AMINOACIDOPATIAS DE INTERESSE NEUROLÓGICO
ARON J. DIAMENT
A s aminoacidopatias constituem extenso capítulo d e n t r e os erros inatos
do m e t a b o l i s m o ( E I M ) , n ã o só pela v a r i e d a d e de m o l é s t i a s descritas, c o m o p e l a i m p o r t â n c i a que a d q u i r i r a m no que diz respeito às medidas terapêuticas, p e r m i t i n d o uma v e r d a d e i r a p r o f i l a x i a da deficiência m e n t a l ( D M ) . A c r e s c e ainda que f o i no m e t a b o l i s m o dos aminoácidos ( A m A c ) q u e G a r r o d descreveu o p r i m e i r o E I M — a alcaptonúria — c o i n c i d e n t e m e n t e no m e s m o ciclo m e t a
-bólico do e r r o m e t a b ó l i c o do A m A c que h o j e constitui a mais f r e q ü e n t e e m a i s estudada das aminoacidopatias, a fenilcetonúria ( F N C ) 1 3
.
Os A m A c dividem-se e m 5
>1 2
: essenciais — aqueles q u e o o r g a n i s m o n ã o sintetiza, necessitando s e r e m supridos m e d i a n t e a l i m e n t a ç ã o ( t r i p t o f a n o , lisina,
metionina, fenilalanina, treonina, leucina, isoleucina, valina, histidina e a r g i -n i -n a ) ; -não-esse-nciais — aqueles que o o r g a -n i s m o h u m a -n o si-ntetiza, -n ã o necessitando de suprimento e x ó g e n o (alanina, glicina, ácidos g l u t â m i c o e h i d r o x i g l u t â m i c o , ácido aspártico, cistina, cisterna, tirosina, prolina, h i d r o x i -prolina, serina, norleucina e c i t r u l i n a ) .
Segundo H a w k & c o l .1 2
os A m A c p o d e m ser ácidos, básicos ou neutros, na dependência da p r o p o r ç ã o dos grupos ácidos e básicos constituintes de suas cadeias. Os AmAc neutros são a m a i o r i a , sendo subdivididos e m : 1. alifá-ticos (glicina, alanina, serina, treonina, valina, leucina, isoleucina e n o r l e u c i n a ) ;
2 . aromáticos (fenilalanina, tirosina, cistina, cisteína, m e t i o n i n a ) ; 3 . heterocíclicos ( t r i p t o f a n o , prolina e h i d r o x i p r o l i n a ) . Cinco são os AmAc básicos ( h i s -tidina, arginina, lisina, ornitina, hidrosilisina e c i t r u l i n a ) . Os AmAc ácidos são os ácidos aspártico, g l u t â m i c o e h i d r o x g l u t â m i c o .
Já L e h n i n g e r1 8
, n u m a divisão mais moderna, considera os seguintes grupos
de A m A c : 1 — A m A c c o m grupos n ã o polares (alanina, valina, leucina, iso-leucina, pro lina, fenilalanina, t r i p t o f a n o e m e t i o n i n a ) ; 2 — A m A c c o m grupos R n ã o c a r r e g a d o s p o l a r m e n t e (glicina, serina, treonina, cisteína, tirosina, aspa-r a g i n a e g l u t a m i n a ) ; 3 — A m A c c o m gaspa-rupos polaaspa-res c a aspa-r aspa-r e g a d o s e n t aspa-r e os p H 6,0 e 7,0: a. A m A c c a r r e g a d o s n e g a t i v a m e n t e ( á c i d o a s p á r t i c o e ácido g l u
-t â m i c o ) ; b. A m A c carregados p o s i -t i v a m e n -t e (lisina, arginina e h i s -t i d i n a ) .
V e m o s e n t ã o que, enquanto H a w k & c o l .1 2
consideram 25 A m A c , L e h n i n -g e r1 8
apenas classifica 20. E s t a s divisões são importantes e m vista dos p r o -b l e m a s relacionados c o m a a-bsorção ( a o n í v e l i n t e s t i n a l ) ou rea-bsorção ( a o
Relatório apresentado ao X Io
n í v e l tubular r e n a l ) dos A r a A c , r e g i d a p o r 4 f a t o r e s específicos 1 5
. 2 5
: 1.° f a t o r — p a r a os A m A c prolínicos ( h i d r o x i p r o l i n a ) e p a r a a g l i c i n a ; 2.° f a t o r — p a r a os A m A c básicos (lisina, arginina, ornitina, histidina e c i t r u l i n a ) ; 3.° f a t o r — p a r a os A m A c ácidos ( á c i d o s aspártico e g l u t â m i c o ) ; 4.° f a t o r — p a r a o g r u p o dos A m A c neutros. O u t r o s fatores i n t e r f e r e m no t r a n s p o r t e de
A m A c c o m o o f a t o de tecidos j o v e n s p e r m i t i r e m absorção ou reabsorção mais fácil, a dependência de e n e r g i a p a r a o transporte de A m A c e as m a i o r e s necessidades d e tecidos e m c r e s c i m e n t o3
.
