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Trabalho em equipe como forma da subsunção real.

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Academic year: 2017

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Forma da Subsunção Real

Francisco Paulo Cipolla Doutor em economia pela New School University e professor do

Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná

RESUMO

Este artigo procura mostrar que com base nos conceitos de antagonismo, alienação e con-trole, implícitos na relação capital-trabalho, é possível compreender a implantação do tra-balho em equipe como meio de simultaneamente aumentar o controle sobre o tratra-balho e reduzir os custos associados às atividades de supervisão da força de trabalho. Argumenta-se que a diminuição do estoque de capital circulante, tanto constante quanto variável, torna o circuito do capital mais vulnerável e, portanto, requer um aumento correspondente do exer-cício de controle capitalista. Esse aumento do controle capitalista, em consonância com a necessidade de redução de custos relacionada à redução do estoque de capital circulante, se efetiva pela interiorização do controle efetuada pela interação dos próprios trabalhadores or-ganizados em equipe. A redução do valor das mercadorias que advém dessas formas de con-sumo da força de trabalho permite classificá-las como formas da subsunção real do trabalho ao capital.

PALAVRAS-CHAVE

alienação, supervisão, trabalho em equipe

ABSTRACT This paper argues that the concepts of alienation and antagonism allow us to understand the introduction of teamwork as a way of increasing control over labor and at the same time de-crease costs of control and supervision. It is also argued that lean production has made the capital circuit more prone to disruptions thereby calling for increasing supervision and control over the labor process. However, as a way to constantly decrease costs, lean production had to resort to methods of control which were compatible with cost reductions. Teamwork, it is argued, allows for cost reduction because it makes control to stem from workers themselves. Finally, in as much as teamwork is tied up with decreasing costs of both constant and varia-ble capital it is characterized as a form of real subsumption of labor.

KEY WORDS alienation, supervision, teamwork

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INTRODUÇÃO

Os últimos 25 anos têm assistido a uma imensa produção na área de rela-ções de trabalho, produção essa especialmente vinculada às vicissitudes da concorrência na indústria automobilística. A atenção tem se voltado para a tipologia dos modelos produtivos e das novas formas de consumo da força de trabalho, eufemisticamente chamadas de gestão dos recursos humanos. Parte considerável dessa literatura gira ao redor do debate neofordismo vs. pós-fordismo, em relação ao qual os defensores do neofordismo argumen-tam que a produção enxuta representa uma forma exacerbada de fordismo, enquanto os defensores do pós-fordismo apresentam a produção enxuta como uma superação das rigidezes próprias daquele regime de produção e cujo epítome é o trabalho de Womack et al.(1992).1

No contexto desse debate, uma das evidências mais utilizadas em favor da tese do pós-fordismo é o papel participatório dos trabalhadores implícito nas práticas de trabalho em equipe. Aqui, o pensamento dominante relacio-nado às técnicas do just in time, toyotismo, teamwork parece ter tecido um am-plo consenso de que essas novas formas de gestão da produção são benéficas tanto para os trabalhadores quanto para o objetivo das empresas. Assim, como sinal dos tempos, mesmo entre autores cuja formação remonta a um passado remoto de afinidade com Marx, como é o caso dos autores da esco-la da reguesco-lação, a idéia central de alienação e antagonismo do trabalho ante o capital desaparece como instrumento para compreensão das relações capi-tal-trabalho. O resultado é que fenômenos atuais, como o trabalho em equi-pe, são vistos pelo ângulo do desenvolvimento histórico-institucional enquanto tentativas de dar forma a estratégias de lucro e, no caso em pauta, superar a crise do fordismo. (BOYER & FREISSENET, 1997).

Este artigo tem como objetivo mostrar que a visão de Marx a respeito do antagonismo inerente à exploração de classe é instrumento fundamental para entender o trabalho em equipe como expressão do domínio do capital sobre o trabalho nos dias atuais. Com base nos conceitos de antagonismo,

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alienação e controle, conceitos que emanam da relação capital-trabalho, é possível compreender o trabalho em equipe como uma forma de simultane-amente aumentar o controle sobre o trabalho e reduzir custos associados ao trabalho de controle.

O item I faz uma breve apreciação da literatura atual, pondo em relevo os conceitos que substituem a noção de antagonismo como instrumento de análise. O item II apresenta o desenvolvimento da concepção de Marx acer-ca da alienação. O item III explicita as noções de trabalho concreto e abstra-to no contexabstra-to da divisão do trabalho manufatureira. O item IV discute a dupla natureza da direção capitalista do processo de produção: o aspecto técnico-produtivo ligado à unificação dos trabalhos parciais como fases complementares do trabalho concreto e o aspecto antagônico-despótico li-gado ao processo de valorização entendido enquanto consumo da força de trabalho. O item V apresenta o problema da supervisão em relação à noção de trabalhador coletivo. O item VI sugere algumas implicações resultantes da adoção do trabalho em equipe para o problema do controle. O item VII mostra o trabalho em equipe como forma de interiorização da supervisão capitalista. Em seguida, item VIII, argumentamos que essa interiorização do controle possibilita uma redução de custos que não se limita aos custos de coordenação e supervisão, mas se estende, pelas “virtudes” que aciona, ao capital variável e constante. Finalmente, no último item apresentamos a con-clusão de que o trabalho em equipe constitui um momento da subsunção real do trabalho ao capital.

I. CONCEPÇÕES ATUAIS

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um processo longo, sujeito a tensões e contradições. O desenvolvimento da coerência entre os quatro componentes da relação salarial dá origem a um regime de produção mais eficiente. Durand cita como exemplo clássico o ar-ranjo fordista como relação salarial virtuosa.

