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As diferenças culturais dos alunos da educação de jovens e adultos do ensino médio: uma visão etnomatemática

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Academic year: 2017

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Maria da Penha Rodrigues de Oliveira Godinho

As Diferenças Culturais dos Alunos da Educação de

Jovens e Adultos do Ensino Médio:

Uma Visão Etnomatemática.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

Instituto de Geociências e Ciências Exatas

Campus de Rio Claro

As Diferenças Culturais dos Alunos da Educação de

Jovens e Adultos do Ensino Médio:

Uma Visão Etnomatemática.

Maria da Penha Rodrigues de Oliveira Godinho

Orientador: Prof. Dr. Pedro Paulo Scandiuzzi

Dissertação de mestrado elaborado junto ao programa de Pós-Graduação em Educação Matemática - Área de Concentração em Ensino e Aprendizagem da Matemática e seus Fundamentos Filosófico-Científicos, para a obtenção do Título de Mestre em Educação Matemática.

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Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas

Orientador: Pedro Paulo Scandiuzzi

1. Matemática – Estudo e ensino. 2. Autonomia. 3. Respeito. 4. Diálogo. I. Título.

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Comissão Examinadora

_____________________________________ Prof. Dr. Pedro Paulo Scandiuzzi

_____________________________________ Profa. Dra. Maria Cecília de Castello Branco Fantinato

_____________________________________ Profa. Dra. Rosana Giaretta Sguerra Miskulin

______________________________________ Aluna: Maria da Penha Rodrigues de Oliveira Godinho

Rio Claro, 06 de setembro de 2011

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Dedico este trabalho

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me abençoado através dos projetos desenvolvidos na minha vida.

A Nossa Senhora, como intercessora nos meus momentos de fragilidade, dando-me força para continuar este trabalho, confiança e fé na presença de Deus.

Aos meus pais Juvêncio e Rosaria, que mesmo não compreendendo os meus estudos puderam verdadeiramente contribuir com minha educação.

Ao meu marido José Vitor, ao meu filho Vitor Gregório, a minha filha Vanessa que sempre estiveram ao meu lado, dando apoio, tendo paciência quando estive ausente, devido aos compromissos acadêmicos.

Ao professor Pedro Paulo, que me deu a honra de recebê-lo numa visita ao ambiente onde vivo, concedeu-me muitos ensinamentos e exemplos de convivência humana, além de ter me oferecido a possibilidade de concretizar meus sonhos.

Aos colegas: Adauto, Adailton, Aldo, Adriano, Elivanete, Evelaine, Sinval, Marcos, Rogério, Vinícius, Roger, Thiago. A todos esses, participantes do grupo GEPEtno, pelas contribuições durante os encontros, as quais pude aproveitar para esta pesquisa.

Às professoras Rosana e Maria Cecília, que, com muito carinho, aceitaram constituir a Banca.

A todos os professores e professoras que conheci no programa, por meio das disciplinas ou dos seminários de que participei.

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Aos meus colegas e amigos professores, especialmente ao professor Augusto Hamai pela paciência em me ouvir, ler meu trabalho e fazer as devidas correções, respeitando e procurando entender as ideias da minha pesquisa.

Ao meu irmão Marcos, pela assessoria na parte estrutural desta dissertação.

Aos amigos, Antonio Noel, Rita e Maria Angela, que sempre me apoiaram, em todos os momentos, especialmente, quanto a minha fragilidade emocional.

À turma dos alunos que cooperaram nos três semestres em que realizei este projeto.

À Secretaria da Educação, pela concessão da Bolsa Mestrado que contribuiu financeiramente para que este projeto pudesse ser realizado.

À Maria Eliza e todo o pessoal da Diretoria de Ensino de São Roque, que me orientou a respeito da documentação para que eu pudesse receber o benefício da Bolsa Mestrado.

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Devemos conviver ainda com nossas dimensões de sombra: pessoais, grupais e coletivas. Ao lado do sapiens sapiens somos também demens demens. Carregamos dentro de nós dinamismos de exclusão e de ódio que convivem com as dimensões de inclusão e de amorosidade. Eles sempre coexistem dentro de nós.

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RESUMO

Este trabalho é intitulado “As Diferenças Culturais dos Alunos da Educação de Jovens e Adultos do Ensino Médio: Uma Visão Etnomatemática”. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada com os alunos da Escola Estadual Laurinda Vieira Pinto, da cidade de Ibiúna, São Paulo. Procurei, por meio da observação do comportamento dos alunos diante das diversas soluções que obtinham, encontrar os caminhos e as respostas para a pesquisa, considerando as concepções da Etnomatemática. A partilha, a perseverança, o respeito e o diálogo estiveram presentes durante o desenvolvimento desta pesquisa, contribuindo para a Educação, especialmente com a Educação Matemática. A pergunta principal foi: Como o aluno da EJA consegue propor e resolver problemas, tendo o uso de seu conhecimento na disciplina de Matemática? Procurando responder a esse questionamento, preocupei-me com seu desenvolvimento utilizando dos seguintes objetivos por mim elaborados: analisar como os alunos da EJA resolvem situações propostas na sala de aula de Matemática, identificar as expectativas de aprendizagem em matemática dos alunos da EJA e destacar as questões significativas para os alunos da EJA no processo de ensino e aprendizagem de Matemática. Assim, a perspectiva deste trabalho foi a de considerar os alunos como protagonistas de sua própria aprendizagem.

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ABSTRACT

This work is titled "The Cultural Differences of Students and Young and Adults Education of Secondary School: A Ethnomatematics Vision ". It is a qualitative research that was done with the students of Escola Estadual Laurinda Vieira Pinto , Ibiúna, São Paulo. I looked through the observation of student behavior in front of the various solutions that they obtained, to find the ways and the answers to the research, considering the views of Ethnomathematics. The sharing, perseverance, respect and the dialogue, were present during the development of this research, contributing to Education, especially in Mathematics Education. The main question was: How can YAE students propose and solve problems taking into account their knowledge in the subject of Mathematics? Attempt to answering this question, I was concerned about its development using the following objectives: to analyze how the YAE students solve situations proposed in the classroom, to identify the learning expectations from the students and enhance the meaningful purposes from the YAE students in the Mathematics teaching and learning process. The prospect of this work was to consider the students as the protagonists of their own learning.

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SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO ... 11

1.1. Meu percurso ...11

1.2. A escolha dos sujeitos e o surgimento do projeto de pesquisa . 13 1.3. Um pouco sobre a EJA em Ibiúna ... 16

1.4. Os sujeitos da pesquisa e as metas a serem atingidas ... 19

1.5. Os sujeitos da pesquisa frente à globalização ... 20

2 – BUSCANDO A TEORIA ... 27

2.1 Percurso Teórico ... 27

2.2 Por que desenvolver trabalhos em Etnomatemática e Educação de Jovens e Adultos? ... 44

3 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 55

4 – TRATAMENTO, ORGANIZAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS DA PESQUISA VIA AUTONOMIA DOS ALUNOS E ETNOMATEMÁTICA . 73 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 109

6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 113

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1 – INTRODUÇÃO

1.1. Meu percurso

Sou professora da rede pública oficial do Estado de São Paulo, desde 1989. A partir de 1993, grande parte dos meus alunos já pertencia à Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Minha formação profissional foi na atual Uniso (Universidade de Sorocaba), onde cursei a faculdade nos anos de 1989, 1990 e 1991. A partir de 1992, comecei a lecionar basicamente no período noturno e permaneci assim até 2010.

No início, minha preocupação era a mera transmissão de conhecimentos e de maneira homogênea, porque queria que todos os alunos me ouvissem, isto é, dessem importância às minhas explicações com relação aos conteúdos da matemática escolar1. Se isso acontecesse, ficava satisfeita, se não, eu dizia que havia problemas de aprendizagem e indisciplina, principalmente. Minha avaliação era somente através das provas, trabalhos e resolução de exercícios para fixação.

Em 1993, conheci os alunos da EJA; iniciei meu trabalho, ainda nos moldes que descrevi acima, porém, minhas insatisfações profissionais estavam se agravando cada vez mais. Eu não tinha conhecimento e didática de como trabalhar com esses alunos. Achava que o meu trabalho deveria acontecer de maneira similar àquela que eu realizava com os alunos do Ensino Regular2, sendo que, nessa modalidade, eu também estava com dificuldades para trabalhar.

Rever minha prática, mudar os percursos e, principalmente, dialogar com as pessoas que estavam comigo todos os dias - os alunos

1 Chamo de matemática escolar, a matemática que obedece ao currículo oficial

de ensino.

