ACHADOS ELETRENCEFALOGRÁFICOS EM 30 PACIENTES COM
ILUSÕES DE MEMÓRIA
R U B E N S MOURA RIBEIRO *
As primeiras descrições de alterações da memória na epilepsia
tempo-ral datam de 1898-1899, quando Hughlings Jackson descreveu o "dreamy
state"
8 , 9. Êsses casos não são obrigatóriamente seguidos por convulsão
focai ou generalizada; em geral, não há perda mas alteração da consciência.
Em 1954, Penfield e Jasper
1 6reuniram, sob o título de "ilusões da
memó-ria", as sensações de familiaridade ou fenômeno do já visto e as sensações
de estranheza ou fenômeno do nunca visto. Êsses autores obtiveram
expe-rimentalmente a reprodução da sensação de familiaridade ou de estranheza
pela estimulação elétrica das faces lateral e superior do lobo temporal.
Não há mais dúvida quanto à importância do lobo temporal e
estru-turas a êle ligadas através do fórnix e formação hipocampal no mecanismo
da memória, e, portanto, na evocação de experiências anteriormente
vivi-das
1 9. O córtex temporal é respon3ável não sòmente pela gravação de
ex-periências atuais, mas também pela interpretação de cada experiência vivida
anteriormente, através da comparação dos fenômenos que dela participam
e pela integração e armazenamento das impressões obtidas. Neste sistema
diferenciado está integrada a formação descrita por Moruzzi e M a g o u n
1 2com o nome de sistema reticular e que tem a finalidade de manter as
relações aferentes e eferentes do córtex cerebral. A importância que o
núcleo ventral anterior do tálamo tem neste circuito é evidenciada pelas
suas correlações com a insula, demonstradas pelas experiências em animais
1 0ou mediante observações anátomo-clínicas no homem
2. Apesar dos testes
de Rorscharsch e Tat não revelarem alterações significativas no psiquismo
dos pacientes portadores de epilepsia temporal, quando comparados com
ou-tras formas de epilepsia
1 1, Small e col.
1 7e Feindel e Penfield
5chamam a
atenção para as perturbações mentais observadas nos pacientes com
epilep-sia temporal. Gibbs e Gibbs
6assinalam que mais da metade de seus
pa-cientes com epilepsia temporal apresentam perturbações mentais.
M A T E R I A L , M É T O D O E R E S U L T A D O S
N o s s o m a t e r i a l c o n s t a de 30 p a c i e n t e s c o m e p i l e p s i a t e m p o r a l q u e a p r e s e n t a -r a m i l u s õ e s d e m e m ó -r i a : 20 e -r a m d o s e x o f e m i n i n o e 10 d o s e x o m a s c u l i n o ; as i d a d e s v a r i a r a m e n t r e 10 e 40 a n o s . Os e l e t r e n c e f a l o g r a m a s f o r a m r e g i s t r a d o s e m
a p a r e l h o G r a s s d e 8 c a n a i s ; a c o l o c a ç ã o dos e l e t r o d o s o b e d e c e u ã t é c n i c a do M o n -t r e a l N e u r o l o g i c a l I n s -t i -t u -t e .
E m t o d o s os casos o e x a m e e l e t r e n c e f a l o g r á f i c o m o s t r o u f o c o s e p i l é p t i c o s a t i v o s p r o j e t a d o s n o l o b o t e m p o r a l : 29 p a c i e n t e s a p r e s e n t a v a m f o c o u n i l a t e r a l e, um, f o c o d e p r o j e ç ã o b i l a t e r a l . D o s 29 casos c o m f o c o u n i l a t e r a l 18 a p r e s e n t a v a m p r o j e ç ã o n o l o b o t e m p o r a l e s q u e r d o e, 11, n o l o b o t e m p o r a l d i r e i t o ( q u a d r o 1 ) .
A s e n s a ç ã o d e " e s t r a n h e z a " e s t ê v e p r e s e n t e 20 v e z e s , sendo, e m dois casos, m a -n i f e s t a ç ã o i s o l a d a . A s e -n s a ç ã o d e " j á v i s t o " f o i v e r i f i c a d a 6 v ê z e s , e a s e -n s a ç ã o d e " e s t r a n h e z a " e " j á v i s t o " c o m o m a n i f e s t a ç ã o c o n j u n t a e m 4 v ê z e s .
I l u s õ e s de m e m ó r i a f o r a m r e f e r i d a s p o r 9 p a c i e n t e s ( 3 0 % ) c o m f o c o s de s i t u a ç ã o c o r t i c a l e 20 p a c i e n t e s ( 6 6 , 6 % ) c o m f o c o s d e s i t u a ç ã o p r o f u n d a ; e m 17 p a c i e n -t e s ( 5 6 , 6 % ) o f o c o e s -t a v a s i -t u a d o n o l o b o -t e m p o r a l e s q u e r d o , e m 11 ( 3 6 , 6 % ) n o l o b o t e m p o r a l d i r e i t o ; e m u m ( 3 , 3 % ) t i n h a r e p e r c u s s ã o b i l a t e r a l . P o r t a n t o , e m nosso m a t e r i a l a s i l u s õ e s d e m e m ó r i a f o r a m m a i s f r e q ü e n t e s nos p a c i e n t e s c o m f o c o s d e s i t u a ç ã o s u b c o r t i c a l n o l o b o t e m p o r a l e s q u e r d o .
