• Nenhum resultado encontrado

Efeitos da apreciação cambial na poupança interna e indústria: análise teórica e evidências para o Brasil

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Efeitos da apreciação cambial na poupança interna e indústria: análise teórica e evidências para o Brasil"

Copied!
23
0
0

Texto

(1)

1 Efeitos da apreciação cambial na poupança interna e indústria:

análise teórica e evidências para o Brasil

Paulo Gala, Nelson Marconi, Yoshiaki Nakano, Setembro de 2008 Escola de Economia de São Paulo, FGV/SP

1. Introdução

A moeda brasileira tem se valorizado intensamente nos últimos dois anos. Nesse contexto, voltam a surgir argumentos favoráveis à apreciação do câmbio real. Alguns economistas entendem que um Real apreciado seria favorável à aquisição de máquinas e equipamentos no exterior, estimulando o investimento agregado, ou ainda que o câmbio apreciado facilitaria a aquisição de tecnologias que não possuímos no mercado mundial. Ambos argumentos, entretanto, parecem não descrever bem o que se observou durante a intensa apreciação cambial brasileira ao longo dos anos 90: baixo nível de investimento agregado e baixo dinamismo tecnológico da indústria brasileira, especialmente se comparados ao que ocorreu no leste da Ásia.

(2)

Seguindo o debate, este trabalho tem por objetivo apresentar perspectivas teóricas que exploram possíveis canais macro dos efeitos da apreciação cambial na economia e algumas evidências empíricas para o caso brasileiro. Além dessa breve introdução, o trabalho está dividido em 6 seções. As seções 2 e 3 apresentam perspectivas teóricas sobre os efeitos da apreciação (depreciação) cambial nos níveis de renda, consumo e poupança interna e analisam o caso brasileiro recente. As seções 4 e 5 tratam dos efeitos do câmbio sobre a produtividade e a industrialização sob uma perspectiva de longo prazo. A última seção traz algumas conclusões.

2. Efeitos do câmbio real na poupança interna

Uma apreciação cambial reduz o preço de venda (em reais) dos bens comercializáveis e, tudo o mais constante (ou seja salários nominais, preços externos e produtividade) reduz a margem de lucro desse setor. No entanto, a apreciação cambial pode aumentar os lucros do setor de bens não comercializáveis que opera com insumos importados. No caso do setor de bens comercializáveis que opera com insumos importados, uma apreciação cambial sempre reduzirá a margem de lucro, para uma dada escala de produção, pois a queda no preço de venda tende a ser maior do que a queda (também mensurada em reais) de um componente parcial do custo. O argumento de que o câmbio apreciado é favorável ao investimento agregado por baratear o preço de maquinas e equipamentos pode ser entendido aqui como uma situação em que o preço reduzido de insumo aumenta a margem de lucro para um setor não comercializável. O mesmo argumento não se aplica para bens comercializáveis.

(3)

3 economia. Quanto maior a participação do componente não comercializável no custo de produção de comercializáveis, maior será esse efeito.

Resta ver como se comportam as outras variáveis da economia em decorrência da apreciação (depreciação) cambial. O nível geral de preços deve cair (subir) pois nada mais é do que um composto de preço de comercializáveis e não comercializáveis. O salário real deve aumentar (cair) pois é uma relação entre salário nominal e nível de preços. O câmbio real deve se apreciar (depreciar) na medida em que o câmbio nominal cai (sobe) mais do que o aumento do nível geral de preços que depende, em parte, dos preços de não comercializáveis. E, por fim, se assumirmos que o setor de comercializáveis é maior do que o de não comercializáveis que utiliza insumos importados, o lucro geral da economia deve cair. Ou seja, para dados níveis de produtividade e salário nominal, uma apreciação cambial resulta numa redução nas margens de lucro do sistema e aumentos do salário real. Resta ver como as dinâmicas de determinação de renda, investimento e poupança são afetadas por essa queda de lucros no curto e no longo prazo.

Levando-se em consideração a hipótese de que os trabalhadores consomem toda sua renda, aumentos dos salários reais significarão reduções da poupança interna e aumentos de consumo. Como conseqüência, a demanda agregada poderá cair ou aumentar, dependendo dos efeitos da queda das margens de lucro na função investimento. Se o investimento for pouco elástico a variações nas margens de lucro, quedas de salário real terão efeitos recessivos, pois a queda do consumo não será compensada por um aumento de investimento dos empresários e haverá uma redução da massa de lucros. Essa é a clássica tese do subconsumo, onde reduções de salário real reduzem o consumo e demanda agregada. Se os investimentos forem altamente sensíveis à margem de lucro, teremos então o efeito oposto. Reduções do salário real aumentarão a massa de lucros que por sua vez aumentarão a demanda agregada e a utilização de capacidade instalada. A economia entrará numa trajetória do tipo “investment-led growth”.