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especialmente - foram minhas atitudes iniciais que levaram ao início desta pesquisa.

Nesse mesmo ano, abriu concurso público para professor de matemática na rede oficial do Estado. Fiz minha inscrição e fui em busca do material para estudar. Um dos livros que constava na bibliografia era o de Etnomatemática de Ubiratan D’ Ambrósio, da editora Ática, editado em 1990. Interessei-me pelo livro, peguei emprestado para lê-lo e conhecer as ideias contidas nele. Por meio dessas leituras iniciais, percebi que poderia (re)começar meu trabalho utilizando ideias e concepções contidas nesse material. Pude rever caminhos, mudar percursos, enfim retornar para corrigir possíveis erros.

A atenção a materiais diversos como subsídios às aulas era uma das sugestões que pude perceber no livro. Além disso, ele me fez repensar sobre minhas atitudes diante dos alunos. Meus incômodos tinham a ver com minha postura. Eu queria impor, não conseguia propor. Com o diálogo com as pessoas que estavam comigo todos os dias, tanto meus colegas professores, como também os alunos, reconquistei a vontade de buscar caminhos para a possível solução dos problemas encontrados em sala de aula. Então, procurei meios para minha formação continuada. Fui até a USP e, lá, fiz uma especialização em Geometria nos anos de 1994 e 1995, com duração de 360 horas, proposto pelo departamento de matemática dessa instituição. Com isto, conheci o CAEM (Centro de Aperfeiçoamento do Ensino de Matemática) e participei de mini cursos, voltados para a prática em sala de aula, até o ano de 2004.

Também procurei participar da minha entidade sindical, encontrando amparo e formação política educacional.

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Durante processo de aquisição, de formação do meu conhecimento, no ano de 2004, participei do VII EPEM (Encontro Paulista de Educação Matemática). Especialmente nesse encontro, pude perceber muitos acontecimentos e exposições de trabalhos ligados à Educação Matemática. Por meio da minha observação a respeito dos posicionamentos dos educadores nas mesas redondas, das obras que estavam nas bancas para serem adquiridas e do conhecimento de alguns educadores, pude conhecer um pouco sobre a UNESP de Rio Claro e sobre como estava organizado o Programa “Educação Matemática”. No início de 2005, me inscrevi como aluna especial no programa de Pós Graduação e cursei a disciplina “Educação Etnomatemática: História, Cultura e Prática Pedagógica”, com o professor Pedro Paulo Scandiuzzi.

Aprendi muito com as reflexões propostas para cada aula, pois elas contribuíram para a minha prática. Em cada aula, eu podia observar os posicionamentos dos colegas, do professor, conhecer as obras e os autores propostos nesta disciplina. Também pude expressar o que eu pensava, à luz dos autores estudados. Nos dois semestres seguintes, após a conclusão da disciplina, participei do Grupo de Estudos e Pesquisa em Etnomatemática - GEPEtno. Assim, com o aprofundamento dos estudos, fui delineando o projeto desta pesquisa voltado para a Educação de Jovens e Adultos.

No ano de 2008, surgiu a oportunidade de participar do curso de Pós-graduação em Educação Matemática da UNESP de Rio Claro/SP, em que estou até o momento.

1.2. A escolha dos sujeitos e o surgimento do projeto de pesquisa

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quando conheci esses alunos e percebi o quanto eles traziam de conhecimento matemático construído durante a vida. Mesmo sem o conhecimento da matemática escolar, eram capazes de sobreviver e transcender, isto é, solucionar seus problemas cotidianos e prosseguir na melhoria dos relacionamentos sociais. Então, por que procuravam a educação escolar? Essa foi uma das perguntas que fiz a mim mesma, logo quando iniciei meu trabalho com os alunos da EJA.

Diante do questionamento que fiz no parágrafo acima, em 2008, propus ao programa de pós-graduação o projeto de pesquisa intitulado “As diferenças culturais dos alunos da Educação de Jovens e Adultos do Ensino Médio: Uma visão etnomatemática”, e ele foi aceito para que se iniciasse em 2009.

Este projeto de pesquisa contemplou as produções em sala de aula de um grupo inicialmente com quarenta e um alunos e, no seu término, com trinta e três alunos, durante as três etapas do Ensino Médio da EJA da Escola Estadual Laurinda Vieira Pinto, na cidade de Ibiúna, São Paulo, nos anos de 2009 e 2010.

Esse, então, é o grupo que me impulsionou algumas reflexões relacionadas à Educação Matemática e a produção dos seguintes questionamentos iniciais: Será que a matemática proposta pelo professor vai ao encontro do que eles (alunos da EJA) procuram? Será que nós, os educadores matemáticos, estamos conseguindo trabalhar com respeito ao conhecimento matemático que esses educandos possuem?

Com as perguntas levantadas no parágrafo acima, percebi que eu, educadora, devia realizar com esse grupo heterogêneo, de trabalhadores de fábricas, caminhoneiros, pedreiros, funcionários do comércio, empregadas domésticas, agricultores, costureiras e outros profissionais, um caminho pedagógico do respeito, do diálogo e da cooperação no processo de ensino e aprendizagem do conhecimento matemático.

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produção nas mais diversas atividades sociais, isto é, humanas, uma vez que ao longo das últimas décadas novas necessidades ocupacionais foram surgindo.

Para subsidiar esta pesquisa, utilizei algumas obras de Paulo Freire que contribuíram com os questionamentos e me encaminharam para encontrar respostas a eles e para expressar os desejos dos educandos e da pesquisadora; esses anseios possuíam em comum o fato de constituírem um ponto de partida para a realização de nossas ações educativas. Nossos encontros iniciais proporcionaram ações levando em conta a aprendizagem. Entendo que esta tem como foco os alunos, sujeitos no processo, como seres que pensam e que podem contribuir para a aprendizagem de todo o grupo, inclusive para a aprendizagem do professor.

Coube a mim, nesta pesquisa, “repensar” continuamente minha prática, pois constantemente me deparei com situações bem diversificadas de aprendizagem. Situações que, muitas vezes, demandavam uma procura de informações extraclasse, cujo retorno era dado a posteriori.

Para o desenvolvimento do projeto de pesquisa apresentado, encontrei na Etnomatemática um caminho possível a ser construído pela pesquisadora e seus sujeitos, que usufruíram o diálogo como principal ferramenta. Toda essa dinâmica, me levou a formular a seguinte pergunta:

Como o aluno da EJA consegue propor e resolver problemas, tendo o uso de seu conhecimento na disciplina de Matemática?

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destacar as questões significativas para os alunos da EJA no processo de ensino e aprendizagem de matemática.

Esta dissertação está dividida em sete capítulos. O primeiro é este. Procuro apresentar meu percurso, bem como os sujeitos da pesquisa, o que me levou a fazer este trabalho, a pergunta principal e os objetivos. No segundo capítulo, procuro organizar o embasamento teórico, usando as referências da Etnomatemática e da EJA. Exponho o desenvolvimento do trabalho e os procedimentos metodológicos utilizados no terceiro capítulo, apresentando qual foi o tratamento, organização e discussão dos dados da pesquisa via autonomia dos alunos e etnomatemática, no quarto capítulo. As considerações finais estão no quinto capítulo, contendo alguns apontamentos e encaminhamentos, de acordo com as minhas observações a respeito do levantamento de dados. A seguir, vêm as referências no sexto capítulo, e, por último, no sétimo capítulo, os anexos (documentação da escola para a realização da pesquisa e organização da produção dos alunos).

1.3. Um pouco sobre a EJA em Ibiúna

Segundo os Referenciais Curriculares da Educação Básica (2003), os alunos que demandam a EJA são sujeitos sociais e culturais marginalizados nas esferas socioeconômicas e educacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos bens culturais e sociais, características que comprometem sua participação mais ativa no mundo do trabalho, na política e na cultura, ou seja, esses sujeitos têm em comum a exclusão do sistema regular de ensino e a condição de não-crianças. Dentro desta perspectiva, percebe-se a difícil tarefa da EJA no Brasil.

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de alunos tinha menos base de conhecimentos e menos oportunidades porque trabalhava. O aluno era apenas um número, não era tratado como ser humano.

