabelecido que as atividades religiosas e as associações organizadas oficialmente não as dirigiam e muito menos exerciam controle e poder total sobre essas irmandades. O próprio uso dos símbolos católicos dependia em larga escala desses grupos rurais.

Para Alba Zaluar, qualquer local possuía um padroeiro que poderia ser escolhido pela Igreja oficial e, consequentemente, sofreria a concorrência do santo local escolhido pelo povo como seu defensor. “Corriam estórias acerca de como um santo, ou sua imagem, havia passado a centralizar a devoção dos habitantes do local ou de áreas mais extensas”.2 Em outras situações, “essas estórias diziam respeito a imagens que foram achadas ou a aparições dos

1 Cf. FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Formação da família brasileira sob o regime patriarcal. São

Paulo: Global, 2004.

2 ZALUAR, Alba. Os homens de Deus: um estudo dos santos e das festas no catolicismo popular. Rio de Janeiro:

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santos a alguém no local onde depois se construiu a cidade”.3 No caso do Senhor Bom Jesus da Cana Verde, na versão mais difundida sobre a história do santo, a imagem teria sido esculpida por Aleijadinho ou um de seus discípulos. A origem dessa imagem seria do interior do Estado de São Paulo, mais precisamente da cidade de Itapetininga, e posteriormente chegou ao Estado do Paraná, no Patrimônio dos Murzilhos, na década de 1880. A data em que foi esculpida a imagem do Bom Jesus é impossível de se comprovar, contudo deveria ser bastante antiga, pois, a capelinha construída na cidade de Itapetininga, conforme contam os antigos, teria em torno de uns 200 anos. O título dado ao santo (Cana Verde) deveria ter vindo de Minas Gerais, assim como a imagem, mais precisamente da cidade de Ouro Preto, pois ali se encontra na Igreja de Nossa Senhora do Monte Carmo, um altar dedicado ao Senhor Bom Jesus da Cana Verde (invocação de São Caetano); a Varanda de Pilatos (invocação de Nosso Senhor da Piedade); e a de Nossa Senhora do Rosário (Capela do Padre Faria) onde também se encontra um altar em homenagem ao Senhor Bom Jesus da Cana Verde. Outra versão, relacionada ao imaginário popular, nos mostra que a imagem do santo veio de uma fazenda denominada “Cana Verde”, na Pescaria, região de Itapetininga.

A investigação feita por Joaquim Vicente de Souza e frei Gabrielângelo Caramore constatou que a imagem do Bom Jesus veio mesmo de uma fazenda chamada Cana Verde. No entanto, não foi constatado pelos autores da história do Bom Jesus o nome de nenhuma fazenda denominada com esse título. Defendem Souza e Caramore que a imagem do santo deu origem e sentido ao local e, assim, com a retirada da mesma, o espaço perdeu a razão de

3 DONALD, Pierson. O homem do Vale do São Francisco. Rio de Janeiro: Superintendência do Vale do São

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existir4. Imaginavam Souza e Caramore que a sede da fazenda fosse ao lado da capela, pois nesse local existia uma velha moradia. As terras pertencentes à fazenda Cana Verde, na região de Itapetininga, foram distribuídas pela política de sesmaria do Governo Federal. Logo após, as terras foram doadas pela Igreja à população local. O que corrobora essa informação é o fato de “uma porção de terreno [foi] doada ao santo e que após, certo redoava-se à população, ante o desinteresse urbanístico a que ficara dado o lugar com a retirada da imagem e conseqüente desesperança de ir avante o nascente povoado”. 5

O aparecimento do Senhor Bom Jesus no Norte Pioneiro6 se deu no tempo do senhor de escravos e proprietário de terras, Antônio de Paula de Oliveira Pinto. Antônio de Paulo era pai do capitão Francisco de Oliveira Pinto e proprietário das terras no Patrimônio dos Murzilhos, denominado depois da chegada da imagem como Arraial Bom Jesus dos Pintos. Foi com um escravo de Antônio de Paula que ocorreram as histórias em torno do Bom Jesus. Uma das várias versões sobre a origem do santo diz que : Antônio de Paula de Oliveira Pinto era proprietário de uma grande extensão de terras então trabalhada por mão de obra escrava. No entanto, um de seus escravos, com nome Vicente, houvera de se refugiar na mata devido a uma transgressão cometida. Passado certo período, se empenhou em esculpir uma imagem de “são bão jisuis” para o seu senhor em troca de sua alforria. Ao ver a imagem do santo, o senhor Antônio de Paula Oliveira Pinto lhe disse: “Come e bebe à vontade durante toda a tua

4 SOUZA, Joaquim Vicente de. A História do santo. Senhor Bom Jesus da Cana Verde. Siqueira Campos:

Paróquia do Divino Espírito Santo; 1967, p. 14-15.

5 SOUZA, Joaquim Vicente de. A história do santo: Senhor Bom Jesus da Cana Verde. Siqueira Campos:

Paróquia do Divino Espírito Santo; 1967, p. 14-16.

6 A região denominada “Norte Pioneiro” pelos colonizadores e desbravadores de sertão já era habitada por índios

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vida e não precisa mais trabalhar!” Antônio de Paula tomou posse da imagem e construiu uma capela para o Senhor Bom Jesus doando uma vasta quantidade de terra para o santo. 7

Outra história sobre a origem do Bom Jesus se deu em torno do delito cometido pelo negro escravo e, após, o mesmo teria fugido para a mata selvagem. Encontraram o negro morto depois de uns 15 dias ao lado de uma imagem de madeira. Sem sinais de decomposição e mau cheiro, o senhor se arrependeu das chibatadas deferidas contra o negro, mandou ilustrar a imagem e a levou para o sertão.8 Uma terceira versão conta que o negro, após dormir no mato, ao acordar encontrou a imagem do Bom Jesus com a qual retornou para a fazenda e a entregou para o seu senhor. Desse modo, o negro foi recebido com festa na “Casa Grande” e foi perdoado. Outra lenda conta que o senhor maltratava muito o negro escravo, fazendo-o moer cana no engenho no lugar dos animais, assim, o negro fugiu para o mato e esculpiu a imagem para o seu senhor em busca de sua alforria. 9

Outro registro sobre a origem do santo se deu em torno do filho de Antônio de Paula, o capitão Francisco de Oliveira Pinto, conhecido por “Chico Pinto”. Esse fazendeiro possuía terras na região de Itapetininga, e com isso trocou por uma fazenda que possuía a imagem do santo. Este exigiu que a mesma ficasse em seu lugar de morada e, mais tarde, trouxe -a para a região dos Murzilhos. Outra opinião comunga que “Chico Pinto” havia trocado uma porção de terras, na região conhecida como Santa Bárbara, por outra aonde mais tarde seria o Patrimônio denominado de Bom Jesus dos Pintos.10 Para os autores da história oficial do Senhor Bom Jesus, a imagem do santo poderia ter sido esculpida por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. O mestre teria sido escultor e santeiro, tendo se revelado no difícil gênero da

7IdemIbidem, p. 5-8. 8Idem, p. 6.

