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A lógica da clínica e a pesquisa em psicanálise: um estudo de caso.

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Academic year: 2017

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RESUMO: Pretende-se dem onstrar a aplicabilidade do m étodo

psi-canalítico de trabalho sobre o inconsciente num a análise, com o referência e paradigm a para a pesquisa acadêm ica em psicanálise. Para tan to , p arte se d a exp licitação d o s p ressu p o sto s teó rico -m etodológicos da psicanálise para, e-m seguida, discutir sua utiliza-ção enquanto recurso na investigautiliza-ção de determ inado discurso, a partir de sua redução. Utiliza-se, a título de dem onstração, sua apli-cação num a dissertação de m estrado.

Palavras - chave: psicanálise, pesquisa em psicanálise, m etodologia

e psicanálise.

ABSTRACT: The practice logic and the psychoanalysis research: a

study of case. This text intends to dem onstrate the applicability of the psychoanalytic m ethod of the w ork about the unconscious as a reference and a paradigm for the academ ic research in psycho-analysis. For this, w e m ake explicit the conjectures of the theory and of the m ethod of psychoanalysis follow ing a discussion about its use as a resource on the investigation of a specific discourse from its operation of reduction. In order to dem onstrate this w e refer to its use in an academ ic thesis.

Ke yw o rds: psychoanalysis, psychoanalytical research, m

ethodol-ogy and psychoanalysis.

M

arcado pela singularidade de inserir a causa do desejo

com o agente na produção de um a verdade para o su-jeito, o discurso do analista em sua articulação com o discur-so da ciência traz questões epistem ológicas intrínsecas à for-m a cofor-m o a psicanálise se propõe a produzir saber. Longa tefor-m sido a discussão sobre a relação entre a psicanálise e a

ciên-Mestre em Psicologia ( UFMG) , professora do Centro

Universitário Newton Paiva e da Faculdade de Ciências Hum anas da Fum ec

( Belo Horizonte) ; psicanalista.

A LÓGICA DA CLÍNICA E A PESQUISA EM

PS ICANÁLIS E: UM ESTUDO DE CASO

*

An d ré a Má ris Ca m p os Gu e rra

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cia, m arcada sobretudo pela tentativa de inserir a operação sobre o real na tentativa de form alizá-lo, com o elem ento a ser necessariam ente considerado na produção científica em psicanálise.

Nesse sentido, em artigo no qual defende a função da universidade com o sendo a de legitim ar a vocação científica da psicanálise, Pinto ( 1999a) se per-gunta sobre com o desenvolver pesquisa em psicanálise em um am biente tão fascinado pelo pedantism o do saber. E, avançando em sua argum entação, aponta que, se cabe à universidade demonstrar os passos m ediadores envolvidos em cada afirm ação psicanalítica, para que elas não caiam em defesas dogm áticas ou ideológicas e perm itam ao saber psicanalítico avançar, ela deverá trabalhar com um m étodo extraído de seu objeto, o inconsciente.

Para tanto, a incidência do discurso do analista conduz a atitude científica na pesquisa psicanalítica a um a postura de “abrir o poder do significante até um ponto em que sua m estria possa ser ao m enos vislum brada” ( PINTO, 1999b, p. 77) . Ou seja, trata-se de levar o efeito do significante ao seu extrem o, ao ponto no qual um obstáculo ao saber possa ser entrevisto, um a questão possa ser form ulada, provocando deslocam entos nos efeitos de verdade que as afir-m ações teóricas produzeafir-m no exercício de sua afir-m estria. A verdade, nesse con-texto, estaria na questão e não na resposta.

Assim , com a finalidade de demonstrar um m étodo extraído da própria psica-nálise e sua aplicabilidade à pesquisa psicanalítica irem os, após trabalhar o m étodo psicanalítico, explorar a viabilidade de sua utilização no cam po cientí-fico, valendo-nos, com o exem plo de sua aplicabilidade, de um a pesquisa para um a dissertação de m estrado. Cabe, entretanto, ressaltar que, nessa pesquisa exploratória, trabalham os com cautela proporcional a um a certa ousadia de levar a escuta analítica para o cam po de pesquisa a fim de não cairm os no terreno da especulação fácil. Para tanto, iniciam os o texto com a sustentação teórica da proposta m etodológica em questão, para, só depois, discutirm os sua aplicação prática. Assim , apresentando junto à com unidade científica este texto, esperam os poder verificar essa possibilidade m etodológica e avançar nas dis-cussões desse cam po, contribuindo para seu aprim oram ento.

A PSICANÁLISE COMO MÉTODO

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A LÓGICA DA CLÍNICA E A PESQUISA EM PSICANÁLISE 8 7

“Se a psicanálise é, ao m esm o tem po, teoria, técnica e m étodo de investigação, sua descrição já traria intrinsecam ente a sua m aneira de produzir saber, seja na clínica,

na academ ia ou m esm o na pólis. Assim , toda tentativa de form alização que revelasse

as características próprias da psicanálise seriam , autom aticam ente, descrições de

seu m étodo.” ( PINTO, neste volum e)

O trabalho da análise operaria a partir desse obstáculo, enquanto real que se im põe com o cam po de im possibilidade de saber e que incita a necessidade da repetição, onde há perda de gozo. Na tentativa de dar conta desse im possível, o sujeito se lança em repetidas investidas que produzem um excedente pulsional com o resto intraduzível. Este excedente Lacan denom inou de objeto a. No

Semi-nário 1 7 , O avesso da psicanálise, ele localiza o conceito de gozo neste efeito de

entropia, nesse desperdiçam ento. E é então que ele explica por que o introduziu de início com o term o Mehrlust, m ais-de-gozar.

