• Nenhum resultado encontrado

Transtornos mentais e qualidade de vida em crianças e adolescentes com doença renal crônica e em seus cuidadores.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Transtornos mentais e qualidade de vida em crianças e adolescentes com doença renal crônica e em seus cuidadores."

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

Data de submissão: 05/06/2010 Data de aprovação: 08/07/2010

Correspondência para: Eduardo Araújo de Oliveira. Hospital das Clínicas – UFMG Rua Engenheiro Amaro Lanari 389/501. Belo Horizonte Minas Gerais

CEP: 30310-580

E-mail: eduolive812@gmail. com

Os autores receberam apoio financeiro do FAPEMIG, CNPq, CAPES. Declaramos a inexis-tência de conflitos de interesse. Autores

Renata Cristiane Marciano1

Cristina Maria Bouissou Soares2

José Silvério Santos Diniz2

Eleonora Moreira Lima2

José Maria Penido Silva2

Monica Ribeiro Canhestro3

Andrea Gazzinelli Oliveira3

Carla Duarte Melo4

Cristiane Santos Dias2

Humberto Correa5

Eduardo Araujo de Oliveira6

1Hospital das Clínicas da

Universidade Federal de Minas Gerais – HCUFMG, Departamento de Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFMG

2Unidade de Nefrologia

Pediátrica, HCUFMG

3Escola de Enfermagem,

UFMG

4Iniciação Científica, UFMG 5Departamento de Saúde

Mental, Faculdade de Medicina, UFMG

6UFMG

R

ESUMO

A melhoria da atenção médica resultou em um aumento da sobrevida de pacientes pe-diátricos com doença renal crônica (DRC). Entretanto, as repercussões clínicas e as consequências do tratamento são inúmeras. O objetivo deste estudo foi a realização de uma revisão desta temática, incluindo estu-dos publicaestu-dos desde 1980 até a atualidade, que abordam também a influência de outras doenças crônicas na população pediátrica. Foram revisadas as repercussões clínicas e as alterações neurológicas e neurocognitivas da DRC que podem influenciar na saúde mental e qualidade de vida destes pacientes. Estudaram-se também os efeitos emocio-nais e sociais da DRC e a sua influência na adesão à terapêutica e controle clínico nas diferentes modalidades de tratamento - conservador, dialítico e transplante. Obser-va-se um comprometimento da qualidade de vida e da saúde mental desses pacientes. A compreensão das repercussões psicosso-ciais e a tentativa de minimizá-las amenizam o impacto da doença renal no paciente. Esse cuidado mais adequado, completo e huma-nizado pode resultar na melhora da adesão e do controle clínico.

Palavras-chave: insuficiência renal crônica, pediatria, qualidade de vida, transplante de rim, diálise.

[J Bras Nefrol 2010;32(3): 316-322 ]©Elsevier Editora Ltda

A

BSTRACT

In the last decades there was a striking improvement in survival of children with chronic kidney disease. As life expectancy has increased in children with CKD, con-cern has risen about its physical, psycho-logical, and social consequences. The aim of this study was to perform a review of the psychological consequences of CKD in the pediatric population, with the focus on mental disorders and on quality of life. We also reviewed studies regarding emo-tional and social effects and their possible influences on treatment adhesion. Sev-eral studies have shown impairment on quality of life and on mental health of these patients. A better understanding of emotional consequences of CKD in pedi-atric population possibly can reduce the impact of the renal disease on children. Moreover, a comprehensive approach of children and adolescents with CKD might result in a better clinical control and im-prove treatment adhesion.

Keywords: chronic kidney failure, pediatrics, quality of life, kidney transplantation, dialysis.