Considerando o m e t a b o l i s m o dos A m A c podemos v e r i f i c a r que os E I M destas substâncias serão de dois tipos, c o m o r e a l m e n t e f o i p r o v a d o1 3
: 1 ) E I M
"clássicos", isto é, " g e n e a l t e r a d o p r o v o c a n d o síntese p r o t e i c a ou e n z i m á t i c a a l t e r a d a " ; 2 ) E I M que i n t e r f e r e m c o m os fatores de absorção ou reabsorção, mas t a m b é m reconhecendo uma o r i g e m gênica, c o m o base patogênica.
C L A S S I F I C A Ç Ã O
Baseados na classificação dos A m A c e nos dois tipos de E I M a c i m a m e n
-cionados, E f r o n & A m p o l a9
-rado = e r r o e n z i m á t i c o ) : 1 ) por transbordamento, e m que o defeito enzi-m á t i c o d e t e r enzi-m i n a o a c ú enzi-m u l o de u enzi-m ou enzi-mais A enzi-m A c nos tecidos e no sangue, resultando aminoaciduria p o r a u m e n t o da f i l t r a ç ã o g l o m e r u l a r ; 2 ) por
trans-porte, e m que o defeito está na absorção intestinal ou reabsorção tubular, ou seja, defeito na transposição das m e m b r a n a s celulares p o r e r r o e m u m dos 4 f a t o r e s antes descritos, a l t e r a n d o u m ou mais A m A c , cuja c o n c e n t r a ç ã o sangüínea é n o r m a l ou baixa.
A l é m das aminoácidopatias e x i s t e m t a m b é m os distúrbios d o m e t a b o l i s m o de certas proteínas ( e m ú l t i m a instância abrangendo síntese de A m A c ou cadeias p e p t í d i c a s ) e que t ê m interesse p o r q u e poderão e v e n t u a l m e n t e causar D M , c o m o o bócio f a m i l i a r por falha na l i g a ç ã o p r o t e i c a do iodo, a síndrome de P e n d r e d ( b ó c i o f a m i l i a r e s u r d o - m u t i s m o ) , cretinismo c o m falha na aco-p l a g e m das iodotirosinas, c r e t i n i s m o c o m aco-poliaco-péaco-ptidos iodados a n o r m a i s2 6
. E n t r e t a n t o , são todas f o r m a s de " c r e t i n i s m o " , e m que ressalta a D M , interes-sando mais ao endocrinologista o distúrbio m e t a b ó l i c o . P o r é m , d e v e m estar e m evidência p a r a o neurologista, c o m o diagnóstico diferencial.
E v i d e n t e m e n t e , sendo g r a n d e o n ú m e r o de aminoácidopatias, impossível abordar, no t e m p o de q u e dispomos, as características clínicas e p a t o l ó g i c a s
de todas. A b o r d a r e m o s apenas os sintomas e sinais das aminoácidopatias de interesse neurológico, isto é, que c o n d u z e m a r e t a r d o s m a i o r e s ou m e n o r e s no d e s e n v o l v i m e n t o neuropsicomotor, a l é m de d e t e r m i n a r sintomas psiquiátricos e sinais neurológicos ( T a b e l a 2 ) , apontando t a m b é m certas características gerais de a l g u m a s aminoácidopatias e m particular. D a classificação que
apre-sentamos quase todas p r o d u z e m deficiência m e n t a l e / o u a t r a s o no desenvolvi-m e n t o neurodesenvolvi-motor, excluindo-se a tirosinedesenvolvi-mia transitória, a tirosilúria, o albinismo e a alcaptonúria.
