Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 26(5) :272-27 5, setembro.outubro, 1984
LEISHMANIOSE CUTÂNEA NA AMAZONIA. REGISTRO DO PRIMEIRO CASO HUMANO DE TNFECçÃO M|STA, DETERMTNADO pOR DUAS ESFÉC|ES D|ST¡NTAS
DE LEISHMÂNIAS: LEISHMANIA BRASILIENSIS E LEISHMANIA MEXI.CANA AMAZONENSIS (")
F. T. SILVEIRA (1), R. LAINSON (2), J. J. SHAW (Z) e R. da S. M. RIBETBO (t)
RE SUMO
Fez-se o registro, na Amazônia, do primeiro caso humano de infecção cutânea
mista determinada por duas espécies distintas de Leishmania: a Leishmania
bra-ziliensis brabra-ziliensis
e a
Leishmania mexicana amazonensis. As duas amostras,em questáo, foram isoladas de lesões distintas de um mesrno paciente,
e a
ca-ractefizaçã,o das espéciesfoi
feita com base em observações de infecçáoexperi-mental em hamsters, comportamento em meios artificiais
de
cultura,desen-volvimento
de
infecçáo experimental em Lutzomyia longipaþis,e
eletroforesede isoerøimâs em gel de amido. Conclui-se ser de interesse
o
achado que,com-binado com
o
fato
já
conhecidode
ausência de imunidade cruzada entre amaioria das leishmânias, sugere
a
necessidadedo
emprego de uma vacinapo-livalente para a região.
cDU
616.993 .t:6?Na regiáo amazônica são conhecidos, até o momento, três parasitos do gênero Leishmania causadores
de
infecçáo cutâneano
homem:Leishmania braziliensis braziliensis Vianna, L911; Leishmania braziliensis guyanensis Floch, 1954; e Leishrnania mexicana ar¡nazonensis
Lain-son & Shaw, 1972. Estudos epidemiológicos
so-bre
a
doença na referida regiáo indicam que grande variedade de rnamÍferos silvestres,en-tre os quais algumas espécies de roedores, de rnarsupiais e desdentados, são os principais re-servatórios primários das leishmânias em
ques-tão (LAINSON
&
SHA.\A/s, LAINSON2). Têmevidenciado, igualmente, que as espécies de
fle-botomíneos Psychodopygus rüellcomei Fraiha,
Shaw
&
Lainson, 1971; Luúzomyia umbratilis Ward ,& Fraiha, Lg77; e L. flaviscutellata (Man-gabeira, 1942) são os principais vetores desses parasitos na Amazônia, respectivarnente (LAIN. SON&
col.¿, LAINSON ,& col.E, LAINSON &INTRODUçÃ,O
SHAW3).
É
irnportante mencionar que node-correr desses trabalhos, LAINSON
g
"e1.2, estu-dando a epidemiologia da leisl¡maniose cutânea no norte do Pará (Monte Dourado, rio Jari),
de-tectaram infecções mistas em dois mamíferos silvestres (um Proeohimys guyanensis e um Di.
clelphis marsupialis), ambos portando infecçãþ dérmica por L. m. amazonensis; e infecção
vis-ceral por L.b. braziliensis
no
primeiro,e
por L, b. guyanensis no segundo.No prosseguimento de nossos estudos soþre leishmaniose tivemos oportunidade de
consta-tar, pela primeira vez, um caso humano de
in-fecçáo cutânea mista, determinado
por
duas espécies diferentes de leishmânias:L.
b.
bra-ziliensis e L. m. amazonensis. Ressalte-se que
as duas amostras de parasitos foram isoladas de duas lesões distintas, do paciente: a primei-ra, L. b. braziliensis, isolada de uma lesão no
(*) Traþalho apresentado no xlx congresso da Socied.ade Brasileira de Medicina Tropical (1) Instituto Evandro Chagas, Fundação Serviços de Saúde lìiblica. 66.000, BeIém, pará, Brasil
(2) The wellcome Parasitology Unit, Instituto Evand.ro chagas, Fundação SESP, caixa postal 3, 66000 - BeIém, pará, Brasil
SILVEIRÁ' gistro F. T'; LAINSON, R'.; SHAW, J. J. &, RIBEIRO, R,. da S. M. - Leishmaniose cutânea na Amazônia.
Re-do primeiro caso humano de infecçáo mista, dbterminad.o por d.uas espécies distintas d.e leishmanias: Leish.
mania braziliensis braziliensis e Leishmania mexicana amazonensis. Rev. Inst. Med. trop, são paulo z6tz,tz-27s, tgg4.
abdome; e a segunda L. m, amazonensis, isola-cla de uma lesão do dorso do pé direito do
pa-ciente. A
identificaçáo das espéciesfoi
feita biológica, bioquímica e morfologicamente.MATERI,AL E MÉT\ODOS
A
caracterização biológica das duasamos-tras de leishmânias isoladas baseou-se. inicial-mente,
no
comportamento dos parasitos emhamsters. Estes, foram inoculados por via
in-tradérmica (nariz e pés), em dois grupos
sepa-rados, com material de biópsia de cada uma
das lesões humanas. Baseou-se, também, no desenvolvimento dos parasitos em meio de
cul-tura Difco ága,r-sangue (WALTON
&
co1.1o); e,ainda, no desenvolvimer¡to de infecçáo
experi-mental no flebótomo LutzomyÍa longipalpis, a
partir de formas promastigotas em suspensão
em meio ágar-sangue misturado com sangue de coelho desfibrinado e inativado à
temperatu-ra de 56'C por 30 minutos. Os flebó,tomos
fo-ram alimentados com essa suspensáo através
de membrana de pele de
pinto
(LAINSON &col. 8).