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estatuária e vários eram seus discípulos e colaboradores. Portanto, os autores alegam que é difícil o reconhecimento das sua s obras, já que estão espalhadas por Minas Gerais e outros Estados brasileiros. 11

Seguindo essa versão, não é desarvorada a hipótese de que foi um escravo quem esculpiu a imagem do santo. Sabendo-se que possuía o Aleijadinho alguns negros escravos, tais como: Maurício, Agostinho e Januário. Ou seus filhos e netos que poderiam ter perfeitamente aprendido a bela arte com seu pai ou avô. Essas supostas histórias dos autores Joaquim Vicente de Souza e frei Gabrielângelo Caramore nos dizem: “foi o próprio Aleijadinho que, vendo uns belíssimos riscos de plantas arquitetônicas de seu pai, desabafou -‘Até um escravo poderá fazer isso. Até um escravo pode desde que seja livre por dentro’”. 12

Outra afirmação diz que o negro escravo ansiando pela liberdade fugiu de seu senhor e foi se esconder no sertão. Foragido por muito tempo, o negro temia ser descoberto pelos capitães do mato e ser levado ao seu senhor, e assim castigado. Por outro lado, a situação do escravo fugitivo não poderia perdurar por longo tempo, já que ninguém lhe oferecia comida por ser um escravo foragido13. Assim, a busca pela liberdade estava restrita a uma mata fechada.

Era angustiosa a situação do escravo, pois, o castigo corporal por meio da chibata, acaso retornasse para a casa do seu amo, lhe aguardava. Um cérebro torturado diante da situação. No entanto, surgiu uma luz que viria redimi- lo de todas as culpas. A família do seu senhor era católica, e procurando a absolvição dos seus pecados, o negro resolveu esculpir a imagem do santo. Com um pedaço de madeira o negro talhou-a criando uma rústica imagem do Senhor Bom Jesus. Destarte, a rústica imagem talhada em madeira pelo escravo não seria

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suficiente para que o patrão lhe perdoasse. Desse modo, o escravo teve a brilhante idéia de construir uma história milagrosa em torno da imagem de madeira com o intuito de sensibilizar a família do seu senhor. Ao voltar à fazenda, o escravo relatou ao seu senhor que havia seguido a luz entre as árvores e, de repente, aparecia-lhe uma estranha visão. Encontrou no local um barro que lhe serviu para criar uma imagem do Senhor Bom Jesus. Ao finalizar sua obra, o barro partiu ao meio inexplicavelmente. Após o acontecido, o escravo procurou dormir com o objetivo de na manhã seguinte recomeçar o trabalho. No entanto, um milagre ocorreu. Quando os primeiros albores da manhã convidavam os pássaros à orquestração maravilhosa da floresta, acabou tendo ao lado uma imagem de madeira, semelhante ao que pretendera fazer no barro.

Segundo os autores da história do Bom Jesus, a versão positivista sobre a origem do santo diz que essa imagem foi comprada em alguma casa de comércio de relíquia ou estatuária nalgumas das cidades de Minas Gerais. E, após o misticismo simples da devoção popular que a cercou de lendas, aconteceu o que comumente acontece com quase todas as imagens veneradas que não possuem documentos históricos, isto é, contos e causas fantasmagóricas acerca da história do santo.14 Ao mesmo tempo em que se desenvolvia o culto popular em torno do Bom Jesus, o espaço geográfico denominado Norte Pioneiro começava a ser ocupado. Isso ocorreu no final do século XIX e início do século XX. Para Zaluar, todas as associações religiosas do interior do Brasil foram perdendo importância nos espaços aonde os municípios tiveram seus núcleos urbanos desenvolvidos, pois, nesses locais a influência e controle da Igreja e do clero determinam tanto quem serão os santos de devoção, quanto à

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composição e a direção das irmandades.15 O surgimento dos núcleos urbanos locais, a introdução das novas práticas de produção no campo e o processo de romanização16 pelo qual passava a Igreja Católica nesse período fizeram com que a dinâmica do campo religioso viesse a ser alterada consubstancialmente. O primeiro pensador a relacionar o surgimento de cidades com os sistemas religiosos foi Fustel de Coulanges que, em sua Cidade Antiga, definiu a relação existente entre a religião e a organização social.17

*

A versão oficial da história do Senhor Bom Jesus da Cana Verde contribuiu para a construção de uma memória histórica ao redor dessa imagem. O Bom Jesus do oratório foi derrotado pelo Bom Jesus do altar, e legitimado pelo Código de Direito Canônico de 1917. Por meio da instrumentalização dessa imagem pelos donos do poder espiritual, ocorreu um monopólio dos bens simbólicos em torno da Igreja oficial. Concomitantemente, foi sendo criada uma história imaginária que escamoteou os conflitos que ocorreram ao redor do Bom Jesus. A festa, a história, o poder simbólico, a romaria e a devoção a esse santo contribuiu para o progresso e desenvolvimento do município de Siqueira Campos.

A ideologia cristã do Ocidente medieval moldou o pensamento dos donos do poder simbólico na região norte paranaense. A formação dessa cultura foi um instrumento de poder e de legitimação da ordem vigente. Isso acarretou em disputas entre dois campos sócio -culturais distintos: o catolicismo oficial (urbano) e o catolicismo popular (rural). Nosso objetivo foi

15 Cf. ZALUAR, Idem p. 61.

16 Processo que teve início a partir de 1840. Dirigido pela Igreja e pela hierarquia eclesiástica, tinha como

objetivo a desvinculação da Coroa luso-brasileira e submetê-la a Santa Sé. Esse período passou por três momentos: a reforma católica, a reorganização eclesiástica e a restauração católica.

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compreender a cultura do catolicismo oficial ligada à Igreja-Matriz de Siqueira Campos enquanto estrutura estruturante. Também por meio da teoria marxista, foi possível salientar as alegorias e os sistemas simbólicos ao redor do Bom Jesus, pois as condições econômicas e políticas do Norte Pioneiro trouxeram a reprodução e a transformação da estrutura social e religiosa. Compreender a dimensão religiosa, política, econômica e social ao redor do Bom Jesus, contextualizando esse conflito religioso no espaço e no tempo.

Os fatores religiosos, políticos e ideológicos tiveram lugar de peso na abordagem da história do Bom Jesus. Pois, foi o pensador francês Pierre Bourdieu quem retificou a teoria do consenso por uma concepção teórica capaz de “revelar as condições materiais e institucionais que presidem à criação e à transformação de aparelhos de produção simbólico cujos bens deixam de ser vistos como meros aparelhos de comunicação e de conhecimento”.18 Nessa

vertente, o movimento religioso em torno do Bom Jesus não foi restrito, fechado e autônomo. Suas práticas só puderam ser compreendidas em meio às lutas dos grupos de agentes cujos interesses materiais e simbólicos tornaram o campo religioso na região dinâmico e conflituoso. O esbulho da imagem do Bom Jesus da família Pinto e a expropriação de suas posses de terras só foi possível por meio das transformações a que estava passando a sociedade. A contribuição de Max Weber “encaminha-se no sentido de privilegiar o exame das condições econômicas e políticas que presidem à formação de aparelhos de produção simbólica institucionalizados, como por exemplo, no caso dos estudos de sociologia religiosa”.19 Em Antônio Gramsci, podemos perceber “as oscilações entre a recusa do que considera materialismo ‘mecânico’ ou

18 Cf. MICELI, Sérgio. A força do sentido. Em: BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São

Paulo: Perspectiva; 2005, p. XII.