(4)

exportações e nível de renda contanto que as respectivas funções sejam suficientemente elásticas (a primeira e a segunda em relação aos lucros e a terceira em relação às exportações). O aumento dos lucros contribuirá para o aumento da poupança interna. Nos casos de sobrevalorização cambial haverá elevação artificial dos salários que contribuirá para o aumento do consumo e redução da poupança interna, enquanto o investimento dependerá dos fatores discutidos mais acima.

3. Evolução da poupança interna no Brasil

Numa economia com contas públicas relativamente equilibradas, a poupança interna privada mais a externa é igual ao investimento. Seguindo a argumentação acima, sabemos que tanto importações e exportações quanto a poupança interna dependerão da taxa de câmbio. As trajetórias de poupança interna e externa dependem do câmbio já que este afeta todas as variáveis acima elencadas. Com funções suficientemente elásticas, um câmbio real mais depreciado poderá aumentar o nível de renda via aumento de exportações, reduzir o nível de consumo, aumentar a poupança interna, reduzir a poupança externa e aumentar o nível de investimento1. Teríamos, portanto, o clássico caso asiático onde o crescimento puxado por investimentos e exportações resulta em superávits em conta corrente.

Podemos imaginar também outros tipos de trajetória. Um câmbio sobrevalorizado pode aumentar o nível de renda via aumento do consumo e dependendo das elasticidades, via aumento do investimento. Nesse tipo de trajetória, o crescimento será necessariamente acompanhado de aumento de poupança externa. A situação de déficit em conta-corrente é compatível com crescimento puxado pelo consumo e eventualmente puxado pelos investimentos. Teríamos aqui o padrão mais tradicional observado na América Latina com crescimento e déficits em contas correntes.

1 Em um primeiro momento, ocorre uma elevação da relação entre poupança interna e PIB, devido à redução

(5)

5 Alguns autores têm argumentado que o modelo asiático não seria implementável no Brasil ou na América Latina devido ao baixo nível de poupança privada. Invertendo a causalidade entre déficit em conta corrente e poupança, os autores argumentam que a baixa propensão individual a consumir dos asiáticos seria responsável pelos altos níveis de poupança interna e superávits em conta corrente. Porém, a discussão anterior mostra que é possível endogenizar o consumo como função do salário real que por sua vez depende do câmbio real. Assim o segredo para o alto nível de poupança dos asiáticos estaria, segundo essa argumentação, nos reduzidos salários reais, dado um nível de produtividade. A poupança interna depende do nível da taxa de câmbio.

No caso latino-americano, as sucessivas crises cambiais dos últimos anos seriam explicadas pelo elevado nível de consumo e excessiva utilização de poupança externa. Tentativas de crescimento puxado pelo consumo a partir de taxas de câmbio reais sobrevalorizados e salários artificialmente elevados resultariam numa “insuficiência” de poupança interna e déficit em conta corrente. O problema latino-americano da “insuficiência de poupança” estaria na sobrevalorização cambial.

(6)

Evolução da poupança interna no Brasil 10,00% 11,00% 12,00% 13,00% 14,00% 15,00% 16,00% 17,00% 18,00% 19,00% 20,00% 0 0 .I V 0 1 .I I 0 1 .I V 0 2 .I I 0 2 .I V 0 3 .I I 0 3 .I V 0 4 .I I 0 4 .I V 0 5 .I I 0 5 .I V 0 6 .I I 0 6 .V I 0 7 .I I 0 7 .I V

Já os dois gráficos abaixo analisam um período mais longo da economia brasileira e apontam para a existência de uma correlação positiva entre a evolução da poupança interna e da taxa real de câmbio (calculada em relação ao dólar), principalmente quando analisamos a taxa de câmbio defasada em três períodos. São evidências preliminares, obviamente, e dependem de estudos mais aprofundados, mas de todo modo apontam para uma relação relevante entre câmbio e poupança interna.

(7)

7 considerável da elevação da demanda foi atendida por produtos importados, o que restringe as expectativas de lucro por parte das empresas sediadas no país.

