rev bras reumatol.2015;55(3):310–312
w w w . r e u m a t o l o g i a . c o m . b r
REVISTA
BRASILEIRA
DE
REUMATOLOGIA
Relato
de
caso
Infliximabe
é
eficaz
em
ceratite
ulcerada
periférica
de
difícil
controle.
Um
relato
de
três
casos
夽
Flávia
Maria
Zandavalli,
Glaucio
Ricardo
Werner
de
Castro,
Maiara
Mazzucco,
Maria
Eduarda
Carvalho
Wagnes
Stöfler
e
Ivânio
Alves
Pereira
∗UniversidadedoSuldeSantaCatarina,Florianópolis,SC,Brasil
informações
sobre
o
artigo
Históricodoartigo:
Recebidoem10demaiode2013 Aceitoem9demaiode2014 On-lineem24deoutubrode2014
Palavras-chave: Ceratite Úlceradecórnea Anticorpomonoclonal
r
e
s
u
m
o
Ceratiteulceradaperiféricaécausadaporumprocessoinflamatórioedestrutivoda cór-neaperiféricaperilimbar.Essainflamac¸ãosedeveàdeposic¸ãodeimunocomplexosnessa regiãodacórneaenosvasosadjacentesaela.Podeseridiopáticaouumamanifestac¸ão dedoenc¸asistêmica comoartritereumatoide,vasculitesde pequenosvasosassociadas aoANCA,àpolicondriterecidivante,aolúpuseritematososistêmicoeàdoenc¸adeCrohn. Otratamentoincluiousodecorticoideemdosealtaeemalgunscasosousoconcomitantede imunossupressores,comometotrexate,azatioprina,micofenolatomofetil,ciclofosfamida ouciclosporina.Ousodeagentesimunobiológicospodeserumaestratégianoscasosde difícilcontrole.Osautoresdescrevemotratamentodetrêspacientesqueapósfalhaaouso decorticoideouimunossupressoresapresentaramboarespostaapósousodeinfliximabe. ©2014ElsevierEditoraLtda.Todososdireitosreservados.
Infliximab
is
effective
in
difficult-to-control
peripheral
ulcerative
keratitis.
A
report
of
three
cases
Keywords: Keratitis Cornealulcer Monoclonalantibody
a
b
s
t
r
a
c
t
Peripheralulcerativekeratitisiscausedbyaninflammatoryanddestructiveprocessofthe perilimbalperipheralcornea.Thisinflammationisduetoimmunecomplexdepositionin thisregionofthecorneaandinadjacentvessels.Itcanbeidiopathic,oramanifestationof systemicdiseasesuchasrheumatoidarthritis,vasculitisofsmallvesselsassociatedwith ANCA,relapsingpolychondritis,systemiclupuserythematosusandCrohn’sdisease.Its tre-atmentincludestheuseofhigh-dosecorticosteroidsand,insomecases,theconcomitant useofimmunosuppressantssuchasmethotrexate,azathioprine,mycophenolatemofetil,
夽
EstudooriginadonaUniversidadedoSuldeSantaCatarina.
∗ Autorparacorrespondência.
E-mail:ivanioreumato@gmail.com(I.A.Pereira). http://dx.doi.org/10.1016/j.rbr.2014.05.006
rev bras reumatol.2015;55(3):310–312
311
cyclophosphamideorcyclosporine.Theuseofimmunobiologicalagentscanbeastrategy incasesofdifficultcontrol.Theauthorsdescribethetreatmentofthreepatientswho,after failurewiththeuseofcorticosteroidsorimmunosuppressants,showedgoodresponseafter theuseofinfliximab.
©2014ElsevierEditoraLtda.Allrightsreserved.