No entanto, o desenvolvimento dessa coerência é visto por Durand de um ponto de vista qualitativo, rejeitando criticamente a comparação de produti-vidades apresentada pelas pesquisas do International Motor Vehicles Producti-on (IMVP) do MIT.2

A respeito da produção enxuta, Durand afirma que seu papel disciplinador é superior ao papel disciplinador dos agentes de supervisão, pois nela as ne-cessidades do fluxo aparecem como nene-cessidades técnicas e não como neces-sidades impostas pela hierarquia da firma. (p. 31). O enxugamento hierárquico que a produção enxuta permite leva Durand a descartar qual-quer papel hierárquico do líder de equipe. A este respeito, Durand parece esquecer que o papel hierárquico que subsiste no líder é função inversa do grau de autonomia do grupo do qual é líder. Quando o grau de autonomia é máximo, o papel hierárquico, de controle e supervisão, deve ser mínimo. Quando o grau de autonomia é mínimo, o papel de supervisão do líder deve ser máximo, pois nessas condições ele deve atuar como correia de transmis-são dos desígnios daqueles que estão acima na linha hierárquica.

A oposição de interesses aparece nesse esquema no nível concreto da resis-tência dos sindicatos à lógica empresarial de redução de custos de mão-de-obra. A oposição capital-trabalho não emerge da própria natureza da rela-ção, mas somente enquanto prática sindical.

Em Boyer e Freyssenet (2000), o antagonismo da relação capital-trabalho, que em Marx leva à mecanização do processo de trabalho, é substituído pela incerteza que advém do trabalho livre:

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“O trabalho ‘livre’ e a incerteza que o acompanha levaram ao desenvolvimento de técnicas produtivas que fizeram com que o trabalhador se transformasse progressivamente num apêndice da máquina... e não a máquina como um elemento auxiliar no desenvolvimento de suas capacidades pessoais.”

(BOYER & FREYSSENET, 2000, p. 10).

Para Boyer e Freyssenet, os modelos de crescimento se distinguem pela fon-te principal de renda e pela forma de distribuição dessa renda. A fonfon-te prin-cipal de renda pode ser o investimento, o consumo ou as exportações. O modelo de crescimento condiciona as incertezas de mercado e de trabalho e, portanto, tem influência decisiva sobre as condições de geração de lucros por parte das empresas.

A incerteza de mercado diz respeito à incerteza quanto à venda das merca-dorias produzidas e a incerteza do trabalho diz respeito à possibilidade de produzir os bens e serviços nas condições requeridas. (p. 7).

Para Boyer e Freyssenet as empresas são pressionadas, pela concorrência, a obterem pelo menos uma taxa de lucro média. A incerteza de mercado, so-mada à incerteza do trabalho, obriga as firmas a continuamente procurarem inovações que lhes permitam a obtenção de uma lucratividade média. (p. 7). A incerteza de mercado pode ser reduzida, por meio do desenvolvimento de modelos de crescimento, com base distributiva capazes de dar previsibilida-de quanto ao crescimento da previsibilida-demanda e quanto à sua evolução qualitativa. Modelos de crescimento com base distributiva podem limitar a concorrência entre capitalistas e entre os trabalhadores na medida em que, para os primei-ros, garantem a demanda e, para os segundos, representam um mecanismo de ganhos de salários reais.

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A incerteza quanto ao trabalho pode ser reduzida por via participativa ou por via taylorista. A escolha entre as duas está condicionada à estratégia de

lucro que a empresa adota e aos métodos que escolhe para executá-la. A via participativa garante o engajamento do trabalhador nas melhorias do pro-cesso produtivo em troca de retribuições baseadas em resultados e metas. A via taylorista prescreve as tarefas a serem executadas buscando retirar do

trabalhador qualquer possível poder de controle sobre o processo produtivo. Do outro lado do Atlântico Norte, Smith (2000) argumenta que, para Marx, a relação capital-trabalho baseia-se em três conceitos: a coerção estru-tural, a exploração e a subsunção real. Esta última representa, para Smith, a transformação do processo de trabalho com o objetivo de obter mais valia relativa. (p. 54). No entanto, afirma em relação à Cooperação que a “junção de ex-artesãos e ex-camponeses... em fábricas” fez mudar a forma social do pro-cesso de trabalho, agora capitalista, mas manteve o conteúdo do propro-cesso como era antes. (p. 68). Essa visão da Cooperação contrasta com a visão de Marx, para o qual a Cooperação é a primeira forma de subsunção real.

A análise de Smith não é clara a respeito do estatuto da subsunção real na teoria da alienação e do antagonismo da relação capital-trabalho. Smith apresenta a subsunção real como parte da concepção de Marx acerca do an-tagonismo. Mas a subsunção real entendida como transformação do proces-so de trabalho pode ser concebida como sintoma do antagonismo e da conseqüente necessidade de controle sobre o trabalho.

II. ALIENAÇÃO E ANTAGONISMO

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Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844)

Nos Manuscritos, a alienação tem primeiramente duas dimensões: alienação em relação ao produto do trabalho e alienação em relação ao ato de pro-dução.

A alienação em relação ao produto decorre do fato de a riqueza produzida pelo trabalhador se apresentar como uma força que lhe é hostil. O produto do seu próprio trabalho se manifesta como uma potência que o subjuga e empobrece. (MARX, 1969, p. 57). Alienação aqui tem uma dimensão de crítica da distribuição3 sob o modo capitalista de produção.

“Quanto mais o trabalhador se exterioriza no seu trabalho, quanto mais potente se torna o mundo exterior que ele cria, mais ele empobrece....” (Idem, p. 57).

Se o produto do seu trabalho lhe é alheio, então o ato de produção também se apresenta como atividade alheia a ele. O trabalho não pode ser a realiza-ção, mas, ao contrário, é trabalho forçado.

“O trabalho não é a satisfação de uma necessidade mas somente um meio de satisfazer necessidades fora do trabalho.” “No trabalho o trabalhador não se pertence a ele mesmo mas sim ao outro.” (Idem, p. 60).