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‘fatalista’ e a tentativa de livrar-se de uma concepção voluntarista do processo histórico em que os fatores políticos e ideológicos teriam lugar de peso”. 20

Segundo Pierre Bourdieu, as transformações sociais, econômicas e religiosas devem ser “capaz de lhes fornecer justificativas de existir tal como existem, isto é, em uma determinada posição social”.21 Dessa maneira, o sentido da religião é social e fornece, segundo o autor, “justificativas sociais de existir enquanto ocupantes de uma determinada posição na estrutura social”.22 As demandas de legitimação da ordem estabelecida são próprias das classes privilegiadas, por outro lado, o discurso religioso deve contemplar as “demandas de compensação próprias das classes desfavorecidas que se funda na promessa de salvação do sofrimento”.23 Para Weber, a função da legitimação do poder simbólico encontra na burocracia

política o seu maior aliado, pois, a burocracia, tanto eclesiástica quanto secular, despreza a irracionalidade religiosa e, dessa forma, ela pode ser utilizada como meio de domesticação. 24 A “história e a representação” de Roger Chartier têm duas noções centrais: 1) apropriação – que define o consumo cultural como uma operação de produção que embora não fabrique nenhum objeto, assinala a sua presença a partir de maneiras de utilizar os produtos que lhe são impostos. Tomada de empréstimo de Michel de Certeau; 2) representação – designar o modo pelo qual em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade é construída, pensada e dada a ler por diferentes grupos sociais. A construção das identidades sociais seria o resultado de uma relação de força entre as representações impostas por aqueles que têm poder de classificar e de nomear e a definição submetida ou resistente, que cada

20Idem.

21 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva; 2005, p. 86. 22IdemIbidem.

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comunidade produz de si mesma. O autor busca a história das interpretações, a maneira pela qual os indivíduos e a sociedade concebem (representam) a realidade e de como essa concepção orienta suas práticas sociais. Os discursos historiográficos são determinados pelos interesses dos grupos dominantes.

A representação em Peter Burke destaca o papel ativo da imaginação. Em “A fabricação do rei”, buscou compreender como o rei contribuiu para a criação de uma imagem ideal de si mesmo e como ela ajudava a manter o poder da monarquia. Além de representar a si mesmo, o rei era assim representado em muitas esculturas e pinturas. O historiador italiano Carlo Ginzburg procurou evitar a redução completa da história à ciência. Valorizando o mental na produção do social e recuperando o sentido inicial da palavra história, de algo que é narrado e contado. Para Ginzburg, é preciso retomar Marx e a luta de classes para conseguirmos pensar o que pensam os homens. Uma ligação entre a história nova (mental) e uma abordagem das relações sociais estudadas por Marx. Para Marx, “o mundo religioso é o reflexo do mundo real”. 25

Na região do conflito pela posse do Bom Jesus ocorreu uma dialética entre o aparecer e o desaparecer. O aparecer do fenômeno religioso em torno do Bom Jesus de propriedade da família Pinto, e o seu conseqüente desaparecer em detrimento das paróquias locais e da Diocese de Jacarezinho, intimamente ligado ao surgimento dos núcleos urbanos. Assim foi criada uma cadeia de ilusões em torno da imagem desse santo. O abandono do Arraial dos Pintos nos faz lembrar o tema hegeliano da reflexão melancólica do espírito ao co ntemplar

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ruínas de civilizações extintas. Entretanto, o fotógrafo tornou-se o arqueólogo do contemporâneo. 26

**

A imagem e a alegoria em torno do Bom Jesus foi a mais antiga representação em Portugal, esculpida em madeira com um Cristo crucificado em tama nho natural. É possível enquadrar essa imagem na transição do romântico para o gótico, entre os primeiros anos do século XII e último do século XIV. A origem deste símbolo é lendária e está profundamente enraizada na tradição popular. Na versão popular, o autor da imagem é Nicodemos, personagem bíblico que, com a ajuda de José de Arimatéia, retirou Cristo da cruz e o colocou no santo sepulcro. Impressionado com os acontecimentos que presenciou, e porque também era bastante dotado para o trabalho em madeira, Nicodemos resolveu esculpir diversas imagens de Cristo crucificado, sendo auxiliado nesse trabalho pela importância de possuir o santo sudário – o tecido que, por ter envolvido o ensangüentado corpo de Cristo, reproduzia fielmente a imagem e as feições de Jesus.27 Essas imagens não permanecerão, contudo, muito tempo na sua posse. Sendo comprometedores indícios face às perseguições de que os cristãos são vítimas por parte dos judeus e romanos, Desse modo, Nicodemos lançou as suas imagens às águas do Mediterrâneo. A mais bela e perfeita de todas, a que melhor reproduziu a face de Cristo – por sinal a primeira que havia sido esculpida – depois de cruzar o estreito de Gibraltar e sulcado o Atlântico junto às costas portuguesas, acabou por ser depositada pelas águas na praia do Espinheiro, junto ao lugar de Matosinhos.

26 Cf., FOOT HARDMAN, Francisco. Trem fantasma – a modernidade na silva. São Paulo: Companhia das

Letras, 1998.

27 Padre Carlos Antônio da Silva, Arautos do Evangelho, Setembro de 2004, p. 12-13. Fonte: Museu histórico de

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Segundo a lenda, era três de maio do ano 124. 28 Recolhida a imagem na praia pela população, constatou-se que lhe faltava um dos braços. No local não se encontrou o membro em falta e, por muitos braços que se tenham mandado fazer aos melhores artífices, nenhum encaixava de forma perfeita no ombro amputado. E assim, resignados, deixam ficar a imagem resguardada no Mosteiro de Bouças, localizado não muito longe do seu aparecimento. Até que cinqüenta anos depois, na praia, uma pobre mulher recolhe lenha. De regresso a casa observa estupefata, que um grande pedaço de madeira teima em, milagrosamente, saltar do fogo sempre que para ele era lançado. Milagre reforçado por ter sido uma jovem filha a indicar à mãe que a lenha em questão era o membro ausente na imagem do Senhor guardado no Mosteiro de Bouças. Fato que em si não encerraria nada de especial não fosse a circunstância de, até aquele momento, a miúda ter sido surda-muda de nascença. 29 Rapidamente aplicado

no crucifixo, de imediato se constatou estar em presença do braço até aí extraviado. Começava assim a veneração desta imagem que, desde muito cedo, fez rumar a Bouças e, depois da sua transferência no século XVI para a nova Igreja, a Matosinhos, inúmeros peregrinos e romeiros fascinados com a fama crescente dos seus milagres que, desde então, não deixavam de se multiplicar. Independentemente da lenda, a referência histórica e documental mais antiga, até agora conhecida, à imagem e à devoção que lhe está associada data de 1342. 30

Rubem César Fernandes pesquisou o santuário do Senhor Bom Jesus de Pirapora abordando o romeiro e sua devoção por meio das viagens, romaria e devoções em torno do Bom Jesus. A partir da romaria, o autor discutiu os vários conceitos referentes ao tema e a religião em geral. A religião, a magia, a festa e a oposição entre o sagrado e o profano. Os

