Tirando a cidadania do CTI
1Helena Bomeny2
A iniciativa do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro de realização
de um encontro em torno do tema dos direitos das crianças e adolescentes só
pode receber apoio e colaboração efetivos dos que, minimamente, se
comprometem com a questão dos direitos civis, sociais e políticos no Brasil. A
forma de colaboração corresponderá às diversas áreas de atuação e investimento
intelectual dos que estão convidados neste dia. A mim me coube contribuir em
área estratégica dos direitos civis e sociais em qualquer sociedade que se
pretenda justa e democrática: a educação. É com esta preocupação que organizei
minha exposição e a sugestão que trago para esta cerimônia que, espero, possam
se somar às demais.
Há cerca de um ano, provocada por Dr. Marcos Fagundes comecei a
pensar um projeto que pudesse subsidiar o programa de intervenção em favor da
infância e adolescência que o Ministério Público pretendia – e este encontro indica
que ainda pretende - levar adiante no Rio de Janeiro. A indicação de meu nome
1 Trabalho apresentado no Fórum Crianças e adolescentes em situação de risco: propostas alternativas em
situação de atendimento promovido pela Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude. Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2003.
2 Socióloga, pesquisadora do CPDOC e professora Titular de Sociologia da UERJ, coordenadora do PREAL
no Brasil.
ao representante do Ministério Público se deu como desdobramento das
atividades de um programa que coordeno no CPDOC da Fundação Getulio Vargas
- Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e no Caribe
(PREAL).
A conversa com Fagundes rendeu ainda a parceria com o Quantidados, do
Departamento de Ciências Sociais da UERJ, particularmente, com dois
professores do referido núcleo – os sociólogos Dario Souza e Silva Filho e José
Augusto Rodrigues. O PREAL e o Quantidados já haviam selado parceria anterior
em função da pesquisa feita com o apoio da Fundação Ford, sobre investimento
empresarial em educação no Brasil.3
Em função desse histórico, esta comunicação ficou identificada com o tema
do investimento empresarial. Como os resultados estão publicados, e como estou
convencida de que a iniciativa deste seminário se justifica pela urgência de
montagem de algum programa de intervenção a partir de propostas efetivas que
os conferencistas possam sugerir, farei uma breve menção aos resultados da
pesquisa, e passarei à sugestão de intervenção. Acredito que o programa de ação
junto à rede escolar, tal como inicialmente proposto pelo Ministério Público, se
constitui em fonte de dados para, inclusive, orientar os empresários que querem
investir em educação.
3 A pesquisa feita pelo IBOPE foi processada pelo Doxa/IUPERJ e Quantidados/UERJ, e publicada com o
título Empresários e Educação no Brasil, autoria de Helena Bomeny e Marcela Pronko. Rio de
O que significa investimento empresarial em educação no Brasil atual?
A pesquisa que fizemos com um conjunto de empresas das regiões
metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto
Alegre, Salvador, Recife e Fortaleza não trouxe resultados alentadores se o que
nos preocupa é o investimento em educação fundamental, ou seja, aquela área da
educação mais diretamente ligada aos direitos sociais básicos de qualquer
cidadão.
É bastante geral o reconhecimento de que o sistema público educacional
brasileiro é ineficiente, injusto e sem qualidade. O argumento de que a sociedade
deveria se mobilizar de alguma forma para melhorar este quadro vem recebendo
adeptos desde a década de 1990. E mais, a resposta afirmativa à pergunta: “sua
empresa investe em educação?” – 51% dos entrevistados - indica razoável
sensibilidade do setor empresarial por um tema considerado estratégico a
qualquer programa de desenvolvimento e democratização da sociedade brasileira.
De maneira geral, o investimento empresarial em educação é recente, local,
de pequeno porte, regular, voltado, em sua expressiva maioria, para a capacitação
da própria força de trabalho, gerado e gerido na própria empresa, preocupado com
resultados e ainda muito ligado a modelos de escolarização formal. A análise dos
dados nos trouxe de volta uma larga tradição brasileira, enriquecida, naturalmente,
pelas contingências do tempo presente. Mais de 70% das empresas que investem
investimento em recursos humanos diretamente voltados para o desempenho no
interior das organizações empresariais. Não obstante a concentração do
investimento privado no público interno às empresas, noss a pesquisa constatou
que começa a aparecer (por enquanto, em tímido 10%) um outro tipo de
investimento, provavelmente também recente, local, talvez de pequeno porte e
regular, mas voltado para a comunidade, o entorno da empresa, com um traço que
pode ser localizado entre os dois termos: a filantropia e a responsabilidade social,
gerado e gerido, muitas vezes, em parceria com organizações não
governamentais (ONGs), instituições públicas e privadas. Sabemos pouco ainda
sobre esse outro perfil de investimento. Mas é possível dizer que dos 10% que
investem em programas externos às empresas, programas ligados à comunidade,
apenas uma pequena amostra está orientada para o ensino fundamental. Seria o
caso de perguntarmos por que as empresas têm que assumir a função pública do
Estado. É sua função? Faz parte de seu projeto organizacional? De sua missão?