Entretanto, nos dias de hoje, as preocupações saíram dos documentos oficiais, sendo colocadas em prática pela maioria dos professores da escola Laurinda. Os professores que trabalham com essa modalidade educacional, estão preocupados com a aprendizagem, aproveitam em suas aulas os conhecimentos que esses alunos jovens e adultos possuem, que na maioria, são saberes desconhecidos pelo professor. Tendo seus saberes aproveitados, os estudantes desta escola socializam dentro e fora da sala de aula. Esses pareceres, registrados aqui, são observações vivenciadas nesta pesquisa.

Assim, na escola Laurinda, as primeiras turmas eram formadas por adultos e idosos, basicamente; atualmente, com a diminuição das idades para a matrícula nessa modalidade de ensino, as turmas estão mais heterogêneas, isto é, numa mesma classe, há jovens em quantidade expressiva, adultos e idosos.

Na cidade, além da escola Laurinda, há também a escola Olímpia Falci que atende os alunos da EJA. Esta última, porém, recebe somente alunos do Ensino Fundamental, enquanto a primeira, os alunos do Ensino Médio.

Conversando com os professores que trabalhavam com esses alunos, ficou claro para mim que todos temos o compromisso com a construção da cidadania e que nossa prática educacional necessita estar voltada para a compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relação à vida pessoal e coletiva, afirmando os princípios da participação política.

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educacional, ou porque, mesmo possuindo laços com a escola, não participam ativamente da dinâmica escolar. A escola Laurinda, em seu Plano de Ensino3, contido em seu Projeto Político Pedagógico4, contempla essa preocupação. Transcrevo seis objetivos dessa escola para os Ensinos Fundamental e Médio, os quais, de acordo com as concepções etnomatemáticas (diálogo, respeito, transdisciplinaridade, transculturalidade, ética, diferentes realidades, sensibilidade), são pertinentes para contribuir com esta pesquisa.

O primeiro deles diz respeito a como deve ser o perfil do cidadão: formar cidadãos preparados para o mundo do trabalho, buscando sua autonomia. O segundo dá continuidade a essa preocupação: incentivar os alunos a prosseguir os estudos. Depois: estimular o crescimento (sucesso pessoal e profissional). Os três próximos tratam da formação humana do cidadão: resgatar os valores humanos; descobrir talentos artísticos e valorizar a pluralidade cultural. O último preocupa-se com a convivência com o outro e com o equilíbrio quanto ao respeito: reconhecer os valores éticos e morais vigentes na sociedade.

Olhando para esta pesquisa, percebe-se a necessidade de pensar a história da EJA no Ensino Médio nessa escola, que teve início no ano de 1988. Até o ano de 1993, o aluno fazia o primeiro colegial, acompanhando o ano letivo do Ensino Regular, e o segundo e o terceiro colegiais eram de organização semestral. Comparando aos dias de hoje, os alunos estudavam um semestre a mais.

Quando iniciei a pesquisa, havia doze salas no período noturno, delas, nove eram da EJA. No semestre em que se encerrou esta

3 O grupo de professores da escola elabora seus planejamentos anuais, que

reunidos, formam o Plano de Ensino da escola, de acordo com a Proposta Curricular do Estado, respeitando os Parâmetros Curriculares Nacionais e toda a documentação para a Educação no país.

4 Projeto Político Pedagógico – PPP. No estado de São Paulo, PPP é um

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pesquisa, uma dessas salas já havia desaparecido e, atualmente, funcionam apenas cinco salas da EJA. Os alunos matriculados nessa modalidade sentem muitas dificuldades para frequentar a escola, não conseguem ser assíduos. Presumo que, talvez, num futuro bem próximo, a EJA seja extinta dessa escola e até dessa cidade. Diante de tal realidade, somente as escolas particulares passariam a atender esse nível de ensino, caso houvesse interesse.

1.4. Os sujeitos da pesquisa e as metas a serem atingidas

Todos os sujeitos da pesquisa foram alunos da escola Laurinda e permaneceram na mesma sala de aula do começo ao fim deste trabalho. Estes alunos, que eram num total de 41 (quarenta e um), foram matriculados na mesma sala, respeitando o período de matricula da escola, porém, a maioria veio da escola Olímpia, assim que concluiu o Ensino Fundamental na EJA. Alguns participaram do Encceja5 e conseguiram a certificação de conclusão do Ensino Fundamental, estando aptos para frequentar o Ensino Médio. E, ainda na mesma turma, havia aqueles que tinham concluído há muitos anos a etapa anterior; algumas matrículas também foram de pessoas que tinham desistido da escola anteriormente ao início desta pesquisa.

Os alunos pesquisados moravam todos na cidade de Ibiúna, porém, em bairros diferentes. As distâncias do centro em relação às moradias deles variavam de dois a trinta quilômetros. Nos bairros mais distantes, os trabalhadores, para ganharem seu sustento, precisavam se locomover mais ou se adaptarem às ofertas locais de trabalho com baixos salários.

5 Exame Nacional para Certificação de Competências na Educação de Jovens e

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Assim, nesta dissertação, a diversidade é contemplada, pois começa pela diferença de idade, alguns muito jovens, outros, apesar de poucos, idosos. Em seus trabalhos, há os que são chefes; outros, subordinados. As grandes diferenças encontradas na turma levaram-nos (eu e eles) ao desequilíbrio, em certos momentos. Os mais jovens eram mais rápidos. Para eles sobrava tempo para, por exemplo, passar torpedos, usando o celular. Outros, não tão jovens, tinham mais dificuldades de adaptação, demoravam mais para executar suas tarefas. No início, houve discussões entre eles, desrespeito. Portanto, a forma encontrada por mim para trabalhar foi por meio da troca de informações entre os alunos. Os que rapidamente conseguiam fazer as atividades puderam contribuir com os que possuíam dificuldades. Desses acontecimentos iniciais, é que esta pesquisa pôde começar. Com a colaboração de todos, pois com a turma heterogênea, sem trabalhar com o respeito, a cooperação e o diálogo, nada poderia prosseguir.

1.5. Os sujeitos da pesquisa frente à globalização

[...] é preciso dar voz a esses alunos no espaço escolar, é preciso que se aceite a diversidade dentro do currículo habitualmente homogeneizador da escola (Fantinato, 2006, p.182).

Os meios escolares, atualmente, estão deixando a desejar aos alunos quando estes necessitam procurar a escola, para possivelmente poderem participar da sociedade em pé de igualdade com todos os cidadãos. Notei nuances dessa preocupação através dos diálogos constantes com esses alunos.

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adaptação. Mesmo sendo descendentes de japoneses, por não possuírem uma profissão específica, foram tratados com muita discriminação e indiferença. Seus filhos não puderam estudar nas escolas em que os japoneses estudavam, eles tinham que pagar escola diferenciada para seus filhos. Quando voltaram ao Brasil, enfrentaram uma grande defasagem na aprendizagem, principalmente de suas crianças. A matricula deles (os pais) na EJA foi necessária, pois perceberam que perderam muito sem os estudos. Devido à falta de contato humano, disseram que não pretendiam voltar ao Japão a trabalho, somente a passeio.

Assim, aproveitando esse momento, perguntei-lhes porque fizeram a opção de ir ao Japão para trabalhar. Um deles respondeu: “Aqui no

Brasil, estava difícil. Eu trabalhei dezessete anos com carteira assinada,

depois disso, a firma fechou e estava difícil para eu conseguir trabalho”.

Uma aluna, ouvindo o colega, respondeu: “Meu caso é diferente, fui

sozinha, ganhei meu dinheiro, gastei tudo. Engravidei, vivi por lá mais três

anos. Voltei, quero terminar meus estudos, para poder criar minha filha”.

Nos seus depoimentos, ambos mostraram-se preocupados com suas readaptações frente ao mercado de trabalho e com a conjuntura econômica vigentes às épocas em que deixaram e em que voltaram ao Brasil. No entanto, os alunos que trabalharam no Japão disseram que, apesar desse contexto, a situação fora do Brasil era mais difícil ainda.

Contudo, Edgar Morin (2003), nos alerta em seu livro, que o planeta necessita, em todos os sentidos, de uma compreensão mútua entre os seres humanos, quer próximos ou estranhos. Também fala da esperança ligada à educação, que é ao mesmo tempo transmissão do antigo e abertura da mente para receber o novo.

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melhorar, compreender todo o entorno. Boff nos diz: “Habitar a Casa

Comum” (2006, p. 62).

Soma-se a isso que Morin chama de planetarização e mundialização o que entendemos por globalização. Tudo está instantaneamente presente, de um ponto do planeta ao outro, por televisão, telefone, fax, Internet. O indivíduo recebe ou consome informações e substâncias oriundas de todo o universo.

