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Processamento auditivo (central) em crianças com dislexia: avaliação comportamental e eletrofisiológica.

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Original Article

Juliana Casseb Oliveira1 Cristina Ferraz Borges Murphy1 Eliane Schochat1

Descritores

Dislexia Percepção auditiva Eletrofisiologia Leitura Testes auditivos

Keywords

Dyslexia Auditory perception Electrophysiology Reading Hearing tests

Endereço para correspondência: Eliane Schochat

R. Cipotânea, 51, Cidade Universitária, São Paulo (SP), Brasil, CEP: 05360-000. E-mail: eschocha@usp.br

Recebido em: 27/2/2012

Aceito em: 14/8/2012

Trabalho realizado no Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil.

(1) Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil.

Conflito de interesses: Não

dislexia: avaliação comportamental e eletrofisiológica

Auditory processing in children with dyslexia:

electrophysiological and behavior evaluation

RESUMO

Objetivo: Comparar o desempenho de crianças com dislexia e grupo controle em testes de processamento auditivo e P300. Métodos: Vinte e dois indivíduos com dislexia (grupo estudo) e 16 indivíduos com desenvol-vimento considerado típico (grupo controle) participaram do estudo. Todos os indivíduos foram submetidos aos testes de processamento auditivo (Teste Padrão de Frequência, Dicótico de Dígitos e Fala com Ruído) e o P300. Resultados: Em relação aos testes comportamentais, houve diferença para o Teste Padrão de Frequência e para a orelha esquerda no Teste Dicótico de Dígitos, sendo que o grupo estudo apresentou pior desempenho em ambos os testes. Para o P300, houve diferença entre os grupos em relação aos valores absolutos de amplitude e latência, mas esta não foi significativa. Conclusão: Os achados sugerem que crianças com dislexia apresentam alteração das habilidades auditivas de processamento temporal e figura-fundo, o que foi evidenciado por meio de testes comportamentais de processamento auditivo. Não houve diferença em relação aos desempenhos de ambos os grupos para o P300.

ABSTRACT

(2)

INTRODUÇÃO

Dislexia pode ser definida como um distúrbio específico de aprendizagem de origem neurológica, caracterizada pela dificuldade com a fluência correta na leitura e deficiência na habilidade de decodificação e soletração, resultantes de um déficit no componente fonológico da linguagem(1).

Teorias baseadas em alterações anatômicas, fisiológicas e comportamentais tentam explicar a etiologia da dislexia e duas delas são as mais discutidas(2-4). A primeira, e mais antiga,

afirma que as dificuldades são de origem fonológica e cons-tituem-se de um déficit puramente linguístico, ou seja, dizem respeito, especificamente, a um aspecto do processamento da linguagem(2,3). A segunda, e que será estudada nesta pesquisa,

diz respeito às alterações perceptuais encontradas em pessoas com dislexia. Sugere-se que a dificuldade de processamento fonológico advém de uma alteração de processamento auditi-vo (PA) temporal(4). A deficiência nessa habilidade afetaria a

percepção de sons da fala e, consequentemente, a consciência fonológica, ocasionando posteriores problemas de leitura(4).

Apesar das inúmeras pesquisas corroborando a teoria do processamento temporal(5-9), ainda há controvérsias sobre estes

achados devido à dificuldade em se estabelecer uma relação causal entre o processamento fonológico e o processamento temporal auditivo(10,11), além de uma grande variação individual

no desempenho destas crianças para este tipo de teste auditi-vo(4,12,13). Outra questão é a dificuldade em se evidenciar essas

alterações somente por testes comportamentais(14).

O P300 é um Potencial Auditivo de Longa Latência (PEALL) que reflete principalmente a atividade do tálamo e córtex, estruturas que envolvem as funções de discriminação, integração e atenção do cérebro ao som. Por isso, é utilizado para detectar alterações neurais do processamento sequencial de informações, memória imediata e/ou tomada de decisões(15). De

acordo com a literatura, crianças com distúrbios de leitura apre-sentaram desempenho reduzido na avaliação comportamental do PA(C), maiores tempos de reação e latência aumentada para o P300(16).