(8)

POUPANÇA, INVESTIMENTO E TAXA REAL DE CÂMBIO

-10 -5 0 5 10 15 20 25 30 35 40

1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008

T1

0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 250

Transacoes correntes (% PIB) Taxa investimento p correntes (% PIB)

Tx poupanca nacional (% PIB) Tx real cambio (2000 = 100)

POUPANÇA, INVESTIMENTO E TAXA REAL DE CÂMBIO (defasada em três períodos)

-10 -5 0 5 10 15 20 25 30 35 40

19701971197219731974197519761977197819791980198119821983198419851986198719881989199019911992199319941995199619971998199920002001200220032004200520062007

2008

T1

0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 250

Transacoes correntes (% PIB) Taxa investimento p correntes (% PIB)

(9)

9 Para concluir, vale notar que toda a discussão acima é feita a partir de determinados níveis de produtividade. A elevação do salário real sem contrapartida de aumentos de produtividade é problemática pois acaba por colocar a economia numa trajetória insustentável que termina numa crise de balanço de pagamentos. Por outro lado, numa situação de câmbio competitivo há um aumento de lucratividade dos investimentos que tende a aumentar o nível de produtividade da economia no longo prazo, permitindo aumentos de salários reais de forma equilibrada. A próxima seção discute em detalhe os impactos do nível do câmbio real na dinâmica de produtividade.

4. Efeitos da taxa de câmbio real na indústria e produtividade

O nível da taxa de câmbio real também tem um papel fundamental na dinâmica macroeconômica de uma economia a partir de uma perspectiva de longo prazo. Ao influir na determinação da especialização setorial da economia, notadamente no que diz respeito a estímulos a indústria, o impacto do nível do câmbio na dinâmica de produtividade é elevado. Sobrevalorizações cambiais são especialmente nocivas para processos de desenvolvimento econômico pois reduzem substancialmente a lucratividade da produção e investimento nos setores de bens comercializáveis manufatureiros. Ao realocar recursos para os setores não manufatureiros, especialmente para a produção de commodities (com retornos decrescentes de escala), e para setores não comercializáveis, as sobrevalorizações cambiais acabam por afetar toda a dinâmica tecnológica da economia. Subvalorizações, por outro lado, estimulam a produção e investimento nos setores manufatureiros onde retornos crescentes de escala são possíveis.

(10)

fica artificialmente elevado. Um dos mecanismos importantes de progresso técnico e aumento de produtividade fica assim bloqueado, impedindo a economia de transitar da situação de imaturidade para a maturidade nos termos de Kaldor. Uma moeda competitiva, por outro lado, pode ser um estímulo adequado para a integração de trabalhadores em atividades de alta produtividade e retornos crescentes.

Na tradição keynesiana e kaldoriana a dinâmica tecnológica e de produtividade depende fortemente do processo de acumulação de capital e do próprio nível de produção agregado. As inovações tecnológicas estão em geral associadas às novas máquinas e equipamentos produzidos, o que significa dizer que processos de crescimento e aumento de demanda puxados por investimento são em geral acompanhados por aumentos de produtividade. Nesse sentido, Kaldor estabeleceu uma relação de causalidade entre a taxa de crescimento da produtividade e a taxa de crescimento da produção, onde um aumento na produção, induzido pelo aumento da demanda, provoca um aumento da produtividade em setores onde se verifica a presença de economias dinâmicas de escala e “learning-by-doing”. Há, portanto, uma relação positivaentre a taxa de crescimento da produtividade do trabalho e a taxa de crescimento da produção, conhecida na literatura como “lei de Kaldor-Verdoon”. Um aumento da demanda agregada, ao induzir uma aceleração da taxa de crescimento da produção, acaba por acelerar o ritmo de crescimento da produtividade do trabalho.

A correlação entre o crescimento do produto industrial e o desempenho geral da economia pode ser explicada a partir dos aumentos de produtividade encontrados no setor industrial. Há duas explicações para tal efeito. A primeira diz respeito à transferência de trabalhadores de setores de baixa produtividade (trabalho precário) para atividade industriais que apresentam produtividade elevada. Como há excesso de oferta de trabalho (surplus labor) nos setores tradicionais e de baixa produtividade, a transferência de trabalhadores para os setores modernos, especialmente a indústria, tem pouco ou nenhum impacto no nível de produção dos setores tradicionais.

(11)

11 de trabalho nos setores de trabalho precário e de subsistência e, portanto, de baixa produtividade. A segunda razão para a correlação entre o produto da indústria e o aumento da produtividade relaciona-se a existência de retornos crescentes de escala estáticos e dinâmicos em atividades manufatureiras como mencionado acima. Retornos estáticos dizem respeito a economias de escala encontradas dentro das firmas e retornos dinâmicos referem-se a aumentos de produtividade derivados de “learning by doing”, externalidades positivas e “spill-overs” tecnológicos. Os demais setores da economia não possuem as mesmas características e, adicionalmente, dependem do desenvolvimento dos bens industriais para se modernizarem.