Introduc¸ão
Acórneaperiféricaseencontramuitopróximadaconjuntiva, aqualtemoselementosessenciaisparagerarumaresposta imune.Essaregiãodacórneatemmaiorquantidadedecélulas inflamatórias,oquepossibilitaaformac¸ãode imunocomple-xos,emrelac¸ãoàcórneacentral.1
Aceratiteulceradaperiféricaéumprocessodestrutivoque envolveainflamac¸ãodacórneaperilimbal1edefeitos
epiteli-aissobrejacentesaela.2Asdoenc¸ascomumenteenvolvidas
nessa região são as úlceras de Mooren, uma autoimuni-dadecontraaprópriacórnea,1oumanifestac¸õesdedoenc¸as
sistêmicas,3principalmenteartritereumatoideevasculites.4
Quando a úlcera periférica da córnea se acompanha de escleritenecrotizantepodeocorrerperfurac¸ãoe consequen-tementeperda de visão,o queconfirmaa gravidade desse quadroocular.
O tratamento inclui corticosteroides na fase aguda e imunossupressores na ceratite ulcerada periférica grave, especialmentequandoassociadacomdesordenssistêmicas. Recentemente,ousodeagentesbiológicoscomooanticorpo contraCD20rituximabeeosanticorposmonoclonaiscontraa citocinapró-inflamatóriaTNFalfa(fatordenecrosetumoral) temsemostradoumaopc¸ão.5-8
Relatos
de
caso
Caso1
Pacientemasculino,20anos,haviacincoanoscomolho ver-melhorecorrenteedorocular.Ainvestigac¸ãooftalmológica constatouapresenc¸adeceratiteulceradaperiférica,naqual iniciou-secorticoidetópico,prednisona20mg/diaeAINE,sem melhoria.Evoluiucomaumentodaulcerac¸ãoperiférica, sig-nificativocomponenteinflamatórioconjuntivaleaumentoda dor.Hádoisanosopacienterecebeupulsoterapiacom metil-prednisolona1g/diadurante três diaseiniciou infliximabe 3mg/kgnassemanaszero;dois;seiseapóscadaoito sema-nas,comimportantemelhoriadaulcerac¸ão,hiperemiaedor ocular.Atualmente,opacientepermaneceemusoapenasde infliximabesemrecorrênciadoquadroinflamatórioocular.
Caso2
Pacientefeminina,59anos,comdiagnósticodeceratite ulce-rada periférica havia 10 anos, mas com sintomas de olho vermelho e dor ocular havia 17 anos. Fez uso de predni-sona40mg/diaeciclosporina3mg/kg/dia,semresposta.Na evoluc¸ãofoi associado metotrexate edevido ànão melho-riatrocou-seometotrexateporazatioprina.Apósnovafalha
da terapia combinadade azatioprinaeciclosporina foi ini-ciado infliximabe 3mg/kg com intervalos de oito semanas hátrêsanos,comexcelenteresposta.Atualmente,estácom cicatrizac¸ãodalesãocornianaesemevidênciaderecorrência dainflamac¸ãoperilesional.
Caso3
Pacientemasculino,36anos,iniciarahaviaseteanoscom epi-sódiosrecorrentesdedorocularintensa,olhovermelhoe foto-fobia.Constatou-seumaúlceranaregiãoperilimbardacórnea com recorrênciafrequente. Fez uso de prednisona 60mge ciclosporina,semresposta.Pelapioriaclínicadoquadroocular epeladificuldadenareduc¸ãodadosedocorticoideiniciou-se infliximabe3mg/kgzero;dois;seissemeapósoitoemoito semanas,comquaseresoluc¸ãototaldalesãodacórnea.