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romeiros do Bom Jesus foram construindo um espaço sagrado em torno da imagem do santo. Para esse autor, as romarias qualificaram o espaço sagrado em torno do Bom Jesus.31 Os livrinhos distribuídos pelo vigário do Santuário do Bom Jesus de Pirapora estão carregados de lendas em torno desse santo. Esta imagem teria sido achada num rio e um fazendeiro ao encontrá-la, guardou-a num paiol de milho, coberto de palha. No entanto, um incêndio destruiu o paiol e o milho, nada restando à imagem do Bom Jesus. Ao levarem a misteriosa imagem para a Igreja-Matriz em um carro de boi, os mesmos não conseguiam puxar a carroça. Foi aí que um “mudo” começou a falar: “Deixem uma muda só e voltem para Pirapora”. 32

Um problema enfrentado pela Ciência Social está em mediar suas abordagens de longa duração e a Igreja Católica de espírito globalizante com fatos regionais. Em “O sertão da romaria” Carlos Alberto Steil utilizou a ligação que há entre o catolicismo oficial e universal e a romaria ao santuário do Senhor Bom Jesus da Lapa, na Bahia.33 A teoria não tirou o brilho e o fluir da narrativa de Steil e muito menos alguns temas debatidos na historiografia contemporânea em forma de antinomias, tais como: oralidade e escrita; Igreja Católica e religiosidade popular; tradição e modernidade entre outras. O santuário do Bom Jesus foi apresentado pelo autor como sendo um lugar de múltiplos outros, o autor, assim, entrou na forma tradicional e a reinventou numa dimensão pluralista e aberta. O santuário do Senhor Bom Jesus da Lapa surgiu no século XVII, e esse fenômeno passou a ser reinventado em diferentes momentos pelos sujeitos religiosos. O autor abordou a forma de interpretar o mundo do romeiro com significados e experiências religiosas.

31 Cf. FERNANDES, Rubem César. Os cavaleiros do Bom Jesus: uma introdução às religiões populares. São

Paulo: Brasiliense, 1982.

32IdemIbidem, p. 10.

33 STEIL, Carlos Alberto. O sertão da romaria: u m estudo antropológico sobre o santuário de Bom Jesus da Lapa

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Em seu estudo sobre a religião popular, Carlos Rodrigues Brandão constatou um erro de conceitualização de cultura popular. Originando-se da relação entre o observador e aquilo que ele concebe como sendo cultura popular. O autor se aproximou da cultura popular com a qual ele próprio descreveu e analisou ao mesmo tempo em que se opôs à cultura erudita. Para o antropólogo,34 a melhor maneira para se compreender a religiosidade popular é estudando-a. Só assim ela irá aparecer viva e multicultural, em constante luta pela sobrevivência, ora pela autonomia e em meio a confrontos entre o sagrado e o profano, e “entre o domínio erudito dos dominantes e o domínio popular dos subalternos”. 35 A religiosidade popular tem tido falta de atenção em estudos que abordam as classes sociais do Brasil. A religião contamina o centro da vida social dos sujeitos históricos. Para Alba Zaluar, a religião é um fenômeno que serve para explicar a coletividade e as razões dela existir. O processo de romanização, racionalização e laicização fazem com que ocorra uma ruptura entre os operários de indústria e os camponeses bóias-frias. Porém, a própria religião serve como denominador comum para compreensão desta sociedade de indivíduos. 36

Luis Roberto Benedetti escreveu a história da Igreja Católica de uma dada formação social no espaço e no tempo que, tornou um criativo trabalho articulado na escrita da história que pode ser refletida sob o olhar conjunto da política e da religião. De um lado os senhores que se reuniram em torno de um deus estabelecido, institucional e oficial e as pessoas que se

34 Cf. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Os deuses do povo: um estudo sobre a religião popular. Uberlândia:

EDUFU; 2007, p. 19.

35IdemIbidem, p. 19.

36 Cf. ZALUAR, Alba. Os homens de deus: um estudo dos santos e das festas no catolicismo popular. Rio de

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reuniram em torno de um santo nômade, ligado aos escravos, aos colonos, aos camponeses e aos operários. 37

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A religiosidade popular no Brasil formou-se sob uma colcha de retalhos. Cada região possuía suas especificidades particulares em torno do catolicismo popular. Diferenças regionais relevantes e variadas tradições, disputas simbólicas e doutrinas, construção de igrejas, capelas, oratórios e santos de beira de estrada. Diante desta riqueza cultural que apresenta o país, torna-se imprescindível a opção por um objeto de estudo que não perca o fio e os rastros A metodologia deste trabalho ocorreu por meio de três considerações: 1) a instauração dos fatos com a reconstituição do passado por meio de fontes primárias e secundárias; 2) prosseguimento dos fatos em ordem cronológica; 3) análise dos fatos e sentido da história.

Através das pesquisas em arquivos públicos, tais como a Biblioteca Pública do Paraná, foi possível encontrar a reportagem da Gazeta do Povo após 15 dias de pesquisa em mimeógrafo. Esse jornal cobriu o conflito religioso que ocorreu lá no Patrimônio dos Murzilhos em 1933. Entretanto, foi difícil encontrar essa notícia, pois, além de não saber em que jornal havia sido noticiado o fato, outro problema foi saber a data. O conflito havia acontecido no dia 26 de abril, porém a notícia chegou à capital do Estado paranaense no dia 29 de junho daquele ano.

No Arquivo Público do Estado do Paraná foi possível encontrar as leis referentes ao Departamento de Terras do Estado do Paraná. As posses de terra dos grileiros e posseiros no espaço geográfico denominado Norte Pioneiro foram “reguladas” pelo Departamento de

37 Cf. BENEDETTI, Luis Roberto. Os santos nômades e o deus estabelecido: um estudo sobre religião e

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Terras que, freqüentemente concedia grandes levas de terra aos aliados políticos locais. Outra fonte utilizada diz respeito à reportagem do jornal Folha de Londrina, no ano de 1981. A matéria do jornal entrevistou o sobrinho de José Pinto de Oliveira, que aos setenta anos de idade dizia ao repórter da Folha que havia se tornado herdeiro de nada. Após analisar a reportagem da Gazeta do Povo e da Folha de Londrina, o passo seguinte foi encontrar o processo por “esbulho” da imagem desse santo.

No entanto, com a divisão municipal ocorrida no Estado do Paraná em 1948, foi difícil saber aonde havia ocorrido o julgamento deste processo. Após várias pesquisas nos arquivos dos municípios do Norte Pioneiro, fui informado que o processo estava para ser incinerado no Fórum da cidade de Wenceslau Bráz. Foi necessário fazer três viagens de São Paulo ao Paraná até obter uma cópia do processo que, após os esforços da Coordenadora do Museu Histórico de Siqueira Campos, Maria da Graça, hoje se encontra no arquivo deste município. Alguns meses após o encerramento desse processo, o herdeiro da ima gem do Bom Jesus veio a falecer no dia 29 de novembro de 1933. Contudo, foi imprescindível encontrar a certidão de óbito desse personagem. Após realizar uma busca pelos cartórios da região, fui informado por meu amigo Bira, numa dessas conversas de botequim, que na cidade de Salto do Itararé, na época Distrito de São José da Boa Vista, já havia cartório e lá poderia ter sido registrada a certidão de óbito de José Pinto de Oliveira. Porém levo u semanas para encontrá-la, pois, o sobrinho de José Pinto de Oliveira havia registrado a certidão de óbito de seu tio no dia 19/2/1935, quinze meses após a morte de seu tio.