Taxas de câmbio competitivas podem, portanto, estimular o setor industrial e a diversificação produtiva. Na abordagem aqui apresentada, a política cambial pode ter efeitos duradouros na composição setorial da economia, afetando, portanto, as elasticidades renda das importações e exportações com efeitos positivos ou negativos sobre o crescimento de longo prazo. Uma política cambial adequada pode ajudar a estimular o setor de bens comercializáveis não tradicional da economia, especialmente o de manufaturas para exportação. Como argumenta Williamson (2003) no seu “development approach” para a política cambial, uma taxa de câmbio competitiva é fundamental para estimular o desenvolvimento do setor de bens comercializáveis não dependente de commodities, evitando assim os problemas da doença holandesa (ver Bresser-Pereira 2007) e desindustrialização (ver Palma 2003). Ao estimular a produção de manufaturas para o mercado mundial, uma taxa de câmbio competitiva pode ajudar os países a escalar a escada do desenvolvimento tecnológico.

5. Evolução do valor agregado na indústria brasileira

(12)

produção de commodities no Brasil. Queremos avaliar se o comportamento da taxa de câmbio está influindo sobre o grau de industrialização do país, principalmente sobre os setores mais dinâmicos da economia.

Para fazer esta análise, dividimos os bens comercializáveis do país, que compõem a pauta de nossa corrente de comércio, em dois grandes grupos, das commodities e dos manufaturados, de forma a permitir separar os produtos que podem gerar um processo de doença holandesa com aqueles que sofrem os impactos da mesma. As primeiras estão subdivididas em agrícolas, minerais e industrializadas decorrentes da atividade agrícola ou da extração mineral. Os manufaturados, por sua vez, estão subdivididos em produtos com baixo e médio-baixo conteúdo tecnológico e médio-alto e alto conteúdo tecnológico, seguindo a classificação da OCDE. Foram utilizadas, quando disponíveis, as informações referentes aos anos de 1992, 2002 e 2007 como parâmetro de comparação. O primeiro porque representa o início tanto do período posterior à eliminação das regras (a redução das tarifas de importação) que terminavam neutralizando a doença holandesa no Brasil como daquele em que passou a vigorar uma maior liberdade de circulação dos fluxos de capitais, a qual contribuiu para uma volatilidade mais intensa da taxa de câmbio. Já os dados referentes ao ano de 2002 foram escolhidos pois esse ano marca o início de uma mudança significativa da nossa posição de contas externas.

(13)

13

TABELA 1 - SALDO DA BALANÇA COMERCIAL SEGUNDO PRODUTOS QUE ORIGINAM (COMMODITIES) E SÃO AFETADOS PELA DOENÇA HOLANDESA (MANUFATURADOS)

Valores em US$ bi

Contribuição % para a variação

1992 2002 2007 2007/1992 2007/2002

Commodities 11,0 16,1 46,8 162,8 123,1

Commodities agrícolas 3,8 9,8 29,1 114,7 77,3

Commodities minerais -1,3 1,1 6,9 37,4 23,5

Commodities agrícolas industrializadas 3,5 3,9 7,7 19,0 15,1

Commodities minerais industrializadas 5,0 1,4 3,2 -8,3 7,3

Manufaturados 4,0 -4,0 -9,8 -62,8 -23,1

Manufaturados baixa e média-baixa tecnologia 4,7 6,0 10,4 25,8 17,5

Manufaturados média-alta e alta tecnologia -0,7 -10,1 -20,2 -88,6 -40,6

Total 15,0 12,1 37,0 100,0 100,0

Fonte: Funcex

A contribuição percentual para a variação considera a variação absoluta do saldo da balança comercial

de cada grupo e calcula a sua participação na variação absoluta total

O saldo total da bal. comercial aqui considerado não inclui as operações não classificadas

(14)

Gráfico 1

BALANÇA COMERCIAL ACUMULADA EM 12 MESES DAS COMMODITIES (US$ milhões) INDICE DA TAXA DE CÂMBIO REAL EFETIVA (média 12 meses, dez 2003 = 100)

0 10.000 20.000 30.000 40.000 50.000 60.000 70.000 ja n /9 2 ja n /9 3 ja n /9 4 ja n /9 5 ja n /9 6 ja n /9 7 ja n /9 8 ja n /9 9 ja n /0 0 ja n /0 1 ja n /0 2 ja n /0 3 ja n /0 4 ja n /0 5 ja n /0 6 ja n /0 7 20 40 60 80 100 120 140 160

Bal comercial commodities Taxa de câmbio real

(15)