“ É justam ente por ser apreendido na dim ensão da perda [ … ] que esse

não-sei-quê, que veio bater, ressoar nas paredes do sino, fez gozo, e gozo a repetir. Só a dim ensão da entropia dá corpo ao seguinte — há um m ais-de-gozar a recuperar. Essa é a dim ensão na qual se necessita trabalho, o saber trabalhando. [ … ] Tal

repe-tição já tem seu custo, e institui, no nível do a, a dívida da linguagem . Algum a coisa

tem de ser paga àquele que introduz seu signo. Essa alguma coisa [...] intitulei-a para

vocês este ano — com o termo Mehrlust.” (LACAN, 1969-1970/ 1992, p. 48 e 148-49).

Se a psicanálise, portanto, produz um saber que decorre de seu próprio cam po a partir das incidências do inconsciente, enquanto real da língua incidindo sobre um corpo, não é possível pensar um m étodo que exclua essa singularida-de radical do sujeito na realização da pesquisa. Assim , a form a singularida-de produção singularida-de conhecim ento em psicanálise é determ inada e regida, ela tam bém , pela exis-tência do inconsciente. Seu m étodo revelaria a natureza desse objeto nas duas dim ensões articuladas a partir dele: a da linguagem e a da pulsão. O trabalho psíquico opera sobre pontos significantizáveis a partir do deslize da cadeia significante e pontos im possíveis de tradução, onde a cadeia encontra a barreira do real, um obstáculo. “ A linguagem ‘se separa’ de um cam po pulsional ao m esm o tem po que o possibilita ao ‘representá-lo’” ( FREIRE, 1999, p. 571) . O saber percorre suas trilhas até um lim ite onde se encontra o gozo, ponto no qual incessantem ente retorna na tentativa de dar conta desse real inapreensível (das Ding freudiano) . O gozo seria exatam ente esse excedente que se perde na repetição, m odulando o real pela evitação.

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posição de m al-estar e instalá-lo com o causa de produção, de desejo. Incide, pois, n ecessariam en te, sobre a dim en são sign ifican te e sobre a dim en são pu lsion al.

Decorrente desses pressupostos, podem os identificar categorias de análise através de três operações-redução, com o propõe Miller ( 1998) : a repetição, a convergência e a evitação. Na m edida em que os eventos na vida de um sujeito obedecem a um a ordem estrutural, sem que ele o saiba, encontram os a em er-gência do m esm o a partir da produção do diverso. Ou seja, os fatos aparente-m ente aleatórios e diferenciados que se sucedeaparente-m na vida de uaparente-m sujeito, à aparente-m edi-da em que vão sendo relatados num processo analítico, revelam elem entos estruturais que se repetem nas m ais diferentes situações, conduzindo a um a operação-redução que é um a form alização dessa estrutura de repetição. Trata-se de um a redução proposicional, redução à constante que funciona com o f( x) . Aqui os diferentes acontecim entos ( x) vão revelando a estrutura em função ( f) da qual se repetem e se organizam .

A convergência, por seu turno, diz respeito à conversão dos enunciados para um enunciado essencial, enunciado da convergência que é o significante-m es-tre do destino do sujeito ( MILLER, 1998, p. 48) . É o ponto de redução para o qual converge o m ovim ento de repetição significante.

Já a evitação relaciona-se por oposição à repetição e à convergência, ao m es-m o tees-m po ees-m que é tornada possível por essas duas operações. A partir das leis que determ inam a regência das escritas possíveis no destino de um sujeito, há escritas que se tornam im possíveis a partir dessa estrutura inicialm ente casuística.

“ Existem sucessões que não podem aparecer, com o se a m áquina significante as contornasse [ … ] com o o resíduo im possível do funcionam ento da repetição. [ … ] É com o se o grafo inverso escrevesse aquilo que evita sem pre a repetição, com o se aquilo que se repetisse, de m ais im portante, fosse a evitação. [ … ] Repetição da

ausência, da evitação, do contorno, que, para o sujeito, se constitui precisam ente com o um a pedra de tropeço.” ( MILLER, 1998, p. 65-66)

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A LÓGICA DA CLÍNICA E A PESQUISA EM PSICANÁLISE 8 9

O grafo original, representação que revela a organização dos eventos alea-tórios, significaria, assim , a repetição com o form a de um saber. A convergência, com o a redução ao significante-mestre de um sujeito — prescrevendo aquilo que ele pode ou não dizer —, seria o elemento único a dar a lei e o princípio dessa organização, que m odularia a escolha de um sujeito a longo prazo e sem seu conhecimento. Em relação a essa m áquina estrutural, repetitiva e convergente, o im possível apareceria como seu avesso, como os pontos fora do traçado que cons-tituem as bordas que modulam aquilo que é inacessível ao sujeito. E como se daria a constituição desse grafo, dessa m áquina significante? O que a m odularia?