É interessante observar que apesar de as categorias do Capital não estarem

presentes nos Manuscritos, veremos que a análise ali levada a cabo ratifica a análise da alienação realizada nos Manuscritos. Isso porque os Manuscritos se situam, no que tange ao tema da alienação, como a descrição do universo sensível do trabalhador diante das condições sociais das quais é presa. As ca-tegorias do Capital mergulham sob a superfície desse universo sensível para

desenvolver categorias que não contradizem a análise anterior justamente por se situarem em um nível mais fundamental.

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Ideologia Alemã (1846)

A forma básica de alienação deriva da divisão do trabalho assim que esta perde o caráter intencional e voluntário, e se transforma em divisão natural do trabalho, na qual os indivíduos independentes mantêm-se unidos somen-te por meio das trocas. Quando a divisão do trabalho deixa de ser voluntária a atividade particular do indivíduo “transforma-se para ele num poder que se lhe opõe e o subjuga....” (p. 40). A procura exclusiva do interesse particular faz com que esse interesse se apresente, para o indivíduo, como algo que lhe é estranho, pois é uma imposição externa a ele. O poder social que decorre da divisão do trabalho não se apresenta, ao indivíduo, como seu próprio poder, mas como uma força estranha a ele. (p. 41).

Com a divisão do trabalho natural surge a contradição entre o interesse par-ticular e o interesse coletivo, que se expressa na dependência recíproca dos indivíduos. A contradição entre interesse particular e coletivo faz com que este último assuma, no Estado, “uma forma independente dos interesses reais dos indivíduos.” (p. 39).

A divisão do trabalho é a base da separação entre trabalho manual e traba-lho intelectual (p. 38) e “a maior divisão entre o trabalho material e o intelectu-al é a traduzida pela separação da cidade e do campo.” (p. 62). A resolução desse conflito requer a dissolução da própria divisão do trabalho.

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comunis-mo, que é visto por Marx como um “movimento real que acaba com o atual es-tado de coisas.” (p. 42).

Os Grundrisse (1858)

Nos Grundrisse a potência que subjuga o trabalho não é simplesmente mer-cadorias, mas capital, capital esse produzido pelos próprios trabalhadores. O produto do trabalhador se objetiva numa força que domina o trabalho vivo: o produto do trabalho se cristaliza num poder alheio ao trabalho.

O resultado do trabalho é um produto que comanda o trabalho na forma de capital. (p. 452-3). Aqui Marx retoma o tema do empobrecimento em face da criação de riqueza. No entanto, agora a riqueza aparece como capital e não puramente como mercadorias. O trabalhador só pode obter o fundo de subsistência que existe na forma de riqueza alheia se além de produzir um valor igual àquele fundo produzir também um valor excedente, um capital a mais passível de empregar mais trabalhadores. O trabalhador emerge empo-brecido, pois além de ter reproduzido para o capital o valor do capital variá-vel produziu também um valor adicional, um produto adicional, que é propriedade do capital. Produziu a riqueza alheia e sua própria pobreza. O produto que garante a reprodução de sua capacidade de trabalho, resulta-do resulta-do seu próprio trabalho, trabalho necessário, se apresenta como propri-edade alheia na forma de capital que o emprega. Ao produzir capital, o trabalhador se reproduz enquanto força dependente do capital, já que sua única forma de realizar essa força é produzir para o outro e receber seu pró-prio produto como força alheia sobre si mesmo. (p. 454).

A criação de mais capital cria ao mesmo tempo a necessidade de mais traba-lho excedente. (p. 455). O trabatraba-lho cria, em escala cada vez maior, uma ri-queza alheia ao próprio trabalho, de modo que aumenta o contraste entre a existência dos trabalhadores e a riqueza por eles produzida.

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A força de trabalho vê seu próprio trabalho como algo alheio, pois o traba-lho se realiza em materiais alheios e instrumentos alheios, para convertê-los em produto alheio. (p. 462). Pelo fato de as condições de trabalho serem propriedade alheia, o trabalho absorvido pelos materiais e instrumentos alheios é um trabalho alheio à própria capacidade de trabalho encarnada no trabalhador.

O Capital (1863)

No Capital, a análise se desenvolve. A condição para que o capitalista en-contre no mercado a mercadoria força de trabalho é que o trabalhador esteja desapossado dos meios de produção necessários para a efetivação de sua for-ça de trabalho. As condições para efetivação de sua forfor-ça de trabalho são propriedade do capitalista e se apresentam para o trabalhador como os mei-os de produção que pertencem ao capitalista.

O valor de uso da força de trabalho é o próprio trabalho. Como o valor de uso pertence sempre ao comprador da mercadoria, ao comprar a força de trabalho o capitalista adquire o direito de usufruí-la durante a jornada de trabalho. Tanto as condições objetivas de produção quanto as condições subjetivas de produção constituem sua propriedade.

“O processo de trabalho é um processo entre coisas que o capi-talista comprou, coisas que se transformaram em sua proprie-dade.” (MARX, 1975, p. 185).

Enquanto sua propriedade, o capital procura extrair o máximo proveito do valor de uso das mercadorias que formam seu capital produtivo. No que diz respeito à força de trabalho, o máximo proveito significa extrair-lhe a maior quantidade de trabalho possível.

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Na análise das formas de extração da mais valia relativa Marx argumenta, a respeito da Cooperação, que como o caráter cooperativo do processo de

trabalho é dado pela escala de propriedade dos meios de produção, o caráter cooperativo do trabalho aparece, então, como um atributo do capital, e a produtividade do trabalho social combinado, como o poder produtivo do capital. (p. 333).