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Histórico de Siqueira Campos ainda aguardava o microfilme da Cinemateca do Museu Guido Viaro, em Curitiba, para que fosse lançado oficialmente um DVD, que hoje é vendido pela Paróquia do Divino Espírito em Siqueira Campos. Outra fonte relevante para a nossa pesquisa foram os registros dos vigários das paróquias da região, o chamado Livro Tombo. O acesso só ocorreu após seis anos de tentativas na paróquia da ex- Colônia Mineira. No entanto, registramos que foram subtraídas desse livro justamente as páginas relativas ao período em que se deram os conflitos que causaram a morte de duas pessoas e o esbulho da imagem do Bom Jesus. A versão oficial dos fatos encontra-se nos livros escritos por Joaquim Vicente de Souza e frei Gabrielângelo Caramore, historiadores locais. Os atores e autores do filme também contribuíram para a formação de uma memória histórica acerca do Bom Jesus. Destarte, reconhecemos os esforços destes personagens que contribuíram para a manutenção de uma história num mundo de incertezas e que vive num presenteísmo contínuo que nega o passado e a cultura de seu povo.

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Paulo, que faz divisa com o Estado do Paraná pelo rio Itararé. No entanto, o Distrito de Salto do Itararé foi incorporado ao município de Siq ueira Campos logo após o “esbulho” da imagem do Bom Jesus. Por ordem do interventor do Estado Manoel Ribas, Lei N° 19 de 17/10/1935, o Distrito de Salto ficou sob jurisdição da Comarca de Siqueira Campos.

A cidade de Siqueira Campos está situada no segundo planalto do norte paranaense, na região nordeste do Estado, limita-se ao norte com os municípios de Joaquim Távora e Carlópolis, ao noroeste com Quatiguá, a oeste com o município de Tomazina, ao sul com Wenceslau Bráz e Santana do Itararé, e a leste com o município de Salto do Itararé. Essa região era composta por núcleos urbanos que foram (re) ocupados por mineiros próximos dos rios Cinza , Itararé e Laranjinha, hoje designados: São José da Boa Vista em 1853, Siqueira Campos (ex – Colônia Mineira) em 1862, Tomazina (1865), Ribeirão Claro (ex Espírito Santo de Itararé) em 1875, Wenceslau Bráz (1867) e Salto do Itararé (ex – Passo dos Índios ) em 1935). Na segunda leva de “colonizadores” e “desbravadores” de sertão estão os paulistas, que também (re) ocuparam as terras “novas” do Paraná. Desse modo, outros núcleos urbanos foram sendo criados, tais como: Jacarezinho (ex – Nova Alcântara) no ano de 1888, Santo Antônio da Platina (1890), Carlópolis (ex – Jabotical) em 1900, Cambará (1904), Ibaiti (1909), Quatiguá (1909) e Joaquim Távora (1915).

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Uma imagem de madeira representando o Senhor Bom Jesus da Cana Verde que, por dezenas de anos, pertenceu ao fazendeiro Chico Pinto . Vindo do interior do Estado de São Paulo, mais precisamente da cidade de Itapetininga, instalou-se na região acima mencionada na década de 1880. Inserido num contexto mais amplo, foi marcado também por mudanças sociais e econômicas a partir da introdução do capitalismo no campo. No final do século XIX, a influência da Igreja Católica no Brasil perdeu forças com a Proclamação da República, quando ocorreu a secularização do Estado. Foi um momento de transformação política, social e econômica em que a classe senhorial dominante perdia espaço para uma nova classe, a burguesia.

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No segundo capítulo O Norte Pioneiro para além do espaço geográfico, o Bom Jesus será analisado no contexto geopolítico do Paraná . É o período pós-Contestado e os olhos da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), assim como dos chefes políticos do Estado, estava m voltados para essa região. O Norte Pioneiro desponta no cenário político e econômico com sua lavoura de café. A cidade de Siqueira Campos é um dos municípios mais importantes nesse momento, já que ali havia grande extração de carvão minera, além da produção de café, o que contribuiu para a construção do ramal - Rede Viária Paraná Santa Catarina (RVPRSC) que se encontrava em seu território (Cf. anexo 5, p. 192).

A “expropriação” da imagem do Bom Jesus, concomitantemente ao surgimento das cidades, dos núcleos urbanos e expulsão de jagunços e posseiros que havia no meio rural paranaense, ocorria numa via de mão dupla. De um lado o catolicismo popular híbrido e multicultural, de outro o catolicismo oficial, racional e dogmático. Desenvolvido no mundo cultural europeu, o catolicismo oficial e clerical tentou impor no Brasil uma ordem natural das coisas. Com a conseqüente perda do poder simbólico, a Igreja Católica se viu obrigada a se reorganizar para continuar sendo a Instituição oficial do país. Isso incluía a “expropriação” de todos os bens simbólicos das mãos de populares e leigos. No entanto, a cultura popular continuou através dos tempos, isto é, para a própria Igreja oficial seria interessante reconhecer o culto popular, pois, desse modo, conseguiria legitimidade e apoio das “massas” para voltar com força total e ser a religião oficial do Brasil na década de 1930.

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CAPÍTULO 1

Espaço geográfico e conflitos em

torno da imagem do Bom Jesus da

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CAPITULO 1 - ESPAÇO GEOGRÁFICO E CONFLITOS EM TORNO DA

IMAGEM DO BOM JESUS DA CANA VERDE

INTRODUÇÃO

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1. 1. O Senhor Bom Jesus e a (re) ocupação do “Norte Velho” do Paraná -

o Patrimônio dos Murzilhos

Os novos ocupantes oriundos das Minas Gerais e de São Paulo chegaram à região hoje denominada Norte Pioneiro, transpondo o rio Itararé e com objetivo de explorar as novas terras economicamente. Primeiramente a agricultura e a pecuária suína, e num segundo momento, voltados para o cultivo do café. O deslocamento se deu com toda a família e dependentes. Foi nesse contexto que a família Pinto se transferiu para o Norte Pioneiro. Atravessando o rio Paranapanema e trazendo seus pertences e a imagem do Bom Jesus em um carro de boi. Chegando ao local, os moradores da circunvizinhança carregaram a imagem do santo até atingirem a barranca do rio Itararé, no Passo dos Índios, mais tarde Distrito de Salto do Itararé, Comarca de São José da Boa Vista, no Estado do Paraná. Os novo s ocupantes atravessaram o rio com uma balsa antiga guiada pelos índios. Ao chegarem à outra margem do rio, no Estado do Paraná, o povoado recebeu essa imagem acompanhado-a com reza, procissão e devoção.