Im possível saber de antem ão. Aí se introduz a dim ensão da contingência de um a história particular com seus acontecim entos singulares e únicos. Há um a falha na program ação do gozo, onde se instala a dim ensão histórica, contingen-te. Entre o significante ( saber) e o investim ento libidinal ( pulsão) há um hiato, um a lacuna, um a ruptura de causalidade. Assim , m ais do que som ente extrair ou produzir esse significante-m estre, um a análise deve pretender deslocar o sujeito do discurso no qual se encontra instalado, produzindo novas form as de lidar com o gozo, com o obstáculo que se coloca com o evitação.

Quando, na Carta 5 2, FREUD ( 1896/ 1976) fala da inscrição dos represen-tantes da representação no aparelho psíquico — tom ados por Lacan ( 1959/ 1998a, p. 722) com o significantes — já nos aponta para essa organização con-tingente que dem arca a singularidade radical de cada sujeito na relação com o gozo, tanto quanto evidencia o ponto de falta a partir do qual o desejo se instala com o causa. Ao trabalhar sua hipótese sobre a constituição do aparelho psíqui-co nessa carta, ele fala dos traços m nêm ipsíqui-cos1 que, ao serem investidos sim

boli-cam ente de um significado, a partir da ordenação dos Unbewusstsein (Ub) ( Um traço ou traço unário, enquanto interpretação já acrescida das construções teó-ricas de Lacan) , deixam de ter relações de sim ultaneidade e passam a se orde-nar por relações causais, ainda sem acesso à consciência ( FREUD, 1896/ 1976, p. 325) . Constituindo-se enquanto letra no Inconsciente, o traço unário vai tornar-se o que sustenta m aterialm ente o significante enquanto traço de m em ó-ria, “este suporte m aterial que o discurso concreto tom a em prestado da lingua-gem ” ( LACAN, 1957/ 1998b, p. 498) .

1Unbewusstsein ( Ub) é o segundo registro que sucede ao prim eiro registro referente às percep-ções (W ahrnehm ungszeichen) que se associam por sim ultaneidade. Os traços de Ub “ talvez corres-pondam a lem branças conceituais” ( FREUD, 1896/ 1976, p. 325) ainda inconscientes. Corres-pondem ao que Freud posteriorm ente irá estabelecer com o Vorstellungsrepräsentanz ( representan-te da representação) . Segundo Lim a ( 1994) , a idéia de traço em Freud traz três diferenrepresentan-tes possibilidades de tradução. Zeichen corresponde à idéia de insígnia, indicação, e está ligada à percepção, à Vorstellung. Zug corresponde ao traço unário, prim ár io, e sua conseqüência é a

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O interessante aí é Freud fazer referência a registros ‘sucessivos’, represen-tando a realização psíquica de épocas sucessivas da vida, devendo haver um a tradução do m aterial na fronteira entre essas épocas. Porém , na m edida em que cada transcrição subseqüente inibe a anterior e lhe retira o processo de excita-ção, se a tradução não ocorrer, as leis da etapa anterior ficam vigentes, conso-antes as vias nela abertas. “Assim persiste um anacronism o: num a determ inada região ainda vigoram os ‘fueros’, estam os em presença de sobrevivências. Um a falha na tradução — isso é o que se conhece clinicam ente com o ‘recalcam ento’” ( FREUD, 1896/ 1976, p. 326) . Ou seja, há um a im possibilidade da linguagem em apreender a experiência, em dar conta da Coisa, constituindo traços que vão se inscrevendo na linguagem , bordeando ou contornando o real da experiência. Esse ponto de falta, obstáculo econôm ico à tradução, já se m ostra nas pri-m eiras articulações de Freud copri-m o fundapri-m ental à copri-m preensão do sujeito copri-m o sendo determ inado pela linguagem . Daí podem os tam bém extrair os princípios do m étodo analítico que, subsidiariam ente, poderiam ser aplicados à produção de conhecim ento, além de servirem com o fundam ento para a prática clínica.

O MÉTODO PSICANALÍTICO COMO INSTRUMENTO DE PESQUISA

Mutatis mutandis, podem os aplicar essa m esm a lógica à metodologia do trabalho de pesquisa em psicanálise sobre textos teóricos ou de entrevistas, por exem plo.

Pela lógica freudiana, os restos deixados com o traços ‘sucessivam ente’ ( ou superpostos) seriam os elem entos estruturais sobre os quais um discurso se organizaria. Assim , aplicando a proposta teórica de Freud à idéia de análise de um discurso2 no cam po científico, poderíam os conjeturar, possibilitados por

esse m étodo, que o processo m etodológico de análise inevitavelm ente, e por conta dessa questão estrutural, perm itiria m apear esses pontos nodais do dis-curso, construindo um a rede subjacente de sentido. Esses pontos funcionariam tais quais os traços inscritos no inconsciente ( representante da representação ou significante) , ou m elhor dizendo, tais quais os pontos de capitonné que fazem a am arração lógica de seu texto. E ainda, considerando a existência dos ‘fueros’, poderíam os supor que diferentes ‘feixes’ de significação, ou diferentes possibi-lidades de interpretação e alinham ento, serão sem pre possíveis, evidenciando-se, ou pelo m enos supondo-evidenciando-se, a sobreposição de uns feixes sobre outros, sem um a necessária relação lógica de causalidade, tem poralidade ou de com plem en-tariedade entre eles ( GUERRA, 2000, p. 145) .