15

Gráfico 2

BALANÇA COMERCIAL ACUMULADA EM 12 MESES DOS MANUFATURADOS (US$ milhões) INDICE DA TAXA DE CÂMBIO REAL EFETIVA (média 12 meses, dez 2003 = 100)

-30.000 -20.000 -10.000 0 10.000 20.000 30.000 ja n /9 2 ja n /9 3 ja n /9 4 ja n /9 5 ja n /9 6 ja n /9 7 ja n /9 8 ja n /9 9 ja n /0 0 ja n /0 1 ja n /0 2 ja n /0 3 ja n /0 4 ja n /0 5 ja n /0 6 ja n /0 7 20 40 60 80 100 120 140

Bal comercial manufaturados Taxa de câmbio real

Uma vez caracterizada a relação entre a taxa de câmbio e a evolução da balança comercial de comoodities e manufaturados, o que nos permite identificar um primeiro sintoma da ocorrência de doença holandesa, serão discutidos a seguir os impactos de tal relação sobre o grau de industrialização do país. Para avaliá-los, serão considerados os seguintes critérios neste trabalho: a) diminuição da participação da exportação de manufaturados na exportação total; b) diminuição do saldo da balança comercial de manufaturados; c) redução da participação do valor adicionado no valor bruto da produção, principalmente nos setores de bens comercializáveis industriais de alta tecnologia; d) diminuição da participação de produtos industriais de alta tecnologia na produção industrial de bens comercializáveis; e) diminuição da participação percentual da indústria no PIB; f) crescimento da indústria nacional relativamente menor que o de outros países em desenvolvimento.

(16)

2002 e 2007, em que foi observada esta última alteração, ainda é muito restrito para possibilitar a afirmação de que há um processo de desindustrialização em curso no país, mas se esta tendência se mantiver nos próximos anos, esta suposição será reforçada. A variação relativa do quantum de exportações de commodities em relação ao quantum de manufaturados, superior à dos preços das commodities em relação aos dos manufaturados (tabela 3), demonstra que esta alteração na participação relativa dos dois setores na exportação total entre 2002 e 2007 não correspondeu a uma simples mudança de preços relativos.

TABELA 2 - PARTICIPAÇÃO % DE COMMODITIES E MANUFATURADOS NAS EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES TOTAIS

EXPORTAÇÕES

1992 1996 1999 2002 2007

Commodities 56,5 57,2 53,1 54,4 58,9

Manufaturados 43,5 42,8 46,9 45,6 41,1

IMPORTAÇÕES

1992 1996 1999 2002 2007

Commodities 44,4 35,0 30,2 34,2 38,1

Manufaturados 55,6 65,0 69,8 65,8 61,9

Fonte: Funcex

TABELA 3 - RELAÇÃO ENTRE COMMODITIES E MANUFATURADOS PARA O ÍNDICE DE PREÇO E QUANTUM DE EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES

Commodities / Manufaturados 1992 1996 1999 2002 2007

Preço das exportações 0,93 1,00 0,88 0,85 1,32

Preço das importações 0,79 1,00 0,88 1,15 2,14

Quantum das exportações 1,14 1,00 0,99 4,74 4,28

Quantum das importações 1,94 1,00 0,93 0,85 0,61

Fonte: Funcex

(17)

17 Entretanto, é possível argumentar que houve um crescimento da importação de manufaturados (relativamente ao de commodities), conforme se observa na tabela 2, e que esse movimento se deve à queda nos preços relativos das importações destes produtos (tabela 3). Assim, o aumento das importações de manufaturados, provavelmente em função da queda da taxa real de câmbio – que poderia ser caracterizado como um efeito colateral da doença holandesa –elevaria a disponibilidade de insumos importados na economia a preços mais baratos tanto para os setores de bens comercializáveis como não comercializáveis (apesar de também elevar o consumo de bens finais), de forma a contribuir para o aumento das margens de lucro, do investimentos, a introdução de inovações no processo produtivo e a utilização de matérias-primas mais baratas, o que seria benéfico para a produção da indústria nacional e poderia resultar até na elevação das exportações dos próprios manufaturados, que de fato cresceram 140% entre 2002 e 2007 (enquanto as exportações de commodities se elevaram 188% no mesmo período). A elevação das exportações de setores nos quais não possuímos vantagens comparativas, em um cenário de queda da taxa de câmbio que possivelmente não esteja sendo compensada por suficiente elevação dos preços internacionais ou diminuição do custo da mão-de-obra em moeda local, pode estar sendo viabilizada pela redução dos custos de produção, fundamentalmente dos insumos utilizados, baseada em uma estratégia que tire proveito da valorização cambial.

