A amostragem da cana-de-açúcar para
determinações tecnológicas
F. PIMENTEL GOMES, O. VALSECHI, CLOVIS P. DE ABREU e ENIO ROQUE DE OLIVEIRA
Escola Superior de Agricultura «Luiz de Queiroz»
1. I N T R O D U Ç Ã O
Nos ensaios com cana-de-açúcar a produção só pode ser cor-retamente avaliada se, ao lado da quantidade de cana produzida, tivermos dados tecnológicos sobre o seu valor como matéria prima p a r a as indústrias do açúcar e do álcool. P a r a consegui-los, é costume colher uma amostra de cada parcela, p a r a análises tec-nológicas.
No Estado de São Paulo há dois métodos principais de a m o s -tragem em u s o . Um deles, que chamaremos método A, toma por base a touceira de cana, buscando colher uma touceira de c a d a parcela (CATANI et al., 1959) ou, mais geralmente, 2 0 canas no sulco, em seguida, em ponto da parcela escolhido ao acaso (AL-VAREZ è F R E I R E , 1962), método aplicado por técnicos do Insti-tuto Agronômico de C a m p i n a s . Na Escola Superior d e Agricultura "Luiz de Queiroz", porém, a tendência geral há muitos anos tem sido a de tirar 2 0 a 30 canas, escolhidas ao acaso na parcela, mas bem distribuídas por toda a área (ALMEIDA et al, 1952 C O U R Y et al, 1 9 5 7 ) . No caso de uma parcela com 4 sulcos úteis de 10 metros, por exemplo, tiram-se 5 canas de c a d a sulco, sendo a p e n a s uma cana de cada ponto sorteado no sulco. Esta técnica será designada método B .
O método A, de colheita de uma touceira ou de 2 0 canas seguidas num ponto do sulco escolhido ao acaso, parte da hipó-tese de que as maiores diferenças se observam entre colmos dis-tintos, de idades diferentes, da mesma touceira; o método B, de colheita de 2 0 canas distribuídas por toda a parcela, admite que também são importantes as diferenças entre touceiras, inclusive as devidas à variação do solo dentro d a p a r c e l a . P a r a dar u m a base científica sólida á qualquer dos métodos, fazia-se necessário co-nhecer a variação dentro d a s touceiras e entre touceiras. P a r a obter este conhecimento, é que foi realizado o trabalho ora apre-sentado .
2 . MATERIAL E M É T O D O S
Foram utilizados 3 talhões industriais de cana-planta, d a s variedades Co 419, CB 40-69 e CB 41-58, cultivadas em solos de aparência uniforme e localizados na F a z e n d a T a q u a r a l , no mu-nicípio de P i r a c i c a b a .
extensão de 15 m de comprimento e separados por 5 m de distân-cia, como indica a Figura 1.
Em cada sulco d e cada bloco se escolheu, ao acaso, uma tou-ceira bem caracterizada. Foram, portanto, colhidas 15 toutou-ceiras completas de cada bloco, que, depois de despalhadas e n u m e r a d a s
(1 A, 2 A, . . . , 15 A; 1 B, 2 B, . . . , 15 B ) , foram p e s a d a s .
De c a d a touceira numerada, foram sorteados 4 colmos. T i -nham-se, pois, p a r a c a d a variedade, 30 touceiras com 4 colmos por touceira, num total de 120 colmos que, em laboratório, foram analisados separadamente, tendo em vista a s seguintes determi-n a ç õ e s .
b) Brix. Utilizando-se o hidrômetro p a r a Brix (A. O. A. C , 1 9 6 0 ) .
c) Pol do caldo. Pelo método de Schmitz ( B R O W N E e Z E R B A N , 1941), precipitando-se os sais de cálcio e de chumbo, pela adição da mistura, em partes iguais, de oxalato de potássio a 3 % e fosfato bissódico a 7 % . d ) Coeficiente de pureza do c a l d o . Calculado pela fórmula:
( S P E N C E R e M E A D E , 1932).