No Brasil, há poucos trabalhos relacionando dislexia, pro-cessamento comportamental e testes eletrofisiológicos. Desta forma, o objetivo deste estudo é comparar o desempenho de crianças com dislexia e grupo controle em testes de processa-mento auditivo e P300. Espera-se que os resultados contribuam para um melhor entendimento da etiologia da dislexia visando, consequentemente, uma melhor forma de avaliação e reabili-tação deste transtorno.

MÉTODOS

O presente estudo teve seu projeto analisado e aprovado pela comissão de ética (CEP) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo sob o protocolo 853/08. Além disso, todos os responsáveis pelos sujeitos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes do início das avaliações.

Participaram desse estudo 38 indivíduos, com idades entre 9 e 12 anos. Dentre esses sujeitos, 22 (sendo seis do gênero

feminino e 16 do masculino) constituíram o grupo estudo e 16 fizeram parte do grupo controle (sete do gênero masculino e nove do feminino). Ambos os grupos foram pareados em relação à idade, permitindo média de idade similar entre eles (Tabela 1).

Os critérios de inclusão para o grupo estudo foram: diagnós-tico de dislexia severa concluído pela Associação Brasileira de Dislexia (ABD), ausência de alterações cognitivas, psicológicas ou neurológicas, comprovadas pelas avaliações realizadas na ABD, audiometria tonal, logoaudiometria e imitanciometria dentro dos limites da normalidade, Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE) dentro dos parâmetros de normalidade, ausência de alteração oftalmológica ou, quando encontrada, corrigida através de lentes de correção (oftalmo-logista ABD).

O grupo controle foi composto por crianças pertencentes à comunidade local onde a pesquisa foi realizada e divulgada. Este deveria apresentar audição dentro dos padrões da norma-lidade, garantida pelos mesmos procedimentos realizados no grupo estudo (Avaliação Audiológica e PEATE), ausência de queixas relacionadas à leitura e desempenho escolar, verificado por meio da história do paciente em entrevista com familiar, ausência de antecedentes de comprometimento psicológico ou neurológico evidente, verificado por meio da história do paciente em entrevista com familiar. Os indivíduos, de ambos os grupos, foram submetidos a uma série de procedimentos, em dois dias de avaliação. No primeiro dia foi realizada história clínica, avaliação audiológica completa composta por mea-toscopia, imitanciometria, audiometria tonal limiar e vocal e PEATE. Após estes procedimentos, Foram excluídas as crian-ças que não se enquadravam aos critérios descritos e, quando necessário, foi realizado o encaminhamento ao profissional responsável. No segundo dia, foram realizados os testes de leitura, a avaliação comportamental de processamento auditivo e o P300. Estes são descritos a seguir.

Teste de leitura de palavras isoladas/versão reduzida(17)

Trata-se de uma prova contendo 30 palavras que variam quanto à regularidade (palavras regulares e irregulares), à lexicalidade (palavras reais e pseudopalavras), à extensão (estímulos curtos e longos), e à familiaridade (palavras fre-quentes e não frefre-quentes). Foram apresentadas palavras e não palavras através de fichas. Os participantes foram orientados a pronunciar, em voz alta, todos os estímulos, imediatamente ao seu aparecimento, mesmo não tendo certeza da resposta, e

Tabela 1. Caracterização de ambos os grupos quanto à idade e o gênero

Variáveis Grupo estudo Grupo controle Idade (média±DP) 11,13±0,94 10,75±1,18 Gênero (%)

Masculino Feminino

45,4 54,5

(3)

mesmo não conhecendo o significado da palavra, já que muitas eram não palavras. Concomitantemente, a leitura foi gravada e transcrita pela avaliadora, que computou a quantidade de erros ao final do teste. Cada palavra lida corretamente correspondia a um ponto (total=30 pontos).

Teste de leitura de texto/adaptação(17)

A criança foi orientada a ler silenciosamente a história “A Coisa”, com 211 palavras de extensão e, posteriormente, a responder perguntas sobre o texto lido. Após a leitura, o exa-minador lia oralmente dez questões que avaliavam memória para eventos e caracteres, descritos na própria história, e com-preensão inferencial. Ao final, foram somados os número de acertos para cada questão. Cada item respondido corretamente correspondia a um ponto (total=10 pontos).