D I A G N Ó S T I C O
O diagnóstico das aminoácidopatias baseia-se ou na d e m o n s t r a ç ã o de quantidades excessivas dos m e t a b ó l i t o s p r ó x i m o ao bloqueio e n z i m á t i c o , ou na demonstração, por técnicas c r o m a t o g r á f i c a s , do excesso de d e t e r m i n a d o A m A c no sangue ou sua e x c r e ç ã o aumentada na u r i n a1 4
. P o d e - s e t a m b é m utilizar a d o s a g e m sérica de d e t e r m i n a d o A m A c que não está sendo m e t a b o l i z a d o
( p o r bloqueio e n z i m á t i c o ) ou a d e m o n s t r a ç ã o da deficiência e n z i m á t i c a e m células (fibroblastos, células hepáticas ou o u t r a s ) . E n t r e t a n t o , c o m o estas técnicas ( c r o m o t o g r á f i c a s ou d o s a g e m d i r e t a de u m A m A c ou d e m o n s t r a ç ã o da deficiência e n z i m á t i c a ) são demoradas, difíceis e dispendiosas deve-se, de início, dar p r e f e r ê n c i a a testes d e t r i a g e m2 2
, os quais i r ã o o r i e n t a r
rapida-m e n t e sobre quais e x a rapida-m e s d e v e r ã o ser pedidos para u rapida-m diagnóstico de c e r t e z a . N o entanto, tais testes de t r i a g e m p o d e m f a l h a r e, m e d i a n t e f o r t e suspeita clínica, deve-se passar às técnicas mais específicas.
H á u m a série de testes bioquímicos de t r i a g e m2 2
que p o d e r ã o ser feitos inicialmente na u r i n a :
a t é 15 m i n u t o s ) pode s u g e r i r fenilcetonúria ( á c i d o f e n i l p i r ú v i c o ) , histidinemia ( á c i d o p i r ú v i c o ) ou tirosinemia ( á c i d o p - h i d r o x i f e n i l p i r ú v i c o ) ; e s t e t e s t e tem-se m o s t r a d o p o s i t i v o t a m b é m na alcaptonúria ( á c i d o h o m o g e n t í s i c o ) e na a v i t a m i n o s e C. Quando a c o r desenvolvida f o r verdeacinzentada, suspeitar de e l e -m e n t o s anor-mais urinarios decorrentes d e i n g e s t ã o de fenotiazinas,
tranquili-zantes, a n t i e m é t i c o s , antipruriginosos e isoniazida; se a c o r desenvolvida f o r v e r d e - m a r r o n ou m a r r ó n , g e r a l m e n t e é d e v i d a a c a r b o n a t e s ; neste caso, acidi-f i c a r a urina c o m ácido a c é t i c o g l a c i a l ( 1 a 2 g o t a s e m 2 a 5 m i de u r i n a ) . S e a urina c o n t i v e r corpos cetônicos ou salicilatos a c o r da r e a ç ã o será v e r m e -lho-púrpura. E s t e m e s m o t e s t e corresponde a o P h e n i s t i x ( f i t a de papel de
f i l t r o ) e p o d e r á ser efetuado e m fraldas, p o r é m s o m e n t e a p a r t i r da 4.a
ou 5.a
semana de v i d a extra-uterina.
2 ) o t e s t e da 2,4-dinitrofenilidrazina ( s o l u ç ã o a 1% e m ácido c l o r í d r i c o 2 N ) s e r v e p a r a d e t e c ç ã o de alfa-cetoácidos, sendo p o s i t i v o na fenilcetonúria, histidinemia, leucinoses, tirosinemia, h i p e r g l i c i n e m i a e o u t r a s aminoacidurias.
3 ) o teste do cianeto de nitroprussiato, par a d e t e c ç ã o d e cistinúria e homocistinúria.
4 ) o teste do i o d e t o de azida, p o s i t i v o t a m b é m na cistinúria e h o m o -cistinúria.
5 ) o teste de ninidrina, p a r a d e t e c ç ã o de a l f a a m i n o n i t r o g ê n i o , nas a m i
-noacidurias.
6 ) o teste de M i l l o n ( m e r c ú r i o m e t á l i c o e ácido n í t r i c o ) , p a r a d e t e c ç ã o
d e tirosina e ácido p-hidroxifenilpirúvico, sendo p o s i t i v o na tirosinemia, doença d e W i l s o n , m o l é s t i a H a r t n u p e cistinose.
7 ) o t e s t e da isatina, p a r a prolinemia.
8 ) o t e s t e de O b e r m e y e r ( c l o r e t o f é r r i c o e ácido c l o r í d r i c o ) , p a r a d e t e c -ç ã o de indóis ou indican e p o s i t i v o na m o l é s t i a H a r t n u p .
9 ) o e x a m e m i c r o s c ó p i c o do s e d i m e n t o urinario q u e poderá e v i d e n c i a r cristais d e o x a l a t e s , presentes na hiperoxalúria, cristais d e tirosina nas tirosi-n e m i a s e cristais de cistitirosi-na, tirosi-na cistitirosi-núria.