Entretanto, cabe-nos aqui ressaltar a globalização econômica que é cada vez mais interdependente: cada uma de suas partes tornou-se dependente do todo e, reciprocamente, o todo sofre perturbações e imprevistos que afetam as partes.

Continuando o diálogo com esses dois alunos, eles também falaram que retornaram para o Brasil, porque a crise econômica mundial chegou. No local, onde estavam trabalhando, havia vários brasileiros, e praticamente todos foram demitidos.

Vivemos na era da globalização e, sendo assim, poderíamos pensar na melhoria das relações humanas. No entanto, não é isso que acontece, pois, nesse mundo atual, ela é unificadora e ao mesmo tempo conflituosa em sua essência. A unificação mundializante se faz acompanhar cada vez mais pelo próprio negativo que ela suscita, pelo efeito contrário. A exploração das pessoas no mundo do trabalho, a violência, enfim, situações de pobreza e abandono da população.

Ainda esse autor, Morin, diz que o ser humano deve aprender a enfrentar as incertezas. As dúvidas devem estar presentes no processo educacional e na vivência dos seres humanos.

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Darlinda Moreira, vem nos orientando em seu artigo sobre o papel da escola para o século XXI, ampliando o debate e a reflexão sobre o local e o global:

A escolaridade obrigatória, ao ter como missão ajudar as crianças e jovens a enquadrarem-se e prepararem-se para a participação social, não poderá deixar de incentivar o diálogo entre os sistemas de pensamento locais e os processos de globalização do saber, a fim de que a heterogeneidade humana dos vários grupos sociais seja contemplada no debate local/global e que este, por sua vez, seja alimentado por acções que traduzem a ideia de um futuro de diversidade sem desigualdades, concretizando a necessidade do saber, a partir da projecção das experiências culturais locais, incutidas na realidade do fenômeno global (Moreira, 2009, p.62).

Entretanto, de um lado, os alunos, protagonistas desta dissertação, sempre em seus pareceres sobre o porquê de terem retomado os estudos, expressaram preocupação com o que aprender e com suas expectativas em relação à escola e aos professores. Por outro lado, para que nós, professores, pudéssemos viabilizar os saberes imediatos dos nossos educandos, sentimos a necessidade de conhecê-los melhor.

Emanuele Amodio em: “Culturas e identidades: do local ao global”, leva-nos a refletir um pouco mais:

O intercâmbio acelerado e a invasão fomentada pela globalização produzem uma mudança progressiva nas histórias locais. Primeiramente, o horizonte de referência se amplia tanto, que é preciso coordenar a história de cada país com a história de países vizinhos, no âmbito regional (Amodio, 2006, p.81).

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Moreira (2009) também discute a necessidade de estudos etnomatemáticos, como as contribuições para a Educação Matemática. As atividades matemáticas nos diversos grupos sociais mesclam a prática da matemática local e a matemática global.

Para esta pesquisa, atentei-me a isso. O conhecimento que os alunos trouxeram, mesclados à matemática escolar, foram fundamentais para nos encontrarmos na dinâmica do desenvolvimento das aulas. Conversamos sobre globalização durante as aulas, recorremos ao professor de Geografia e aos livros didáticos da escola que discorriam sobre esse assunto.

Assim, chegamos a associar o desequilíbrio entre países ricos e pobres, também à fratura social entre os mais favorecidos e os excluídos. No interior de cada país; ao uso descontrolado dos recursos naturais, sendo estes capazes de provocar a aceleração da degradação ambiental. Estas desigualdades são cada vez mais explícitas devido à expansão dos meios de informação e de comunicação. Dialogamos sobre a televisão, que nos leva a conhecer aspectos da vida e hábitos de consumo dos mais favorecidos, suscitando assim entre nós (toda a sociedade), sentimentos de frustração, inferiorização e discriminação. Como pensar em solidariedade e na construção de um mundo mais justo?

Esses momentos de reflexões e expressões de sentimentos entre os envolvidos fizeram-me refletir sobre os princípios da Etnomatemática, que, segundo D’Ambrósio, nos conduz aos seguintes legados:

A estratégia mais promissora para a educação, nas sociedades que estão em transição da subordinação para a autonomia, é restaurar a dignidade de seus indivíduos, reconhecendo e respeitando suas raízes (D’Ambrósio,2007,p.42).

E, ainda:

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incorporando a ele valores de humanidade, sintetizados numa ética de respeito, solidariedade e cooperação (D”Ambrósio, 2007, p.43).

Em questões locais, a dinâmica comportamental do grupo pesquisado conduziu minhas ações enquanto pesquisadora para a incorporação dos conhecimentos diversos que eles trouxeram, para serem aproveitados com todos. Um deles consistiu no conjunto de regras que a escola estabeleceu para o funcionamento do período noturno: o início das aulas, às 19h. Os portões ficariam abertos até 19h15min e, após esse horário, os portões se fechariam e só abririam às 19h45min. Se, por algum motivo, o aluno precisasse ir embora, teria que se justificar para um dos gestores responsáveis pelo período noturno. Muitas dessas regras tiveram que ser negociadas, pois, nessa turma de alunos, as posturas não eram somente de receptores. Quando achavam que estavam sendo prejudicados, seja com o horário de tolerância para a entrada na primeira aula ou, até mesmo, com a falta de professores, eles iam reclamar para os responsáveis (gestores da escola).

Adiciona-se a isso uma das tensões que presenciei em sala de aula, qual seja, o uso do celular. Os sujeitos da pesquisa utilizavam esse objeto sem incorporar suas obrigações como alunos, atendendo chamadas e interrompendo a aula a todo o momento. Senti a necessidade de conversar sobre como se daria a utilização do aparelho. A partir daí, chegamos ao consenso do que seria bom para mim e para eles.

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2 – BUSCANDO A TEORIA

2.1 Percurso Teórico

Procurando buscar resposta para a pergunta que me levou a fazer esta pesquisa, procurei fazer um levantamento bibliográfico que contemplasse essa realidade. Em D’Ambrosio (1986, 1990, 1996, 2007), Freire (1980, 1987, 1996, 2006 e 2009), Scandiuzzi (1997, 2002, 2004, 2006 e 2009), Knijnik (1996 e 2004), Moreira (2004 e 2009), Fantinato (2003, 2004, 2006 e 2009) Fonseca (2002, 2004) e outros, é que comecei a organizar e construir este trabalho.

Além disso, as leituras em nosso grupo de pesquisa sobre algumas obras de Paulo Freire foram-me muito importantes, quando ele menciona o “inacabamento do ser humano” (1996, p.50) e que, portanto, estamos “sempre a aprender”, percebi a riqueza que expressam esses dizeres, pois na dinâmica da vida em nossa sociedade, não somos seres humanos sozinhos. O que nos faz humanos são todos os acontecimentos da vida diária. Se quero ser plenamente realizada, enquanto humana que sou, tenho que promover, pelas minhas atitudes, ações para que isso aconteça.

Mas, em sala de aula, para que os fatos não sejam obrigação e imposição entre os atores (professor/aluno e aluno/professor), devo partir do princípio de que nunca estou acabada. Quando assumo e transmito que tenho vontade de aprender com os meus alunos, significa que, em sala de aula, o desenvolvimento dos conteúdos flui e as dificuldades minhas e dos sujeitos se amenizam.

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versatilidade no mundo do trabalho, o diálogo, o respeito, a colaboração não são contemplados pela matemática escolar. É necessário que o aluno não seja um ser passivo, mas que assuma atitudes mais expressivas e se sinta, ativamente, parte importante do processo educativo. Para isso, o professor precisa promover o diálogo, estimular e indagar o aluno durante as aulas.

Ainda buscando Freire, quando o aluno faz uma pergunta, não devemos dar uma resposta de imediato. Teremos que formular outra(s) pergunta(s) para que, se possível, nosso aluno consiga, ele mesmo, responder a sua própria dúvida.

Portanto, é relevante saber ouvir para partilhar do diálogo em nossas aulas, caminhar junto com o grupo, bem como usar recursos para a aprendizagem, sendo estes confeccionados a partir das realidades dos educandos. Dentre as leituras por mim realizadas, chamaram-me a atenção os dizeres de Scandiuzzi:

O professor deixa de ser o dono do saber, mas tem formação específica que o capacite a transitar entre os saberes de seus alunos, ajudando-os a questionar a realidade envolvente para possível reorganização de seus conhecimentos (Scandiuzzi, 2009, p.18).