“O encadeamento dos seus trabalhos lhes aparece idealmente como um plano do capitalista e de forma prática como autori-dade do mesmo capitalista.” (MARX, 1975, p. 331)

Resultados do Processo de Produção Imediata: Capítulo VI Inédito

Uma vez incorporado aos elementos do capital constante, o trabalho passa a ser o “modo de existência do valor do capital.” A atividade do trabalho de con-servar e criar valor é a atividade de autovalorização do capital que empobre-ce o trabalhador na medida em que este cria um valor que lhe é alheio. “...o operário funciona unicamente como trabalho personificado, (trabalho) que a ele pertence como suplício, como esforço, mas que pertence ao capitalista como substân-cia criadora e aumentadora da riqueza... A dominação do capitalista sobre o ope-rário é, por conseguinte, a dominação da coisa sobre o homem, a do trabalho morto sobre o trabalho vivo, a do produto sobre o produtor....” (p. 55).

Para que o trabalhador crie valor, seu trabalho deve estar em consonância com o trabalho socialmente necessário. Para que isso se dê, o capitalista “obriga o trabalhador a fornecer um trabalho com um grau de intensidade pelo menos médio.” (p. 53).

“Tanto ‘conceitual’ como ‘efetivamente’, o ‘social’ etc., do tra-balho se confronta com o operário que o executa como algo não só alheio, mas também hostil e antagônico, e como algo perso-nificado e objetivado no capital.” (MARX, 1985, p. 93).

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incorpora-das pelo capital, como forças que dominam e se contrapõem ao sujeito. Ve-jamos:

“com o desenvolvimento do modo de produção especificamente capitalista, estas coisas – estes produtos do trabalho, tanto no seu caráter de valores de uso, quanto enquanto valores de troca – não só se erguem face o operário e lhe contrapõem como ‘capital’, como também se apresentam perante a forma social do trabalho como formas de desenvolvimento do capi-tal, e, por isso, as forças produtivas do trabalho social assim desenvolvidas, aparecem como forças produtivas do capital. Nessa sua qualidade de forças sociais e perante o trabalho – encontram-se ´capitalizadas´. De fato, a unidade coletiva

na cooperação, a combinação na divisão do trabalho, a utili-zação das forças naturais e das ciências, dos produtos do tra-balho como maquinaria, tudo isto se contrapõe aos operários individuais, de forma autônoma, como um ser alheio, obje-tivo, que lhes pré-existe, que está ali sem o seu concurso e amiúde contra o seu concurso, como meras formas de existên-cia dos meios de trabalho que os dominam e são indepen-dentes deles, na medida em que essas formas (são) objetivas.” (Idem, p. 127).

É Possível uma Síntese?

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re-lações de produção às quais a divisão técnica do trabalho serve. É a natureza da relação social que é o fundamento da alienação e do antagonismo entre trabalho e capital. Desse modo, a realização de múltiplas tarefas jamais po-derá se apresentar como veículo da desalienação do trabalho.

O mesmo pode ser dito a respeito da divisão social do trabalho. A divisão social do trabalho não é a base da alienação. Somente quando a divisão soci-al do trabsoci-alho assume a forma de divisão mercantil do trabsoci-alho socisoci-al é que o trabalho concreto tem que se negar enquanto trabalho concreto para assu-mir, na forma dinheiro, a natureza de trabalho abstrato. O trabalho concreto não pode se apresentar como meio direto de socialização do indivíduo. As leis da propriedade privada baseadas na divisão do trabalho se transfor-mam em leis de apropriação do trabalho alheio, de modo que a alienação implícita na divisão do trabalho se expressa no capital primeiramente como alienação do próprio trabalho. Como o produto que surge é propriedade do capital e se transforma em capital adicional, o desenvolvimento da divisão do trabalho e da produtividade se apresentam como resultado do capital em contraposição ao trabalho.

III. TRABALHADOR COLETIVO COMO MECANISMO DA MANU-FATURA

Da mesma forma, o mecanismo fundamental da manufatura, isto é, a com-binação de diferentes grupos de trabalhadores executando simultaneamente fases diferentes de um trabalho concreto coletivo se apresenta como uma força produtiva do capital. (MARX, 1967, p. 360). Examinemos mais de perto como se estrutura essa força produtiva.

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Na manufatura, todas as operações são realizadas por um corpo coletivo de trabalhadores. O que no caso do trabalhador individual aparece como ativi-dade seqüencial, no trabalho coletivo aparece como um conjunto de ativida-des simultâneas. Como o trabalho concreto parcial de um grupo nutre o trabalho concreto parcial de outro grupo, a existência simultânea do traba-lho concreto em todas as suas fases parciais pressupõe um equilíbrio quanti-tativo do número de trabalhadores engajados em cada fase específica, uma proporcionalidade capaz de manter as várias partes constantemente ocupa-das. A proporcionalidade entre as várias etapas do processo de trabalho é condição necessária para a obtenção de um fluxo contínuo e equilibrado de dispêndio da força de trabalho dos vários grupos de trabalhadores ocupados nas diferentes etapas da divisão técnica do trabalho. Somente assim a força de trabalho pode ser utilizada de forma homogênea, no que diz respeito à intensidade do trabalho, ao longo de todas as frações do organismo coletivo de trabalho.

A transformação do trabalho individual em organismo coletivo é, em parte, garantida pelo caráter objetivo da divisão técnica do trabalho, isto é, pela mútua dependência entre suas várias partes, de modo que “cada trabalhador fornece trabalho diretamente ao trabalhador seguinte.” (MARX, 1967, p. 345). A cada uma das etapas corresponde um tempo de trabalho necessário. Esse tempo necessário a cada etapa é a base do organismo coletivo do trabalho da manufatura, pois é o que permite que os processos de trabalho comple-mentares transcorram continuamente e simultaneamente. (idem p. 345). A interdependência das partes desse organismo coletivo impõe a necessidade de execução dos trabalhos parciais no tempo de trabalho compatível com o funcionamento do trabalho coletivo.

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exis-tência de buffer stocks é um fenômeno do antagonismo da relação

capital-tra-balho.