Transtornos mentais e qualidade de vida em crianças e

adolescentes com doença renal crônica e em seus cuidadores

Mental disorders and quality of life in pediatric patients with

(2)

I

NTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o cuidado médico e o manejo de crianças e adolescentes com DRC evoluíram significa-tivamente. Como consequência, ocorreram mudanças consideráveis no prognóstico desses pacientes e exten-são de sua sobrevida.1 Entretanto, ainda há grande

dificuldade no manejo do estresse e das responsabi-lidades decorrentes da DRC, pois esses pacientes li-dam com uma vida de limitações. Além disso, têm sua qualidade de vida bastante comprometida por lida-rem com as demandas e restrições impostas por sua condição clínica e tratamento.2,3

A doença renal afeta muitos aspectos da vida des-tas crianças. Diariamente, elas são submetidas a res-trições dietéticas, hídricas, tratamentos difíceis e in-vasivos, com esquemas medicamentosos complexos, e até hospitalizações. Observa-se que eles possuem maior risco de pior desempenho psicossocial que os seus pares saudáveis.4,5 Dados da literatura

eviden-ciam que estas alterações emocionais nos pacientes com DRC e em seus cuidadores podem persistir tam-bém na fase adulta.6,7 Assim, percebe-se que o

mane-jo desses pacientes pediátricos representa um desafio para a equipe de saúde, para os doentes e seus cuida-dores. Nesse contexto, tem-se tentado compreender os mecanismos adaptativos dos pacientes a esta nova realidade.8 Essa revisão objetiva esclarecer as

princi-pais repercussões psicossociais da DRC nessas crian-ças e adolescentes. O melhor entendimento dessas relações constitui um passo importante na construção de uma assistência mais humanizada e eficaz.

O

BJETIVO

Avaliar as repercussões emocionais e o comprometi-mento da qualidade de vida de crianças e adolescen-tes com DRC que podem influenciar no prognóstico e controle clínico desses pacientes.

M

ÉTODO

Foi realizada pesquisa bibliográfica na Biblioteca Regio-nal de Medicina - BIREME e na PUBMED com os se-guintes descritores: Chronic Disease, Renal Insufficiency, Chronic, Depressive Disorder, Depressive Disorder, Ma-jor, Dysthymic Disorders, Mental Disorders Diagnosed in Childhood, Quality of Life, Adolescent, Child. Selecionaram-se artigos publicados a partir de 1980. Foram selecionados também estudos que constaram como artigos relacionados àqueles da pesquisa su-pracitada. Todos os 27 estudos publicados em revis-tas indexadas que avaliaram a qualidade de vida e a

saúde mental de crianças e adolescentes com doen-ça renal crônica e utilizaram instrumentos validados foram incluídos. Nos trabalhos incluídos, os princi-pais instrumentos utilizados para avaliar a qualida-de qualida-de vida têm a versão em português validada, são auto aplicáveis e incluem o inventário pediátrico de qualidade de vida - PedsQL em suas versões geral e específica para o doente renal; o questionário da qualidade de vida infantil -AUQUEI, e o SF-36. Para avaliar a saúde mental, foram empregados o Kiddie- SADS, considerado padrão ouro para tal finalidade; o questionário de capacidades e dificuldades – SDQ, que é autoaplicável e funciona como uma triagem dos principais transtornos psiquiátricos e avalia as capa-cidades da crianças principalmente do ponto de vista da sociabilidade; o inventário de comportamentos para crianças e adolescentes- CBCL; o inventário de ansiedade traço estado para criança – IDATE; dentre outros como SCICA e a Rutter scale.

R

ESULTADOSE DISCUSSÃO

A presença de doenças crônicas (DC) durante a infân-cia e adolescêninfân-cia eleva significativamente o risco de desordens emocionais e comportamentais.9,10 Embora

muitas DC sejam consideradas raras na infância, esti-ma-se que afetem aproximadamente 15% da popula-ção pediátrica. Desse total, cerca de 5% são doenças crônicas orgânicas persistentes ou recorrentes.11 As

crianças com DC podem apresentar desajustes psi-cológicos decorrentes não só da enfermidade como também do tratamento. Esses pacientes podem, ain-da, ter seu cotidiano modificado por inúmeras limita-ções, principalmente físicas devido às características da enfermidade que exigem readaptações contínuas frente à nova situação, além do desenvolvimento de estratégias para o enfrentamento da doença.12,13 Essas

crianças sofrem com o fato da doença afetar não só suas vidas, como também as de seus familiares.14

Essas alterações emocionais podem estar associadas às alterações neurológicas inerentes ao próprio diag-nóstico. Todavia, observa-se que os distúrbios emo-cionais apresentados estão associados essencialmente às dificuldades inerentes à convivência com a doença crônica.15