Scandiuzzi, em sua obra a favor da etnomatemática, estende seu conhecimento, voltando-se para o professor interagindo com a sala de aula, aconselha este a ser observador e sensível às ocorrências, não deixando desaparecer a curiosidade de seus alunos. Pelo contrário, que aproveitemos os acontecimentos para transformarmos em aprendizagem e que o aluno se torne um ser questionador, participativo e dinâmico – qualidades fundamentais para sua inserção profissional e social no mundo contemporâneo.

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Assim, nessa direção, D’ Ambrósio nos orienta:

Naturalmente, em todas as culturas e em todos os tempos, o conhecimento, que é gerado pela necessidade de uma resposta a situações e problemas distintos, está subordinado a um contexto natural, social e cultural (D´Ambrósio, 2007, p.26).

Também para o público da EJA, frequentar a escola passaria a ter significado, se eles percebessem que há uma conexão dos conteúdos aprendidos na escola com a realidade vivida por eles. Caso isso não acontecesse, seria uma obrigação desagradável frequentar a escola. Constatei que isso não acontece somente com esses alunos. Nos tempos atuais, essa observação se estende, eu diria, para todos.

Por isso, a história que Paulo Freire (1980 e 1996) construiu para a Educação em nosso país tinha como preocupação central a alfabetização de adultos. E ela se estendeu para crianças e jovens, pois o adulto que frequentou a escola poderá colaborar no processo educacional de seus filhos e de seus netos.

Assim, se os pais e os avós de nossas crianças voltaram a estudar por diversos motivos, eu devia entender que o ganho é para toda a população, pois seus filhos e netos darão mais importância para a educação escolar, sentindo-se amparados também em sua realidade doméstica.

E Scandiuzzi afirma:

Educar é deixar o educando livre para escolher seu caminho, levado pelas curiosidades e desejos que o façam ir em busca de mais conhecimentos, que podem ser obtidos pelo diálogo simétrico, sem imposição, sem desejo de acrescentar algo mais, como se fôssemos sabedores de um conhecimento que tem algo mais (Scandiuzzi, 2009, p.18).

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opressor, mas jamais ausente, de modo a perceber, avaliar, tomar decisões e pô-las em prática, além de (re)significá-las nos discursos construídos nelas mesmas ou a partir delas.

Como realmente assim se processa, praticamente não há passividade. Pelo fato de serem trabalhadores ou desempregados, noto grande diferença entre o público do noturno e do diurno que ainda não está trabalhando. Ou seja, os alunos do noturno, além das dificuldades de aprendizagem comuns aos do diurno, ainda enfrentam o cansaço inerente àqueles que trabalham e estudam. Apesar das circunstâncias adversas, os alunos da EJA na sua grande maioria encaram com seriedade os estudos.

Prosseguindo, disse Freire:

Para ser válida, toda educação, toda ação educativa deve necessariamente estar precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma análise do meio de vida concreto do homem concreto a quem queremos educar (ou melhor dito: a quem queremos ajudar a educar-se) (Freire, 1980, p.33-34).

O fortalecimento do diálogo entre os atores (professor e alunos), leva à negociação de significados e sutilezas das linguagens e, a meu ver, a uma melhoria da aprendizagem, pois a sensibilidade dos envolvidos conduz ao aproveitamento dos acontecimentos da escola.

Percebendo a dinâmica dos acontecimentos da sala, o diálogo e o respeito ao outro, Boff (2006) contribui dizendo:

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O incentivo às falas, às apresentações, aos registros do desenvolvimento das atividades, enfim, à maior ênfase aos processos dos acontecimentos do que para o resultado final, torna-se para o professor um trabalho árduo, porém gratificante para os envolvidos.

Para responder à dinâmica desenvolvida neste trabalho, encontrei na Etnomatemática o caminho para percorrer.

D’Ambrósio (1990), ressalta que: Quando nos propomos a estudar os processos de geração e transmissão de conhecimento em diversos sistemas culturais, estamos na verdade nos preocupando com as ticas de matema dessa comunidade em questão.

Eu ministrei aulas na Educação de Jovens e Adultos e os percebi como um grupo sociocultural, segundo Dayrell:

Portanto, os alunos que chegam à escola são sujeitos socioculturais, com um saber, uma cultura, e também com um projeto, mais amplo ou mais restrito, mais ou menos consciente, mas sempre existente, fruto das experiências vivenciadas dentro do campo de possibilidades de cada um. A escola é parte do projeto dos alunos (Dayrell, 1996, p.144).

Pude, pelas oportunidades que foram surgindo, construir conhecimento matemático a partir dos conhecimentos de vida por eles trazidos para a sala de aula e (re)organizar esses conhecimentos para nossas próprias aprendizagens.

A partir dos conhecimentos que eles possuíam, discuti com eles conteúdos da matemática escolar, sem que para isso fossem deixados de lado seus próprios conhecimentos.

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Knijnik (2004), trouxe contribuições para esta dissertação. Eu procurei trabalhar com a postura etnomatemática em que os alunos podem perceber importâncias e associações com os seus conhecimentos e confrontei com a matemática eurocêntrica, pois eu também desenvolvi os conteúdos da matemática escolar, previstos para os sujeitos pesquisados.

Portanto, estamos diante do desafio de articular, na educação matemática, os saberes hegemônicos com aqueles que têm sido marginalizados ao longo da história da educação ocidental, como as sofisticadas estratégias da matemática oral, interditadas na escola em nome dos algoritmos escritos (Knijnik, 2004, p.223).

É fácil para nós organizarmos as aulas, utilizando os registros da matemática escolar (os algoritmos). Porém, esses algoritmos não contemplam os diversos pensamentos. Os registros, quando elaborados pelo grupo de alunos, abrangem melhor as diferentes realidades e culturas. Quando o algoritmo acontece concomitante ao diálogo entre os grupos e o professor da sala, torna-se interativo. Segundo Miskullin:

Pode-se inferir que os contextos interativos de ambientes de aprendizagem propiciam um ambiente colaborativo para a construção do conhecimento compartilhado, que integra diferentes perspectivas ou visões sobre a reflexão e (re)elaboração dos conceitos trabalhados (Miskullin, 2008, p. 9).

Com esse procedimento, muitas vezes, nem percebemos que a aula chegou ao fim. Ao assumir essa postura, verifiquei que tenho muito a aprender, devido à diversidade de pensamentos. Descobri constantemente novidades, repensei minhas atitudes. Tornei-me capaz de participar desse ambiente, não somente como professora da turma, e muitas vezes falei: Como você fez isso? O que você pensou? Explique

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Freire alerta:

[...] se trabalho com jovens ou adultos, não menos atento devo estar com relação a que o meu trabalho possa significar como estímulo ou não à ruptura necessária com algo defeituosamente assentado e à espera de superação (Freire, 1996, p.70).

Estar em constante reflexão com o desenvolvimento das aulas foi uma das importantes práticas que precisei incorporar. Uma das metas que coloquei a mim foi a de não deixar as aulas insignificantes e cansativas. Meu posicionamento ocorreu juntamente com reflexões e estudo. Não pude estar em “cima do muro”; assumi o papel político e participativo.

Na continuação da busca teórica para este trabalho de pesquisa, Costa em seu artigo, sugeriu que:

Essa posição crê na possibilidade de se combinar o que é excludente, ou seja, acredita na possibilidade de se combinarem as semelhanças e as diferenças, de se conhecer e valorizar o conhecimento dos vários grupos socioculturais sem que, para isso, se abandone a matemática gerada no contexto acadêmico (Costa, 2003, p.212).

E, neste século em que estamos vivendo a vulnerabilidade, a sensibilidade e o incerto, a cultura popular vem sofrendo a influência da cultura de massa, que busca a homogeneização e a imposição sobre a cultura popular. Nós professores e os alunos da EJA fazemos parte deste mundo atual, enfrentamos a expansão das formas de globalização: econômica, financeira, técnica e cultural.

Portanto, nosso papel foi o de reagir conjuntamente para buscar nossa inserção na sociedade atual. Não conseguiríamos solitariamente, com vergonha e negando nossas origens.

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consolidação da sociedade que o nosso mundo atual necessita. A mistura de raças, religiões e gostos tenderam a encontrar troca menos centrada no material, o que estimulou as relações interpessoais. Essa dinâmica da vida atual foi buscada por nós, pesquisadora e sujeitos. A troca de informações foi o fio condutor para que a humanidade pudesse concretizar seus anseios para uma melhor convivência, disseram Morin (2003) e Boff (2006). Se percebo que com o que sei posso ajudar o outro a enfrentar as atuais adversidades do mercado de trabalho, deveria fazê-lo. A atitude cooperativa deve estar presente dentro e fora da escola.