Avaliação comportamental do processamento auditivo (central)

Foram utilizados três testes para avaliação do processamen-to auditivo (central): Fala com ruído, que analisa as habilidades de atenção seletiva e fechamento auditivo; Dicótico de dígitos, que analisa as habilidade de figura-fundo para sons verbais e integração binaural(18) e o Teste de padrão de frequência

Auditec(19) – versão adulta (a partir de 9 anos) – para avaliar a

habilidade de ordenação temporal.

P300

Para a realização do P300, utilizou-se o equipamento NavegatorPro marca Bio-logicâ. Os parâmetros utilizados para a obtenção foram: estímulo monoaural (do tipo toneburst

com plateau de 20 ms e rise/fall de 5 ms) onde o estímulo frequente foi apresentado em 500 Hz e o raro a 750 Hz, inten-sidade de ambos os estímulos de 70 dBNA, tempo de análise de 800 ms, filtro de 0,5 a 30 Hz, sensibilidade de 100 µV, velocidade de apresentação foi de 1,1 estímulos/segundo. O exame era encerrado assim que eram disparados 50 estímulos raros, variando a quantidade de estímulos frequentes de um exame para o outro, totalizando por volta de 300 estímulos. Dos estímulos livres apresentados, 80% eram frequentes e 20% eram raros. Os estímulos raros e frequentes foram apre-sentados de forma aleatória (paradigma oddball). A captação foi obtida por meio de eletrodos de superfície fixados na fronte (Fpz=eletrodo terra), no vértex craniano (Cz=eletrodo ativo) e mastóides (A1=eletrodo de referência da orelha esquerda; e A2=eletrodo de referência da orelha direita). Antes da colocação dos eletrodos, os locais foram limpos com gaze e pasta abrasiva para reduzir a impedância elétrica entre a pele e o eletrodo para menos de 5 ohms.

Após o registro dos traçados correspondentes ao estímulo raro e ao frequente, subtraímos um do outro para no traçado resultante marcar o P300, que foi identificado como uma onda positiva e o maior pico com latência por volta de 300 ms. Foram medidos os valores de latência e amplitude do P300. Na aná-lise estatística, foram utilizados os testes não paramétricos de

Friedman e Mann-Whitney e o teste paramétrico t-Student. O nível de significância adotado foi de 5%.

RESULTADOS

Na Tabela 2 é possível visualizar a comparação do desem-penho de ambos os grupos para os testes de leitura aplicados. Houve efeito de grupo, ou seja, diferença significativa entre as médias obtidas para cada grupo, tanto para o teste de leitura de palavras (p<0,001), quanto para a compreensão de leitura de texto (p=0,024), sendo que o grupo estudo apresentou o pior desempenho para ambos os testes.

A Tabela 3 apresenta a comparação do desempenho de ambos os grupos para os três testes comportamentais do proces-samento auditivo (central). Para o teste de padrão de frequência, houve efeito de grupo (p<0,001), sendo que o grupo estudo apresentou o pior desempenho. No teste de fala com ruído, não houve efeito de grupo para cada uma das orelhas testadas (OD: p=0,335; OE: p=0,889). Apesar disso, houve efeito de orelha para o grupo estudo (p<0,001), sendo que a OD apresentou o pior desempenho. Para o teste dicótico de dígitos, houve efeito de grupo apenas para a orelha esquerda (OD: p=0,068; OE: p=0,002), sendo que o grupo estudo apresentou o pior de-sempenho, e não houve efeito de orelha em cada grupo (grupo estudo: p=0,139; grupo controle: p=0,499).

A Tabela 4 apresenta a comparação de ambos os grupos em relação aos valores dos P300. Nota-se que um sujeito do grupo estudo apresentou ausência do P300. Utilizamos o valor de 500 ms para a latência e 0 µv para amplitude desse sujeito. O valor de 500 ms foi adotado devido ao valor máximo de latência encontrado em estudos anteriores realizados com sujeitos de faixa etária semelhantes(20-22).