U t i l i z a n d o alguns destes testes há anos (desde 1965), S c h m i d t & c o l .2 3
e m 583 pacientes encaminhados p o r a p r e s e n t a r e m r e t a r d o n e u r o p s i c o m o t o r ou
p o r t e r e m parentes afetados, c o n s e g u i r a m 3,94% d e a l t e r a ç õ e s m e t a b ó l i c a s c o m p r o v a d a s ; 5 f o r a m falsos positivos. D o s 23 casos c o m a l t e r a ç õ e s m e t a -bólicas verdadeiras, 5 e r a m fenicetonúricos, c o m idades d e 11 meses a 8 anos. A n t e r i o r m e n t e , nós j á h a v í a m o s publicado os p r i m e i r o s 6 casos d e f e n i l c e t o -núria, c o m t e n t a t i v a s de estudo de a l t e r a ç õ e s histológicas, m e d i a n t e biopsia
c e r e b r a l8
. D o s 23 casos, S c h m i d t & c o l .2 2
e n c o n t r a r a m 6 casos d e h o m o c i s t i -núria c o m p r o v a d o s , e m a i s tarde, u m caso a mais, i r m ã o de u m daqueles a f e t a d o s . E s t e s resultados s e r v i r a m p a r a m o s t r a r a simplicidade destes testes urinarios de t r i a g e m e a a l t a f r e q ü ê n c i a c o m q u e se o b s e r v a m os E I M , justi-ficando a u t i l i z a ç ã o r o t i n e i r a destes testes e m todos os serviços de P e d i a t r i a ,
Sendo p o s i t i v o o t e s t e de t r i a g e m ou, m e s m o sendo n e g a t i v o m a s p e r m a necendo a suspeita clínica, devese passar às técnicas m a i s apuradas que c o m
p r e e n d e m as c r o m a t o g r á f i c a s e, se possível, à d e t e c ç ã o da deficiência e n z i m á -tica e n v o l v i d a e m dada cadeia m e t a b ó l i c a .
A s técnicas c r o m a t o g r á f i c a s p o d e m s e r8
: a) e m papel, e m duas d i m e n -sões; b) e m coluna; c ) p o r a l t a v o l t a g e m ( e s t a é a i d e a l ) . A l é m destas
técnicas c r o m a t o g r á f i c a s , j á há e m uso analisadores a u t o m á t i c o s de A m A c
para q u a l q u e r líquido (sangue, saliva, urina, l á g r i m a e L C R ) , c o m resultados
diretos e calculados. P o r é m , são técnicas a l t a m e n t e custosas p a r a nosso m e i o .
D e v e - s e t o m a r cuidado na i n t e r p r e t a ç ã o de estudos c r o m a t o g r á f i c o s
uri-narios de A m A c , e m v i s t a das seguintes dificuldades de i n t e r p r e t a ç ã o9
: 1 ) identificação i n c o r r e t a dos A m A c e x c r e t a d o s , p r i n c i p a l m e n t e nas técnicas e m p a p e l ; 2 ) o achado de u m defeito b i o q u í m i c o n u m p a c i e n t e c o m D M representa apenas u m a chance de associação e n t r e o q u a d r o e o d e f e i t o bio-q u í m i c o ; 3 ) n e m t o d a hiperaminoacidúria é p a t o l ó g i c a , pois é r e f e r i d a no
recém-nascido, a l é m de h a v e r v a r i a ç õ e s s e m significado de hiperglicinúria e hiperacidúria beta-aminoisobutírica; 4 ) m u i t a s d r o g a s e venenos p r o v o c a m lesão r e n a l t u b u l a r e conseqüentes hiperaminoacidúrias grosseiras ou l e v e s ; o u t r a s drogas, p a r t i c u l a r m e n t e antibióticos e seus m e t a b ó l i t o s , são e x c r e t a d o s na urina, produzindo manchas que i n t e r f e r e m c o m as dos A m A c ; é r e c o m e n
-d á v e l , portanto, q u e se suspen-da to-da a q u a l q u e r m e -d i c a ç ã o 3 a 4 -dias antes de se indicar u m a c r o m a t o g r a f í a u r i n a r i a ; 5 ) pode h a v e r a r t e f a t o s p o r e x a -m e s efetuados e -m urinas n ã o e-mitidas r e c e n t e -m e n t e (urinas " v e l h a s " f a z e -m c o m q u e se e n c o n t r e m padrões anormais de A m A c ; uns se p e r d e m — serina e treonina, p a r t i c u l a r m e n t e — e a g l u t a m i n a se desamina e m ácido g l u t â m i c o )
ou e m urinas colhidas d u r a n t e infecções do t r a t o u r i n a r i o ; 6 ) n ã o é i n c o m u m encontrarem-se leves hiperaminoacidúrias e m pacientes hospitalizados c o m doenças agudas de q u a l q u e r e s p é c i e ; após a a l t a h o s p i t a l a r tais resultados se n o r m a l i z a m . Constitui e r r o i m p e r d o á v e l f a z e r diagnóstico de aminoácidopatia s o m e n t e na presença de hiperaminoacidúria.