A globalização imposta a todos nós é um desafio que teremos que transpor através da (re)construção, da mudança de nossas atitudes. É desejável que nossas preocupações, sejam elas de ordem social, cultural, moral ou ambiental, possam conduzir a outra globalização, sendo essa proposta democraticamente por todos nós.

A Etnomatemática dá sustentação à nossa luta por uma sociedade mais humanitária e preocupada também com a satisfação do outro. Segundo D’Ambrósio:

Eu poderia sintetizar meu posicionamento dizendo que só se justifica insistirmos em “Educação para Todos” se for possível conseguir, através dela, melhor qualidade de vida e maior dignidade da humanidade como um todo (D´Ambrósio, 2007, p.83).

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correspondentes ao conjunto de tudo como dignidade humana, esta estendida a todos num determinado contexto histórico.

Convivendo com o público da EJA, percebi uma correlação estreita entre cidadania e trabalho. Para o aluno trabalhador e seus dependentes, a cidadania se alicerça no direito e no acesso ao trabalho. Procurar a escola, após anos fora dela, faz parte dos planos desse aluno trabalhador, que muitas vezes se encontra desempregado ou subempregado e, portanto, excluso de seus direitos cidadãos. Os saberes adquiridos pelos alunos em situações informais, ou seja, no cotidiano de suas vidas, fez-me enxergar o valor de seus conhecimentos, levou-me a estabelecer uma relação entre suas expectativas de aprendizagem no meio escolar e aquelas que ocorreram fora da escola. Num sentido mais amplo, pude compreender que suas vidas e a minha estiveram atreladas ao processo de aprendizagem em que tanto o professor, quanto o aluno foram aprendizes.

Fantinato colocou-me esta questão:

Em relação especificamente à educação matemática, há ainda uma situação que se coloca para todo educador que trabalhe com jovens e adultos: a contradição existente entre algumas habilidades ligadas ao raciocínio matemático, habilidades essas geralmente relacionadas ao cálculo mental, que muitos educandos demonstram possuir, e a dificuldade dos mesmos em relação à linguagem matemática escrita. Como poderia ser explicada essa aparente contradição? Para tentar elucidar essa questão, haveria necessidade de conhecer melhor os alunos jovens e adultos no que se refere às suas habilidades de raciocínio (Fantinato, 2004, p.173).

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que alguns dos sujeitos estavam completamente errados, porém, conforme eles iam se posicionando, eu observava suas tomadas de resolução, e pude perceber que as organizações que aparentemente estavam erradas sob meu olhar, na verdade, estavam corretas de acordo com toda argumentação e organização do aluno.

Esses sujeitos, inseridos neste trabalho sob a perspectiva etnomatemática, fizeram com que eu percebesse que o acesso à escola para eles tornou-se o exercício real e efetivo dos direitos e o cumprimento dos deveres de todos nós. Os primeiros, garantidos segundo a Constituição Brasileira e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (L.D.B). Já o cumprimento dos deveres, seja na escola, no trabalho ou na convivência familiar e/ou sociedade, estiveram em consonância com as leis que regiam as condutas para a vida em sociedade, como os Direitos Humanos e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

O diálogo que aconteceu cotidianamente, na sala de aula, tornou-se para nós um grande desafio. Nele, nossas pretornou-senças e diferenças, ora se amenizavam, ora se mostravam distantes, e somente o respeito às experiências de ambos os lados e entre os subgrupos formados na classe foram capazes de permitir o trabalho e o envolvimento do grupo.

Segundo Guinsburg e Barbosa (2005), os questionamentos dos tempos atuais produziram as condições de produção dos discursos, e estes possibilitaram um conhecimento cada vez mais sofisticado sobre as relações entre os sujeitos, os meios de conhecimento e os conhecimentos resultantes desses sujeitos e meios.

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felizes quando puderam associar às aulas tudo o que traziam de experiências já vividas.

Os alunos foram capazes, com auxílio do professor e do ambiente, de partilhar suas vivências, construir novos saberes, ou reconhecer o que já sabiam.

Numa das aulas em que o assunto tratado envolvia o estudo da circunferência, suas partes e como chegar ao número ʌ (pi), levei à sala alguns materiais (papelão e barbante). Perguntei-lhes: Como desenharemos a circunferência? Eles me observaram, mas não viram nada de diferente, pois os materiais estavam numa sacola. Responderam: “Onde desenharemos? Se for no caderno, não possuímos compasso. Se for na lousa ou no chão, poderemos usar as ideias do poceiro ou do construtor das fossas6”. Observei suas hipóteses e logo em seguida, abri

a sacola contendo vários pedaços de papelão e barbante. Eles não apresentaram dificuldades. Rapidamente amarraram ao barbante, lápis ou caneta, desenhando circunferências variadas, pois cada subgrupo utilizou uma medida de raio. A partir de suas habilidades, pude continuar a aula até conseguirmos chegar ao número ʌ (pi).

Atualmente, e, ainda que lentamente, percebi que a forma de participação desses adultos, jovens e idosos na nossa sociedade tem sido mais significativa e marcante. Procuraram se juntar com os que foram feridos em situações parecidas e suas reclamações e reivindicações não ficaram somente na fala, fizeram-nas por escrito, documentadas e identificadas. Aqui, na realidade em que trabalhei, aconteceu isto: Um dia, uma das alunas chegou após o fechamento dos portões. Ela teve que ficar esperando fora até dar o horário para a segunda aula. A estudante conhecia o regulamento da escola, porém, nesse dia, estava chovendo. Ela pediu à inspetora para que ela e os demais colegas que não

6 Em nossa cidade há esses profissionais. Eles utilizam estacas fincadas ao

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conseguiram chegar a tempo para a primeira aula pudessem, naquele dia, pelas condições do tempo, entrar. A resposta foi negativa. Assim sendo, quando ela e os colegas entraram, elaboraram por escrito o ocorrido e levaram ao conhecimento dos gestores. Por meio desse relato com a assinatura dos envolvidos, expressaram toda a sua indignação, colaborando para que, em ocorrências futuras similares, outros colegas não passem por isso.

Outro fato, que marcou a expressão da cidadania, foi o que relatou uma das alunas desse grupo. Ela comprou um queijo, cujo sabor estava alterado. Então, voltando ao mercado, solicitou a troca por outro queijo. No entanto, negaram a troca da mercadoria alegando que, por ter perdido o cupom fiscal, não havia garantia de que ela tinha efetuado a compra naquele mercado. Na escola, ela relatou o acontecido aos colegas. Alguns deles, que trabalhavam em supermercados, orientaram-na para que ela ligasse para o SAC7. Efetuada a ligação e, seguindo as orientações do órgão, a consumidora teve o seu problema resolvido. Em três dias, ela recebeu uma nova mercadoria.

Esses acontecimentos me fizeram refletir sobre cidadania. Segundo Wolfe (1976), o direito à educação é um traço definidor da cidadania. É a cidadania pela qual as gerações de trabalhadores lutaram principalmente nos países de capitalismo desenvolvido, refletindo em outros países, por exemplo, o Brasil. Portanto, educação e cidadania estão ligadas.

Canivez (1991) indaga sobre a forma de educação que convém às democracias. Em primeiro lugar, uma democracia é uma república. O princípio da educação em uma república é o da transmissão do respeito à lei, baseado no conhecimento das instituições. A república exige dos cidadãos certo sentido universal e a capacidade de adotar princípios de ação aceitáveis por todos, ou seja, segundo o interesse da comunidade em seu conjunto.

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O autor acima mencionado diz: “O que define a democracia

moderna é o Estado no qual todo cidadão é considerado como um

governante em potencial” (p.31). Essa definição traz alguns problemas, já

que grande parte dos cidadãos pouco se preocupa com a ação política. Porém, isso não altera a definição, que faz da participação na vida pública uma possibilidade e não uma obrigação. Outro problema que essa definição traz está diretamente relacionado com a educação, porque a igualdade dos cidadãos implica na igualdade dos indivíduos em relação ao saber e à formação. Portanto, a meu ver, a educação, além de fornecer informação ao cidadão, tem que fornecer meios para que ele possa tomar posição diante do seu papel - o de governante em potencial.

Para Durkheim (1999), educar é desenvolver no homem a capacidade de coordenar ideias e sentimentos a fim de torná-lo capaz de impor a si próprio um objetivo de vida. Os processos de construção da

polis não acontecem sem a Educação, consequentemente, o processo de

cidadania não acontece sem a educação.