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A LÓGICA DA CLÍNICA E A PESQUISA EM PSICANÁLISE 9 1

Além disso, o traçado que esses pontos nodais estruturariam , desvelaria no seu “avesso” um texto que não é lido, posto que se constitui a partir dos pontos que são evitados, deixados fora de seus lim ites.3 Talvez aqui poderíam os situar

a originalidade da contribuição da psicanálise à pesquisa científica.

A aplicação deste raciocínio freudiano com o m odulação para a análise dos dados torna inevitável o encontro com um a plurideterm inação discursiva que, acreditam os, favorece a riqueza da análise ao possibilitar outras lógicas de racio-cínio que não a form al clássica apoiada na causalidade positivista.

Assim , tal qual no processo de um a análise, seria interessante utilizar os m arcos que as repetições do texto — seja ele qual for — trazem , seus pontos de

convergência e seu m ecanism o de evitação, utilizando as três operações de leitura possíveis sobre o discurso. Mas, ao contrário da posição de analista, aqui o trabalho do pesquisador se assem elharia m uito m ais ao do analisante de enxu-gar, desbastar o texto, aproxim ando-se o m ais possível do real. Ao se dispor ao trabalho de teorizar, é o pesquisador quem se coloca em transferência.

“É um trabalho no qual o pesquisador será m ovido pelas lacunas e o texto funciona com o um analista para que o pesquisador se defronte com suas resistências em ouvir os relatos. [ … ] Pode assim identificar com o a teoria recalca algum as questões e favorece outras, com o se fosse a solução de com prom isso possível naquele

instan-te. Ao m esm o tem po, procura “fazer trabalhar” a rede de conceitos para que ela m elhor caracterize com o um texto escam oteia as m aneiras de indicar o apareci-m ento da verdade.” ( PINTO, 1999a, p. 691)

Assim , dando seguim ento a essa proposta de aplicação dos pressupostos do trabalho clínico à pesquisa em psicanálise, podem os conceber a produção cien-tífica de conhecim ento com o tentativa de dar conta do real, deslocando-o a cada novo postulado. No ponto lim ite em que o saber se depara com o real, há repetição na tentativa de dar conta deste. Essas repetições vão m odulando idéias e discursos que adquirem estatuto de verdade, fundando teorias com o cam po sim bólico que se fixa pela linguagem . Essa operação de convergência estabele-ce conestabele-ceitos em torno de idéias básicas que funcionam com o os significantes-m estres de dada teoria. Se ela é realsignificantes-mente verdadeira ou não, não é o que significantes-mais interessa, pois os métodos utilizados em sua produção garantem sua fidedignidade, conferindo-lhe um estatuto de veracidade científica. Ela produz um a realidade.

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Há, porém , elem entos não ordenáveis, não legíveis a partir da estrutura de leitura ( de cada teoria) constituída para decifram ento da realidade. São pontos que são construídos com o inapreensíveis a partir da estrutura de saber consti-tuída. Isso quer dizer que o m esm o m étodo que perm ite a leitura e a legitim ação dos elem entos teóricos de um a teoria, im pedem àquela teoria ler outros. Esses pontos, que vão se m odulando com o im possíveis, são os obstáculos que se interpõem ao cam inho da produção de conhecim ento.

Ora, é justam ente o trabalho sobre esses pontos de evitação que perm itiria à ciência avançar, construindo novas teorias como leitura dos fenôm enos apreendi-dos. São pontos lim ítrofes entre o saber e a ignorância, e em relação aos quais a postura de “douta ignorância” favorece os deslocam entos no real, inapreensível

a priori quando referido a determ inado cam po sem ântico de saber. Essa posição

inclui e suporta o obstáculo ao invés de excluí-lo e, com isso, perm ite a cons-trução de um cam po de saber que reconhece a im possibilidade de dom inar o enigm a pulsional. Trabalhar sobre esse real im plica em m udar o enquadre da realidade discursiva sobre o tem a analisado. Supõe necessariam ente a criação de um a nova m aneira de trabalhar o assunto, deslocando o cam po do discurso originário. Certo é que o saber advindo desse m étodo, extraído da lógica psica-nalítica, vem m arcado pela certeza de que qualquer saber deixará necessaria-m ente unecessaria-m resto intocado. Daí o trabalho científico do pesquisador se deter sobre esses pontos de evitação.

Mas com o, m etodologicam ente, enfim , se haver com eles?