Alguns estudos feitos a partir de intervenções simples revelaram que estimular estas crianças a realizarem atividades comuns a seus pares pode ser benéfico. Por exemplo, em um estudo de Balen

et al.,16 as crianças com câncer, que passaram uma

(3)

A DRC constitui importante causa de morbidade pediátrica e está associada à significativa mortali-dade. Paralelamente, acarreta sérios danos psicos-sociais e que são mais pronunciados naqueles com doença congênita e que necessitam de terapia de substituição renal. A DRC invariavelmente é bastan-te estressanbastan-te e impactanbastan-te para os pacienbastan-tes e seus familiares. Dessa forma, constitui um fator predis-ponente ao desenvolvimento de patologias psiquiá-tricas nesses pacientes e em seus familiares, notada-mente nos cuidadores principais.10 Por outro lado,

a presença de comorbidades psiquiátricas piora o prognóstico de pacientes renais crônicos. Burton et al. encontraram associação entre depressão maior e morte prematura em pacientes renais crônicos.17

Os cuidados médicos aos pacientes renais crôni-cos avançaram notadamente nas últimas décadas. Contudo, o tratamento da DRC permanece bastan-te invasivo, exigindo profundas mudanças compor-tamentais, culturais e de estilo de vida. A própria condição clínica destes pacientes impõe inúmeras dificuldades e limitações cotidianas. Assim, o aumen-to da sobrevida deles é muitas vezes acompanhado pela presença de comorbidades psiquiátricas.18,19

Habitualmente, essas crianças apresentam anemia, hiporexia, e uma tendência a reduzirem suas ativida-des, com piora de seu desempenho escolar.3 Bakr et al.

demonstraram que essas repercussões emocionais não são explicadas por fatores socioeconômicos ou clíni-cos. Neste estudo, o comprometimento emocional foi associado a dificuldade de convivência com a doença e alteração da função renal.20

Os pacientes pediátricos renais crônicos relataram elevados níveis de estresse, depressão e sentimen-tos de desesperança relacionados com preocupações com a própria saúde e a percepção das limitações.1

Brownbridge et al. demonstraram que índices eleva-dos de depressão e ansiedade e resultaeleva-dos alteraeleva-dos em testes de personalidade nesses pacientes estavam associados a pior aderência terapêutica.21 Assim, um

importante ponto a ser discutido é que o entendimen-to e o redirecionamenentendimen-to do estresse das crianças com DRC constituiu uma forma eficaz de alívio de seu so-frimento emocional e de aprimoramento de sua ade-rência ao tratamento.22

De acordo com dados da literatura, a prevalência de alterações psiquiátricas entre crianças e adolescen-tes com DRC é bastante variável. Entretanto, foi su-perior à da população saudável, na maior parte dos trabalhos. A Tabela 1 sumariza alguns dos principais estudos sobre o comprometimento psicossocial e da qualidade de vida em pacientes pediátricos com DRC.

Crianças com DRC exibiram habitualmente uma autoimagem bastante negativa e um sentimento de in-ferioridade com relação a seus pares. Em Bakr et al.,20

aplicou-se o SCICA, um questionário semiestrutura-do que avalia de forma global, a funcionalidade semiestrutura-do paciente em nove áreas, como escola, amigos, relacio-namentos familiares em 38 pacientes pediátricos com DRC em tratamento conservador e hemodiálise. Foi observado que a prevalência de transtornos mentais foi de 52,6%, divididos em conduta 18,4%; depressi-vos 22,4%; neurocognitidepressi-vos 7,7%; ansiedade 5,1%, e transtornos de eliminação 2,6%. Ao se comparar transtornos psiquiátricos em pacientes em diálise e tratamento conservador, a prevalência foi de 68,4% e 36,8%, respectivamente.20

Várias hipóteses foram aventadas para explicar esse aumento da prevalência de transtornos mentais. Além do estresse inerente a DRC e seu tratamento, es-tudos apontam para outros fatores contribuintes para a predisposição de doenças psiquiátricas nesse grupo. Dentre estes, podem-se citar: a redução dos níveis do fator neurotrófico derivado do cérebro - BNDF e os baixos níveis séricos de serotonina em pacientes re-nais crônicos. Acrescenta-se a uremia, que pode estar associada a irritabilidade, distraibilidade, insônia e atrasos no desenvolvimento de caracteres sexuais se-cundários.20,23 A função cognitiva de pacientes com

DRC parece ser pior do que a dos seus pares saudá-veis. Esse comprometimento parece estar relacionado ao tempo de exposição à doença.