No Brasil, a maioria dos cidadãos continua sendo privada desse processo; apesar de estarmos no século XXI, ainda cabe à imensa maioria sofrer e obedecer passivamente.

Nesses anos, sempre me perguntei: Qual educação faria com que a maioria das pessoas pudesse participar politicamente dos acontecimentos do bairro, da escola, da cidade e do país? Como eu, professora de matemática, juntamente com meus alunos, poderia ajudá-los e ser por eles ajudada, para que nossas ideias se estendam a toda a sociedade?

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Daí que o papel do educador seja fundamentalmente dialogar [...]

Por isso é que buscávamos um método que fosse também instrumento do educando e não só do educador [...] (Freire, 2009, p.119).

Ainda:

A dialogicidade não nega momentos explicativos,

narrativos em que o professor expõe ou fala do

objeto. O fundamental é que professor e alunos

saibam que a postura deles, do professor e dos

alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e

não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve.

O que importa é que professor e alunos se

assumam epistemologicamente curiosos (Freire,

1996, p.86).

Observei nos alunos o destaque à pessoa, o respeito ao saber popular, ao contexto cultural,

A cultura como o acrescentamento que o homem faz ao mundo que não fez. A cultura como o resultado de seu trabalho. Do seu esforço criador e recriador. O sentido transcendental de suas relações (Freire, 2009, p. 117).

Tudo isso verifiquei com o público da EJA. Sob esse olhar, com essas vivencias e significações, é que pude desenvolver meu trabalho. Esses sujeitos pensantes que, diferentes entre si, abandonaram a unicidade de informações, discutiram e expuseram seus pensamentos.

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Em vários momentos tive dificuldades em administrar a aula, pois, como professora, meus pensamentos não foram tão abrangentes quanto os dos alunos. A multiplicação do envolvimento e da participação deles, fez com que eu vislumbrasse suas manifestações e atentasse para o conhecimento deles. Houve momentos de paradas e dificuldades minhas com o grupo. O auxílio que as leituras de Paulo Freire me trouxeram foi fundamental, pois, no estranhamento de atitudes críticas que os alunos ressaltaram durante as aulas – nutridas muitas vezes por curiosidade, experimentação, interesse e emoção –, é que também tive que buscar reciprocidade, alegria, conhecimento, enfim, as ferramentas necessárias para entendê-los e não deixar morrer suas e minhas inquietações.

O meu respeito de professor à pessoa do educando, à sua curiosidade, à sua timidez, que não devo agravar com procedimentos inibidores exige de mim o cultivo da humildade e da tolerância (Freire, 1996, p.67).

O sujeito pensante torna-se o diferente e o necessário em nossa sociedade. Retornando à cidadania, quando o ser humano consegue visualizar e vislumbrar os conhecimentos partilhados nos seus diálogos com o outro. Ele consegue enxergar novos horizontes, construir utopias, transitar pelos conhecimentos novos trazidos pelo outro, sem abandonar as sabedorias do seu grupo cultural, enfim, procurando compreender o diferente e respeitá-lo a partir de sua abertura em querer ouvi-lo para que possa reconstruir seus saberes anteriores.

Como professor, tanto lido com minha liberdade quanto com minha autoridade em exercício, mas também diretamente com a liberdade dos educandos, que devo respeitar, e com a criação de sua autonomia bem como com os ensaios de construção da autoridade dos educandos (Freire, 1996, p. 95).

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Se a educação não é a chave das transformações sociais, não é também simplesmente reprodutora da ideologia dominante. O que quero dizer é que a educação nem é uma força imbatível a serviço da transformação da sociedade, porque assim eu queira, nem tampouco é a perpetuação do “status quo” porque o dominante o decrete (Freire, 1996, p.112).

O trabalho educacional, dando voz e vez aos alunos, estabelecendo o diálogo, a liberdade e a autonomia, não foi fácil de realizar.

A Constituição Federal garante: “Todo cidadão brasileiro tem seus direitos garantidos” (artigo 205, 2001). Um dos direitos, que cabe ser discutido aqui, é o direito ao trabalho e à dignidade. Porém, percebi que, na escola Laurinda, nem todos faziam uso desse direito. Portanto, a cidadania, a meu ver, é preocupação que tem que permanecer nas discussões com os alunos da EJA.

Não há cidadania sem autonomia. Mas esta não será alcançada pelos alunos sozinhos; sempre há necessidade de se pensar no conjunto professor/aluno, pois, novamente, remeto-me a Freire (1996, p.23) que disse: “Ao ensinar também se aprende e vice-versa.” Nas situações de aprendizagem, os sujeitos do processo se sentiram interessados e verdadeiramente participantes; isso porque propus situações para as quais eles podiam buscar soluções com liberdade, que tivessem alguma significação para eles. A postura que adotei ao trabalhar com jovens, adultos e idosos foi a de não os infantilizar, ou seja, não pensar que situações que dão certo com crianças necessariamente darão certo com a EJA, como escreveu Fantinato em sua tese (2003). Saber que devo respeito à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma postura coerente.

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As exigências dos sujeitos me possibilitaram uma reflexão crítica permanente sobre a realidade de minha pesquisa. Muitas vezes me fiz as perguntas: Estou trabalhando de fato as ticas de matema desse grupo? Estou respeitando seus posicionamentos e contribuindo para o processo educacional desses alunos?

Aprendi, pelo menos inicialmente, a conviver com a diversidade. A cada dia, busquei compreendê-los e também tive a oportunidade de revelar meu desconhecimento diante do conhecimento deles. A postura etnomatemática exigiu de mim humildade e tolerância, sendo esta, como disse Boff (2006), a tolerância ativa, a que consiste na atitude de convivência e respeito para com o outro e que se enriquece mediante o contato de troca. Segundo Boff:

Esta consiste na atitude de quem positivamente convive com o outro porque tem respeito por ele e aceita a riqueza multifacetada da realidade. Consegue ver dimensões que sem o diferente jamais veria, entrevê possibilidades de condivisão e parceria e assim de se enriquecer mediante o contato e a troca (Boff, 2006, p.82-83).

Com a tolerância ativa, há o respeito aos ciclos, a sinergia dos sistemas de vida no universo. Não se aceita o outro simplesmente por suportá-lo. Ao contrário, por meio do diálogo com os diferentes, almeja-se comumente o possível entendimento do próximo. Há de acontecer o enriquecimento das relações humanas.

As inquietações que estiveram presentes em ambas as partes (professora e alunos), levou-nos ao permanente movimento de busca, criação, construção e reconstrução. Minha autonomia devia contribuir para que também o educando construísse a sua.

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2.2 Por que desenvolver trabalhos em Etnomatemática e Educação de Jovens e Adultos?

Quando olho para os alunos da Educação de Jovens e Adultos, encontro contribuições diversas, justamente porque cada um deles é portador de uma história de vida e de conhecimentos que, com a troca de informações e experiências manifestadas, constituem verdadeiros mosaicos culturais8, pois eles são educandos procedentes das mais variadas faixas etárias, com diferentes locais de procedência e pertencentes a diversos grupos sociais. Até pouco tempo atrás, era senso comum que um cidadão alfabetizado matematicamente deveria saber contar e fazer as quatro operações básicas. Sonia Maria de Vargas, em seu artigo, discute maneiras de aprendizagens:

Sabemos que a aprendizagem escolar se baseia no ensino por algoritmos, por modelos formulados teoricamente. Por outro lado, os conhecimentos aprendidos na prática, no trabalho, passam por muitas formas de assimilação dos conteúdos transmitidos, na maioria das vezes utilizando, prioritariamente, procedimentos de observação e repetição, normalmente caracterizados como fazendo parte de uma educação não formal (Vargas, 2003, p.96).

Com o avanço da ciência e da tecnologia, esse papel pode ser delegado às calculadoras ou aos computadores. De acordo com as atuais propostas curriculares vigentes para a Educação no Estado de São Paulo,

8 Ver obra de: De Vargas, S. M. Migração, diversidade cultural e educação de

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devemos ser capazes de desenvolver com os alunos as habilidades e competências para que ele possa continuar aprendendo. A todos os cidadãos, a Educação deve estar à altura dos desafios contemporâneos. Na sociedade de hoje, é indesejável a exclusão pela falta de acesso tanto aos bens materiais quanto ao conhecimento e aos bens culturais.