Coeficiente de pureza =
Brix
e) Açúcar provável por cento de cana. D a d o pela fórmula: 4 0 . Açúcar provável % cana = 0,8 Pol (1,4 — ) ,
de Winter-Carp, na qual C, representa o coeficiente de pureza ( S P E N C E R e M E A D E , 1 9 3 2 ) . O fator 0,8 foi u s a d o como uma correção global da extração e da efi-ciência .
Consideramos, p a r a c a d a variedade, o modelo matemático:
y = m + b + t + e ,
ijk i ij ijk
onde m é a média da variedade, b . é o efeito do bloco (fixo), t é o efeito (aleatório) da touceira / no bloco /,' e e..f c é o efeito aleatório da cana k na touceira / do bloco i. T e m o s evidentemente:
i = 1, 2 ; j = 1, 2, 15; k = 1, 2, 3, 4 .
A análise de variância p a r a c a d a variedade obedece, pois, a o esquema seguinte:
Neste quadro, Q . M . indica Q u a d r a d o Médio, e E ( Q . M.) é a esperança matemática correspondente.
P o r outro lado, a2 é a variância de e
i j k e <r
2
1 é a variância
de t . . . I J
Conclui-se, pois, que <r2
é estimado p o r :
S2 — Q2 — Q M. C a n a s dentro das touceiras e que a
s\ = — ( Qt — Q2) 4
_ \ _ [~Q. M. Touceiras dentro dos blocos —~\ 4 |_— Q. M. Canas dentro das touceiras J Considerando-se, p a r a exemplificar, uma amostra de 2 0 canas, no caso de 20 canas de mesma touceira (método A ) , a variância da média seria:
a2 + 20 „ \
a 2 5 V l - 4 , V2
V (m2o) = = + " i — ,
20 20 20
ao passo que com 2 0 canas, mas uma de c a d a touceira (método B ) , o b t e r í a m o s :
, , a2
+ v\ 1 V, + 3 V2
V (m,) = = . • 20 2 0 4
Admitindo este modelo matemático, devemos ter sempre Vj > V2 e resulta ainda que
V (m20) <
(m0
em qualquer caso, o que dá invariavelmente menor variância à amostra obtida com uma só cana por touceira.
No entanto, há a possibilidade de termos Vx < V2, como su-gerem C O C H R A N e COX ( 1 9 5 7 ) . Com efeito, podemos consi-derar o modelo
y == m + b + e
ijk i ijk »
admitindo que p a r a d u a s canas da mesma touceira / temos um coeficiente de correlação p. Nestas condições a análise d e variân-cia nos dá as esperanças matemáticas expostas a seguir.
não podíamos antes admitir. Este modelo é, pois, mais g e r a l . É fácil verificar que t e m o s :
2 _ V, + 3 V2
„ _ ,
vx — v2
p — > V1 4- 3 V2
de onde resulta que as estimativas respectivas s ã o : Qi + 3 Q2
S =
4 '
Qi — Q2 Qi + 3 Q2
Nestas condições temos p a r a o caso de 2 0 canas p o r touceira:
V (m20) — .
20 2 0 P a r a o caso de uma cana por touceira fica:
, . *2
1 Vi + 3 V2
V (m,) = = . 20 20 4
Estes resultados coincidem com os anteriores no caso de Vx > V2, mas também se mantêm no caso de < V2, em que
temos p < 0 . São, pois, mais g e r a i s .
Podemos, pois, em. qualquer caso, adotar as fórmulas seguin-tes p a r a as variâncias das amostras de 2 0 canas por touceira
( m2 0) e d e 2 0 sanas, u m a só por touceira (m^:
V ( m2 0) = — 20
M ( \ 1 Vi + 3 V2
V (mx) = — - . .