(18)

TABELA 4 - RELAÇÃO ENTRE VALOR ADICIONADO E VALOR DA PRODUÇÃO

Var % na relação Valor adicionado / Valor da

produção Valor adic / valor prod

1996 1999 2002 2006 2006/1996 2006/2002

Commodities 45,5 47,3 45,3 46,7 2,7 3,1

Commodities agrícolas 35,0 33,2 35,6 38,0 8,4 6,6

Commodities minerais 57,0 67,4 62,2 60,9 6,9 -2,0

Commodities agrícolas industrializadas 45,1 42,4 36,9 39,0 -13,4 5,9

Commodities minerais industrializadas 47,6 53,0 51,4 50,8 6,7 -1,2

Manufaturados 48,6 45,1 43,3 40,6 -16,5 -6,4

Manufaturados baixa e média-baixa tecnologia 51,0 48,7 47,0 45,4 -11,0 -3,4

Manufaturados média-alta e alta tecnologia 47,3 43,2 41,5 38,4 -18,7 -7,3

Total 47,3 46,1 44,3 43,6 -7,7 -1,5

Fonte: IBGE - Pesquisa Industrial Anual

Não inclui os dados do setor agropecuário das Contas Nacionais

Os dados mostram uma redução na relação entre o valor adicionado e o valor bruto da produção tanto no período mais recente – pós 2002 – como para o período que inclui também a década anterior – desde 1996. Ainda que este indicador tenha caído na maioria dos setores, a variação negativa é muito mais intensa dentre os manufaturados de elevado conteúdo tecnológico; logo, o processo de desindustrialização pode estar ocorrendo justamente nos setores que, ao longo deste artigo, foram definidos como aqueles com maior capacidade de induzir o crescimento da economia.

(19)

19 comercializáveis. Deve-se lembrar que os setores de média-alta e alta tecnologia, conforme já afirmado anteriormente, são aqueles dentre os comercializáveis com maior capacidade de gerar e difundir inovações que resultam em aumentos da produtividade em toda a economia e gerar encadeamentos produtivos para frente e para trás. Logo, mais uma vez é possível afirmar que há indícios de um processo de desindustrialização, mas seria prematuro afirmar que esta tendência já se consolidou.

Será preciso avaliar os resultados relativos aos anos seguintes, quando disponíveis, que demonstrarão se esta menor participação do valor adicionado dos manufaturados no valor adicionado dos comercializáveis resultará em menor participação deste grupo no valor adicionado geral da economia, o que ainda não transparece nos dados (tabela 6). Os reflexos da redução da participação dos manufaturados sobre a desindustrialização ainda não são evidentes; este processo não é perceptível no curto prazo, dado que a participação deste grupo de produtos nas exportações e no valor adicionado da economia permanece constante quando analisamos todo o período considerado – desde 1992 -, mas resultará em perda de dinamismo dos setores industriais mais relevantes para o processo de desenvolvimento se mantido ao longo dos próximos anos; de toda forma, dificilmente será intenso a ponto de destruir a indústria nacional, porque nossa estrutura produtiva é diversificada e consolidada e não sofremos de uma doença holandesa na mesma magnitude que os países especializados na extração e produção de petróleo, por exemplo.

TABELA 5 - PARTICIPAÇÃO RELATIVA (%) DO VALOR ADICIONADO DE CADA GRUPO NO VALOR ADICIONADO DOS BENS COMERCIALIZÁVEIS (COMMODITIES E MANUFATURADOS)

1996 1999 2002 2006

Commodities 41,0 45,8 49,4 53,6

Commodities agrícolas 4,0 4,8 5,8 6,5

Commodities minerais 2,1 2,9 3,1 4,1

Commodities agrícolas industrializadas 14,8 12,9 11,7 10,6

Commodities minerais industrializadas 20,1 25,1 28,9 32,5

Manufaturados 59,0 54,2 50,6 46,4

Manufaturados baixa e média-baixa tecnologia 21,9 20,6 18,6 15,9

Manufaturados média-alta e alta tecnologia 37,1 33,6 32,0 30,5

(20)

6. Conclusões

Os argumentos apresentados nas seções anteriores procuraram discutir os impactos do nível do câmbio real nos salários reais, taxas de lucro, investimento agregado, poupança externa e interna, na produção dos manufaturados comercializáveis – com ênfase para os que embutem maior conteúdo tecnológico – e, por conseqüência, na produtividade e, portanto, no crescimento. As primeiras seções trataram dos efeitos de curto prazo do nível do câmbio real na lucratividade das empresas e nos níveis de poupança interna. Em casos de sobrevalorização excessiva, a redução de margens de lucro nos setores de produção de bens comercializáveis e o aumento do consumo significará uma queda da poupança interna.