No entanto, a divisão do trabalho, assim como a proporcionalidade quanti-tativa entre as várias etapas que compõe o trabalho coletivo, aparece ante o trabalhador como um plano do capital; a força produtiva do trabalho apare-ce, pois, ante o trabalhador como uma força produtiva do capital e, portan-to, como uma força que lhe é alheia. Assim, a proporcionalidade entre as várias etapas que compõem a divisão técnica do trabalho, condição necessá-ria da extração de mais valia, não é, por si mesma, condição suficiente para garantir a mobilização do trabalho nas condições desejadas pelo capital. A proporcionalidade entre as várias etapas do processo produtivo requer o tra-balho de supervisão e coordenação como meio de garantir que intensidade e qualidade do trabalho se mantenham de modo homogêneo em todas as par-tes. A intensidade do trabalho de cada grupo fornece a base quantitativa para a ocupação do grupo seguinte; a qualidade do trabalho de cada grupo fornece a base qualitativa sobre a qual se pode depositar mais uma camada do trabalho útil. Verifiquemos então esses dois aspectos do controle capita-lista com mais profundidade.

IV. DOIS ASPECTOS DO CONTROLE: COORDENAÇÃO E SUPER-VISÃO

Toda produção que resulta do concurso simultâneo de vários trabalhadores requer um trabalho de coordenação. Esse trabalho de coordenação tem

como função adequar o trabalho individual à natureza coletiva do traba-lho concreto. A produção de valores de uso que resulta da aplicação

con-junta de inúmeras mãos, seja simultaneamente, seja seqüencialmente, não pode se realizar enquanto trabalho concreto sem o trabalho de coordenação. No capitalismo, esse aspecto do trabalho de coordenação emana da natureza do processo de trabalho cooperativo. No entanto, a coordenação da

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mei-os de produção que deve ser conservada pelo processo de trabalho cresce com a massa de meios de produção que o capital concentra em suas mãos. Cresce, portanto, a necessidade capitalista de que o processo de trabalho de fato represente um processo normal de transformação dos meios de produ-ção em novos valores de uso, isto é, que o trabalho coletivo se realize como trabalho concreto.

O trabalho concreto que se apresenta no capitalismo como processo de servação do valor do capital constante é trabalho concreto coletivo. A con-servação do valor do capital constante requer o exercício de uma força que efetive o trabalho individual enquanto parte do trabalho concreto coletivo. Assim, o processo de trabalho no capitalismo parece ter duas implicações complementares em relação ao problema do controle: a primeira é de natu-reza técnica, e diz respeito à coordenação de vários indivíduos trabalhando lado a lado; a segunda diz respeito ao fato de que esses indivíduos estão ma-nipulando elementos do capital produtivo, elementos esses que para o capi-talista representam capital constante a ser recuperado no valor da mercadoria.

Juntamente com as determinações do controle capitalista que emanam do processo de trabalho temos as determinações que emanam da natureza anta-gônica do processo de produção enquanto processo de valorização, isto é,

processo de extração de mais valia. Esse aspecto do controle, que podería-mos denominar de supervisão, nada a tem a ver com a natureza do

proces-so de trabalho cooperativo, mas sim da natureza antagônica entre o explorador “e a matéria que ele explora”.4

Assim como o trabalho de coordenação cresce com a escala, o trabalho de supervisão é tanto maior quanto maior a resistência que exerce o número crescente de trabalhadores reunidos pelo capital.

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V. TRABALHADOR COLETIVO E SUPERVISÃO

O trabalhador coletivo se realiza enquanto trabalho concreto por meio do trabalho parcial. O caráter concreto do trabalho sob a divisão manufatureira do trabalho só pode ser definido com respeito ao tentáculo de muitas mãos, que é o trabalho coletivo. Cada etapa de trabalho é o ponto de partida do trabalho seguinte. Assim, o caráter concreto do trabalho coletivo pressupõe o caráter útil do trabalho parcial.

Por outro lado, o trabalho abstrato é regulado pelo trabalho socialmente ne-cessário, norma à qual o trabalho tem que se curvar em concorrência. Os trabalhos parciais enquanto elos do tempo de trabalho total devem obedecer ao imperativo de corresponder ao tempo socialmente necessário.

O trabalho parcial é apenas uma fração do tempo socialmente necessário, fração esta determinada pelas características técnicas da tarefa. O trabalha-dor deve adequar-se às características técnicas da tarefa de tal modo que seu tempo de execução seja compatível com o tempo de produção socialmente necessário. Tanto no que diz respeito ao trabalho concreto quanto no que diz respeito ao trabalho abstrato, o mecanismo da manufatura depende da coesão do trabalhador coletivo.

As instâncias de supervisão são determinadas pelas partes das quais se cons-titui o trabalho coletivo. A manufatura engendra, portanto, uma necessidade extensiva de trabalho de supervisão, extensão essa que cresce com a expan-são da escala de produção e com a diviexpan-são técnica do trabalho, uma vez que o controle tem que se exercer sobre o trabalhador individual.

O controle sobre o tempo de execução de cada tarefa emana do caráter anta-gônico da relação capital-trabalho e não da necessidade de coordenação téc-nica do trabalho individual em trabalho coletivo. O controle sobre a natureza útil dos trabalhos parciais é condição para que o trabalho coletivo se apresente como trabalho útil e, portanto, como trabalho capaz de conser-var o valor dos meios de produção no valor da nova mercadoria.

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coletivo se efetive enquanto trabalho concreto e trabalho abstrato. A divisão do trabalho, implícita no trabalho coletivo, não pode, por si só, determinar a intensidade de trabalho nem a qualidade do seu resultado, condições para que o trabalho coletivo se apresente como trabalho útil e trabalho social-mente necessário.

VI. TEAMWORK E SUPERVISÃO

Como sugerimos acima, a manufatura, tal como analisada por Marx, requer que o trabalho de supervisão cresça com a escala de produção, já que o tra-balho de supervisão se exerce sobre o trabalhador individual. Essa tendência de aumento da escala de supervisão é posta em xeque pelo trabalho em equipe, já que este transforma o despotismo direto do capital sobre o traba-lho em despotismo ditado pelas necessidades técnicas do fluxo enxuto do ca-pital circulante. A equipe de trabalho permite transformar o controle burocrático em autocontrole do grupo, mediante algum tipo de combinação liderança-chefia direta.