Considerando a variável latência, não houve efeito de grupo para ambas as orelhas (OD: p=0,440; OE: p=0,223), assim como também não houve efeito de orelha em cada grupo (grupo estudo: p=0,893; grupo controle: p=0,697). Para a variável amplitude, os resultados foram semelhantes; não houve efeito de grupo para ambas as orelhas (OD: p=0,399; OE: p=0,393),

Tabela 2. Comparação do desempenho dos grupos para os testes de leitura

Teste de leitura Grupo estudo (n=22)

Grupo controle (n=16)

Compreensão de texto

Média 6,73 8,88

DP 3,02 1,14

Efeito de grupo 0,024*

Leitura de palavras

Média 24,45 29,13

DP 6,27 1,02

Efeito de grupo <0,001*

* Valores significativos (p≤0,05) – Teste t-Student

(4)

assim como também não houve efeito de orelha (grupo estudo: p=0,154; grupo controle: p=0,255).

DISCUSSÃO

Esta pesquisa teve como objetivo comparar o desempe-nho de crianças com dislexia e grupo controle em testes de PA e P300. Mas, anteriormente a estes testes, também foram aplicados testes de leitura para comprovação da diferença de desempenho dos grupos para esta habilidade. Como demons-trado na Tabela 2, ambos os testes de leitura de palavra e com-preensão de texto evidenciaram diferenças significativas entre

os grupos, com pior desempenho do grupo estudo. Portanto, estes resultados confirmaram a presença, no grupo estudo, da principal queixa apresentada por crianças com dislexia, ou seja, dificuldades em habilidades de leitura(1-4). Assim como

demonstrado por vários estudos(1-3), provavelmente, a causa

para estas dificuldades esteja relacionada ao processamento fonológico. A grande questão ainda seria o que há por trás desta dificuldade fonológica que é o que foi investigado por meio dos testes auditivos.

O PA (central) foi analisado por meio dos testes Fala com ruído, Dicótico de dígitos e Padrão de frequência (Tabela 3). A escolha se deu por serem testes de fácil aplicação e por avaliarem diferentes habilidades auditivas, sem depender de habilidades de leitura. Houve efeito de grupo para o teste Padrão de frequência, com desempenho pior do grupo estudo, e para a orelha esquerda no teste Dicótico de dígitos, também com desempenho pior do grupo estudo. No teste Fala com ruído, não houve diferença intergrupos; apenas efeito de orelha para o grupo estudo, com pior desempenho para a orelha direita. Talvez este resultado esteja relacionado ao efeito aprendizagem já que a mesma lista foi utilizada para ambas as orelhas e a orelha direita foi a primeira a ser avaliada.

O baixo desempenho do grupo estudo para a habilidade temporal corrobora outra pesquisa que também investigou o processamento temporal em indivíduos com dislexia, compa-rando a um grupo controle de sujeitos com desenvolvimento típico(6). Os indivíduos foram avaliados mediante testes

comportamentais de processamento auditivo (detecção de intervalos de silêncio). Os autores encontraram diferenças significativas entre os grupos para avaliação de PA(C) tempo-ral e correlação do desempenho nestes testes com habilidade de leitura de palavras e não palavras. Os mesmos resultados também foram encontrados em outros dois estudos que investigaram PA temporal em crianças disléxicas e em um grupo controle(4,23). Os estudos concluíram que um déficit no

PA para sons curtos pode afetar a percepção de sons da fala e levar a um déficit de consciência fonológica e posteriores problemas de leitura.

Outro estudo demonstrou correlações significativas entre o desempenho em tarefas temporais e capacidade de leitura e escrita(24). A hipótese considerada pelos autores é a de que esta

dificuldade no processamento temporal, em indivíduos disléxi-cos, pode ser especificada pela falta de especialização neural do sistema auditivo para o processamento de pistas temporais. No presente estudo, observamos uma coexistência de alteração na resolução de frequência de sons e dificuldade de leitura, já que a análise estatística desses dados foi significativa. Acreditamos que a hipótese deste outro estudo(24) também possa justificar as

alterações dos disléxicos que participaram do presente estudo, devido ao baixo desempenho nas provas de leitura combinado ao fato de que todos os indivíduos do grupo estudo apresentaram alteração do teste Padrão de frequência.