As alterações cognitivas referem-se, principalmen-te, ao aprendizado e à inteligência.24 Os adultos jovens,

com DRC desde a infância, particularmente aqueles em diálise por um longo período, apresentaram um prejuízo na cognição e em habilidades de leitura com relação aos seus pares.25 No estudo de Bawden et al.,

pacientes com DRC exibiram déficits discretos em tes-te de intes-teligência e controle motor fino com relação a seus irmãos. Entretanto, surpreendentemente, não foram observadas diferenças em relação a resultados acadêmicos, memória, comportamento e autoestima.26

(4)

Estudo Desenho Amostra Local Resultados

Reynolds, 1988

Caso-controle 22 famílias com crianças em HD, 22 famílias com crianças com DRC em tratamento conservador comparados a 31 controles

Reino Unido - No grupo em HD: maior número de conflitos familiares

Reynolds, 1991

Transversal 29 crianças transplantadas, 22 em HD e 22 em tratamento conservador

Reino Unido Após TX:

- Melhora da saúde física e comportamento das crianças

- Melhora da qualidade de vida da família - Acompanhamento psicológico: melhor ajustamento psicossocial  

TX versus HD:

- Melhora do ajustamento, do comportamento, do humor,  e do ajustamento social dos primeiros  

Rosekranz, 1992

Transversal 479 crianças e adolescentes (31% em tratamento conservador, 14% em HD, 9% em CAPD e 46% TX)

Alemanha - 29% dos pacientes apresentaram alguma deficiência motora ou cognitiva

- 26% dos maiores de 16 anos de idade completaram o segundo grau

- 43% dos maiores de 21 anos estavam empregados

- 86% dos maiores de 16 anos continuaram a viver com os cuidadores

Reynolds, 1993

Transversal 45 adultos que foram crianças com DRC:36 transplantados, 2 CAPD,7 hemodiálise  e 48 controles

Reino Unido Grupo-caso:

- Menores habilidades sociais - A maioria vivia com os pais

-Menos relacionamentos íntimos extra-familiares

- Pior qualificação profissional - Maiores índices de desemprego - Início precoce da doença associado a pior performance social

- Qualidade de vida equivalente ao grupo-controle 

Brownbridge, 1994

Transversal 60 crianças e adolescentes em HD e CAPD e seus pais

Reino Unido Baixa  aderência ao tratamento associada a:- Ansiedade e depressão

- Adolescência

- Aumento da duração da diálise - Baixo nível socioeconômico - Estrutura familiar composta por pais solteiros 

Fielding, 1999 Transversal 60 crianças e adolescentes em

HD e CAPD e seus pais

Reino Unido - Em famílias numerosas foram observados maiores índices de ansiedade

Goldstein, 2006

Transversal 85 crianças com DRC e 95 pais, comparados a crianças saudáveis do estudo de validação do Peds Ql

Estados Unidos

- Piores escores de QV de pacientes com DRC em todos os domínios

- Transplantados melhores escores nos domínios físico e psicossocial

Fadrowski, 2006

Coorte     78 adolescentes com DRC     Estados

Unidos

Melhora da qualidade de vida foi associada ao crescimento

 - Piora da qualidade de vida diretamente relacionada ao declínio da função renal

Bakr, 2007

Transversal 19 crianças em tratamento conservador e 19 em HD

Egito Prevalência de:

- Transtornos psiquiátricos: 52,6% (mais frequente em pacientes em HD) -Transtornos de ajustamento: 18,4% - Depressão: 10,3% 

Buyan, 2010

Caso-controle 211 crianças e adolescentes com DRC com 129 pais,

comparados a  232 controles saudáveis e 156 pais

Turquia Grupo-caso:

- Piores escores de QV em todos os domínios, exceto o físico 

TX versus HD:

- Melhor autoimagem, e relacionamento social dos primeiros  

(5)