A pesquisadora Gelsa Knijnik (1996), em sua obra “Exclusão e Resistência”, ressalta a importância dos trabalhos orientados na perspectiva Etnomatemática, pois, segundo ela, há que se buscar inter- relacionar os saberes populares, como o resgate de práticas, tradições e concepções matemáticas do grupo estudado, além de suas decodificações, para que os aprendizes sejam capazes também de chegar à aquisição do saber acadêmico.

Efetivamente, a aprendizagem da Matemática acadêmica foi viabilizada a partir da interpretação e decodificação da Matemática popular mas, reciprocamente, foi a apropriação da “Matemática dos livros” que possibilitou a compreensão abrangente das práticas matemáticas populares, possibilitando que o grupo, estabelecesse “comparações entre o seu conhecimento e o conhecimento acadêmico, analisando as relações de poder envolvidas no uso destes dois saberes (Knijnik, 1996, p.114).

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No Brasil, essa tendência à exclusão sempre caminhou paralelamente à democratização do acesso aos níveis educacionais. Nossos alunos e nossas escolas ainda não estão tendo acesso a essa bagagem tecnológica. Segundo D’Ambrósio (1990), é nas escolas mantidas pelo poder público, que mais deveriam estar os equipamentos tecnológicos, pois são os alunos dessas escolas que mais cedo necessitam entrar para o mercado de trabalho. No entanto, até o presente momento, o que verificamos é exatamente o inverso.

Tentando responder à pergunta principal deste trabalho – Como o

aluno da EJA consegue propor e resolver problemas, tendo o uso de seu conhecimento na disciplina de Matemática? –, prossegui os meus

estudos e, para isso, busquei a pesquisa de doutorado de Maria Cecília Fantinato (2003), que me chamou a atenção quando ela diz:

Estudar os conhecimentos matemáticos de educandos jovens e adultos, no momento em que se defrontam novamente com o contexto escolar, não significa, entretanto, classificar de forma dicotômica o escolar/ o não escolar, mas sim aprofundar o conhecimento sobre como todos esses saberes, adquiridos na vida doméstica, profissional, ou até na experiência escolar passada, interagem na construção do conhecimento matemático do aluno (Fantinato, 2003, p.10).

Não separar os conhecimentos nos leva à condução do trabalho em que o aluno será sempre o sujeito da aprendizagem. Todos os pareceres, todas as contribuições dos sujeitos, puderam ser aproveitados por mim; observei-os, anotei-os, para que a pesquisa pudesse acontecer.

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escolares e extraescolares. Sua preocupação central foi com os modos próprios do raciocínio matemático do jovem e do adulto, na perspectiva cognitiva e sociocultural.

Fantinato observou que há escassez de pesquisas, aqui no Brasil, como também no exterior, que associem a educação matemática de adultos a uma abordagem cultural, como a etnomatemática. Assim constatado, este trabalho é também uma contribuição sob o olhar etnomatemático de um grupo sociocultural específico (EJA – Ensino Médio).

As concepções da etnomatemática tornaram-se pertinentes, pois, diante das desigualdades sociais que caracterizam este país, os jovens e adultos que se matriculam na EJA procuraram a escola em busca de respostas qualitativas que atendam às suas demandas pessoais e profissionais.

Nessa busca por qualidade, o trabalho em grupo, a aprendizagem contínua e a cooperação são condições que, enquanto educadora, visualizei como partes das preocupações expressadas pelos sujeitos.

Continuando, Teresa Vergani (2000), em sua obra, escreve que:

A etnomatemática descentra-se das referências habituais a um currículo uniforme ao qual a população escolar é obrigada a se conformar. Está consciente da necessidade de formar jovens capazes de se integrarem num mundo globalizante, mais uno e mais justo, mas sem os amputar dos valores socioculturais específicos do meio no qual se inserem (Vergani, 2000, p.5).

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aprendizagem em Matemática desses alunos e, destacar as questões significativas para os mesmos no processo de ensino e aprendizagem de matemática.

Partindo, então, do princípio de que todos nós somos diferentes, pude desenvolver este trabalho, observando-os e interagindo com eles, para a possível tomada de decisão.

Nessa direção, pude aproveitar o artigo de Wanderleya Costa (2003), que diz:

A maneira de se conceber o conhecimento depende, fundamentalmente, da maneira de se conceber o próprio ser humano e as diferenças culturais (Costa, 2003, p.202).

Nesse artigo, Costa nos conduz a (re)pensarmos sobre nossos agrupamentos, se eles se dão pelas semelhanças ou pelas diferenças, colocando-nos a questão:

[...] se acreditamos que o conhecimento é único, estamos agrupando as diversas culturas pelas semelhanças existentes entre si. Por outro lado, se a crença for de que o conhecimento não é único e de que cada grupo cultural produz o seu próprio conhecimento, a evidência estará sendo colocada não nas semelhanças, e sim nas diferenças (Costa, 2003, p.202-203).

Não consigo pensar num trabalho em educação com jovens e adultos sem que sejam oportunizadas ao aluno suas vivências, seus conhecimentos, sendo trazidos para a sala de aula e trabalhados na dinâmica com o grupo sociocultural, ou seja, com todos eles, fazendo conjuntamente o que o professor da sala planejou para seguir. Para isso acontecer, entendo que, somente usando as concepções da etnomatemática, é que posso alcançar as metas propostas.

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A etnomatemática no seu programa de pesquisa nos impulsiona ao respeito à diferença, à solidariedade com esses povos diferentes e a cooperação para que cada um na sua diferença continue a construir um mundo mais justo, melhor e digno para todos. Na arte ou técnica de relacionar, compreender, classificar, ordenar, medir, comparar de cada povo, a construção do conhecimento vai se ampliando à medida que o tempo avança (Scandiuzzi, 2006, p. 167).

Segundo Scandiuzzi, também quando pensamos que estamos vivendo neste mundo atual, globalizado, em que os contatos intermitentes se tornam permanentes, podemos nos justificar quando queremos transmitir nosso conhecimento, nossa cultura, transformando, quem sabe, nossos alunos nos modelos que propomos e impomos. Tudo isso seria uma prática otimista, porém, etnocidária9. Nesta pesquisa, um dos grandes problemas que enfrentei foi ter que (re)pensar sempre se eu estava respeitando seus conhecimentos, suas diferenças, ou se estava impondo somente a matemática escolar a eles.

Acostumados apenas com a recepção dos conhecimentos, muitos desses alunos, quando retornaram à escola, se portavam apenas como copistas, e eu tive que promover meios para eles se expressarem. No capítulo seguinte, explicitarei essas maneiras, que foram postas em prática por meio do trabalho em grupo e da resolução de situações problemas, principalmente.

Os educadores Freire e Scandiuzzi propuseram o diálogo simétrico. Segundo Scandiuzzi:

A relação que se dá entre o ouvir, o silenciar, o propor, o discutir e chegar a uma solução juntos, respeitando a alteridade, a identidade, as diferenças e a diversidade, exige movimento e exige espaços transculturais. E, isso, penso que só é possível quando esforçamo-nos para viver a

9 Consultar Pierre Clastres, Arqueologia da Violência, 1982. Nessa obra, ele

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inclusão, o holístico, e percebemos que existem diferentes realidades, em que a construção de conhecimento é realizada pelo indivíduo, num espaço coletivo, seja ele de festa ou de conflitos, mas onde haja movimento, seja ele de qual espécie for (Scandiuzzi, 2009, p.236).

Pude perceber que etnomatemática está diretamente relacionada com a educação dos jovens e adultos, pois essas pessoas, quando retornaram para a escola, já possuíam conhecimentos matemáticos, adequados a seus cotidianos. Assim, esse grupo sociocultural expressou uma das etnomatemáticas, que, segundo Vergani, confirmou essa percepção:

Há uma ética associada ao conhecimento matemático, cuja prática é guiada pelo conhecimento de nós próprios, pela diluição das barreiras entre indivíduos, pela construção de uma “harmonia ancorada em respeito, solidariedade e cooperação”. Daí que os estudantes sejam sempre mais importantes do que os currículos ou métodos de ensino; que o conhecimento se não possa dissociar da plenitude humana nem do aluno nem do formador; que tanto a paz pessoal como a paz ambiental, social e cultural sejam corolários de um posicionamento correcto face à vida, face ao conhecimento e face ao cosmos (Vergani, 2000, p.31).

Vergani ressaltou a importância do conhecimento construído pelo grupo e alertou-nos que os estudantes são mais importantes que os currículos ou métodos de ensino além de outras coisas.

Referências

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