Nossa proposta é a de que, tom ando com o ponto de partida os pressupostos da Carta 5 2, de Freud, e aplicando o m étodo de leitura analítica, proposto por Miller, poderíam os utilizar as três categorias fundam entais de operação-redu-ção de um a análise no cam po da investigaoperação-redu-ção em psicanálise. Nesse contexto, elas seriam renovadas, podendo ser com preendidas da seguinte m aneira:

a) repetição = operações de tam ponam ento desses pontos im possíveis de saber, com o construções de resposta ao Grande Outro, que elidem os pontos de falta de um a teoria;

b) convergência = saber que se estabelece com o verdade. Pontos de estofo, conceitos ou frases em torno dos quais a estrutura ficcional da teoria se consti-tui em sua relação com a verdade, validando-se a partir do enquadre dos acon-tecim entos em sua estrutura de m estria.

c) evitação = o q u e escap a ao co r p o teó r ico d e u m cam p o d e sab er, sen do, ao m esm o tem po, su a cau sa e su a exceção, tecen do su as bordas em relação aos ou tros cam pos ou seu s lim ites em relação a si m esm a. Aquilo que o texto não diz, e é por isso m esm o m odulado sem o saber. Aí se situ a “ o discu rso qu e vai

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ori-A LÓGICori-A Dori-A CLÍNICori-A E ori-A PESQUISori-A EM PSICori-ANÁLISE 9 3

gin al” ( GUERRA, 2 0 0 0 , p. 7 3 ) . Ou seja, aqu ilo qu e se con strói no silêncio do lado avesso ao significante.

DEMONSTRANDO A PLAUSIBILIDADE E APLICABILIDADE DO MÉTODO À PESQUISA ACADÊMICA: O ESTUDO DE CASO

A título de dem onstração dessa m etodologia, utilizarem os com o exem plo sua aplicação na dissertação: “Oficinas em Saúde Mental — a experiência de Belo Horizonte: o objeto com o regulador ético entre subjetividade e cidadania” ( GUERRA, 2000) . Cabe ressaltar que essa pesquisa estava inserida num Progra-m a de Pós-graduação eProgra-m Psicologia que, à época, possuía apenas uProgra-m a área de concentração em Psicologia Social. Apesar disso, professores pesquisadores, tam -bém psicanalistas, buscavam realizar o trabalho de investigação e construção de um a nova área de concentração em psicanálise no m esm o Program a, o que se realizou em 1998. Nesse contexto, buscam os ultrapassar a m etodologia clássi-ca de Análise de Conteúdo ou Análise do Discurso, padrão típico do clássi-cam po da Psicologia Social, e investigar, junto ao tem a, essa m etodologia possível de ser p en sad a a p artir d a p sican álise. Cab e, ap esar d a exten são , citar u m d o s idealizadores dessa proposta em sua intenção científica.

“ A estratégia que tem os tentado alcançar é a de aprim orar a delim itação de um

problem a de pesquisa ou um a indagação que questiona afirm ações tom adas com o verdades. Com isso, pretendem os evitar a todo custo o apego a um a citação desen-freada ou a dem onstração de sabedoria. Tentam os esvaziar o narcisism o ( nosso e de nossos alunos) a favor da castração, privilegiando um a construção sustentada pela

questão norteadora d o estu d o. Acred itam o s q u e será essa q u estão q u e irá d e-sen cadear u m a tran sferência em relação aos textos e ao tem a de investigação, pois a fo rm alização m u ito acab ad a e freq ü en tem en te en igm ática d o Ou tro acab a ced en d o lu gar ao exercício d o p ró prio autor. A partir da clareza da questão, o

cam po de abrangência do significante poderá ser m ais bem delim itado.” ( PINTO, 1999a, p. 694)

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trabalho nos perm itiu identificar os diferentes usos que os diversos contextos históricos fizeram do trabalho e da atividade com o recurso no tratam ento psi-quiátrico.

A outra perspectiva desse trabalho de pesquisa desvelou seu “ avesso” na m edida em que, identificando as m estrias do discurso sobre o uso da atividade em Saúde Mental, m odulava-se, ao m esm o tem po, o im possível, o irredutível desse discurso. Não eram exatam ente os “inter-ditos”, pontos m al-ditos de um determ inado cam po de saber, m as aquilo que ele não diz. Abaixo, apresentam os esses dois desdobram entos a que a m etodologia conduziu.

A pe s quis a s o bre a n a rra tiva h is tó ric a

A prim eira parte dessa pesquisa se deteve sobre os textos históricos e teóricos sobre a atividade e, m ais especificam ente, as oficinas e sua utilização no cam po do tratam ento psiquiárico e da Saúde Mental. Desse estudo, nosso m étodo des-cobriu a repetição com o a exclusão sociopolítica e econôm ica do louco da vida pública, não im portando a diferença quanto a sua form a nem quanto a seu fundam ento, nos diferentes m om entos históricos que a caracterizam . Dem ons-trou ser este um fato histórico recorrente. Quanto ao ponto para o qual converge

essa repetição, pudem os observar a tentativa constante e insistente de disciplinarização

do social de acordo com cada contexto histórico, tendo a psiquiatria e, em seu

interior, o uso da atividade e do trabalho, exercido ações subsidiárias para garantir essa em preitada. E, no que toca à evitação, situa-se a diferença, ou, em outros term os, a im possibilidade estrutural de nivelam ento da loucura com a norm alidade, apesar das reiteradas tentativas de adequação para a qual pare-ciam convergir a ação e o discurso psiquiátricos. Daí a im portância dessa aná-lise, pois nos avisa dos riscos de exercício de um a m estria calcada na evitação da diferença sob as m ais diferentes form as — m esm o contem poraneam ente na m estria do discurso que obrigatoriam ente im põe cidadania ao louco.