De seus compromissos? Mas seria interessante igualmente trazermos esta
discussão em um momento - como o que está configurado na década de 1990 no
Brasil - de ampliaç ão do investimento privado em ações sociais.4 Os dados de
nossa pesquisa confirmaram essa tendência dos anos 90. Das 300 empresas que
investem em educação, 46% decidiu começar a investir entre 1995 e 2000; 20%
entre 1990 e 1994; 12% na década de 1980, 7% na década de 1970 e os 15%
restantes em épocas anteriores. Isso indica que para as empresas, o investimento
4 Já é razoavelmente extensa a bibliografia que trata desse fenômeno da década de 1990. Para fins desta
em educação parece ser um interesse recente, de forte incidência na década de
1990.
Em reuniões promovidas pelo Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
(GIFE) e pelo Instituto Ethos de Responsabilidade Social acompanhamos o
empenho das duas organizações em orientar o investimento empresarial em
ações de caráter público. O GIFE, em seu código de ética, explicita que
investimento público não pode ser confundido com desobrigação fical. Ou seja, as
empresas que deixam de cumprir suas obrigações legais sob o pretexto de investir
em áreas consideradas de caráter público tendo como meta sua promoção e
visibilidade em propaganda, não podem ser consideradas como investidoras
sociais. Investimento social é um “a mais” em suas rotinas de investimento.
Transferir gastos tributários para ações pontuais é descobrir uma área sem
resolver problemas cruciais que afetam a outra. A insistência do GIFE deixa
escapar que o problema existe, e que seus efeitos não são banais.
O Instituto Ethos se mobiliza no sentido de orientar as empresas a um novo
tipo de comportamento, à formação de mentalidade não exclusivamente movida
pelos interesses e com vistas ao lucro imediato. Investir em capital social, o que
vale dizer, nas dimensões interativas que envolvem a produção das organizações
– valorização de padrões de reciprocidade, confiança e solidariedade nos
ambientes internos e externos às empresas – é ampliar as funções das empresas
empresarial.5 Lucram mais as empresas que reorientam seus comportamentos
organizacionais na direção de mais e melhor forma de interagir interna e
externamente.
Um dos pontos consensuais que vem ganhando tônus nesses debates é a
parceria das organizações privadas com projetos de alcance e responsabilidade
públicos. A educação fundamental pode e deve merecer a atenção dos atores
nesse programa de reorientação cidadã, reorientação da observância aos direitos
básicos da população. O ensino fundamental e seu ambiente privilegiado - as
escolas públicas - que atendem à maioria esmagadora da população em idade
escolar da rede pública de ensino do país é o espaço para o qual passarei a dirigir
esta apresentação.
Formando cidadãos ou excluindo indivíduos da cidadania? O que nos
inspira países vizinhos?
No início dos anos 90, a educação chilena estava marcada por profundas
disparidades entre as escolas públicas municipais, as privadas subvencionadas e
as privadas, manifestando-se em níveis de financiamento e em resultados
extremamente desiguais. O sistema de educação no Chile é misto; público e
privado. Existem três tipos de escolas básicas: as escolas municipais, que
5 Bernardo Kliksberg é sempre lembrado como um dos intelectuais que mais tem se envolvido com o tema do
capital social. Entre seus textos, vale destacar KLIKSBERG, Bernardo e TOMASSINI, Luciano (org).
recebem financiamento do Governo central – conhecida com o nome de subsídios
– administradas pelos municípios; as escolas privadas subvencionadas pelo
mesmo Governo central, com administração em forma privada; e as escolas
financiadas e administradas de forma privada. Esse arranjo resultou da reforma
escolar no início dos anos 1980, por meio da qual, a administração das escolas se
transferiu do Governo central aos municípios ou a entidades privadas. Foi nesse
contexto que nasceu o Programa de Melhoramento da Qualidade das Escolas
Básicas de Setores Pobres - mais conhecido como Programa das 900 Escolas. O
objetivo era melhorar a qualidade das aprendizagens cognitivas e sócio-afetivas
dos meninos e meninas do pré-escolar e do básico no marco dos novos
programas de estudo, especialmente em linguagem e matemática usando um
critério de discriminação positiva. Este talvez tenha sido o mais conhecido projeto
de reforma educativa que o sistema educacional chileno apresenta ainda hoje.