20 4
As estimativas respectivas s e r ã o :
V (m \ - 1 Q i + 3 Q 2
2 0 4
3 . R E S U L T A D O S E D I S C U S S Ã O
3 . 1 Variedade CB 40,-^9
Brix
A análise de variância deu os resultados seguintes.
P a r a uma amostra de 2 0 canas, de u m a só touceira, a estima-tiva da variância de seu Brix seria, pois,
V ( / na o) = 5 Q l
~ 4 Qa
= 0,972 , 2 0
ao passo que uma a m o s t r a de 20 canas, mas com a p e n a s uma cana por touceira, nos d a r i a :
V i m ò =
J L __<** +
30«
= 0 , 1 4 6 •2 0 4
Como a média geral estimada foi m = 20,48, verifica-se que no caso de 2 0 canas de u m a só touceira, o coeficiente de variação seria de 4 , 8 % , ao p a s s o que com u m a só cana por touceira êle cairia p a r a 1,9%.
Pol
A análise estatística seguiu marcha análoga, com os resulta-dos daresulta-dos a seguir.
T e m o s a g o r a
5 O 4 O
V ( m ,0) = ^ - S ^ _ = 1,45 , C. V. = 6,4% , 2 0
V ( ma) = —
A média geral é m = 1,90 k g . No caso presente o b t e m o s :
V ( m2 o) = 0,0157 , C. V. = 6,57% , V (m,) = 0,0171 , C. V. = 6 , 8 9 % .
P a r a os caracteres estudados há, pois, no caso d a varie-dade CB 40-69, considerável redução na variância e no coeficiente de variação, quando tomamos uma só cana por touceira. Há, p o -rém, uma exceção, relativa ao peso das canas, em que há uma ligeira vantagem a favor do uso de amostras de 20 canas de uma só touceira.
3 . 2 Variedade Co 419
A média geral é m = 19,84.
T e m o s , pelos resultados da análise de variância:
V (m20) = 1,09 , C. V. = 5 , 3 % ,
V (m,) = 0,13 , C. V. = 1,8% .
Pol
A média geral é m = 1 7 , 4 1 . T e m o s no caso presente:
Pureza
A média é m = 8 7 , 4 5 .
As estimativas das variâncias s ã o :
V ( m2 0) = 6,37 , C. V. = 2 , 9 % , V (m,) = 0,79 , C. V. - 1,0% .
Aη٥car Provαvel
A média geral é m = 13,21. As estimativas das variâncias s ã o :
V ( m2 0) = 1,30 , C. V. = 8,6% , V ( ma) = 0,16 , C. V. = 3 , 0 % .
Peso
A média geral é m = 2 , 1 3 . T e m o s a g o r a :
V (m20) = 0,2053 , C. V. = 2 1 . 2 % ,
V (m,) = 0,0193 , C. V. = 6 , 5 % .
Brix
A média geral é m = 19,34.
T e m o s , pelos resultados da análise da variância:
V (m20) = 0,29 , C. V. = 2 , 8 % ,
V ( m j = 0,07 , C. V. = 1,4% .
Pol
A média geral é m — 8 9 , 7 1 . As estimativas das variâncias s ã o :
V (m20) = 2,6100 , C. V. = 1,8% ,
V . ( m õ = 0,5056 , C. V. = 0 , 8 % . A média geral é m = 17,36.
As estimativas das variâncias s ã o :
V ( m2 o) = 0,5030 , C. V. = 4 , 1 % , V (m,) = 0,1129 , C. V. = 1,9% .
Aη٥car Provαvel
A média geral é m = 13,29. As estimativas das variâncias s ã o :
V ( m2 0) = 0,4478 , C. V. = 5,0% , V ( m j = 0,0895 , C. V. = 2 , 2 % .
Peso
A média geral é m = 1,46.
V (m20) = 0,0254 , C. V. = 1 0 , 9 % ,
V (mj = 0,0082 , C. V. = 6 , 2 % .