Em Rosenkranz et al.1 metade dos participantes

informou que a DRC e seu tratamento afetaram nega-tivamente a sua vida social. Dentre estes, aproxima-damente um terço havia buscado auxílio médico, nos últimos 5 anos, por transtornos psiquiátricos e emo-cionais. Poucos pacientes reportaram um relaciona-mento estável com o sexo oposto.2 Nesse outro

traba-lho, o nível de dependência encontrado em pacientes com DRC foi alto. Foram observados, ainda, atraso no crescimento e desenvolvimento sexual e uma taxa de fecundidade bastante inferior à população geral.1

Outro desafio para esses pacientes pediátricos consiste em aderir à terapêutica. Seguir o tratamento proposto significa submeter-se a restrições hídricas e dietéticas, a regimes posológicos complexos, e a terapias bastan-te invasivas. Em Wolff et al., foram destacados fatores psicossociais relacionados com a adesão. Constatou-se que os pacientes com pior deConstatou-sempenho emocional e social, habitualmente, demonstraram uma tendência a não seguirem as recomendações médicas.29 Nesse

mesmo estudo, dos pacientes transplantados renais que declararam não seguir as recomendações médi-cas, 31% informaram não suportar a interferência da família em suas vidas e 19% relataram tentativas pre-gressas de autoextermínio e/ou sérios pensamentos suicidas. Este autor explica que o adolescente renal crônico, em uma tentativa de demonstrar autonomia, muitas vezes não é aderente à terapêutica proposta. A adesão muitas vezes piora em momentos de crises familiares. Esses pacientes transplantados se queixa-ram por se sentirem dependentes, desacreditados e de terem seus esforços de seguir o tratamento pouco valorizados.29 As crianças transplantadas precisam

lidar com a necessidade do uso contínuo de imuno-supressores e seus efeitos colaterais. Esses pacientes temem a perda do enxerto funcionante.30 É

importan-te trabalhar, com as famílias, as verdadeiras expec-tativas dos cuidadores e dos transplantados. Apesar de representar uma grande evolução na qualidade de vida, o transplante pode tornar-se uma experiência frustrante, já que os pacientes e familiares, frequen-temente, esperavam ter uma vida totalmente saudável e autônoma após o procedimento.29,31 A fase

imedia-tamente posterior ao transplante é bastante delicada, marcada pela presença de sintomas depressivos, baixa autoestima, dificuldade para compreender e lidar com o tratamento.32

Dentre as repercussões sociais da DRC, ocorre um comprometimento significativo da escolaridade. Habitualmente, o grau de escolaridade desses pacien-tes é inferior ao de seus pares saudáveis. Pontuou-se que crianças e adolescentes com DC tiveram maior

absenteísmo escolar.33 Os pais de crianças com DRC

em hemodiálise relataram um pior desempenho acadê-mico de seus filhos em relação àqueles em tratamento conservador e no grupo-controle. Dado interessante é que foi observado, também, baixo desempenho esco-lar nos irmãos de crianças e adolescentes com DRC.9

Outro ponto a ser considerado é a associação entre a piora na qualidade de vida e a morbimortalidade de doentes renais crônicos.34,35 A qualidade de vida (QV)

é um conceito multidisciplinar que consiste na percep-ção do indivíduo da sua posipercep-ção na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. A piora da qualidade de vida desses pacientes interfere no seu prognóstico. Em relação ao tipo de tratamento utilizado, os piores escores de QV foram observados nos pacientes em diálise, na maio-ria dos trabalhos. No estudo de Gerson et al., adoles-centes em diálise e com DRC terminal relataram pior qualidade de vida, com maior prejuízo do domínio físico com relação àqueles pacientes transplantados com enxerto funcionante.36,37