Vulgarizou-se como P900.
O Programa governamental orienta uma política de melhorar o atendimento
com fornecimento de materiais didáticos, apoio profissional aos professores,
aquisição de computadores. Há especialistas que afirmam que o programa tem
forçado inclusive a melhoria dos índices de desenvolvimento humano. Por
exemplo, a chegada de computadores em regiões isoladas e distantes, sem luz
elétrica, forçou a instalação de rede elétrica para o fornecimento de luz a
comunidades que se beneficiam de uma política voltada para a escola.
O programa consistiu em uma decisão: selecionar as 900 escolas mais
precárias, mais pobres, espalhadas em distintas regiões do país, aquelas que
funcionamento, índices deficientes em administração e direção, e aquelas que
exibiam taxas de estrangulamento, muitas vezes provocadas por situações de
violência e incompetência didático-pedagógica. Direção ruim, descomprometida,
ambiente físico inóspito, professores mal preparados, clientela depaupe rada
social, cultural e fisicamente, tudo conspirando contra o bom desenvolvimento
escolar. Criou-se o primeiro CTI educacional. O projeto consistia em investir
prioritariamente, nesse conjunto e, progressivamente, substituir as escolas
atendidas por outras na fila por atendimento. O P900 foi um programa que
funcionou associado a outro, também criado pelo governo, para avaliar o
rendimento escolar - Sistema de Medición de la Calidad de la Educación (SIMCE).
O Programa recebeu o nome P900 Escolas porque os especialistas
chilenos identificaram as 900 escolas que funcionavam pior no país, escolas que
passaram a ser objeto de recursos extraordinários. Os resultados positivos que o
sistema de avaliação apresentava provocou a decisão governamental de
aumentar a cobertura. Em 2001, 1443 escolas estavam incluídas no P900. Em
2003, o programa completou 13 anos de existência. Irregular, com altos e baixos,
alvo de aprovação e críticas, acusado de cumprir uma agenda das agências
internacionais interessadas em prom over o neoliberalismo nas regiões
latino-americanas, com processos educativos voltados para eficiência, melhor
desempenho de força de trabalho, treinamento para flexibilização etc, mas resiste
ao longo de mais de uma década, e mantém, a meu ver, o vigor de uma forte
inspiração. Procurar as razões do melhor desempenho em escolas de bom
rendimento e ver o que falta naquelas depauperadas. Investir nas mais pobres e,
recursos extras, com vistas ao melhor desempenho, sem dúvida, o início de um
programa de impacto positivo.
A CEPAL – Comissão Econômica para América Latina e Caribe – instigada
para compreender as razões da resistência de escolas que estão no programa
P900 em apresentar melhoria de rendimento, promoveu uma extensa pesquisa
orientada por uma metodologia de dupla dimensão: aplicação de métodos
quantitativos e qualitativos. É possível baixar na internet o relatório com os
resultados da pesquisa feita por Beverley Carlson, e é material interessante para
nos aproximarmos dos ganhos e dificuldades que reformas profundas na área da
educação básica têm que enfrentar.6 A reforma chilena vai seguindo com os
avanços e recuos previsíveis em processos amplos de reestruturação. Mas pode,
em alguns tópicos, se constituir em inspiração para alguns de nossos possíveis
passos no Rio de Janeiro.
O que fazer para ajudar nossas escolas?
Quando iniciamos o contato com o projeto que Marcos Fagundes se
empenhava em levar adiante no Rio de Janeiro, a experiência chilena me pareceu
combinar estreitamente com os propósitos que animavam o Ministério Público.