P a r a nosso a m b i e n t e j u l g a m o s q u e os testes de t r i a g e m antes referidos são i m p o r t a n t e s p a r a a d e t e c ç ã o p r e c o c e e e m massa, p r i n c i p a l m e n t e se
acrescentarmos as técnicas tipo Guthrie, a t u a l m e n t e capazes de diagnosticar 11 E I M , a p a r t i r da colheita de g o t a s de sangue embebidas e m papel de f i l t r o e enviadas pelo c o r r e i o aos centros diagnósticos. I m b u í d o s da i m p o r t â n c i a dos "screenings" e m massa, S c h m i d t & c o l .2 4
a p r e s e n t a r a m no ú l t i m o Congresso das A P A E S ( P o r t o A l e g r e , julho de 1973) u m " P l a n o N a c i o n a l de Estudos
p a r a D e t e c ç ã o P r e c o c e de E r r o s I n a t o s do M e t a b o l i s m o q u e l e v a m à D e f i -ciência M e n t a l " , plano esse que v i s a à f o r m a ç ã o de u m L a b o r a t ó r i o especiali-zado e m d e t e r m i n a r p r e c o c e m e n t e estas entidades nosológicas. T a l plano f o i apresentado ao M i n i s t é r i o da Saúde, q u e a u t o r i z o u sua d i v u l g a ç ã o n o citado Congresso. A e x e c u ç ã o do plano e o L a b o r a t ó r i o localizar-se-ão no C e n t r o de
-lismo que l e v a m à Deficiência M e n t a l . P r a t i c a m e n t e , o B r a s i l passaria a ser
sede destes estudos para a A m é r i c a L a t i n a . N u m a fase inicial as análises s e r i a m realizadas visando à d e t e c ç ã o das hiperfenilalaninemias, e m especial a fenilcetonúria e, mais t a r d e a b r a n g e r i a outras entidades, a s a b e r : g a l a c t o s e -mia, tirosine-mia, v a l i n e m i a , h i p e r g l i c i n e m i a , hiperornitine-mia, argininosuccine-m i a e outras. A p ó s a r e a l i z a ç ã o destes testes, os casos suspeitos ou positivos
s e r i a m notificados, p e r m i t i n d o assim o r i e n t a ç ã o e t e r a p ê u t i c a precoces. N u m p r i m e i r o estádio s e r i a m atendidas 15.000 crianças por m ê s .
A d e t e c ç ã o p r e c o c e dos E I M f a v o r e c e a instalação de terapêuticas a p r o -priadas, ajuda a aconselhar os pais s o b r e o p r o g n ó s t i c o d o paciente, de u m a g r a v i d e z e m curso e sobre gestações f u t u r a s1 4
. A t u a l m e n t e , e m qualquer caso
de crianças c o m r e t a r d o m e n t a l e convulsões, justifica-se r e c o m e n d a r uma a v a l i a ç ã o bioquímica, antes de futuras gestações. N ã o d e v e m o s esquecer de e s t a b e l e c e r se a m e s m a condição n ã o e s t a r á presente nos i r m ã o s da criança afetada, nas crianças c o m c a r a c t e r e s clínicos sugestivos e e m todas as crianças p a r a adoção. P o d e m o s t a m b é m d e t e r m i n a r h e t e r o z i g o t o s utilizando as p r o v a s
de s o b r e c a r g a p a r a certos A m A c ou o estudo de deficiências e n z i m á t i c a s parciais.
Vistas as generalidades a respeito da classificação e diagnóstico das
aminoacidopatias, j u l g a m o s de interesse a p o n t a r certas particularidades e m a l g u m a s delas.