E assim passaram pelo Passo do Alemão, até chegarem ao sítio de João Antônio Pereira, onde ficou abrigada a imagem do santo, até a família Pinto construir a dois quilômetros do lado de lá do Ribeirão da Cachoeira, na Fazenda dos Murzilhos, um paiolão para morar, quando, ao lado deste, em meia-água, cercada e coberta com casca de peroba, construíram uma capelinha, ou um oratório, que foi a primeira “morada” do Senhor Bom Jesus em terras paranaenses.38 Mais tarde, o capitão Francisco de Oliveira Pinto edificou para o santo uma capela no sítio que passou a se chamar Arraial dos Pintos. Isso aconteceu em 1886. Com a capela, Chico Pinto construiu um “Patrimônio ” de 35 alque ires de terra em benefício

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do santo. Ali ficou por muitos anos a Imagem do Senhor Bom Jesus recebendo a veneração dos fiéis e devotos de todas as cercanias e das mais distantes paragens, que para ali acorriam para buscar graças ou a agradecê- las ao Senhor Bom Jesus. 39

Em Santo Antônio do Aracanguá, a 600 km de São Paulo, a noventa e nove anos o casal Thomaz Sebastião de Mendonça e Amélia Felício de Mendonça deixou uma herança, em 22/2/1919, as terras das glebas que hoje formou a cidade. O casal havia doado 24 alqueires de sua fazenda para o santo durante a batalha entre os bandeirantes e os índios. Após a elevação do vilarejo, Aracanguá recebeu o nome de Santo Antônio, em homenagem ao santo. A emancipação do município só ocorreu no ano de 1993, porém, somente 20% dos moradores possuem escritura de suas propriedads. Esse grupo de pessoas comprou as terras do bispo que cedeu as escrituras. Em julho de 2007, a prefeitura de Santo Antônio do Aracanguá obteve da Igreja legalmente os direitos sobre as terras em benefício dos moradores. Desse modo, a cidade teve o santo como dono40. No Norte Pioneiro, desde o início da (re) ocupação o povo mineiro, de raízes e tradições católicas, conforme o vigário frei Bellino Maria de Treviso, na fé inquebrantável dos princípios da Igreja católica: “O mineiro não deixava de trazer juntamente com sua família e seus bens, o maior dos bens, que eram suas imagens religiosas, que viriam a dar coragem nas durezas do caminho e alento na solidão na sua nova terra”. 41

Desse modo, fazendeiros vindos das Minas Gerais começaram a (re) ocupar o “Norte Velho” paranaense. Dois motivos ocasionaram a vinda dessas famílias para o norte do Paraná: a decadência das minas de ouro no Estado de Minas Gerais e a Guerra do Paraguai que

39IdemIbidem.

40O Estado de S. Paulo, caderno cidades, 13 de junho de 2008, p. c12.

41 Livro Tombo Nº 1, Capela do Espírito Santo da Colônia Mineira, Siqueira Campos – PR, 1901-1967, p.

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poderia possibilitar o alistamento militar.42 Assim, o deslocamento desses colonizadores e dessas famílias se deu por instintos de fundadores e desbravadores de matas selvagens. As terras eram férteis, com abundância de água e próprias para o cultivo do café, da cana e do fumo, também foi propícia para a criação de suínos e bovinos. Entretanto, a desastrosa Guerra do Paraguai, transmitida oralmente de pais para filhos e netos, com bastante medo, os arrancou das suas propriedades, numa época “sem crise alguma da natureza [...] Eram famílias numerosas, com filharadas por casais, muitos deles em idade de recrutamento para ‘servirem de bucha de canhão’, conforme falavam...” 43

A Guerra contra o Paraguai contribuiu para esse deslocamento, pois o medo de alistamento militar era iminente. Homens se declaravam adeptos do Partido Liberal para serem protegidos pelos chefes políticos locais, refugiavam-se nas florestas e adentrando aos sertões, despovoava-se a região ao norte do país. “Mais tarde, Junqueira, o ministro da guerra, afirmou que muitos jovens, para não serem enviados ao Paraguai, casavam com mulheres que tinham o dobro da sua idade”.44 Uma das alternativas encontrada pelos mineiros foram as florestas rumo à Alta Sorocabana, e dali para o Paraná, entrando em constante conflito com os nativos da região, os indígenas. Tanto fazendeiros quanto caboclos entraram em combate contra esses índios, habitantes absolutos do sertão. Os primeiros “pioneiros” e “desbravadores” de sertão foram Joaquim José de Senes e Domiciano Corrêa Machado que, talvez tenham comprado

42 Cf.. MOM BEIG, Pierre. Ensaios de geografia humana brasileira. São Paulo: Martins Fontes; 1940, p. 133;

Ver também ABREU, Dióres Santos. Formação histórica de uma cidade pioneira paulista: Presidente Prudente. Presidente Prudente: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; 1972, p. 15-24.

43 SOUZA, Joaquim Vicente de. Minha Terra e Minha Gente

. História do município da Colônia Mineira e de Siqueira Campos. Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura, 1988, p. 22.

44 DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São

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terras junto ao sertanista Manoel Lopes. Instalaram-se na região próxima ao rio Itararé45 por volta de 1842-43, construindo um Patrimônio com o nome de São José do Cristianismo.

Outro erro é defender a colonização, pioneirismo, desbravamento de sertão e fundação de cidades a uma única pessoa, quando muito uma meia dúzia de pessoas como fundadores, pois apaga-se da memória os que foram vencidos sob a ótica do capital. Para o historiador Marc Ferro: “Hoje, mais do que nunca, a história é uma disputa. Certamente, controlar o passado sempre ajudou a dominar o presente...” 46 Com o início de um pequeno povoado chamado Colônia dos Mineiros, alcunha dada pelo capitão Francisco José de Almeida Lopes, chefe político em São José da Boa Vista, começou a formação do núcleo urbano desse município que, a partir de 1937 veio a ser denominado Siqueira Campos. Para Souza: “A posse foi efetivada por diversas famílias oriundas de Santo Antônio do Machado, São José e Dores de Alfenas, São Francisco de Paula do Machadinho e São João Batista do Douradinho, lugares estes então situados a oeste das Minas Gerais”. 47

Para Mário Marcondes de Albuquerque, o contexto em que se apresentavam as lavouras de café fazia com que levas de pessoas se deslocassem das Minas Gerais. Tendo como objetivo o Norte do Paraná para desfrutarem do império da opulência, o país da “terra roxa”. “Eles já conheciam a passagem de Itararé, pois muitos eram os tropeiros que faziam as viagens para o extremo sul. Os homens de índole progressista e aventureira mexeram-se na cama de suas casas arquitetando a busca do ‘Eldorado... ’” 48 Assim se formaram os núcleos

45 “O rio Itararé nasce na Serra de Paranapiacaba, no Pico de Itapirapoan, desce, fazendo a divisa do Paraná com

São Paulo. No município de Ribeirão Claro se junta ao Panema, formando a Paranapanema.” SOUZA, Joaquim Vicente de. Minha Terra e Minha Gente (1988) p. 18.

46 FERRO, Marc. A história vigiada. São Paulo: Martins Fontes; 1989, p. 1. 47 SOUZA, Joaquim Vicente de. Minha Terra e Minha Gente (1988), p. 21.