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A LÓGICA DA CLÍNICA E A PESQUISA EM PSICANÁLISE 9 5

com a atual reform a psiquiátrica, iniciada na década de 1980, no qual clínica e política se encontram associadas. A partir deste, as oficinas se m ostram com o cam po de reinserção social e inscrição da loucura na cultura, possibilitando, para o louco, o resgate do exercício da vida pública em suas várias dim ensões. Com o advertido por Freud, cabe lem brar que esses feixes discursivos não são excludentes ou sucessivos cronologicam ente entre si, todos convivendo no ce-nário contem porâneo da Saúde Mental.

Em particular, a análise dos textos m ineiros sobre o tem a revelaram a form a com o, em Minas Gerais, o discurso acerca das oficinas se estabelece em suas prem issas fundam entais, bem com o o que esse discurso vem deixando fora de seu cam po. No m om ento inicial da Atual Reform a, as idéias m estras que regiam as o ficin as vin h am n itid am en te d em arcad as p elo s id eais d a reab ilitação psicossocial calcados no trabalho enquanto o vir-a-ser da cidadania. De per-m eio, a criação artística já se evidenciava coper-m o uper-m a nova per-m aneira de se fazer oficina, reapropriando-se da proposta de Nise da Silveira de nivelar o uso da atividade com as dem ais intervenções terapêuticas. A arte e a expressão artística incorporaram -se, então, ao discurso nascente, tornando-se m ais um pressupos-to do trabalho — não através da busca de “loucos artistas”, m as antes através da idéia de um a possível interlocução da loucura com a Cultura.

Aos poucos, este perm eio tom ou a cena principal e a arte se engendrou na prática das oficinas, am pliando o leque de suas m odalidades, antes prioritaria-m ente voltadas para a idéia de trabalho ou de reabilitação para o trabalho. Instituídas junto aos Centros de Convivência, as oficinas artísticas tornaram -se o carro-chefe desses dispositivos. Além disso, a convivência ou ressocialização som aram -se a essas duas m odalidades, conform ando um a terceira m aneira de se fazer oficina, independentem ente do tipo de atividade nela desenvolvida ( GUERRA, 2000) .

O curioso é a observação de um a espécie de “pudor”, se assim pudéssem os concebê-lo, quanto a se tratar do aspecto terapêutico das oficinas. Evita-se tra-tar esse ponto, com o se ele não fizesse parte da finalidade e da prática das oficinas, apesar dos próprios textos m ineiros revisados apontarem o contrário, bem com o o depoim ento colhido nas entrevistas. É com o se um a espécie de lei silenciosa se revelasse no discurso sobre as oficinas, exigindo o deslocam ento de seus efeitos terapêuticos para um “segundo plano” de im portância. Desdo-bram ento, ao que nos parece, da influência do discurso da clínica italiana da psiquiatria dem ocrática que, ao buscar a função terapêutica da instituição hos-pitalar e constatar sua inoperância, centraram -se em sua função social ( ZENONI, 2000, p. 17) .

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Concebida com o sofrim ento-existência, a loucura desloca-se das classificações nosológicas que a “aprisionam ” para instituir-se no cam po político e social. Aí, m ais do que m anifestação de patologias m entais, a loucura aparece com o ele-m ento da pólis a ser inscrito em sua cultura. O “cidadão-louco”, nesse discurso, m erece ter seus direitos resguardados e respeitados, ainda que não seja um sujeito da razão.

A pe s quis a s o bre a n a rra tiva da s e n tre vis ta s

Mas foi na utilização da m etodologia já explicitada sobre o texto das entrevistas

que, acreditam os, pôde-se dem onstrar com m ais clareza a funcionalidade desse m étodo. Foram realizadas, em Belo Horizonte, dez entrevistas com dez oficineiros diferentes, ora de um m esm o serviço aberto e substitutivo ao m anicôm io, ora de diferentes serviços desse tipo. Havia três perguntas-eixo ( funcionam ento, finalidade e conceituação) sobre as oficinas e, a partir da transcrição das entre-vistas, efetuou-se a análise dos dados.

