N E U R O C I S T I C E R C O S E N O S U D E S T E D A B A H I A
A P ROP ÓSIT O D E QUAT RO CASOS
ALBERTO JORGE P. PEREGRINO * SILVIO DE OLIVEIRA PORTO **
O presente registro justifica-se por ser de maneira ger al rara a incidência
da neurocisticercose no nordeste br asileir o. Servem de exemplo o fato de em
Pernambuco terem sido registrados até 1982 apenas 6 casos da doença
1,8,11,12e
de, na Bahia, revisão de 4.000 necrópsias de hospital ger al ter mostrado
inci-dência de 0,3% de neurocisticercose
7. A incidência da doença é tributo pago
ao subdesenvolvimento
3, diretamente relacionado a deficiências na área da
medicina pública e sanitár ia.
Apesar das dificuldades locais quanto ao diagnóstico laboratorial e
neuror-r adiológico, conseguimos neuror-registneuror-raneuror-r 4 casos de neuneuror-rocisticeneuror-rcose no peneuror-ríodo de
janeir o de 1977 a dezembro de 1982. Os pacientes foram atendidos no eixo
Ilhéus-Itabuna, duas cidades do sudeste da Bahia, r egião conhecida como r egião
cacaueir a. Estes dois municípios são responsáveis por 70% da produção do
cacau brasileiro. Nessa região predomina a monocultura do cacau (98% da
área cultivada) e sua população está sujeita aos mesmos males
sócio-econò-micos que o restante da população nordestina. Os locais de atendimento foram
o Hospital Estadual Luiz Viana Filho de Ilhéus, o Ambulatório do INAMPS de
Ilhéus, o Hospital Santa Cr uz da Santa Casa de Misericórdia de Itabuna e
clínica pr ivada.
OB SERVAÇÕES
Caso 1 — J. N . N . O. , 9 anos de idade , s e xo m as culino , natural de Ilh é u s , re side nte ne s s e m unicípio . Em 24-07-80 come çou apre s e ntar ce falé ia difus a de m é dia inte ns idade , co ntínua, às ve ze s aco m panhada de vô m ito s , de fre qüê ncia s e m anal e que ce dia com analgé s ico s co m uns . Exa m in a d o pe la prim e ira ve z em 20-08-80, po r apre s e ntar fo rte ce falé ia e vô m ito s . O e xam e fís ico ge ral nada re ve lo u. Ao e xam e ne uro ló gico fo i e nco ntrado ape nas e de m a de papila bilate ral. Me dicado n a o cas ião co m de xam e tas o na
(4 mg/ dia, via o ral) . De z d ias apó s apre s e nto u cris e co nvuls iva que se inicio u n o m e m -bro s upe rio r e sque rdo , com po s te rio r ge ne ralização . Exam in ad o ne sse dia, pe rs is tia o
papile de m a bilate ral. A pe dido da fam ília fo i e ncam inhado para a cidade de São Pa u lo onde re alizo u: an gio grafia ce re bral caro tidiana bilate ral» ccns ide rada n o rm al; líquido cé falo -raquidiano ( LCR) s ub-o ccipital ( SOD) . Es t e e ra lím pido e inco lo r e apre s e n tava: 0,7 cé lulas po r m m 3 ; clo re to s 711mg/ 100ml; glico s e 80mg/ 100ml; pro te ínas to tais 43mg/ 100ml; re açõ e s de Pa n d y e No n n e le ve m e nte p o s itivas ; re ação de Ta k a ta -Ara po s itiva, tipo flo cu lan te ; re açõ e s de Was s e rm ann e do VD R L não re age n te s ; re ação de We in b e rg re age nte , 4 unidade s ( Labo rató rio de Ne uro diagn ó s tico Sp in a Fr a n ç a ) . O pacie nte vo lto u para Ilh é u s m e dicado com co rticó ide s e antico nvuls ivante s . Ap ó s 20 dias de tratam e nto o e de m a de papila re gre diu to talm e nte e, até a pre s e nte data, o pacie nte
e nco ntra-s e as s into m ático . No e xam e paras ito ló gico de fe ze s havia ovos de zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Ascaris lum bricoides; o he m o gram a apre s e ntava 3% de e o s inó filo s ; o R X de crânio fo i no rm al.