Acompanhar escolas públicas com o objetivo de fiscalizar e garantir o
cumprimento das ações previstas para seu bom funcionamento era o propósito da
equipe do Ministério. Entendia Marcos Fagundes que acompanhar a rotina das
6 CARLSON, Beverley A “Como lograr uma educación de calidad: Qué nos enseñan las escuelas? Que
escolas públicas era a maneira mais direta e eficaz de garantir a observância de
direitos da população carente em idade escolar. Estava embutida naquela
intenção a convicção de que as escolas são um bem público, e, preservados seu
ambiente e seu funcionamento, seriam capazes de influir decisivamente em favor
da ampliação dos direitos básicos de cidadania da infância e adolescência desta
cidade.
A relação entre escola e aprendizado tem merecido a atenção de
especialistas no mundo inteiro. Quanto se pode atribuir à escola o aprendizado
das crianças e adolescentes? Quanto pode a escola fazer em situações as mais
adversas de socialização das crianças, considerando, naturalmente, ambiente
familiar, recursos culturais, convivência com outros segmentos e grupos externos
à escola? Os resultados das pesquisas reforçam a tese de que o aprendizado
intelectual e moral não depende exclusivamente das escolas, e em alguns casos,
conduzem a resultados mais graves: a despeito de todo o empenho escolar, as
crianças podem fracassar em seus projetos de aprendizagem se não podem
contar com reforço e apoio dos outros ambientes com os quais convivem: família,
vizinhança etc. Isso significa que não vale a pena investir nas escolas?
Outro conjunto de pesquisas ilustra o oposto. Se a escola não pode,
isoladamente, responder pelos desafios da socialização, sua ausência interfere
negativamente na formação dos indivíduos. As famílias e as crianças valorizam a
experiência escolar, e, impressionantemente, a despeito de todas as carências
que conhecemos na rede pública, as pesquisas de Guiomar Namo de Mello
indicam o quanto as crianças valorizam a escola como seu próprio espaço, e
círculo mais estreito da família. Portanto, se não nos é dada a competência e a
possibilidade de influir sobre todos os espaços, e sequer em toda a rede pública, é
prudente a aposta em ações incrementais, em espaços definidos, como estratégia
possível de melhoria de vida infantil, com a expectativa de que exemplos bem
sucedidos possam, como efeito de demonstração, provocar a incorporação de
mais e mais experiências.
Recomenda o bom senso que, antes de discutirmos qualquer forma de
intervenção, tenhamos claro que ações educativas implicam seleção de valores,
de políticas, de práticas. Isso nem é consensual nem se acomoda pelo simples
gesto de boa vontade dos atores, ou de ações insuspeitáveis de setores,
segmentos e atores envolvidos. Negociar pode ser o caminho menos atropelado
de conduzir programas na área social. Como educação implicará necessariamente
em programas de longo prazo, a junção de esforços pode minimizar as imensas
dificuldades que estão postas ao sistema escolar.
Uma agenda de intervenção
O que queremos significar quando definimos uma escola como “boa
escola?” O que os alunos, professores, funcionários, pais e representantes de
comunidade entendem por boa escola? Mesmo que ainda não tenhamos feito
esta pesquisa com rigor, podemos adiantar, sem muita expectativa de erro, que
boa escola é aquela que tem ambiente físico saudável: iluminado, limpo, arejado,
silencioso, com temperatura apropriada ao que se espera de um ambiente de
seus beneficiários de forma adequada, ou seja, ambientes para acolher crianças
de 5 a 8 anos não é o mesmo que se oferece a adolescentes ou adultos. Forçar o
ambiente adulto às crianças ou infantilizar adolescentes com paisagem lúdica de
criança é receita certa para inadaptações e/ou fracasso. Banheiros sujos, paredes
sujas, maçanetas de portas que não funcionam, vidros quebrados, lixo no chão,
poeira nos móveis, carteiras quebradas, falta de giz e limpador de quadro verde ou
negro ou azul, tudo isso são detalhes que não são detalhes. Podem definir o
clima de uma escola. E estamos no primeiro nível de reconhecimento. Primeiro e
importantíssimo.
Uma escola se faz no ambiente físico com atividades específicas de
socialização. Há um programa de vivência, socialização pessoal, e de aprendizado
substantivo nas escolas. Quem orienta, como orienta, quem promove, como se
conduzem processos de interação nas escolas? Como se dá o relacionamento
entre alunos e professores; alunos e funcionários; direção e corpo docente;
direção, professores e pais de alunos?