Em relação às necessidades técnicas, autonomizadas pelo fluxo enxuto do capital circulante, a vontade do trabalhador se apresenta simultaneamente

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VII. TEAMWORK COMO INTERNALIZAÇÃO DA SUPERVISÃO

Com o trabalho em equipe, o chamado teamwork, a coordenação técnica da produção é parcialmente internalizada na medida em que o próprio grupo exerce uma coordenação técnica relativa ao conjunto de tarefas que perten-cem a ele.

É esse processo que permite com que, por meio da equipe, se possa extrair mais trabalho, com economia de custos relativos ao pessoal de controle. Isso pode ser visto por intermédio da análise das empresas apresentadas por Marx (1997).

Em relação à planta A, no ambiente anterior à reformulação, ambiente esse

mais tradicional, o líder, que funcionava como capataz, era responsável pela coordenação e por atividades que incluíam cobrança de resultados e discipli-na. Havia um líder para cada 40 trabalhadores. Com 18.000 trabalhadores, a planta deveria ter cerca de 450 líderes.

A partir de 1991, foram implantados os grupos de trabalho com base na proximidade das operações e relacionamento entre equipamentos e proces-sos (p. 64) sem que para isso tenha sido alterado o layout da fábrica. Os grupos de trabalho se constituíam, em média, de 10 trabalhadores. Ora, se procedermos como faz Marx (1997), e considerarmos os chefes de grupo como parte do trabalho de supervisão, devemos concluir que o número de chefes aumentou de 450 para 1.800! Esse aumento da massa de chefia é aparentemente absurdo. Não foram instauradas as equipes de trabalho preci-samente com o fim de eliminar linhas burocráticas de controle?

A eliminação de linhas burocráticas de controle não elimina a natureza anta-gônica da relação social. Pelo contrário, a eliminação de linhas burocráticas de controle acima dos trabalhadores diretos apenas significa que esse contro-le agora precisa emergir do próprio chão. Então, como considerar os líderes do grupo?

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coerciti-vo do líder. Em referência ao livro de Kamata sobre a Toyota, Dassbach conclui que “os líderes representam a direção e não os trabalhadores.” (p. 23). O enxugamento contínuo do capital circulante, prática corrente denominada

kaisen, torna o circuito muito mais vulnerável a rupturas de continuidade. Isso impõe a necessidade de aumento do controle. Mas esse controle adicio-nal não pode vir de cima sob pena de implicar um aumento dos custos ao invés de uma redução.5 Além do mais, a redução de capital circulante inclui

a força de trabalho. Com menos trabalhadores, o aumento da carga de tra-balho, assim como da carga de supervisão e coordenação, tornam-se elemen-tos complementares.

No caso analisado por Marx (1997), os coordenadores funcionam tanto na qualidade de chefes quanto na qualidade de operadores de máquinas, “uma espécie de coringa em se tratando de operação de equipamentos.” (p. 64). Além do mais, como ele mesmo afirma, os coordenadores de equipe têm que tra-balhar pelo menos 50% do tempo na operação das máquinas, no que diz respeito à planta A analisada.6

Acima dos coordenadores situam-se os supervisores, responsáveis por até 5 equipes de trabalho. Se fizermos os cálculos, considerando os coordenadores como trabalhadores diretos, obtemos um resultado bastante diferente. O su-pervisor, que é o responsável pelo chão de fábrica, agora opera a coordena-ção de 50 trabalhadores. Com isso, o número de supervisores relativamente ao número de líderes existentes no sistema anterior (450) cai para 360, como resultado da adoção do sistema de trabalho em equipes. O trabalho em equipe resulta, pois, numa redução substancial dos custos de coordena-ção e supervisão. Mais interessante ainda: a diminuicoordena-ção do custo relacionado ao trabalho de chefia (supervisão) vai de mãos dadas com o aumento da massa do trabalho de chefia disseminado no interior dos grupos de trabalho. Ou seja, a concorrência atual exige ao mesmo tempo formas de gestão do capital circulante que permitam reduzir os custos, formas essas que reque-5 A respeito desse problema, ouçamos DASSBACH: “Because JIT is extremely vulnerable to disrup-tions and requires the close coordination and synchronization of work operadisrup-tions, departures from pre-cisely routines can not be permitted.” (1996, p. 24).

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rem um maior grau de aproximação da supervisão em relação ao trabalho produtivo. A redução das linhas burocráticas de controle podem ser vistas por meio do diagrama a seguir, no qual as setas representam os trabalhos de coordenação e de supervisão. Trata-se de uma ilustração gráfica hipotética que procura captar o processo de mudança ocorrido com a implantação das equipes de trabalho na planta A do estudo de Marx (1997).

DIAGRAMA 1 – IMPLANTAÇÃO DO TRABALHO EM GRUPO NA PLANTA A. ESQUEMA ILUSTRATIVO

Sistema tradicional: antes de 1991

Sistema de equipes de trabalho: depois de 1991

No sistema anterior a 1991 temos um capataz para 20 trabalhadores circa.

O sistema implantado a partir de 1991 organizou a produção com base em equipes de trabalho de 10 trabalhadores, circa. Toda a linha de capatazes foi

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supervisão são em parte absorvidos pelas atividades das próprias equipes na forma do trabalho de liderança.

As setas que ultrapassam a linha que demarca a área de ação das equipes de trabalho indicam que parte da força de unificação do processo de trabalho (coordenação) e parte da força coercitiva relacionada ao trabalho de supervi-são supervi-são absorvidas pelos próprios operários no interior dos seus grupos por meio da presença do coordenador de equipe, presença esta que pode ter um maior ou menor peso enquanto força coercitiva propriamente dita.