O d e f e i t o b i o q u í m i c o fundamental na fenilcetonúria ( F N C ) é p o r todos
s o b e j a m e n t e conhecido. E n t r e t a n t o , a v a r i e d a d e das f o r m a s clínicas f a z supor u m m e c a n i s m o de h e t e r o g e n e i d a d e g e n é t i c a para esta entidade. A s s i m , dentro de u m conceito mais a m p l o de hiperfenilalaninemias, encontradas durante p r o -g r a m a s de t r i a -g e m e m massa, são a t u a l m e n t e reconhecidas as se-guintes en-tidades !. 4
> 1 6
>1720
> 2 1
:
a ) Fenilcetonúria "clássica": a q u a l todos c o n h e c e m e, portanto, n ã o
demandando detalhes c l í n i c o - p a t o l ó g i c o s ;
b ) Fenilcetonúria "atípica": c o m níveis de F A L e n t r e 10 e 30 m g % e
D M l e v e ou n í v e l m e n t a l l i m i a r ;
c ) Fenilcetonúria "oculta": c o m o m e s m o defeito b i o q u í m i c o que a F N C
"clássica", p o r é m s e m D M ;
d ) Hiperfenilalanineinia benigna: p o r defeito na transaminação da F A L , s e m D M , podendo ser h o m o ou h e t e r o z i g o t o p a r a esta c o n d i ç ã o ;
e ) Tirosinemia neonatal: p o r m a t u r a ç ã o r e t a r d a d a da o x i d a ç ã o da t i r o -sina, níveis de F A L e n t r e 4 e 15 m g % , testes urinarios n e g a t i v o s , a u m e n t o
lento da F A L l e n t o ; duração de poucos dias quanto ao defeito b i o q u í m i c o , n ã o
produzindo D M ; n ã o é necessária a dieta;
f ) Ingestão proteica exagerada: descrita e m recém-nascidos de b a i x o
peso ou normais, c o m níveis de F A L de 5 a 25 m g % , caindo após o p r i m e i r o
m ê s para 5 a 10 m g % , n ã o sendo necessária a dieta r e s t r i t a e m F A L ; n ã o
produz D M ;
g ) Hiperfenilalaninemia materna: são filhos de m ã e s c o m F N C " a t í p i c a "
o u "oculta", apresentando F A L m e n o r que 4 m g % , e m poucos dias caindo e
e s t i v e r c o m níveis de F A L m a i o r e s que 15 m g % , e m vista da possibilidade de n a s c e r e m crianças c o m D M , p o r é m s e m o defeito b i o q u í m i c o da F N C1 9
.
A t é hoje ainda é discutida a p a t o g e n i a da deficiência m e n t a l na F N C , sendo 3 as hipóteses mais p r o v á v e i s8
: a) por inibição do transporte de aminoácidos l i v r e s no c é r e b r o p e l o excesso de F A L ; b) por inibição da f o r -m a ç ã o de serotonina pela F A L e / o u seus -metabólitos, na fase de
descarbo-x i l a ç ã o de 5-hidrodescarbo-xidrodescarbo-xitriptofano para 5-hidrodescarbo-xitriptamina; c ) p o r inibição da d e s c a r b o x i l a ç ã o do ácido g l u t â m i c o para ácido g a m a - a m i n o b u t í r i c o e seus derivados, deficiência esta t a m b é m c o m p r o v a d a na F N C . A p e s a r da c o m p r o -v a ç ã o destas hipóteses, p o r seus efeitos bioquímicos, r e s t a ainda p o r e x p l i c a r os diferentes graus de D M na F N C e suas variantes, assim c o m o a c o m p r o
-v a ç ã o de D M e m crianças nascidas de m ã e s fenilcetonúricas 1 9
.
Já fizemos o diagnóstico de F N C e m cerca de 15 pacientes, entre m a t e r i a l p a r t i c u l a r e do H o s p i t a l das Clínicas da F a c u l d a d e de M e d i c i n a da U n i v e r s i -dade de S ã o P a u l o e alguns estão sob c o n t r o l e c o m dieta o r g a n i z a d a por nós e a e x e c u t a d a pelo S e r v i ç o de D i e t é t i c a daquele H o s p i t a l , baseada e m C e n
-t e r w a l & c o l .6
, c o m u t i l i z a ç ã o de a l i m e n t o s nacionais e leites especiais i m -portados. A f a b r i c a ç ã o destes leites especiais p o d e r á se t o r n a r u m a realidade nacional, na dependência da a p r o v a ç ã o do mencionado plano p a r a testes de t r i a g e m e m massa; é a promessa de i m p o r t a n t e l a b o r a t ó r i o f a r m a c ê u t i c o e m S ã o P a u l o .