Em um trabalho recente de Buyan et al.,38 no qual

211 crianças renais crônicas foram comparadas a controles saudáveis, aqueles apresentaram compro-metimento significativo da QV em relação a estes. Em relação à modalidade de tratamento, os pacien-tes transplantados apresentaram maior autoestima e preservação das suas habilidades sociais em compa-ração aos dialíticos. Em Mckenna et al.39 o PedsQL

foi usado para mensurar a qualidade de vida de 64 crianças renais crônicas, cujos resultados foram es-tatisticamente inferiores em todos os domínios em comparação aos controles saudáveis. Resultados se-melhantes foram obtidos no estudo de Goldstein et al.,40 no qual foi utilizado o mesmo instrumento. A

percepção dos pacientes sobre sua condição clínica e alterações com relação à população geral também foi determinante para o comprometimento de sua QV. Em Fadrowski et al.,23 notou-se uma provável

asso-ciação entre aumento da estatura e melhora da qua-lidade de vida com relação ao domínio físico. Nesse mesmo trabalho, níveis adequados de hematócrito e albumina foram relacionados à melhor QV. Em con-trapartida, declínios da RFG foram relacionados com um comprometimento significativo da QV de adoles-centes com DRC. Este autor associou um pior desem-penho do domínio psicossocial da QV ao tratamento dialítico e idade mais avançada.

(6)

ingresso na vida adulta. Esses embates são considerados próprios da síndrome da adolescência normal. Em pa-cientes com DC, esses conflitos são agravados pela di-ficuldade de manejo da doença e pelos sentimentos de revolta e repúdio à condição clínica e seu tratamento. No caso da DRC, tendo em vista suas múltiplas repercussões físicas e psicossociais, este fenômeno é habitualmente ob-servado com maior intensidade. Em pacientes renais crô-nicos, na adolescência ocorre frequentemente uma piora do controle clínico e da adesão à terapêutica. Soma-se a esse contexto, um estressor adicional que é a mudança da equipe de saúde assistente. Foi demonstrada uma piora do controle clínico quando esses pacientes foram referen-dados a serviços de adultos.2 Em McDonagh, a própria

DRC, os efeitos colaterais das medicações, as múltiplas ausências escolares e as alterações psicossociais, notada-mente baixa autoestima observados nesses pacientes re-sultaram em retardo de crescimento e desenvolvimento, atraso puberal e pior desempenho cognitivo. Neste es-tudo, os adolescentes renais crônicos apresentaram pior desempenho social e sexual que o grupo-controle.41 Esses

púberes mostraram-se mais preocupados com questões normais da adolescência como alcoolismo, drogas, sexo, peso, contracepção e manifestaram o desejo de que esses temas fossem abordados durante o tratamento.2,42

Notaram-se, nos adolescentes com DRC, elevados níveis de dependência associados à superproteção de familiares e professores. Estes, ao se tornarem adultos, relataram que sua inclusão no tratamento, nas decisões clínicas e seu esclarecimento adequado foram conside-rados contribuições muito importantes no próprio ma-nejo da doença.2

C

ONCLUSÃO

Os pacientes pediátricos com DRC frequentemente são acometidos por transtornos mentais, em taxas superio-res à da população geral. Esse fato decorre das pertur-bações da dinâmica familiar, do tratamento penoso e da própria doença crônica. Ainda foram observados nesses pacientes pior desempenho escolar, autoestima baixa e dificuldade de relacionamento com seus pares. Nos estudos revisados, as crianças em terapia dialítica apresentaram pior desempenho emocional em compa-ração àqueles em tratamento conservador e pacientes transplantados. A saúde mental e emocional dos pa-cientes pediátricos com DRC é determinante no cur-so, prognóstico e sucesso terapêutico. Neste contexto, visando à melhoria da assistência, é imprescindível a realização de novos estudos para identificar possíveis fatores de risco que comprometam a qualidade de vida e a saúde mental desses pacientes.

A

GRADECIMENTOS

Este estudo contou com o apoio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UFMG através do Convênio CAPES/ PRPQ/UFMG. Os autores agradecem a FAPEMIG e ao CNPq pelo auxílio aos participantes deste es-tudo. Os autores também agradecem a equipe inter-disciplinar, pela dedicação nos cuidados das crianças inscritas no Programa Interdisciplinar de Prevenção e Assistência na Insuficiência Renal Crônica (IRC), da Unidade de Nefrologia Pediátrica do HCUFMG.

R

EFERÊNCIAS

1. Rosenkranz J, Bonzel KE, Bulla M et al. Psychosocial adaptation of children and adolescents with chronic renal failure. Pediatr Nephrol 1992; 6:459-63. 2. Reynolds JM, Morton MJ, Garralda ME, Postlethwaite

RJ, Goh D. Psychosocial adjustment of adult survi-vors of a pediatric dialysis and transplant programme. Arch Dis Child 1993; 68:104-10.