O pacie nte não m o ra pe rto de re banho s de porcos e come e sporadicame nte carne de po rco . Caso 2 — E. E. P . , 25 ano s de idade , s e xo fe m inino , natural de Po rto Se gu ro , re s i-de nte em Eu n áp o lis , dis trito i-de Po rto Se gu ro . Em 25-10-80 come çou apre se ntar do r i-de cabe ça e vô m ito s . No d ia s e guin te apre s e ntava te m pe ratura de 37,5oC e a ce falé ia p e r-s ir-s tia. Pro curo u ar-s r-s ir-s tê ncia m é dica e m Il h é u r-s , r-s e ndo inte rnada e m 04-11-80. Ao e xame fís ico , nada fo i e nco ntrado alé m de te m pe ratura de 37,3<>C. O e xam e ne uro ló gico fo i no rm al. No dia s e guin te , a te m pe ratura e ra 37,5<>C e havia dis cre ta rigide z de nuca, que s e to rno u m ais e vide nte n o de co rre r d o d ia. Fo i co lhido LCR que e ra no rm o te nso e apre s e ntava: 200 cé lulas po r mm3 ( linfó cito s 5 6 %; mo nó cito s 3 6 %; ne utró filo s 3 %; e o s inó filo s 5 %) ; pro te ínas to tais 83,9mg/ 100ml; clo re to s 715mg/ 100ml; glico s e 67mg/ 100ml; re ação do V D R L não re age n te ; não fo i re alizada a re ação de We in b e rg. Fo i m e dicada com de xam e tas o na ( 1 6 mg/ dia) . Ap ó s 5 d ias e nco ntravas e se m ce falé ia, fe bre ou r i g i de z de nuca. Fo i re alizada no va co lhe ita de LCR v i a SOD que e ra normote nso e apre -s e n tava: 100 cé lula-s po r mm3 ( linfó cito -s 6 8 %; m o nó cito -s 2 8 %; e o -s inó filo -s 4 %) ; pro te ína-s to tais 2 2 ,lmg/ 1 0 0 ml; glico s e 63mg/ 100ml; re ação do V D R L n ão re age nte . Parte de s ta am o s tra de LCR fo i e ncam inhada para o Labo rató rio d e Ne uro diagn ó s tico Sp in a Fra n ça para e s tudo im uno ló gico que re ve lo u: re ação de Was s e rm ann não re age n te ; re ação de We in be rg re age n te ; re açõe s de im uno fluo re s cê ncia para to xo plas m cs e não re age nte , para s ífilis ( FTA-Ab s ) não re age nte e para cis tice rco s e re age nte . De z dias apó s & pacie nte re ce be u alta ho s pitalar, e s tando as s into m ática e, até a pre s e nte data, não apre s e nto u re pe tição d o quadro . Es t a pacie nte apre s e ntava 3% d e e cs inó filo s n o s angue , e xam e paras ito ló gico de fe ze s ne gativo e R X de crânio no rm al. Co m e carne de porco e s po radicam e nte e não m anté m co ntacto co m s uíno s .
irritação m e nínge a. O R X de crânio re ve lou dis jun ção de s utura s agital e impre ssõe s digitifo rm e s . O E E G m o s tro u le ntificação difus a do ritm o de bas e . Fo i s ubm e tida a e studo an gio gráfico do s is te m a caro tíde o e vé rte bro bas ilar e a um a ve ntriculo grafia, to do s n o rm ais ; fo ram re tirado s 10ml de LCR ve ntricular, cujo e xam e m o s tro u 76 cé lulas por mm3 ( linfó cito s 7 7 %; ne utró filo s 2 0 %; e o sinó filo s 3 %) ; glico s e 46mg/ 100ml; pro -te ínas to tais 324mg/ 100ml; clo re to s 751mg/ 100ml; re açõe s de. Pa n d y e No n n e po s itivas ; re ação do VD R L não re age n te ; re ação de im uno fluo re s cê ncia para cis tice rco s e re age nte . Fo i m e dicada com de xam e tas o na (1 6 mg/ dia) e antico nvuls ivante s . Ap ó s 30 dias havia to tal re gre s s ão do papile de m a, as s im como re missão das alte raçõ e s do e stado de co ns ciê ncia. Atualm e n te faz us o d e antico nvuls ivante s . A pacie nte come rarame nte carne de po rco e nunca te ve co ntato com lo cais de criação de s uíno s .
Caso 4 — A.A.S., 60 ano s de idade , s e xo fe m inino , natural de Itab u n a, re side nte ne s s a m e s m a cidade . Há do is ano s apre s e nto u crise, co nvuls iva ge ne ralizada sobre a qual não s abe re fe rir m aio re s de talhe s . Na é po ca, s e gundo a pacie nte , o e xam e ne uro ló gico , re alizado por e s pe cialis ta, fo i no rm al, as s im como R X de crânio e e studo a n gio -grafico do s is te m a caro tíde o , bilate ralm e nte . Fo i e ntão m e dicada com antico nvuls ivante s . Nã o fo i re alizado e studo do LCR n a é po ca. Evo lu iu be m até nove mbro de 1982, quando come çou a apre s e ntar ce falé ia de fo rte inte ns idade , difus a, co ntínua, pre dominante me nte m atin al, às ve ze s com vô m ito s . Fo i e ntão re alizada to m o grafia co m putado rizada crânio --e nce fálica ( TAC) que m o s tro u m últiplas le s õ e s , arre do ndadas , nos lobos fro ntal e parie tal e sque rdos be m como o ccipital dire ito , as quais após inje ção de co ntras te intrave no s o apre se ntavam dis cre ta captação pe rifé rica, s uge rindo as pe cto inflam ató rio
60mg/ 100ml; re ação de im uno fluo re s cê ncia para cis tice rco s e re age nte . A pacie nte come e sporadicame nte carne de porco e nunca te ve co ntacto com lo cais de criação de s uíno s .