A Teucinosa ou cetoacidúria de cadeia ramificada ou "maple syrup urine disease", da l i t e r a t u r a inglesa era, a t é há pouco t e m p o , descrita na sua " f o r m a clássica", a l é m de casos de f o r m a atenuada, e m n ú m e r o de 3 a t é 1967
( M o r r i s & col., 1961, in Daneis & c o l .7
e L o n d s d a l e & col., 1967, in E f r o n & A m p o l a9
) . O d e f e i t o g e n é t i c o p r i m á r i o é desconhecido a t é agora, sabendo-se,
entretanto, que a d e s c a r b o x i l a ç ã o do ácido alfacetoisocapróico é a mais a f e -tada ( A u e r b a c h & c o l .2
) . E s t á esclarecido que a descarboxilação destes alfa-cetoácidos r e q u e r c e r t o n ú m e r o de co-fatores, c o m o a tiamina pirofosfato e o ácido lipóico. Daneis & col., 1972 (in A u e r b a c h & c o l .2
) r e c o n h e c e m atual-m e n t e 3 grupos de l e u c o c i n o s e : g r a u I , são os casos "clássicos", os quais
c o n t é m menos de 2 % da a t i v i d a d e e n z i m á t i c a n o r m a l ; g r a u I I ou " f o r m a s i n t e r m i t e n t e s " , cujos níveis e n z i m á t i c o s estão e n t r e 2 e 8%; g r a u I I I , ou " f o r m a s l e v e s " , cujos níveis estão a c i m a de 8%. E s t a s determinações e n z i m á -ticas f o r a m efetuadas e m fibroblastos da pele de p a c i e n t e s : 6 da f o r m a clás-sica, 4 da f o r m a i n t e r m i t e n t e e 3, da f o r m a l e v e1
. E s t a s variedades genéticas
da leucinose s e r i a m explicadas pela c o m p l e x i d a d e da descarboxilação o x i d a t i v a dos a l f a - c e t o derivados da leucina, isoleucina e valina, h a v e n d o autores que j á d i s t i n g u e m duas variedades de descarboxilases ( B o w d e n & col., in A u e r b a c h & D i G e o r g e 2
) .
A acidemia propiônica f o i p r i m e i r a m e n t e descrita p o r H o m m e s & c o l . (1968) 1 1
. O d e f e i t o básico consiste na deficiência da e n z i m a p r o p i o n i l C o A -carboxilase, sendo conhecida c o m o " h i p e r g l i c i n e m i a c e t ó t i c a " . O diagnóstico é f e i t o pela d o s a g e m desta e n z i m a nas m i t o c ô n d r i a s de biopsias hepáticas.
-n i l - C o A . E m b o r a t a l a f e c ç ã o tivesse sido descrita e m 1961 p o r Childs & col. c o m o entidade clínica ligada a distúrbio do m e t a b o l i s m o da g l i c i n a1 1
, não tinha sido estabelecida a base e n z i m á t i c a desta a l t e r a ç ã o . D u a s são as
con-dições clínicas descritas sob essa d e n o m i n a ç ã o : uma, c a r a c t e r i z a d a p o r uma acidóse neonatal devastadora e que n ã o responde às terapêuticas, levando a ó b i t o ; outra, uma condição menos severa, c o m crises de acidóse m e t a b ó l i c a e cetose, precipitadas por altas ingestões de proteínas ou infecções inter-correntes.
A aciduria piroglutâmica f o i descrita p o r E l d j a r n & c o l .1 0
(1970) e m
paciente c o m 21 anos de idade, atrasado m e n t a l e apresentando, c o m o sinais neurológicos, uma síndrome c e r e b e l a r ( p r i n c i p a l m e n t e a x i a l ) e tetraparesia espástica, predominando nos m e m b r o s inferiores. U m segundo caso f o i r e f e r i d o por H a g e n f e l d t ( c o m u n i c a ç ã o pessoal) 1 0
e m criança de 6 meses, que apresen-tava, c o m o no caso de E l d j a r n & c o l .1 0
, acidóse m e t a b ó l i c a crônica, a l é m da
e x c r e ç ã o a u m e n t a d a de ácido p i r o g l u t â m i c o na urina; p o r é m , este caso ainda não apresentava lesão c e r e b r a l ou cerebelar. Estes casos n ã o são d e t e c t á v e i s pelos m é t o d o s comuns de testes de t r i a g e m p a r a A m A c devendo ser suspei-tados na presença de acidóse m e t a b ó l i c a crônica e na r e d u ç ã o da e x c r e ç ã o de uréia, indicando u m e r r o do m e t a b o l i s m o do n i t r o g ê n i o . E l d j a r n & c o l .1 0
n ã o c o n s e g u i r a m d e m o n s t r a r r e l a ç ã o e n t r e este E I M e a síntese de uréia, a síntese de íons a m o n i o e r e l a ç ã o c o m o m e t a b o l i s m o de A m A c . P a r e c e que, segundo as teorias de O r l o w s k i & M e i s t e r , o ácido p i r o g l u t â m i c o seria u m i n t e r m e d i á r i o no "ciclo g a m a - g l u t a m i l " , tendo papel decisivo na absorção renal de A m A c1 0
. R e a l m e n t e , só após s o b r e c a r g a de A m A c e m g e r a l na dieta é
que se pôde v e r i f i c a r a u m e n t o de e x c r e ç ã o de ácido p i r o g l u t â m i c o . E s t e , a u m e n t a d o no L C R , explicaria as lesões c e r e b r a l e c e r e b e l a r1 0
.