A. caracterização bioquÍmica baseou-se no
estudo de isoenzimas por eletroforese em gel de amido (ASAT, ALAT, c6PD, cPI, MPI, PcM, PEP, MDH
e
ACP), MILES.&
col.e,compa-rando os parasitos aqui analisados com
amos-tras-padráo de
L.
b.
braziliensis(M
2903, de humano, Serra Norte, Paú,),L. b.
guyanensis(M
4147, de humano, Monte Dourado, Pará), L. m. amazonensis (PhI,
isolada de L.flaviscu-tdllata, Utinga, Belém, Pará), e de L. b. pana-mensis (M 4040, de humano, Panamá).
A morfologia dos amastigotas e
promastigo-tas
foi
outro elementoútil
à separação dases-pécies.
RESULTADOS
Para facilitar a distinçáo das du,as espécies de parasitos isolados do paciente,
convenciona-mos chamar a lesão do abdome de
LI
e a le-são do pé deLII.
Assim sendo, foi jsolada L. b. braziliensis deLI
e L. m. amazonensis deLII,
conforme demonstraremos a seguir.
Após dois meses à inoculação, verificamos tÍpica diferença na evolução da infecçáo
expe-rimental nos dois grupos de hamsters inoculados,
principalmente
no
que diz respeito às altera_ ções macroscópicas observadas nos sítios dainoculaçáo
e
no
desenvolvimentode
formas amastigotas teciduais. Os hamsters inoculad.os com a cepa deLI
(L. b. braziliensis) apresenta-vam pequena tumefação nos locais da inocula-ção e, à mioroscopia, poucas formasamastigo-tas foram identificadas em esfregaços de
teci-do
(Fig. 1). Por outro lado, os hamsters Íno-culados com a cepa deLII
(L. m. amazonensis) apresentavam grandes nódulos nas áreas ino-culadas e, m.icroscopicamente, abundantes for-mas afor-mastigotas foram identificadas em esfre-gaços de tecido (Fig.2).
Além disso, conforme mostram as Figs. L e 2, f.oi possível obsewá¡nítida diferença de tamanho entre as formqs amastigotas das dua,s espécies. Semelhante di-ferença
foi
também observada entre as formas promastigotas cultivadas em meio ágar-sangue.O comportamento dos parasitos em infec-çáo experimental de L. longipalpis revelou típi-co desenvolvimento de um "Peripylaria" para a cepa de
LI
(L. b. braziliensis) e de "Suprapy-laria" para a deLII
(L. m. amazonensis), o que demonstra ser, a primeira, pertencente ao"com-plexo braziliensis",
e a
segunda ao "co nplexo rnexicana" (LAINSON '& SHA'vVs).Por último, o estudo bioquímico de isoenzi-mas por eletroforese em gel de amido (ASAT, ALAT, G6PD, MPI e GPI) veio confirmar serem
as amostras
de
LI
e
LII
indistingüíveis das amostras-padráo deL.
b. braziliensise L.
m. amazonensis.CONCLUSÃO
Este achado, embora esporádico, reveste-se de interesse do ponto-de-vista médico, visto
sa-bermos que infecções leishmanióticas por L. b.
braziliensis podem levar
a
intensa destruiçáode mucosas em fase tardia da infecção, e que infecções por L. rn. amazonensis sáo responsá-veis por alta incidêncía (40Va
)
da forma difusada
doença (LAINSONt),
esta, notavelmentemais desfigurante que a primeira e, infelizmen-te, incurável até o momento. Assim, a
associa-ção de amloos parasitos num mesmo paciente parece de elevado potencial de evolução para
formas graves, desfigurantes, se ignorada ou indevidamenle tr atada.
SILVEIR'Â, gistro do F' T'; primeiro caso humano LAINSON, R'.; SIIAW, J. J. & RIBEIR'O, R,. da S. M. - Leisbmaniose cutânea na A,rnazönia.
Re-de infecçã.o mista, determinad.o por duas espécies distintas de leishmânias: r,eish. mania braziliensis braziliensis e Leishmania mexicana amazonensis. Rev. rnsú. Med. trop. são paulo 26t272-z,ts, Lgg4.
another. Both parasites were characterized in sandflies, hamsters,
in
vitro
cultures, by their morphology and þy isoenzyme studies in starch gel.The Authors conclude that the occurrence
of
this case combined with the known lack of cross immunity between most leishmanial para-sites means that a vaccine for this region must be polyvalent.REFERÊNCIAS BIBLIOGRã.FICAS
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