O número de supervisores pode ser reduzido porque parte do trabalho de coordenação é interiorizado pelo grupo. Complementarmente, o trabalho de supervisão é bastante internalizado. Para citar apenas um exemplo, o leitor deve considerar que a administração enxuta do capital constante circulante não prevê trabalhadores extras para cobrir aqueles que faltam ao seu turno de trabalho. Numa estrutura de grupo, o trabalho a ser realizado por aquele que falta aumenta a carga de trabalho para os elementos presentes da equipe. Desse modo, por meio da ativação do próprio interesse, o grupo funciona como meio de pressão sobre os absenteístas. (DASSBACH, 1996, p. 32). A análise da planta B pesquisada por Roberto Marx revela que um dos

as-pectos mais relevantes foi a “inserção da chefia direta no dia-a-dia da produ-ção.” (MARX, 1997, p. 75). Ou seja, por meio da chefia de grupo a gerência aproximou-se da produção e logrou introduzir estímulos e pressões no sentido da maior produtividade e maior qualidade:

“Introdução de grupos como forma de envolvimento dos tra-balhadores nos esforços de aumento de qualidade e produtivi-dade da fábrica, visando, em particular, a um melhor aproveitamento das horas de trabalho, caso, por exemplo, de um balanceamento mais flexível e menos sujeito a quedas de produtividade dentro dos grupos.” (p. 77).

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DIAGRAMA 2 – IMPLANTAÇÃO DO TRABALHO EM GRUPO NA PLANTA B. ESQUEMA ILUSTRATIVO

Situação até 1989 (gráfico representa apenas um gerente de área)

Situação em 1995

Como se pode perceber pela representação gráfica acima, a chefia de seção foi eliminada com a implantação das equipes de trabalho, sendo que de acordo com informação de Marx (idem, p. 72) “um gerente de área tem apro-ximadamente 20 chefes de grupos a ele subordinados.”

VIII. TEAMWORK E ECONOMIA DE CUSTOS

Economia de Custos de Coordenação e Supervisão

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necessário o trabalho de controle de um grande número de técnicos respon-sáveis pelo cumprimento de regras e procedimentos de trabalho. (MARX, 1997, p. 24).

O trabalho em equipe permite uma redução do trabalho de coordenação da divisão técnica. A redução do controle direto sobre o trabalho individual,7

na forma de supervisão, implica um correspondente aumento do autocon-trole. Isso não quer dizer que o caráter despótico da administração capitalis-ta desapareça. Pelo contrário. Argumencapitalis-tamos acima que a existência de

buffer stocks para garantir a continuidade do processo de trabalho é um fenô-meno do antagonismo da relação capital-trabalho. A subtração desses esto-ques de segurança, assim com a redução da força de trabalho, aumenta as exigências de coordenação e supervisão capitalista, pois tornam o circuito mais tenso. A natureza mais tensa do circuito é a base objetiva para a intera-ção entre trabalhadores na forma do trabalho em equipe.8 O capital pode,

portanto, exercer a supervisão por meio do controle recíproco que os traba-lhadores exercem entre eles mesmos.

O grau de autonomia das equipes de trabalho pode ser medido pelo grau em que o líder ou chefe de grupo exerce sua função mais para perto da parte do espectro que corresponde à atividade de animador ou mais para perto da parte do espectro que corresponde à atividade de capataz.

Economia de Custos de Capital Variável e Constante Circulante

A economia de custos não se restringe ao enxugamento do quadro hierár-quico da empresa. A implantação do trabalho em equipe é parte de um pro-cesso cujo fim último é o aumento contínuo da relação fluxo de produto/ estoque de capital circulante. A diminuição do estoque de capital circulante, tanto variável quanto constante, para um dado fluxo de produto, é obtida por meio da maior coesão que o trabalho em equipe imprime ao processo de trabalho.

7 SMITH (2000, p. 50) afirma: “This allows firms to lower the indirect costs associated with lower-level management and supervisors.”

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A redução contínua do volume de capital circulante mobilizado para um dado fluxo de produto implica uma fragilização crescente do fluxo produti-vo. (DURAND, 1998, p. 27). Essa fragilização é compensada pela conden-sação do trabalho que o trabalho em equipe permite obter. Nesse sentido, podemos dizer que o teamwork é um método de mobilização da vontade ne-cessária para executar um processo contínuo de redução de custo.9

É essa maior coesão e continuidade que permite viabilizar a economia de ca-pital tanto variável quanto constante ao longo das várias fases do circuito do capital. É possível diminuir o volume de estoques de materiais, componen-tes etc. e, com isso, diminuir também os custos de sua manutenção; é possí-vel diminuir o volume de capital constante circulante imobilizado na linha de produção relativamente ao fluxo de produção por meio da redução do volume de produto em processo; é possível reduzir o volume de mercadori-as em estado de oferta e com essa redução diminuir os custos de manuten-ção das mercadorias em oferta.

Esses efeitos sobre os custos de produção podem ser visualizados no Dia-grama 3, no qual apresentamos apenas três momentos do circuito do capi-tal, os dois primeiros relativos ao tempo de produção e o último relativo ao tempo de venda. Nesse diagrama, c representa capital constante e v repre-senta capital variável; os subscritos l, a e o representam, respectivamente, l a-tente, ativo e oferta e qualificam os respectivos volumes de capital constante e variável engajados naqueles três momentos do circuito do capital, quais se-jam: o capital produtivo latente, o capital produtivo ativo e a mercadoria em oferta.

DIAGRAMA 3 – CUSTOS DO CIRCUITO DO CAPITAL

Capital Capital produtivo Mercadoria

produtivo em funcionamento em estado

latente O período de trabalho de oferta

cl+ vl ca + va co + vo

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No que diz respeito aos dois primeiros segmentos, nota-se a tendência in-trínseca do capital em reduzir o processo de produção a processo de traba-lho por meio da eliminação do capital produtivo latente e da redução do volume de produto em processo sem a intervenção do trabalho.