Para os setores produtores de bens não comercializáveis ou de comercializáveis maquiladores, a apreciação cambial poderá significar um aumento de margens na medida em que reduzirá preços de insumos importados sem reduzir preços de venda. O efeito líquido final da apreciação do câmbio no investimento agregado será, portanto, ambíguo, dependendo do nível de utilização da capacidade instalada, do tamanho do setor de comercializáveis e da proporção de insumos importados na indústria como um todo. É importante notar, entretanto, que mesmo que o investimento agregado aumente, pode haver uma especialização setorial perversa da economia que resulta em maiores restrições ao balanço de pagamentos e à capacidade de geração de divisas. Se grande parte do investimento estiver concentrada no setor produtor de bens não comercializáveis, haverá grande probabilidade de restrição de divisas para o crescimento no longo prazo.

(21)

21 crescentes, encadeamentos produtivos etc...). Pode contribuir ainda para a superação das restrições externas ao crescimento na medida em que reduz a propensão da economia como um todo a importar e estimula indústrias domésticas cuja demanda externa seja mais estável e gere efeitos dinâmicos sobre a produtividade da economia brasileira (indústrias associadas à produção de manufaturados e não à de commodities).

Em relação ao caráter regressivo de políticas cambiais que estimulem o aumento de competitividade da moeda, é importante notar que políticas compensatórias devem ser usadas no curto prazo para compensar a queda relativa do salário real.

Por outro lado, vale destacar que tentativas de aumento do salário real pela via da sobrevalorização cambial têm, em geral, se mostrado bastante problemáticas. Os inúmeros casos de populismo cambial e crise na América Latina recentemente são testemunhas disso. A via por excelência de aumento sustentado do salário real passa pela redução do desemprego e incorporação dos trabalhadores nos setores dinâmicos da economia mundial, como bem mostraram as experiências asiáticas de sucesso. Uma política de câmbio competitivo tem exatamente esse objetivo. Ao promover a competitividade das indústrias domésticas contribui para a mudança estrutural da economia que é, em última análise, o que causa o desenvolvimento econômico.

7. Referências

BRESSER-PEREIRA, L.,C. (2007) “The Dutch disease and its neutralization, a Ricardian approach” in Revista de Economia Política, vol 28, n.1, Janeiro-Março, São Paulo.

BRESSER-PEREIRA, L.,C. (2006) “Exchange rate, fix, float or manage it?” Preface to Mathias Vernengo, (ed.) Financial Integration or Dollarization: No Panacea.

Cheltenham: Edward Elgar.

BRESSER-PEREIRA, L.,C. e GALA, P., (2008) “Foreign savings, insufficiency of demand and low growth”, Journal of Post Keynesian Economics, vol. 30, n.3, p.315–

334.

(22)

BHADURI, A., and MARGLIN, S., A. (1990), ‘Unemployment and the real wages: the economic basis for contesting political ideologies’, Cambridge Journal of

Economics, 14, December.

ARAÚJO, R. and LIMA, G., (2007), “A structural economic dynamics approach to balance-of-payments constrained growth”, Cambridge Journal of Economics, 31,

p.755–774.

BARBOSA-FILHO, N., (2006) “Exchange rates, growth and inflation”, apresentado na II Annual Conference on Development and Change ACDC, Campos do Jordão, Brazil, November 2006.

DIXON, Robert and Anthony P. THIRLWALL (1975), ‘A model of regional growth rate differences on Kaldorian lines’, Oxford Economic Papers, vol. 27, 201-14.

DOLLAR, D., (1992) “Outward-oriented Developing Economies Really Do Grow More Rapidly: Evidence from 95 LDCs, 1976-1985.” in Economic Development and

Cultural Change 40: 523-44.

FRENKEL, R., (2004) “Real exchange rate and employment in Argentina, Brazil, Chile and Mexico”, Cedes, Buenos Aires, paper presented to the G24.

FRENKEL, Roberto, and TAYLOR, Lance (2006), ‘Real exchange rate, monetary policy and employment’, Desa Working paper n.19, United Nations, New York.

GALA, P., e LIBÂNIO, G., (2007), “Exchange rate policies, patterns of specialization and economic development: theory and evidence in developing countries”, apresentado na III Annual Conference on Development and Change ACDC, Cidade do Cabo, África do Sul, Dezembro 2007.