Discussão
Ceratiteulceradaperiféricaéumacondic¸ãocaracterizadapela inflamac¸ãoperiféricadacórneaqueacarretaumaulcerac¸ão de difícilresoluc¸ão,2 quepodesemanifestarde forma
iso-ladaoucomopartedeumainflamac¸ãosistêmica.9,10Inúmeras
infecc¸õespodemdeterminarúlceradecórneae,assim,o diag-nósticodiferencialéfundamental.10
Aproximadamente50%doscasosdeceratiteulcerada peri-féricanãoinfecciosaestãorelacionadasadoenc¸asdotecido conectivo,5,11especialmenteartritereumatoide.Outras
etio-logias incluempoliarteritenodosa,policondriterecidivante, vasculites associadas ao ANCA, como granulomatose com poliangeíte(Wegener)egranulomatosecompoliangeíte eosi-nofílica (Síndrome de Churg-Strauss).5,9,12 Um estudofeito
em2012demonstrouque211de701pacientesportadoresde granulomatosecompoliangeíteapresentaramalgum envolvi-mentoocularnodiagnósticoe147outrosdesenvolveramno cursodadoenc¸a.Dentreasmanifestac¸õesencontradas,estava aceratiteulceradaperiférica.13
Ossinaisnacórneasãosimilaresnasdiversasdoenc¸as cau-sadoraseincluemolhovermelho,dor,fotofobiaeopacidade da córnea.5,9 Essequadropodeocorrerapósváriosanosda
doenc¸asistêmicaoupodeseraprimeiramanifestac¸ão.9,12
A ceratite ulcerada periférica está associada à alta morbidade visual e sistêmica. Suas complicac¸ões são a perfurac¸ão dacórneaeadiminuic¸ão daacuidade visual.A inflamac¸ãodoolhopodeserumaapresentac¸ãoinicialdeuma doenc¸ainflamatóriasistêmicacomenvolvimentosubclínico deoutrosórgãosesistemasdocorpohumano.9
Otratamentodessacondic¸ãoédifícilesebaseiana seve-ridade dos sintomas na córnea e na extensão da doenc¸a extraocular.9 O tratamento inclui inicialmente corticoide
312
rev bras reumatol.2015;55(3):310–312os quaispodem serincapazes de promovera remissão do quadro.3,4,7 O uso de imunossupressores pode ser tentado
pelagravidade dadoenc¸a epelo riscode perdada visão.14
Ciclofosfamidaoral(2mg/kg/dia)ouempulsosmensais intra-venosospodeseusadaemconjuntocomosglicocorticoides emcasoscomriscodeperfurac¸ãoounocontextode vascu-litessistêmicas.Algunspacientes podemresponderao uso de metrotexate,como demonstrado emum relatode caso de uma jovem de 25 anos que obteve melhoria significa-tivadaceratiteulceradaperiféricaidiopáticacom10mgpor semanademetotrexateeapós quatrosemanas aumentou--seadosepara25mgcomexcelenteresposta.15Ciclosporina
é uma opc¸ão a ser tentada, com relatos de resposta em casos de úlcera de Mooren.16 Além disso, o uso de
imu-nobiológicoscomo orituximabe,umanticorpo monoclonal contrao CD20expresso pelos linfócitos B,em granuloma-tose com poliangeíte,5 e especialmente o infliximabe, um
anti-TNF,podemproduzirumarespostarápidanasupressão da inflamac¸ão corneanae no quadro de dor, o que deter-mina,assim,amelhoriaclínicaemcasosdedifícilcontrole, comonos pacientespornós relatados.5,7,8,13,15,17 Acitocina
TNFéimportantenapatogênesedaceratiteulcerada perifé-rica,tantonoscasosidiopáticoscomoaquelesassociadosà artritereumatoideouàvasculite.OTNFestimulaaatividade demetaloproteinases,emparticularMMP-9,oquetemsido confirmadodeformadosedependenteemculturasde célu-lasepiteliaisdecórneahumana.Aexpressãoeaatividade aumentadadaMMP-9foramdemonstradasemamostrasde córneahumanacomceratiteulcerada.Ainibic¸ãodacitocina TNFcomousodeanticorposmonoclonaispode,dessemodo, reduzirainflamac¸ãoeadestruic¸ãodamatrizextracelulare adegradac¸ãodocolágenodacórneadecorrentedaatividade desreguladadasmetaloproteinasesdamatriz.18-20
Odorcicetal.emseuestudorelataramqueaindanãohá umadosepreconizadadeinfliximabeparaoscasosdeceratite ulceradaperiféricaequeareduc¸ãodointervalodasinfusões paraacadaquatrosemanaspodesernecessário.4Galoretal.
mostraramemumestudoaestabilidadenaacuidadevisual em68%dos12pacientescomartritereumatoideassociadaa ceratiteulceradaperiféricaapóstratamentocom ciclofosfa-midaoumetotrexate.9
Nostrêscasos aquiapresentadoshouve respostas favo-ráveis ao infliximabe no tratamento de ceratite ulcerada, prescritoapós falhadecorticoidese/ouimunossupressores, àsemelhanc¸adeoutraspublicac¸ões.Alémdisso,nãohouve recorrênciadeceratite ulcerada periféricaemnenhum dos três pacientes relatados por nós. Todos os três casos não apresentavamassociac¸ãocomdoenc¸asdotecidoconectivo. Estudosrandomizados,controladosecommaiornúmerode casosdarãomaiorsuporteparaousodeterapiabiológica,em particularanti-TNF,nessacondic¸ão.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
r
e
f
e
r
ê
n
c
i
a
s
1.MondinoBJ.Inflammatorydiseasesoftheperipheralcornea. Ophthalmology.1988;95:463–72.