Outra questão observada no teste Padrão de frequência foi o alto desvio padrão do grupo estudo (Tabela 3), se comparado ao grupo controle, demonstrando que o desempenho das crian-ças disléxicas foi bastante variado para este teste. Este achado sugere a existência de diferentes níveis de comprometimento

Tabela 4. Comparação dos parâmetros latência e amplitude do P300 entre os grupos Estudo e Controle

P300

Grupo estudo (n=22)

Grupo controle (n=16)

OD OE OD OE

Latência

Média 319,88 318,03 307,47 304,35

DP 52,91 28,19 41,01 39,93

Efeito de orelha 0,893 0,697 Efeito de grupo OD=0,440; OE=0,223 Amplitude

Média 3,66 4,97 4,66 6,17

DP 3,07 4,01 4,13 4,55

Efeito de orelha 0,154 0,255 Efeito de grupo OD=0,399; OE=0,393

* Valores significativos (p≤0,05) – Teste t-Student

Legenda: DP = desvio-padrão; OD = orelha direita; OE = orelha esquerda Tabela 3. Comparação do desempenho dos grupos na avaliação comportamental do PA

Avaliação do PA Grupo estudo (n=22)

Grupo controle (n=16) Padrão de frequência (%) OD/OE OD/OE

Média 53,35 89,16

DP 18,35 5,579

Efeito de grupo <0,001*

Fala com ruído (%) OD OE OD OE Média 81,82 86,91 84,5 86,5

DP 7,48 9,25 9,45 8,24

Efeito de orelha <0,001 0,216 Efeito de grupo OD=0,335; OE=0,889

Dígitos (%) OD OE OD OE

Média 94,57 92,41 97,69 97,19

DP 5,33 5,56 2,32 2,86

Efeito de orelha 0,139 0,499 Efeito de grupo OD=0,068; OE=0,002*

* Valores significativos (p≤0,05) – Teste t-Student

(5)

do processamento temporal auditivo e, talvez, de outros fatores não considerados como atenção e memória.

Uma das questões ainda controversa sobre a dislexia é definir se as dificuldades relacionadas ao processamento au-ditivo estão presentes de forma geral ou especificamente para a percepção de diferenças temporais de sons de fala, ou seja; se a dificuldade é específica para mudanças rápidas temporais ou abrangem uma gama mais ampla de PA(24). Um estudo

com-parou os grupos de crianças com transtorno do processamento auditivo e crianças disléxicas quanto ao desempenho em testes de PA (central)(25). Os indivíduos com dislexia apresentaram

alteração somente do teste temporal. Outro estudo também encontrou resultados semelhantes, ou seja, pior desempenho, se comparado ao grupo controle, apenas para a habilidade temporal e resultados dentro dos padrões da normalidade para os testes Fala com ruído e Dicótico de dígítos(12). Neste estudo,

na comparação intergrupos, foi encontrada alteração também no teste Dicótico de dígitos (OE). Estes resultados corroboraram outros achados que verificaram pior desempenho do grupo de crianças com dislexia em todos os testes de PA aplicados (Dicótico de dígitos, Dicótico não verbal e SSW)(26).

Além dos testes comportamentais, o P300 também foi rea-lizado. Neste teste, foi observada diferença em valor absoluto, entre os resultados dos grupos estudo e controle para os valores de latência sendo que os maiores valores foram do grupo estudo. Entretanto, como observado na Tabela 4, essa diferença não foi significativa. O mesmo aconteceu com os achados para o parâmetro de amplitude. Apesar de o grupo estudo apresentar valores absolutos menores, em relação ao grupo controle, esses resultados não foram significativos.

Um estudo investigou o P300 em 43 crianças com histórico de repetência escolar e em 60 crianças sem esse histórico(27). As

crianças com repetência escolar apresentaram valores maiores de latência do P300, assim como no presente estudo.