R e g i s t r a m o s t a m b é m a p r e s e n ç a d e o u t r a s m a n i f e s t a ç õ e s c l í n i c a s da e p i l e p s i a t e m p o r a l q u e a c o m p a n h a v a m as i l u s õ e s d e m e m ó r i a : crises p s i c o m o t o r a s e m 24 casos; crises a l u c i n a t ó r i a s e m 21 casos.
C O M E N T Á R I O S
Nossos 30 pacientes foram selecionados dentre 398 portadores de
alte-rações focais temporais no EEG. Assim, 7,5% dos pacientes portadores de
epilepsia temporal apresentavam ilusões de memória; esta percentagem é
semelhante àquela encontrada por Armbrust-Figueiredo
1Analisando a incidência das manifestações clínicas referidas pelos nossos
pacientes, verificamos que a sensação de estranheza predominou, pois
ocor-reu em 20 pacientes (66,6% dos casos); a sensação de familiaridade esteve
presente em 6 pacientes (20%) e a de estranheza e familiaridade como
ma-nifestações conjuntas em 4 pacientes (13,3%). Como mama-nifestações
conco-mitantes encontramos crises do tipo automatismo psicomotor em 24
pacien-tes, e crises de alucinações em 21 pacientes. Esta alta incidência de
auto-matismo psicomotor e ilusões de memória vem corroborar os trabalhos de
Mulden e Daly em 1952
1 3, que verificaram que as queixas mais usuais nos
pacientes com epilepsia temporal eram do âmbito psiquiátrico; Weil em
1959
2 0mostrou lesões no lobo temporal de pacientes queixando-se de medo
e de sensações irreais. Embora Gibbs e col.
7em 1948 encontrassem maior
incidência de crises do tipo psicomotor em pacientes com foco temporal, as
crises psicomotoras também podem depender de focos situados nos lobos
frontal e parietal
4, pela repercussão que estas estruturas têm sobre a
re-gião centrencefálica e lobo temporal
3.
1 5.
Discutindo as ilusões, P a p e z
1 4em 1937 elaborou as bases anatômicas
para o substrato das emoções, e colocou sua sede no lobo temporal; em 1957
Stevens
1 8aventou a possibilidade de ser elaborado um homúnculo psíquico,
de maneira semelhante ao homúnculo descrito na epilepsia de
Bravais-Jackson.
R E S U M O
Foram analisados do ponto de vista eletrencefalográfico 30 pacientes
com "ilusões de memória": 29 pacientes apresentavam foco de projeção
uni-lateral em um dos lobos temporais; um apresentava foco de projeção
bi-lateral nos lobos temporais. Dos 29 casos com projeção unibi-lateral, 18
apre-sentavam foco de projeção no lobo temporal esquerdo e 11 no lobo temporal
direito. Em relação à situação do foco, 21 pacientes apresentavam foco
profundo e 9 foco superficial.
S U M M A R Y
Electroencephalographic findings on 30 patients with illusions of memory.
Electroencephalographic studies were carried out on 30 patients with
"illusions of memory": 29 had unilateral discharges in the temporal lobe
and one had bilateral discharges in the temporal lobes. Eighteen patients
showed focal discharges in the left temporal lobe and 11 in the right
tem-poral lobe. In 21 patients the electroencephalogram showed subcortical
dis-charges and in 9 cases focal cortical disdis-charges.