4 . D I S C U S S Ã O D O S R E S U L T A D O S
P a r a as três variedades estudadas e p a r a todos os d a d o s de Brix, pol, pureza, açúcar provável por cento de cana e peso há vantagem no uso de uma só cana por touceira, em lugar de 10 ou 20, pois, para um mesmo número de canas, a precisão máxima é obtida quando é máximo o número de touceiras, isto é, q u a n d o se toma só uma cana por touceira.
A única exceção ocorreu no caso do peso, na variedade CB 40-69. em que houve resultado levemente favorável ao uso de mais canas por touceira.
P a r a o açúcar provável, que é talvez a mais importante das características estudadas, o coeficiente de variação médio, p a r a as três variedades e com uma só cana por touceira (método B ) , foi de 2 , 7 % . Admitido este valor, um ensaio com 5 tratamentos e 6 repe-tições, por exemplo, do qual obtivéssemos de c a d a parcela uma amostra de 2 0 canas, tiradas uma de cada touceira, teríamos uma diferença mínima significativa, ao nível de 5 % de probabilidade, de 4 , 7 % de açúcar provável, pelo teste de Tukey (ver P I M E N T E L G O M E S , 1963) e 3 , 3 % pelo teste de t. P a r a o caso do método A modificado (20 canas seguidas em um ponto escolhido ao acaso) o coeficiente de variação médio seria de 7 , 0 % e as diferenças mí-nimas significativas, em condições a n á l o g a s às referidas acima, se-riam de 1 5 , 1 % p a r a o caso do teste de Tukey e de 1 2 , 1 % p a r a o teste
p a r a o caso do método B, com nossos dados, um coeficiente de variação de cerca de 8 , 5 % , que praticamente impede a comprova-ção de qualquer diferença de composicomprova-ção da c a n a .
Já em ensaios de variedades as diferenças de composição podem ser bem maiores, de sorte que se poderá, em casos favorá-veis, trabalhar com 10 a 20 canas por parcela.
5 . CONCLUSΥES
1 ) O método B, de colheita de certo número de canas por parcela, u m a só de cada touceira e bem dispersas por toda a área da parcela, é preferível ao método A, de coleta de canas próximas ou de uma mesma touceira.
2 ) No caso do teor de açúcar provável podem-se prever os coeficientes de variação do quadro seguinte, no caso de se usar o método B, com n canas por parcela.
3) É contra-indicado, em qualquer caso, usar amostras de menos de 10 canas por p a r c e l a .
4) P a r a casos de ensaios de a d u b a ç ã o , com uma só varie-dade, em que há influência relativamente pequena sobre a compo-sição da cana, um mínimo de 20 colmos por parcela é aconselhável.
6 . SUMMARY
varieties Co 419, CB 40-69 and CB 41-58, in Piracicaba, State of São Paulo, Brasil. T h e main intent of the project w a s to compare 2 methods of sampling, namely:
1) Method A, w h e r e the sample is a hill (CATANI et al, 1959) or, more generally, 2 0 stalks all together in a randomly selected point of the furrow;
2) Method B, w h e r e 20 stalks are taken, from 20 points evenly spread b u t on the whole plot.
For the 3 varieties studied and for the data on Brix, pol, coef-ficient of purity, available sucrose and weight, analyses of variance were carried out. Further computations led to the following coef-ficients of variation.
by the t test. Since differences of available sucrose a m o n g
treat-ments in experitreat-ments with fertilizers seldom are higher than 3 or 4 % of the mean ( P I M E N T E L G O M E S & C A R D O S O , 1 9 5 8 ) , me-thod B with a 20 stalk sample per plot gives more or less the minimum a m o u n t of cane to be sampled for technological determi-n a t i o determi-n s . Idetermi-n experimedetermi-nts with varieties, however, where differedetermi-nces m a y be a s s u m e d to be higher, a sample of 10 to 20 stalks one per hill, can be e n o u g h .
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