Comparando ainda as médias de cada grupo em ambas as pesquisas, observa-se que nesta outra pesquisa, a diferença de desempenho entre os grupos foi muito maior; a média de latência do P300 para o grupo controle foi de 332,25 ms e do grupo estudo foi de 413,23 ms. Na presente pesquisa as médias para o grupo estudo foram de 319,88 ms para OD e 318,03 ms para a OE; e no grupo controle foram de 307,47 ms para a OD e 304,35 ms para a OE. Entretanto, existe uma importante diferença metodológica entre os estudos. A presente pesquisa teve como grupo estudo somente crianças com dislexia; já na pesquisa citada, as crianças apresentavam repetência escolar, provavelmente ocasionada por diversos motivos, não só por uma dificuldade de leitura e escrita. Talvez essas crianças apre-sentassem um importante atraso de linguagem, o que poderia justificar um atraso maior de latência do componente P300 em relação às crianças disléxicas da presente pesquisa.

Outros estudos foram realizados com disléxicos universitá-rios e controles(28,29). Os autores encontraram tempos de reação

maiores e maiores valores de latência do P300 para os leitores disléxicos em comparação ao grupo controle. Esses estudos apresentaram achados semelhantes à presente pesquisa, mesmo havendo uma discrepância em relação à idade dos participan-tes. Porém, os autores encontraram significância estatística de

respostas, o que não ocorreu na presente pesquisa. Nesse caso, a ausência de significância estatística pode ter sido causada pelo baixo número de sujeitos, quando comparado a um dos dois estudos(29) que investigaram 40 disléxicos e 40 controles,

ou pela discrepância do número de sujeitos entre o grupo es-tudo e o grupo controle, já que o outro eses-tudo(29) investigou 16

disléxicos e 16 controles. Outro fator que pode ter influenciado esta diferença é que ambos os estudos comparativos realizaram a pesquisa dos potenciais com estímulos de fala e a presente pesquisa foi realizada com estímulos não verbais.

Diante dos resultados obtidos e da comparação com a lite-ratura consultada, pode-se sugerir que os disléxicos apresentam uma alteração de processamento temporal, que talvez possa estar relacionada a uma alteração no processamento fonoló-gico. Apesar disso, não se pode afirmar que a dificuldade é específica do processamento temporal, já que houve indícios do comprometimento de outras habilidades como a figura-fundo, evidenciada pelo resultado do teste Dicótico de dígitos.

O teste eletrofisiológico (P300) não foi capaz de corroborar os achados de comprometimento de PA temporal observado nos testes comportamentais da presente pesquisa. Talvez, se tivessem sido utilizados estímulos verbais ao invés do estímulo tone burst, a diferença entre os grupos teria sido significativa. Além disso, a quantidade de sujeitos também pode ter influen-ciado na obtenção de significância de resultados para o P300.

Assim, sugere-se que futuras pesquisas investiguem o pro-cessamento auditivo de crianças com dislexia por meio de testes eletrofisiológicos utilizando-se estímulos de fala. A hipótese é a de que talvez este tipo de estímulo possa evidenciar de forma mais efetiva as diferenças entre o processamento temporal auditivo presente entre os dois grupos estudados.

CONCLUSÃO

Os achados sugerem que crianças com dislexia apresentam alteração nas habilidades de processamento temporal e figura--fundo, o que foi evidenciado por meio de testes comportamen-tais de processamento auditivo. Não houve diferença em relação aos desempenhos de ambos os grupos para o P300.

* JC foi a autora da dissertação que gerou o artigo. Foi responsável pela coleta de dados. CFBM contribuiu com a conclusão dos achados e elaboração do artigo. ES contribuiu com a elaboração do projeto, orientou a dissertação e elaboração do artigo.

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Imagem

Tabela 1. Caracterização de ambos os grupos quanto à idade e o  gênero
Tabela 2. Comparação do desempenho dos grupos para os testes  de leitura
Tabela 3. Comparação do desempenho dos grupos na avaliação  comportamental do PA

Referências

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