2.LeungAK,MireskandariK,AliA.Peripheralulcerative keratitisinachild.JAAPOS.2011;15:486–8.
3.AtchiaII,KiddCE,BellRW.Rheumatoidarthritis-associated necrotizingscleritisandperipheralulcerativekeratitistreated successfullywithinfliximab.JClinRheumatol.2006;12: 291–3.
4.OdorcicS,KeystoneEC,MaJJ.Infliximabforthetreatmentof refractoryprogressivesterileperipheralulcerativekeratitis associatedwithlatecornealperforation.Cornea.
2009;28:89–92.
5.YagciA.Updateonperipheralulcerativekeratitis.Clin Ophthalmol.2012:747–54.
6.ThomasJW,PflugfelderSC.Therapyofprogressive rheumatoidarthritis-associatedcornealulceration withinfliximab.Cornea.2005;24(6):742–4.
7.AlbertM,BeltránE,Martínez-CostaL.Rituximabin rheumatoidarthritis-associatedperipheralulcerative keratitis.ArchSocEspOftalmol.2011;86:118–20.
8.OhJY,KimMK,WeeWR.Infliximabforprogressiveperipheral ulcerativekeratitisinapatientwithjuvenilerheumatoid arthritis.JpnJOphthalmol.2001;5:70–1.
9.GalorA,ThorneJE.Scleritisandperipheralulcerative keratitis.RheumDisClinNorthAm.2007;33:835–54. 10.SantosNC,SousaLB,TrevisaniVF,FreitasD,VieiraLA.
Manifestac¸õesdestrutivasdacórneaeescleraassociadasa doenc¸asdotecidoconectivo–Relatodenovecasos.ArqBras Oftalmol.2004:67.
11.TauberJ,SainzdelaMazaM,Hoang-XuanT,FosterCS.An analysisoftherapeuticdecisionmakingregarding
immunosuppressivechemotherapyforperipheralulcerative keratitis.Cornea.1990;9:66–73.
12.LadasJG,MondinoBJ.Systemicdisordersassociated withperipheralcornealulceration.CurrOpinOphthalmol. 2000;11:468–71.
13.GarrityJA.Ocularmanifestationsofsmall-vesselvasculitis. CleveClinJMed.2012:73.
14.BachmannB,JacobiC,CursiefenC.Inflammationoftheeye insystemicinflammatorydisorders:keratitis.KlinMonbl Augenheilkd.2011;228:413–8.
15.FaillaceC,AraújoFA,DeCarvalhoJF.Idiopathicperipheral ulcerativekeratitiswithgoodresponsetomethotrexate.Acta ReumatolPort.2012;37:102–3.
16.HillJC,PotterP.TreatmentofMooren’sulcerwithcyclosporin A:reportofthreecases.BritJOphthalmol.1987;71:11–5. 17.PhamM,ChowCC,BadawiD,TuEY.Useofinfliximabinthe
treatmentofperipheralulcerativekeratitisinCrohndisease. AmJOphthalmol.2011;152:183–8.
18.FontanaL,ParenteG,NeriP,RetaM,TassinariG.Favourable responsetoinfliximabinacaseofbilateralrefractory Mooren’sulcer.ClinicalandExperimentalOphthalmology. 2007;35(9):871–3.
19.LiDQ,LokeshwarBL,SolomonA,MonroyD,JiZ,Pflugfelder SC.RegulationofMMP-9productionbyhumancorneal epithelialcells.ExperimentalEyeResearch.2001;73(4): 449–59.
20.SmithVA,HohHB,EastyDL.Roleofocularmatrix