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urbanos hoje conhecidos no Norte Pioneiro49. As formas de instalação desses núcleos foram descritas por Ana Yara Lopes, como sendo povoados que começaram a construção de um Patrimônio, sempre pelo chefe político local e que possuía as maiores quantidades de terra. Todavia, era escolhido o nome de um santo para designar o local. O doador imitava o gesto de todos os povoadores de sertões brasileiros e fel-o com duplo fim: atrair para a nova terra as “bênçãos do céu, em uma espécie de aliança com o padroeiro, e congregar ge nte em um ponto determinado, onde pudesse surgir povoação, servindo de apoio aquele punhado de homens, perdidos na solidão imensa”. 50

Desse modo, esse deslocamento para o “eldorado”, deixou claro quem eram as pessoas que estavam (re) ocupando as terras paranaenses. Para Albuquerque eram levas de pessoas que migravam para “edificarem um progresso movidos pelo ideal de todas as pessoas [...] Eram patrões que migraram para continuarem a serem proprietários de bens e aumentá-los dentro das regras de progresso de uma democracia ”.51 Portanto, a (re) ocupação do Norte Pioneiro do Paraná se deu por ideais ligados ao sistema mundial moderno. Nesse viés, “Domiciano Corrêa Machado, de família tradicional mineira, veio para a nova terra que comprou acompanhado da família e de escravos, para fundar São José do Cristianismo ”.52 Assim se deram os casos de Tomazina, que foi fundada pelo major Joaquim Tomaz Pereira da Silva e o da família dos Alcântara, que fundou Jacarezinho.

49 Cf. TOMAZI, Nelson Dácio. Norte do Paraná: histórias e fantasmagorias. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2000. 50 LOPES, Ana Yara Paulino. Pioneiros do capital: a colonização do norte do Paraná. São Paulo, 1982.

Dissertação (Mestrado) – Departamento de Ciências Sociais, Universidade de São Paulo, p. 40.

Para Alba Zaluar “o catolicismo popular é uma religião voltada para a vida aqui na Terra. Nesse sentido, é uma religião prática...” ZALUAR, Alba. Os homens de Deus. Um estudo dos santos e das festas no catolicismo popular. Rio de Janeiro: Zahar; 1983, p. 13-4.

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Portanto, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, a imagem do Bom Jesus deu um sentido ao Patrimônio dos Murzilhos. O próprio local passou a ser denominado como Arraial dos Pintos pelos fiéis das paróquias locais do Norte Pioneiro. Foi edificado um pequeno oratório que abrigou a imagem do Bom Jesus e passou a ser cultuado ali a imagem. A partir do falecimento do fazendeiro Chico Pinto, no ano de 1902, começou um processo de configuração e reconfiguração do campo religioso no espaço e no tempo. Essa nova configuração do campo relig ioso terminou co m a hegemonia da Igreja-Matriz de Siqueira Campos, logo após a “expropriação” do santo. Vários fatores contribuíram para que a Igreja oficial viesse a ser um dos aparelhos mais importantes do Norte Pioneiro. No entanto, o passado da família Pinto foi destruído e a história do Bom Jesus alterada.

1.2. O esbulho de uma imagem religiosa

Graves ocorrências foram verificadas no Patrimônio dos Murzilhos no dia 26 de abril de 1933. O conflito armado foi motivo de noticiário da época.53 As desavenças em torno de uma imagem talhada em madeira por um escravo simbolizando o Bom Jesus. Um sério tiroteio ocasionou a morte do negociante João Moreira no dia 26 de abril do corrente ano. – Quem foi o responsável pelo crime?

A imagem do Bom Jesus encontrava-se há 40 anos numa capela que lhe foi construída pelo fazendeiro Chico Pinto. Zeca Pinto, filho e herdeiro de Chico Pinto, vinha cuidando da imagem do santo. Com o passar do tempo, a romaria à capelinha do Senhor Bom Jesus

53Gazeta do Povo, Curitiba, quinta-feira, 29 de junho de 1933, p. 06. Fonte: Biblioteca Pública do Paraná,

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começou a acentuar cada vez mais, era uma movimentação de devotos que vinham de longe para fazer suas preces e pagar promessas ao santo tido como milagreiro. Entretanto, o vigário da paróquia de Salto do Itararé, padre Alfredo Simon, não via com bons olhos a idéia de um santo pertencente a um catolicismo popular e mantido numa capelinha. Por isso, procurou trazê- la para a Igreja que se encontrava sob sua jurisdição. Desse modo, o Bispo Diocesano de Jacarezinho, Dom Fernando Taddei, e, 1/6/1928, ordenou aos seus vigários a proibição inconteste de construção de qualquer Igreja, capela ou oratório. Ficavam submetidos ao Código de Direito Canônico. Ao acatar essas leis da Igreja Católica Apostólica Romana, devido às “transgressões” que havia na capela pertencente às irmandades leigas em torno do santo, o movimento religioso ali desenvolvido estava colidindo com os desejos do Bispo.

Portanto, a Diocese de Jacarezinho não reconhecia qualquer forma de culto fora da Igreja oficial. Ficava expressamente proibido qualquer tipo de festa, leilão, casamento e sepultura, e a “todos os vigários da Diocese que essa nossa Carta Circular seja lida por três domingos consecutivos à estação de missa paroquial e, depois de transcrita em livro competente, afixar na Sacristia da Matriz e de todas as Capelas”.54 Dessa forma, a determinação do Bispo Dom Fernando deveria ser acatada pelos vigários das paróquias locais. Também era vontade formal do Bispo que procuradores, zeladores, irmandades de beira de estrada, assim como paróquias locais pertencentes à Fregues ia de Jacarezinho lhe entregassem o dinheiro que estava nas mãos dos mesmos. Este direito da Igreja não poderia ser renunciado pela Igreja Católica, e o Bispo diocesano declarava que “conquanto não entregar o dito

54 Fernando Bispo de Jacarezinho, Livro Tombo nº. 1, Capela do Divino Espírito Santo da Colônia Mineira,

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dinheiro inteirinho, fica privado de recepção aos sacramentos e sujeitos a outras penas impostas pela Igreja contra os injustos detentores dos bens eclesiásticos”. 55

Conforme foi registrado pelo jornal Gazeta do Povo, no dia 26/41933, junto com José Pereira e Augusto Maia, que já haviam reunido em torno de 20 homens armados, o vigário do Distrito de Salto do Itararé se dirigiu para o Patrimônio dos Murzilhos. O delegado deste Distrito havia fornecido um guarda armado para acompanhar o sacerdote. Chegando ao Arraial dos Pintos não procuraram entendimento com Zeca Pinto. O grupo liderado pelo vigário Alfredo Simon estabeleceu um intenso tiroteio com a comunidade local e ao redor da capela do Bom Jesus, pois ali estava ocorrendo um protesto contra a retirada do santo. O comerciante João Moreira foi morto durante o conflito e Zeca Pinto, em conseqüência dos ferimentos que recebeu na perna, veio a falecer no dia 26 de novembro daquele ano, assim consta no registro de óbito feito por seu sobrinho, no ano de 1935, no Cartório de Registro Civil do Distrito de Salto do Itararé.

Na versão da Gazeta do Povo, “foi o Senhor Bom Jesus roubado ao seu antigo abrigo e transportado para a Igreja de Salto do Itararé, aonde continuou a romaria de crentes que faziam as suas orações aos pés da imagem milagrosa ”.56 Logo após a expropriação do santo , Antônio José Pereira, prefeito municipal de Siqueira Campos, agindo como advogado de Zeca Pinto iniciou uma ação por esbulho contra o zelador da Igreja de Salto do Itararé, Rodrigo de Carvalho. Desse modo, o Juiz de Direito de São José da Boa Vista, Augusto Guimarães Cortes, em 7/6/1933, proferiu sentença recorrendo ao Art. 506 do Código Civil Brasileiro, datado de 1919 que diz: um proprietário expropriado deve ser reintegrado de sua posse, a

55IdemIbidem, p. 52.