F i n a l m e n t e , pensamos ser de interesse apresentar o u t r o E I M r e c e n t e m e n t e descrito 2 7
— a deficiência de beta-metilcrotonil-CoA-carboxilase — l i g a d a à d e g r a d a ç ã o da leucina e à a c i d e m i a isovalérica. D e s c r i t a p o r E l d j a r n & col. (1970) n u m a criança de 4 meses e m e i o , cujos pais e r a m consanguíneos, c o m
dois i r m ã o s mais velhos normais e que apresentava q u a d r o semelhante a u m a m o l é s t i a de W e r d n i g - H o f f m a n n : a t r a s o no d e s e n v o l v i m e n t o n e u r o m o t o r , hipo-tonia e h i p o t r o f i a m u s c u l a r e s2 7
. N ã o a p r e s e n t a v a sinais de deficiência de biotina, sendo n o r m a l a a t i v i d a d e m e n t a l . E n t r e t a n t o , a criança p i o r o u e faleceu de broncopneumonia aos 9 meses de idade, s e m h a v e r m e l h o r a c o m
o e m p r e g o de biotina ou dietas pobres e m leucina. O paciente cujo caso foi r e l a t a d o por G o m p e r t z & col. (1971) 2 7
e r a uma criança de 5 meses de idade, c o m v ô m i t o s persistentes desde o nascimento e u m "rash" e r i t e m a t o s o s e v e r o que g r a d u a l m e n t e aumentou do segundo m ê s e m diante. A m b a s as crianças a p r e s e n t a v a m urina c o m cheiro especial de "urina de g a t o " . A p a c i e n t e de
G o m p e r t z & col. r e a g i u b e m à a d m i n i s t r a ç ã o de biotina e m altas doses, repetindo o q u a d r o de v ô m i t o s e o "rash" c u t â n e o2 7
.
R E S U M O
m e t a b ó l i c a s e n v o l v e n d o o s a m i n o á c i d o s na e c o n o m i a humana. É apresentada u m a c l a s s i f i c a ç ã o a t u a l i z a d a das principais aminoacidopatias que d e t e r m i n a m s i n t o m a t o l o g i a n e u r o l ó g i c a e / o u m e n t a l . S ã o revistos os principais m é t o d o s d e diagnóstico, apontando-se as falhas de a l g u m a s m e t o d o l o g i a s . S ã o
aborda-das a l g u m a s p a r t i c u l a r i d a d e s da fenilcetonúria, leucinose e acidemia propiônica, p r i n c i p a l m e n t e n o q u e c o n c e r n e à v a r i a ç ã o g e n é t i c a . F i n a l m e n t e , são a p r e -sentadas duas a m i n o a c i d o p a t i a s r e c e n t e m e n t e d e s c r i t a s : a aciduria p i r o g l u ¬ t â m i c a e a d e f i c i ê n c i a d a b e t a - m e t i l - c r o t o n i l - C o A - c a r b o x i l a s e .
S U M M A R Y
T h e aminoacidopathies of neurologic interest
T h e a m i n o a c i d o p a t h i e s c o n s t i t u t e the b i g g e s t g r o u p of inborn e r r o r s of m e t a b o l i s m , k e e p i n g g r o w i n g in number, considering the a m o u n t of m e t a b o l i c chains e n v o l v i n g t h e a m i n o a c i d s in the h u m a n e c o n o m y . T h e a u t h o r t r y t o p r e s e n t e an up t o d a t e classification of t h e m a i n aminoacidopathies w h i c h d e t e r m i n e n e u r o l o g i c a l a n d / o r m e n t a l s y m p t o m a t o l o g y . A s a n e x t step, a r e
p r e s e n t e d a r e v i e w o n t h e m a i n diagnostic methods, p o i n t i n g o u t w h e r e s o m e m e t h o d o l o g y f a i l . S o m e p a r t i c u l a r i t i e s in phenylketonuria, m a p l e s y r u p and p r o p i o n i c aciduria, c o n c e r n i n g t o t h e g e n e t i c v a r i a t i o n a r e r e v i e w e d . F i n a l l y , t w o a m i n o a c i d o p a t h i e s r e c e n t l y described a r e p r e s e n t e d : the p y r o g l u t a m i c aciduria a n d t h e b e t a - m e t h y l - c r o t o n y l - C o A - c a r b o x i l a s e deficiency.
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