R E F E R Ê N C I A S
n e c t i o n s o f l i m b i c c o r t e x . A r c h . N e u r o l . , 7:518-528, 1962. 3. D E L L , M . B . — L ' e p i ¬ l e p s i e t e m p o r a l e . P r e s s e M é d . , 61:505-508, 1953. 4. F E G E R S T E N , L . ; R O G E R , A . — F r o n t a l e p i l e p t o g e n i c f o c i a n d t h e i r c l i n i c a l c o r r e l a t i o n s . E l e c t r o e n c e p h . & C l i n . N e u r o p h y s i o l . , 13:905-913, 1961. 5. F E I N D E L , W . ; P E N F I E L D , W . — L o c a l i z a t i o n o f d i s c h a r g e i n t e m p o r a l l o b e a u t o m a t i s m . A r c h . N e u r o l . & P s y c h i a t . , 77:605-630, 1954. 6. G I B B S , F . A . ; G I B B S , E. L . — A t l a s o f E l e c t r o e n c e p h a l o g r a p h y , v o l . I I . A d d i s o n - W e s l e y , C a m b r i d g e ( M a s s . ) , 1952, p á g s . 169-170. 7. G I B B S , E . L . ; G I B B S , F . A . ; F U S T E R , B . — P s y c h o m o t o r e p i l e p s y . A r c h . N e u r o l . & P s y c h i a t . , 6 0 : 3 3 1 -339, 1948. 8. J A C K S O N , J. H . ; C O L M A N , W . S. — C a s e o f e p i l e p s y w i t h t a s t i n g m o v e m e n t s a n d d r e a m y s t a t e . V e r y s m a l l p a t c h o f s o f t e n i n g i n t h e l e f t u n c i n a t i g y r u s . B r a i n , 21:580590, 1898. In T a y l o r , J. — S e l e c t e d W r i t i n g s o f J o h n H u g h l i n g s J a c k s o n , v o l . 1: O n E p i l e p s y a n d E p i l e p t i f o r m C o n v u l s i o n s . H o d d e r & S t o u g h -ton, L o n d r e s , 1931, p á g s . 458-463. 9. J A C K S O N , J. H . ; S T E W A R T , J. P . — E p i l e p t i c a t t a c k s w i t h a w a r n i n g o f a c r u d e s e n s a t i o n o f s m e l l a n d w i t h t h e i n t e l l e c t u a l a u r a ( d r e a m y s t a t e ) in a p a t i e n t w h o h a d s y m p t o m s p o i n t i n g t o g r o s s o r g a n i c d i s e a s e o f t h e r i g h t t e m p o r o - s p h e n o i d a l l o b e . B r a i n , 22:534-549, 1899. In T a y l o r , J. — S e l e c t e d W r i t i n g s o f J o h n H u g h l i n g s J a c k s o n , v o l . 1: On E p i l e p s y a n d E p i l e p t i f o r m C o n v u l s i o n s . H o d d e r & S t o u g h t o n , L o n d r e s , 1931, p á g s . 464-473. 10. L A S H L E Y , K . S. — T h a l a m o - c o r t i c a l c o n n e c t i o n s o f t h e r a t ' s b r a i n . J. C o m p . N e u r o l . , 75:67-122, 1941. 11. M I R S K Y , A . F . ; P R I M A C , D . W . ; A J M O N E - M A R S A N , C ; R O S V O L D , H . E.; S T E V E N S , J. R . — A c o m p a r i s o n o f t h e p s y c h o l o g i c a l t e s t p e r f o r m a n c e o f p a t i e n t s w i t h f o c a l and n o n f o c a l e p i l e p s y . E x p e r . N e u r o l . , 2:75-89, 1960. 12. MO¬ R U Z Z I , G . ; M A G O U N , H . W . — B r a i n s t e m r e t i c u l a r f o r m a t i o n and a c t i v a t i o n o f t h e E E G . E l e c t r o e n c e p h . & C l i n . N e u r o p h y s i o l . , 1:455-473, 1949. 13. M U L D E R , D . M . ; D A L Y , D . — P s y c h i a t r i c s y m p t o m s a s s o c i a t e d w i t h lesions o f t e m p o r a l l o b e . J . A . M . A . , 150:173-176, 1952. 14. P A P E Z , J. W . — A p r o p o s e d m e c h a n i s m o f e m o t i o n . A r c h . N e u r o l . & P s y c h i a t . , 38:725743, 1947. 15. P E N F I E L D , W . — E p i l e p t i c a u t o -m a t i s -m a n d t h e c e n t r o e n c e p h a l i c i n t e g r a t i n g s y s t e -m . P r o c . A s s . R e s . N e r v . &a-mp; M e n t . Dis., 30:513528, 1952. 16. P E N F I E L D , W . ; J A S P E R , H . — E p i l e p s y a n d t h e F u n c -t i o n a l A n a -t o m y o f -t h e H u m a n B r a i n . L i -t -t l e B r o w n , B o s -t o n , 1954. 17. S M A L L , J. G . ; M I L S T E I N , V . ; S T E V E N S , J. R . — A r e p s y c h o m o t o r e p i l e p t i c s d i f f e r e n t ? A r c h . N e u r o l . , 7:187-194, 1962. 18. S T E V E N S , J. R . — T h e " m a r c h " o f t e m p o r a l l o b e e p i l e p s y . A r c h . N e u r o l . & P s y c h i a t . , 77:227-236, 1957. 19. V I C T O R , M . ; A N G E V I N E , V . ; M A N C A L L , E . L . ; F I S H E R , C. M . — M e m o r y l o s s w i t h l e s i o n s o f h i p p o c a m p a l f o r m a t i o n . A r c h . N e u r o l . , 5:244263, 1961. 20. W E I L , A . A . — I c t a l e m o t i o n s o c -c u r r i n g in t e m p o r a l l o b e d y s f u n -c t i o n . A r -c h . N e u r o l . , 1:87-97, 1959.