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partir do momento que o requerer, sem mesmo ouvir o autor da violação, e antes mesmo do ato da reintegração. 57

Para Clóvis Bevilaqua, o Código Civil Brasileiro ressaltava que, aquele que transgredir as Leis do Estado não merece proteção jurídica, pois a dispensou utilizando de seu próprio poder para se apropriar da propriedade privada alheia.58 Do mesmo modo, o artigo 372 do Código de Procuração Civil e Comercial priorizava , dessa forma, que o procurador seja reintegrado de sua posse indiciando o autor do esbulho. Assim, fez-se necessário justificar primeiro o fato da posse, segundo o do esbulho, e por último o de não ter se passado o prazo de ano e dia para a reintegração da posse. Para o professor Azevedo Marques essa procedência não prejudicava a estrutura do processo.59 No entanto, a decisão favorável a Zeca Pinto era

prévia, não tendo relação com a prova da ação principal.60 Ao Juiz não era lícito discutir a

conveniência da norma.61 Desse modo, o Juiz da Comarca de São José da Boa Vista deferiu nestes termos o pedido de “fl. 2, mandando passar incontinentemente o mandado requerido, citando-se, outrossim, a parte contrária para a primeira audiência que se seguir a citação, sob pena de revelia. Intima-se. São José da Boa Vista, 7/6/ 1933. Augusto Cortes”. 62

No decorrer dos acontecimentos, o delegado do Distrito de Salto do Itararé, José Barnabé, explicou-se sobre o fornecimento de um policial armado para acompanhar o grupo e o vigário nas cenas lamentáveis, que ocorreu no Patrimônio dos Muzilos durante o seqüestro da imagem do santo. Também o vigário, padre Alfredo Simon, deu explicações por ter

57 Cf. Art. 506 do Código de Direito Civil Brasileiro de 1919.

58 Cf. BEVILAQUA, Clóvis. “Código Civil”, 2º. edição, pág. 34. Em: Gazeta do Povo (1933), p. 6. 59 Cf. MARQUES, Azevedo. “Ações Prossessoriais”, pág. 124. Em: Gazeta do Povo (1933), p. 6.

60 Cf. Paraná Judiciário, vol. 6, p. 164. Em: Estado do Paraná, Juízo de Direito de São José da Boa Vista,

Processo Nº. 197, Fls. 7, do dia 6 de junho de 1933. Fonte: Cartório Cível de Wenceslau Bráz.

61 Cf. PICANÇO, Melquíades. “Direito das cousas”, p. 34. Em: Processo Nº. 197, Fls. 7, do dia 6 de junho de

1933.

62Cartório Cível de Wenceslau Bráz,Seção Cível, Estado do Paraná, Juízo de Direito de São José da Boa Vista,

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liderado um grupo armado durante o conflito. José Barnabé disse ter recebido ordens do delegado da Comarca de São José da Boa Vista, assim como do chefe de polícia do Estado. “Tal explicação carece, no entanto, de fundamentos, pois, tais autoridades, principalmente o Chefe de Polícia, de nada haviam sido avisadas antes do esbulho”.63 Para o vigário Alfredo

Simon, a ação se deu por ordem do Bispo diocesano de Jacarezinho, Dom Fernando Taddei. Para o Bispo a imagem do Bom Jesus não “podia ficar em poder de particulares, pois com os milagres que faz grande é o número de donativos que lhe enviam como esmolas e que esse dinheiro deve ser empregado em obras pias, o que até então não foi feito ”. 64

Importante ressaltar que o vigário, padre Alfredo Simon, após declarações à polícia, disse ter “inteira responsabilidade moral mediante a justiça pelo sucedido ”.65 O Magistrado

aproveitando a passagem de uma força militar do Estado pela localidade, sob o Comando do Te. João de Alencar Guimarães Filho requisitou para que se efetivasse a imediata reintegração de posse do Senhor Bom Jesus, com a intimação do esbulhador. A imagem desse santo deveria voltar ao seu velho abrigo em Murzilhos.66 No processo julgado em São José da Boa Vista, consta que Zeca Pinto era o proprietário de uma imagem em madeira, simbolizando o Senhor Bom Jesus, imagem esta que esteve em seu poder por mais de 42 anos, e logo após o esbulho veio requerer a reintegração de posse de sua imagem que lhe foi retirada. No processo, o Juiz registrou que a imagem foi violentamente esbulhada da posse de Zeca Pinto por ordem do vigário Alfredo Simon. Sem nenhum argumento que lhe autorizasse, argumentou o Juiz, foi levada a imagem do santo para a capela do Distrito de Salto do Itararé, pelo zelador Rodrigo de Carvalho.

63 Gazeta do Povo (1933). 64 Processo Nº 197. 65 Idem Ibidem.

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Portanto, o advogado Antônio José Pereira pediu a reintegração de posse da imagem esculpida em madeira, com base no artigo 370 do Código do Processo Civil e Comercial do Estado do Paraná. O advogado exigiu que fosse expedido um mandado judicial para reintegrar a imagem do santo ao seu proprietário e herdeiro. Concomitantemente, o zelador Rodrigo de Carvalho foi notificado da reintegração e intimado a vir à primeira audiência deste Juízo, post-citationem, em São José da Boa Vista. A fim de tomar ciência da ação e também assinar o prazo legal para defesa. Tudo sob pena de revelia, ficando desde logo citado para todos os demais termos da ação, até finais satisfeitas as formalidades legais.

Igualmente, o esbulhador foi notificado da comunicação de uma multa de R$: 2:000$000 (dois contos de reis)67 “caso pratique qualquer outro acto (sic) de turbação ou

esbulho, independente do pagamento das perdas e danos decorrentes. Nestes termos, como é de direito e Justiça, com uma justificação e o talão de taxa judiciária ”.68 No processo, consta que Zeca Pinto alegou ter o vigário Alfredo Simon reunido em torno de si um bando armado, e acompanhados de um policial militar designado pelo subdelegado daquele Distrito, José Barnabé, roubaram- lhe violentamente a imagem do santo. Dizia ele que a imagem do Bom Jesus pertencia à família Pinto a mais de cem anos, e que de geração em geração tradicionalmente vinha sendo de Zeca Pinto. Para o Magistrado, o vigário Alfredo Simon praticou um ato de transgressão da ordem civil ilícito. E nestas condições, consta no processo que o Juiz designou a hora e o dia para que Rodrigo de Carvalho viesse a prestar esclarecimentos legais. Nestas condições, a audiência foi marcada, conforme requerimento

67 “O Snr. José Pinto de Oliveira pagou nesta Coletoria a quantia de R$ vinte e quatro mil reis proveniente de 1%

e 20% adicionais, do processo judiciário, sobre R$ 2:000$000 (dois contos de réis) valor de uma ação de esbulho, movida contra o zelador da Igreja do Salto do Itararé”. Coletoria de São José da Boa Vista, em sete de junho de 1933.

O Coletor, Porfírio Rodrigues Fortes”. Arrecadação das Rendas do Estado do Paraná. Exercício de 1933, Série Não Lançado, Nº. 17993. Fonte: Cartório Cível de Wenceslau Bráz.

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