A idéia freudiana, extraída da observação do m étodo de Charcot de “olhar as m esm as coisas repetidas vezes até que elas com ecem a falar por si m esm as” ( FREUD, 1976/ 1914, p. 33) , foi fundam ental nesse processo. As reiteradas leitu-ras do texto das en trevistas perm itiram a organ ização das m esm as a partir daquilo que nela se repetia, chegando, nesse prim eiro m om ento da pesquisa, a elencarm os vinte e dois feixes de significação de conteúdos específicos referen-tes às oficinas. Desses vinte e dois feixes, houve um trabalho de redução que culm inou em nove pontos de convergência, já atrelados a significantes-m estres que regem o discurso m ineiro contem porâneo sobre as oficinas. Foram eles: 1) diferença entre grupos e coletivo nas oficinas; 2) o discurso antim anicom ial e as oficinas; 3) a relação clínica/ oficina; 4) as oficinas e o paradoxo da reinserção pelo trabalho; 5) a exigência ( ou não) de participação e produção nas oficinas; 6) as oficinas na contem poraneidade e a arte pós-m oderna; 7) as oficinas e sua incidência na representação popular da loucura; 8) teorizar ou não as oficinas; 9) as diferentes m odalidades do fator terapêutico nas oficinas. Cabe observar que todos os nove feixes de significação, atribuídos a algum significante que rege com m estria o discurso sobre as oficinas, contem plam contradições e po-lêm icas em seu interior, características de qualquer discurso. Mas ganham a ilusão de unicidade e coerência ao serem cobertas pelo véu significante onde a m estria exerce seu poder de produzir um texto com efeito de verdade.

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reali-A LÓGICreali-A Dreali-A CLÍNICreali-A E reali-A PESQUISreali-A EM PSICreali-ANÁLISE 9 7

zado um tratam ento pelo sintom a que o texto teórico e a prática das oficinas criam . Tratam ento que se dirige ao que o sim bólico tem de real ( ZENONI, 2000, p. 56-57) . Operação-redução de evitação que enxuga, ao m ínim o possí-vel, a estrutura proliferante do significante, reduzindo o texto ao seu ponto de obstáculo e, perm itindo daí, um deslocam ento em relação ao real.

Esse ponto se refere ao décim o feixe de significação, a saber, a idéia de

densidade simbólica diferenciada. O que com eçou a surgir, a partir da leitura desses fragm entos de entrevistas e a retornar incessantem ente pelo silêncio ao longo do trabalho de análise fazendo-se ouvir, foi esse ponto preci( o) so e central que, a nosso ver, organiza todo o cam po das oficinas. Em outros term os, a m aterialidade do produto, ou a densidade sim bólica diferenciada, particulariza e diferencia o uso da atividade nas oficinas das dem ais intervenções existentes nos serviços que com põem a rede de assistência em Saúde Mental, servindo tam bém com o epicentro em torno do qual seu ponto de evitação se configura.

Em Minas Gerais, estabelece-se com o m estria a afirm ação de que “o louco é

cidadão é corolário de o louco é sujeito” ( BARRETO, 1999, p.159) . Sob esse im

pera-tivo torna-se função precípua da assistência tentar inserir o louco na vida pú-blica, desinstitucionalizar a loucura e os estigm as a ela associados, e trabalhar sobre a cidadania do louco. No interior desse im perativo, entretanto, o trabalho clínico, denegado, reaparece em silêncio, exigindo o descolam ento entre sujei-to e cidadão, e conferindo a cada qual seus atribusujei-tos particulares. Com o nos lem bra ZENONI ( 2000) , é preciso diferenciar a função terapêutica da função social na assistência. A excessiva identificação à função terapêutica nos hospi-tais psiquiátricos conduziu-os a um lugar de alienação e não de tratam ento, com o bem observaram as críticas dos italianos. Mas, ao desconsiderar a função social da assistência, estabeleceu-se um silogism o no qual se cria a perspectiva de que, desospitalizados os loucos e desinstitucionalizada social e culturalm en-te a loucura, os loucos não seriam m ais alienados, exercendo sua cidadania com o m oradores da pólis.

Ora, é preciso distinguir a dim ensão do sujeito da dim ensão do indivíduo. O indivíduo, cidadão, tem direito à assistência e ajuda, enquanto a dim ensão do sujeito é a dim ensão da im plicação, da liberdade, da responsabilidade. “ Os cuidados não são recusados a um indivíduo, m esm o que o sujeito não se im pli-que” ( ZENONI, 2000, p. 28) em seu tratam ento. Quando distinguim os os dois planos, resguardam os a chance do plano do sujeito. É preciso que o sujeito receba a assistência à qual tem direito, com a liberdade de recusar o tratam ento. É som ente essa liberdade que garante essa possibilidade.

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sobre a m aterialidade do cam po significante enquanto sustentação da letra no aparelho psíquico.

Enquanto, ao falar, o neurótico produz m ais de gozo ou objeto a, objeto-resto; ao criar coisas concretas nas oficinas, talvez o psicótico esteja extraindo do ventre do Outro objetos reais que, perm itindo-lhe produzir um resto nessa operação — um objeto inédito — talvez lhe confira um a densidade sim bólica sobre sua corporalidade real, deslocando ou separando o psicótico dessa posição de objeto do gozo do Outro ao criar um objeto externo, endereçado ao social, via oficineiro ou qualquer outra pessoa ou espaço institucional.