3. Soliday E, Kool E, Lande MB. Family environment, child behavior, and medical indicators in children wi-th kidney disease. Child Psychiatry Hum Dev 2001; 31:279-95.

4. Lavigne JV, Faier-Routman J. Psychological adjust-ment to pediatric physical disorders: a meta-analytic review. J Pediatr Psychol 1992; 17:133-57.

5. Holden EW, Chmielewski D, Nelson CC, Kager VA, Foltz L. Controlling for general and disease-specific effects in child and family adjustment to chronic chil-dhood illness. J Pediatr Psychol 1997; 22:15-27. 6. Fielding D, Brownbridge G. Factors related to

psycho-social adjustment in children with end-stage renal fai-lure. Pediatr Nephrol 1999; 13:766-70.

7. Aldridge MD. How do families adjust to having a child with chronic kidney failure? A systematic review. Nephrol Nurs J 2008; 35:157-62.

8. Darbyshire P, Oster C, Henning P. Childrens and young people experiences of chronic renal disease: a review of the literature, methodological commen-tary and an alternative proposal. J Clin Nurs 2006; 15:751-60.

9. Reynolds JM, Garralda ME, Jameson RA, Postlethwaite RJ. How parents and families cope with chronic renal failure. Arch Dis Child 1988; 63:821-6. 10. Eiser C. Psychological effects of chronic disease. J

Child Psychol Psychiatry 1990; 31:85-98.

11. Mendonça MB, Ferreira EAP. Adesão ao tratamen-to da asma na infância: dificuldades enfrentadas por cuidadoras. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano 2005; 15:56-68.

12. Jones JG. Compliance with pediatric therapy. A selec-tive review and recommendations. Clin Pediatr (Phila) 1983; 22:262-5.

(7)

15. Breslau N. Depressive symptoms, major depression, and generalized anxiety: a comparison of self-reports on CES-D and results from diagnostic interviews. Psychiatry Res 1985; 15:219-29.

16. Balen R, Fielding D, Lewis I. Activity Camps for Children with Cancer. Children and Society 1996; 10:317-23.

17. Burton HJ, Kline SA, Lindsay RM, Heidenheim AP. The relationship of depression to survival in chronic renal failure. Psychosom Med 1986; 48:261-9.

18. Fukunishi I, Kudo H. Psychiatric problems of pedia-tric end-stage renal failure. Gen Hosp Psychiatry 1995; 17:32-6.

19. Fukunishi I, Honda M. School adjustment of children with end-stage renal disease. Pediatr Nephrol 1995; 9:553-7.

20. Bakr A, Amr M, Sarhan A et al. Psychiatric disorders in children with chronic renal failure. Pediatr Nephrol 2007; 22:128-31.

21. Brownbridge G, Fielding D. An investigation of psycho-logical factors influencing adherence to medical regime in children and adolescents undergoing hemodialysis and CAPD. Int J Adolesc Med Health 1989; 4:7-18. 22. Wolcott DL. Organ transplant psychiatry: psychiatry’s

role in the second gift of life. Psychosomatics 1990; 31:91-7.

23. Fadrowski J, Cole SR, Hwang W et al. Changes in phy-sical and psychosocial functioning among adolescents with chronic kidney disease. Pediatr Nephrol 2006; 21:394-9.

24. Bale JF, Jr., Siegler RL, Bray PF. Encephalopathy in young children with moderate chronic renal failure. Am J Dis Child 1980; 134:581-3.

25. Groothoff JW, Grootenhuis M, Dommerholt A, Gruppen MP, Offringa M, Heymans HS. Impaired cog-nition and schooling in adults with end stage renal dise-ase since childhood. Arch Dis Child 2002; 87:380-5. 26. Bawden HN, Acott P, Carter J et al. Neuropsychological

functioning in end-stage renal disease. Arch Dis Child 2004; 89:644-7.