COMENT ÁRIOS
Os 4 casos de neurocisticercose registrados apresentaram formas clínicas já
bem conhecidas e presentes nas classificações de vários autores 2
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA.3,4 ,6 ,9 ,1 2 . Assim,a forma hipertensiva ocorreu em todos os casos, sendo moderada nos casos 2 e
4 e intensa nos casos 1 e 3, nos quais foi encontrado edema de papila bilater al.
A forma convulsiva ocorreu nos casos 1, 3 e 4, sendo predominante no último.
Apenas no caso 2 ocorreram sinais de irritação meníngea. Par a o diagnóstico
da doença foram obedecidos os critérios clássicos: achado do cisticerco em
estrutura do sistema nervoso mediante ato cirúrgico ou necrópsia; demonstração
de anticorpos específicos a cisticercos no LCR mediante a positividade da reação
de fixação de complemento par a neurocisticercose (reação de Weinber g) ou da
reação de imunofluorescência para cisticercose, com ou sem eosinof ilorraquia
5;
positividade da reação de fixação do complemento ou de imunofluorescência
para cisticercose no sor o, associada à presença de calcificações parvinodulares
no RX de crânio e/ ou nódulos inflamatórios típicos na T AC
3»
9. Na presente
casuística, a reação de Weinberg no LCR foi realizada nos casos 1 e 2, com
resultados positivos. Nos casos 3 e 4 o diagnóstico foi baseado na positividade
de reação de imunofluorescência para cisticercose no LCR, realizado em labor
a-tório da cidade de Itabuna (Dr s. Er ic Ettinger e Ar i Par anhos) e, no caso 2,
também em laboratório de São Paulo. A eosinofilorraquia foi encontrada nos
casos 2, 3 e 4. Em nenhum dos casos foram verificadas calcificações em RX de
crânio. Apenas no caso 4 foi realizada T AC, a qual foi útil para o diagnóstico.
No sor o, a reação de fixação do complemento par a cisticercose (reação de
Weinber g) não foi realizada em qualquer dos casos por não ser praticada em
nosso meio. Em relação ao tratamento, todos os pacientes responderam
satis-fatoriamente a corticoidoterapia, tornando-se assintomáticos. O caso 3, o mais
grave de todos, o único a apresentar alteração do nível de consciência, foi o que
necessitou de mais tempo com a corticoidoterapia: cerca de 90 dias para a total
remissão do quadro da cefaléia. Por dificuldades locais e de ordem econômica
não foram traçados planos para o uso do p r a ziq u a n t e l
1 0, que estaria indicado
para o caso 4.
abatidos). Esses resultados levam a crer que, nos matadouros do sudeste da
Bahia, pesquisas semelhantes possam vir a mostrar índices de contaminação
bem mais elevados visto que, proporcionalmente em relação ao tempo de
obser-vação e população, registramos número de casos considerável em relação a
outras regiões e Estados nordestinos. Por outro lado, quanto à ingestão de
ovos de tênia, até que ponto a ingestão de legumes e verduras provenientes de
outros Estados (80% destes alimentos aqui ingeridos são originários de outras
regiões e Estados, principalmente do Estado de S. Paulo) estaria tendo
impor-tância, sendo responsável pelo aparecimento da doença no homem, quando
con-taminados por ovos viáveis.
Os dados registrados permitiram sugerir às autoridades públicas
competen-tes, uma investigação junto aos matadouros de porcos da região par a concluirmos
se o índice de contaminação de suínos apresenta importância epidemiológica.
Além disso, é importante frisar que pacientes atendidos nesta r egião com queixas
de cefaléia e crises convulsivas, par ciais ou não, devem ser submetidos a
inves-tigações no LCR e neurorradiológicas, sobretudo T AC, direcionadas ao
diagnós-tico da cisticercose do sistema nervoso central, mesmo sabendo que esta
pato-logia é r ar a no nordeste br asileir o.
RES U MO
Os autores registram 4 casos de neurocisticercose no eixo Ilhéus-Itabuna,
dois municípios da r egião sudeste da Bahia e justificam o relato pela baixa
incidência da doença na r egião e no nordeste br asileir o. Os 4 casos registrados
foram enquadrados nas formas clínicas: hipertensiva, meningítica, convulsiva e
psíquica. O diagnóstico foi baseado na positividade das reações de fixação de
complemento e imunofluorescência par a cisticercose no LCR, associada ou não
a eosinofilorraquia. Em apenas um caso foi realizada a T AC. Reafirmando
ser a neurocisticercose doença que é fruto do subdesenvolvimento sócio-econô¬
mico, os autores sugeriram às autoridades públicas competentes levantamento
adequado do problema e maior fiscalização junto aos locais onde porcos são
criados e abatidos na r egião. Foi fr isada ainda a importância regional de se
investigar a neurocisticercose mediante estudo do LCR e, sempre que possível,
associado a estudo da T AC, naqueles pacientes com queixas de cefaléia e de
crises convulsivas, mesmo sabendo que a incidência dessa patologia é baixa no
nordeste brasileiro.
SUMMARY