Teamwork e Mais Valia

As formas de organização do processo de trabalho que acionam a coesão do trabalho em equipe produzem mais valia tanto pela via relativa quanto pela

via absoluta. Aqui não é a dialética que pode abrir o caminho da

compreen-são, mas sim o discernimento entre aumento da intensidade do trabalho e aumento da produtividade do trabalho.

O fluxo enxuto de capital circulante é também fluxo enxuto de capital variá-vel. A força de trabalho existente deve sustentar um fluxo com menos válvu-las de escape. O trabalho tem que ser mais flexível porque o fluxo do capital

circulante é mais rígido. O único elemento do capital circulante capaz de

compensar a rigidez da produção enxuta é o trabalho. Para tal, ele tem que ser capaz de se mobilizar para manter o fluxo do capital circulante. Essa maior adesão do trabalho ao fluxo do capital circulante, que se manifesta na forma de trabalho polivalente, flexível etc., corresponde a um aumento da intensidade do trabalho. Portanto, mais valia absoluta.

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IX. TEAMWORK COMO FORMA DA SUBSUNÇÃO REAL

Parece haver uma certa unanimidade10 de que a subsunção real do trabalho

ao capital decorre da mecanização do processo de trabalho, fase essa que Marx denominou de Indústria Moderna.

Paulani (2001), por exemplo, concebe a subsunção real a partir do advento da indústria moderna ao identificar a subsunção real com a superação do processo de trabalho enquanto processo que emana do sujeito do trabalho. (p. 699). Argumenta Paulani que com a eliminação da força viva do proces-so de trabalho “ela resta como apêndice da máquina... como elemento passivo sob o comando da máquina... Trata-se aí da famosa subsunção real do trabalho ao ca-pital.” (p. 699).

De modo idêntico, Prado (2002) identifica a subsunção real do trabalho ao capital à “subordinação dos trabalhadores às máquinas e aos sistemas de máqui-nas” quando argumenta que a adoção de métodos de produção que aumen-tam a razão capital/produto configuram “a situação analisada por Marx e caracterizada pela subsunção material do trabalho ao capital.” (p. 75).

A respeito da subsunção formal, Smith (2000) afirma, ao se referir à junção de vários artesãos sob a batuta de um único capitalista: “a forma social do pro-cesso de trabalho mudou enquanto o conteúdo do trabalho permaneceu do jeito que era antes.” (p. 68). Em seguida, mais generoso com as formas da subsunção real do que nossos colegas brasileiros, ele afirma que “com o aparecimento da manufatura isso mudou.” Smith esquece que ao analisar a Cooperação, for-ma inicial do capitalismo, Marx sugere que o conteúdo não é imune à mu-dança de forma. Assim que o capital passa a controlar o processo de trabalho mudanças importantes ocorrem, mudanças tais que levam à produ-ção de mais valia relativa no contexto da Cooperação.

10 Justiça seja feita a MORAES NETO (1989), que contrariamente ao pensamento comum cita o Grupo de Brighton para esclarecer que “Em O Capital, Marx analisa os estágios do desenvolvi-mento da subordinação real, da cooperação simples, passando pela manufatura, até a maquinofatura.

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Essas interpretações estão em forte contraste com a visão do próprio Marx a respeito da subsunção real. Para ele a subsunção real nada mais é do que o processo de desenvolvimento das formas de produção de mais valia relativa.

“Subsunção real... desenvolve-se em todas aquelas formas que produzem mais valia relativa, ao contrário de absoluta.” (MARX, 1985, p. 104).

Subsunção real se caracteriza por modificações no processo de trabalho que permitem uma redução do valor das mercadorias. Nesta definição cabe como subsunção real todas as formas de desenvolvimento da produção capi-talista que representam aumento da produtividade do trabalho e, portanto, diminuição do valor das mercadorias, isto é, a cooperação, a manufatura, a indústria moderna.

No capítulo sobre a Cooperação Marx assim se refere a essa forma inicial de organização do processo de trabalho pelo capital:

“Comparada a uma soma igual de jornadas de trabalho indivi-duais e isoladas, a jornada de trabalho combinada gera mais valores de uso e diminui dessa forma o tempo de trabalho neces-sário para obter o efeito desejado.” (MARX, 1975, p. 329).

A Cooperação é apresentada, por Marx, como a primeira fase de transfor-mação que sofre o processo de trabalho assim que é subordinado ao capital. (MARX, 1976, p. 245).

De acordo com a concepção de Marx de subsunção real, podemos dizer que o teamwork também é uma forma de subsunção real, pois permite obter uma redução do tempo de trabalho socialmente necessário à produção das merca-dorias e, conseqüentemente, a obtenção de mais valia relativa.

A aplicação dessas formas de trabalho permite o barateamento das mercado-rias. Para aqueles que as adotam primeiro, a redução do valor individual

abaixo do valor social representa uma fonte de mais valia extraordinária.11

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A generalização dessas práticas dentro de uma indústria leva a uma redução progressiva do valor social da mercadoria produzida pela indústria. Na

me-dida em que essa redução do valor afeta o valor da força de trabalho, esse processo representa um processo de geração de mais valia relativa e é, por-tanto, um modo de subsunção real do trabalho ao capital.

REFERÊNCIAS

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DURAND, Jean-Pierre. Introduction: les modèles de la relation salariale.

In: DURAND, Jean-Pierre; STEWART, Paul; CASTILLO, Juan José (orgs.), L´avenir du travail à la chaîne. Paris: Éditions La Dé-couverte, 1998.

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MANDEL, Ernest. The formation of the economic thought of Karl Marx. Nova Iorque e Londres: Monthly Review Press, 1971.

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(30)

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mudou o mundo. Rio de Janeiro: Editora Campus Ltda., 1992.

Referências

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