27. Henning P, Tomlinson L, Rigden SP, Haycock GB, Chantler C. Long term outcome of treatment of end stage renal failure. Arch Dis Child 1988; 63:35-40. 28. Grootenhuis MA, Stam H, Last BF, Groothoff JW. The

impact of delayed development on the quality of life of adults with end-stage renal disease since childhood. Pediatr Nephrol 2006; 21:538-44.

29. Wolff G, Strecker K, Vester U, Latta K, Ehrich JH. Non-compliance following renal transplantation in children and adolescents. Pediatr Nephrol 1998; 12:703-8. 30. Grimm PC, Ettenger R. Pediatric renal transplantation.

Adv Pediatr 1992; 39:441-93.

31. Griffin KJ, Elkin TD. Non-adherence in pediatric trans-plantation: a review of the existing literature. Pediatr Transplant 2001; 5:246-9.

32. Reynolds JM, Garralda ME, Postlethwaite RJ, Goh D. Changes in psychosocial adjustment after renal trans-plantation. Arch Dis Child 1991 ;66:508-13.

33. Eiser C, Eiser JR, Town C, Tripp JH. Discipline stra-tegies and parental perceptions of preschool children with asthma. Br J Med Psychol 1991; 64:45-53. 34. Cagney KA, Wu AW, Fink NE et al. Formal literature

review of quality of life instruments used in end-stage renal disease. Am J Kidney Dis 2000; 36:327-36. 35. Gerson AC, Furth SL, Neu AM, Fivush BA. Assessing

associations between medication adherence and po-tentially modifiable psychosocial variables in pediatric kidney transplant recipients and their families. Pediatr Transplant 2004; 8:543-50.

36. Gerson AC, Riley A, Fivush BA et al. Assessing he-alth status and hehe-alth care utilization in adolescents with chronic kidney disease. J Am Soc Nephrol 2005; 16:1427-32.

37. Gerson A, Hwang W, Fiorenza J et al. Anemia and he-alth-related quality of life in adolescents with chronic kidney disease. Am J Kidney Dis 2004; 44:1017-23. 38. Buyan N, Turkmen MA, Bilge I et al. Quality of life in

children with chronic kidney disease (with child and pa-rent assessments). Pediatr Nephrol 2010; 25:1487-96. 39. McKenna AM, Keating LE, Vigneux A, Stevens S,

Williams A, Geary DF. Quality of life in children wi-th chronic kidney disease-patient and caregiver assess-ments. Nephrol Dial Transplant 2006; 21:1899-905. 40. Goldstein SL, Graham N, Burwinkle T, Warady B,

Farrah R, Varni JW. Health-related quality of life in pediatric patients with ESRD. Pediatr Nephrol 2006; 21:846-50.

41. McDonagh JE. Child-adult interface. The adolescent challenge. Nephrol Dial Transplant 2000; 15:1761-5. 42. Choquet M, Du Pasquier Fediaevsky L, Manfredi R.

Imagem

Tabela 1  Compilação de estudos quantitativos sobre comprometimento psicossocial em pacientes pediátricos com DRC

Referências

Documentos relacionados

Portanto, o referido trabalho visa colaborar para que sejam visualizadas as dificuldades existentes sobre o assunto, para que assim possam ser amenizadas e superadas

Nesse espaço de diálogos e interlocuções entre indivíduos e grupos carregados de experiências que ora os diferenciam, ora os agrupam, efetivam-se as dimensões participativas,

As estratégias de Marketing têm grande valor para as organizações que visam obter vantagens competitivas no mercado. Diante disto, este artigo teve a intenção de:

Define as regras objetivas para preços de transferência das passagens compradas pela Smiles.. e milhas vendidas

Neste capítulo são exibidos os resultados experimentais obtidos com o Filtro Ativo Paralelo (FAP) desenvolvido, na compensação dos problemas da Qualidade de

1 Instituto de Física, Universidade Federal de Alagoas 57072-900 Maceió-AL, Brazil Caminhadas quânticas (CQs) apresentam-se como uma ferramenta avançada para a construção de

interesse público sobre o privado, também chamada simplesmente de princípio do interesse público ou da finalidade pública, princípio implícito na atual ordem jurídica, significa

Assim, focalizámos o nosso estudo no modo como se posicionam os professores perante a reorganização curricular e as áreas curriculares não disciplinares e como estas