GALA, P., e LUCINDA, C., (2006) “Exchange rate misalignment and growth: old and new econometric evidence” apresentado no XXXIV Encontro Nacional de Economia, ANPEC, Salvador

KALDOR, Nicholas (1966), “Causes of the Slow Rate of Economic Growth of the United Kingdom” in Further Essays on Economic Theory, Holmes & Meier Publisher, NY

KALDOR, Nicholas (1978), Further Essays on Economic Theory, Holmes & Meier

Publishers, NY

LALL, S., (2001), “The technological structure and performance of developing country manufactured exports, 1985-1998”, in Competitiveness, Technology and Skills, pp.

87-127, Cheltenham: Edward Elgar.

(23)

23 ANPEC, Recife

McCOMBIE, John, Maurizio PUGNO and Bruno SORO (eds) (2002), Productivity Growth

and Economic Performance. Essays on the Verdoorn’s Law. Basingstoke,

Hampshire: Palgrave Macmillan.

McCOMBIE, J. and A.P. THIRLWALL (1994), Economic Growth and the Balance of

Payments Constraint. London: Macmillan.

McCOMBIE, J. and A.P. THIRLWALL (2004), Essays on Balance of Payments

Constrained Growth—Theory and Evidence. London: Routledge.

PACHECO-LOPEZ, P. and A.P. THIRLWALL (2006), “Trade liberalization, the income elasticity of demand for imports, and growth in Latin America”, Journal of

Post-Keynesian Economics, 29 (1): 41-66.

PALMA, G., (2005) “Four sources of de-industrialization and a new concept of the Dutch Disease”, in Ocampo, J.,A. (ed.) Structural Dynamics and Macroeconomic Theory,

Stanford University Press, Palo Alto.

PASINETTI, L. (1981) Structural Change and Economic Growth—a Theoretical Essay on

the Dynamics of the Wealth of the Nations. Cambridge: Cambridge University Press.

PASINETTI, L. (1993) Structural Economic Dynamics – a Theory of the Economic

Consequences of Human Learning. Cambridge: Cambridge University Press.

RODRIK, D., (2007)“Real Exchange Rate and Economic Growth: Theory and Evidence”, John F. Kennedy School of Government, Harvard University, Draft, July.

ROS, Jaime (2002) “Trade specialization and economic growth”, in J. M. Fanelli and R. Medhora (eds.), Finance and Competitiveness in Developing Countries. London:

Routledge.

SILVA, G., J., C., OREIRO, J., L., NAKABASHI, L., e LEMOS, B., P., (2007), “A macroeconomia do crescimento puxado pela demanda agregada: teoria e aplicações ao caso brasileiro” apresentado no XXXV Encontro Nacional de Economia, ANPEC, Recife

THIRLWALL, A.P., (1979) “The balance of payments constraint as an explanation of international growth rates differences”, Banca Nazionale del Lavoro Quarterly Review, vol. 128.

Imagem

TABELA 1 - SALDO DA BALANÇA COMERCIAL SEGUNDO PRODUTOS QUE ORIGINAM  (COMMODITIES) E SÃO AFETADOS PELA DOENÇA HOLANDESA (MANUFATURADOS)
Gráfico 1
Gráfico 2
TABELA 3 - RELAÇÃO ENTRE COMMODITIES E MANUFATURADOS PARA   O ÍNDICE DE PREÇO E QUANTUM DE EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES
+3

Referências

Documentos relacionados

Atualmente o predomínio dessas linguagens verbais e não verbais, ancorados nos gêneros, faz necessário introduzir o gênero capa de revista nas aulas de Língua Portuguesa, pois,

A teoria das filas de espera agrega o c,onjunto de modelos nntc;máti- cos estocásticos construídos para o estudo dos fenómenos de espera que surgem correntemente na

Energy Distribuidora e Transportadora de Derivados de Petróleo Ltda. São Paulo

IND 10 - Tendo em conta o comportamento histórico do indicador este valor deverá corresponder ao melhor desempenho que se aspira alcançar com vista a um resultado de excelência

Tendo em conta os objetivos que se pretendem atingir com este estudo, começa-se por conduzir uma revisão de literatura no âmbito do comportamento organizacional, mais

Leonor de Távora, 3ª Marquesa de Távora, e os seus filhos, Luís Bernardo de Távora, 4º Marquês de Távora, e José Maria de Távora; e o cunhado destes, o 11º Conde de Atouguia,

As inscrições para o II Congresso Internacional de Jurisdição Constitucional, Democracia e Relações Sociais e II Mostra de Trabalhos Científicos serão

2 - O valor determinado nos termos do número anterior não pode ser inferior a 60% do valor anual da retribuição mensal mínima garantida. 3 - Nos setores de revenda