Crianças nascidas em famílias abastadas podem contar com estímulos
adicionais aos que as escolas propiciam. E mais. Iniciam o contato com a
estimulação cerebral na primeira infância, o que no sistema escolar corresponde à
pré-escola. O que se ganha nesta fase, se adquire para toda a vida intelectual. O
que se perde por não ter vivenciado tal experiência, não se recupera mais. As
pesquisas indicam progressões aceleradas com a combinação de ambientes
familiares ricos em materiais e equipamentos culturalmente desafiantes e
rendimento escolar. Indicam ainda relação positiva entre rendimento e nível de
Sabemos que os alunos das escolas públicas em nosso país não são mais os
alunos das escolas públicas sempre tão lembradas de 20, 30 anos atrás. O
sistema público de ensino democratizou-se. Ampliou imensamente o universo de
escolarização no Brasil e os 40% de escolarizados da década de 1940, 1950
chegam aos 95% de final do século XX. Os efeitos perversos, nós já os
conhecemos: maior o número de estudantes, menor o contingente de oriundos
das classes mais favorecidas. A escola pública foi abandonada pelos ricos e
médios; foi reservada aos pobres. Falar, portanto, em melhoria da educação é
falar de direitos civis à cultura, é falar de direitos culturais. Acesso a
equipamentos, à tecnologia, à internet e aos materiais extra-classes.
O capítulo dos professores é longo e de precária compensação. O que
ensinam? Como ensinam? Como lidam com as múltiplas funções (desafiantes
funções) que lhes foram impingidas na ausência ou no mau funcionamento do
Estado e da sociedade? Os professores têm que fazer o que as famílias não têm
feito, o que o Estado deveria fazer e o que é esperado que façam. Como estão
fazendo? A falta de educação, de civilidade, de noção de respeito com autoridade
e a falta de segurança ilustram o que acabo de chamar a atenção com relação às
múltiplas funções do magistério.
A lista pode aumentar muito. Mas é interessante que, dadas condições
equiparáveis, há exemplos de escolas que, sem alteração profunda de
investimentos governamentais, e sem substituição de seu contingente humano
conseguem resgatar ânimo, comprometimento e fazer daquele ambiente
condenado um espaço de aprendizado e socialização melhores. Em geral, esses
forma apreciável. Para não transformar esta fala em pregação genérica,
paralisante, encaminho como conclusão os seguintes passos que poderiam
compor uma agenda de ação.
1) Analisar o mapa de desempenho escolar da Secretaria Municipal de
Educação – uma vez que nossa proposta diz respeito ao ensino
fundamental – para eleger, a partir dos dados fornecidos pela
documentação oficial, as 10 piores escolas do município do Rio de Janeiro.
2) Estabelecer critérios que as definem como piores escolas. Rendimento
escolar, defasagem idade/série, comprometimento da direção, qualificação
dos professores, ambiente físico, merenda escolar, material didático,
recursos tecnológicos para aprendizagem, participação dos pais em
Conselhos escolares; equipamentos disponíveis, e, por último, e talvez
mais importante, indicadores de violência nas escolas.
3) Selecionadas as 10 escolas em pior situação, iniciar o acompanhamento
acadêmico a cada um desses itens, de forma a compor um quadro
compreensivo e exaustivo dos problemas ali encontrados. O
acompanhamento deve ser feito pelo grupo envolvido com a pesquisa,
valendo-se de sistematização de informações, trabalho de campo (visita
demorada às escolas), entrevistas com alunos, professores, direção e pais
de alunos. O relatório substancial é o primeiro passo de colaboração com o
poder público no sentido de iniciar o processo de intervenção qualificada
4) Transformar o investimento acadêmico de pesquisa em sugestão de
agenda de política pública é o passo mais ambicioso e que exigirá
empenho e capacidade de negociação maior. Para isso, o envolvimento da
Secretaria de Educação em todo o processo é fundamental e traduzirá a
seriedade e o comprometimento do Ministério Público na execução de um
programa continuado com efeitos sociais multiplicadores.
5) Por último, e talvez mais importante. A aliança entre Secretaria de
Educação e Ministério Público, mais do que a disputa entre eles, é, a meu
juízo, condição, se não suficiente, certamente necessária ao
desenvolvimento de uma política conseqüente em área estratégica de
garantia da observância dos direitos sociais e civis com a que se
compromete, por esta cerimônia, o Ministério Público do Rio de Janeiro. A
capacidade de negociação, e a consideração de cada instância como
fundamental ao desenvolvimento do projeto é o primeiro passo de uma