Em outras palavras, ao extrair da própria realidade um produto concreto inédito, o psicótico de um lado poderia estar produzindo um esvaziam ento no Outro absoluto que o aterroriza, e, de outro, poderia estar deixando o lugar de objeto de seu gozo para ocupar o lugar de autor, produtor de um objeto com con sistên cia sim bólica. Poderíam os arriscar-n os a dizer qu e esta seria u m a m aneira de extração do objeto no real, que ganha corpo enquanto um produto qualquer: CD, Máscara, Bloco de Notas, Texto, Costura, Pintura. Produzir-se-ia assim um a espécie de sem blant de coisa, de objeto, através do novo produto criado. Operação que desloca o psicótico do lugar de ser ele próprio o objeto-resto que não caiu quando de sua inscrição na Linguagem , quando fixou-se ele m esm o neste lugar, perm anentem ente à m ercê de outra ordem , assujeitado. A oficina operaria, nesse sentido, sobre os pontos de desligam ento do psicótico com a realidade ( GUERRA, 2000) .

Talvez o psicótico possa costurar, com a produção nas oficinas, seus pontos de capitonné na realidade através de novas form as de enlaçam ento social. Dessa m aneira, poderia, com a atividade de produção nas oficinas, atividades de cir-cunscrição de gozo, produzir sentidos históricos a sua produção a partir de fragm entos de coisas, inscrevendo-se na Linguagem ou produzindo um a possi-bilidade de encadeam ento na cadeia significante. Form as de cifrar o gozo ou significantizar o real ( QUINET, 1997, p. 101) .

Dessa m aneira, poderíam os dizer que as oficinas se oferecem com o lugares de m ediação, de alternativa à im posição de gozo que invade o psicótico. Obvia-m ente oferta que não opera seObvia-m pre, neObvia-m para qualquer psicótico, Obvia-m as que, estando presente, pode produzir efeitos-sujeito, escrevendo-se de um a vez por não todas para alguns, ao m odo da contingência.

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A LÓGICA DA CLÍNICA E A PESQUISA EM PSICANÁLISE 9 9

A convocação ao trabalho do sujeito na psicose através da densidade sim bólica diferenciada revela, portanto, o texto silencioso do território discursivo das

ofici-nas, revelando aquilo que estruturalm ente não pode ser lido por seu grafo sig-nificante original. Desloca a m estria da im posição sobre o indivíduo-cidadão de inserir-se no texto da cidade e desvela a possibilidade do sujeito inventar, com seu savoir- faire sobre a doença, m aneiras de escrever seu próprio texto.

POSSIBILIDADES…

Assim , a densidade do produto da oficina tanto aparece com o elem ento central em seu discurso, pois se constitui enquanto seu ponto de convergência, com o tam bém evidencia, em seu avesso, a evitação do aspecto que não cabe nessa estrutura discursiva ( grafo inverso) , e que é decisiva na produção de efeitos no processo de subjetivação possível na psicose.

Ao m esm o tem po, a questão do objeto concreto produzido nas oficinas exige um a reflexão m ais detida sobre as incidências da peculiaridade do lugar do objeto na estrutura psicótica e suas conseqüências clínicas, posto que, sabe-m os, o objeto, para a psicanálise, não surge no sabe-m undo sensível, sabe-m as é tosabe-m ado com o aquilo que orienta a existência do ser hum ano enquanto sujeito desejante. Dessa m aneira, a pesquisa, ao encontrar seu ponto de obstáculo, exigiu novas form ulações e outras considerações sobre aquilo que poderia prom over um encontro entre o real do traço inconsciente com o im aginário social ou estético e a dim ensão sim bólica da obra produzida sobre um a superfície outra que não o próprio corpo do psicótico. Esse encontro é o que poderia justam ente criar para o psicótico a possibilidade de suportar o gozo invasivo do Outro ( GUER-RA, 2000, p. 249) .

Essa descoberta provoca um a torção ( significante + pulsão) na proporção em que desloca o discurso sobre as oficinas de um a posição de retificação do Outro da Cultura — típica do discurso contem porâneo da Reform a Psiquiátrica — para um a de subjetivação do Outro para o psicótico, sem perder de vista suas im plicações sociais.

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deslocam ento da posição de gozo que o discurso sobre as oficinas constitui para os trabalhadores da Saúde Mental. Trata-se, exatam ente com o no tratam en-to analítico, de en-tocar o qu e o sim bólico tem de real, ou seja, estabelecer u m tr atam en to d a p alavr a at ravés do qu e o sin tom a teórico revela do aspecto pulsional que condensa a form a de gozo de um a teor ia. Verdadeiro trabalh o de in ter pretação4 do pesqu isador-analisante, trabalho sobre a letra,5 na m edida em qu e esta articu la sign ifican te e gozo, in screven do a sin gu laridade e o cam po de possibilidades n os qu ais se funda o discurso de um determ inado cam po de saber.

Recebido em 17/ 4/ 2001. Aceito em 30/ 5/ 2001.

4TEIXEIRA, Antônio Márcio Ribeiro. Com entário sobre o trabalho da dissertação durante a banca exam inadora. Belo Horizonte, UFMG, 28/ 9/ 2000.

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Andréa M áris Cam pos Guerra

Ru a Do n a An tô n ia Felícia d o s Reis 2 4 6 / 1 0 2 3 0 7 5 0 -2 2 0 Caiçara Belo Ho rizo n te MG Tel. ( 3 1 ) 3 4 1 2 - 2 3 9 0

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