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Da psicologia social à psicologia societal.

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Academic year: 2017

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1 Tradução por Angela Maria de Oliveira Almeida.

2 Endereço: Université de Genève, FPSSE. 40, Bd du Pont d‘Arve. CH-1205. Genève, Suisse. E-mail: willem.doise@pse.unige.ch

Da Psicologia Social à Psicologia Societal

1

Willem Doise2

Universidade de Genebra

RESUMO - O principal fator que diferencia os psicólogos sociais, para além dos diferentes paradigmas científicos, é sua posição em relação à legitimidade e à necessidade de uma psicologia societal. O objetivo desta psicologia sempre foi o de articular explicações no nível do indivíduo e explicações de ordem social, mostrando como o indivíduo dispõe de processos que lhe permitem funcionar em sociedade e, de uma maneira complementar, como as dinâmicas sociais, particularmente interacionistas, posicionais ou de valores e de crenças gerais, orientam o funcionamento desses processos.

Palavras-chave: psicologia societal; representações sociais; neveis de análise; direitos humanos.

From Social Psychology to Societal Psychology

ABSTRACT - The main factor that diferenciates social psychologists beyond the different scientific paradigms is their posi-tion in relaposi-tion to the legitimacy and the necessity of a societal psychology. Its objective was and continuess to be articulate explanationss at the individual level and explanationss of social order, showing howw individuals dispose process that allow them to function in society, and complementarily how social dinamics, particularly interacionists, positionaals or of values general belief systems, guide the working of these processes.

Key words: societal psychology; social representations; level of analyses; human rights

sentações sociais, mesmo que fosse em um único parágrafo. Salvo equívoco, o termo figura apenas duas vezes (na pági-na 789), quando se questiopági-na os diferentes significados que uma categorização pode assumir para o Eu e para o Outro. No índice remissivo o termo está ausente. Em um outro ex-tremo, pode-se citar a abundante produção em psicologia social nos países da América Latina, a qual, a partir de ob-servações pessoais e de uma análise mais sistemática reali-zada por Rateau e Rouquette (1998), sobre mais de 100 comu-nicações em psicologia social apresentadas no XXVI Con-gresso Interamericano de Psicologia, caracteriza-se por um tipo de recusa sistemática do método experimental, tão va-lorizado na América do Norte. Para citar Rateau e Rouquette sobre as comunicações na América Latina “...os problemas da sociedade são abundantemente representados, e estuda-dos, na maioria das vezes, de maneira quase etnográfica em relação a um grupo particular...” (p. 175).

Deve-se, então, concluir que vivemos em mundos dife-rentes? A questão adquire sentido, e minha opinião é que o principal fator que diferencia os psicólogos sociais, para além dos diferentes paradigmas científicos, é sua posição em re-lação à possibilidade, ou mesmo à legitimidade e necessida-de, de uma psicologia societal. São estes marcos que me levaram pessoalmente a praticar uma tal psicologia societal, que explanarei brevemente aqui, sem entretanto, preocupar-me em colocá-los em uma ordem cronológica.

Os níveis de análise e suas articulações

Um dos objetivos dos trabalhos realizados em Genebra sobre influência social (cf. Mugny & Doise, 1979), intergrupo e desenvolvimento social da inteligência (cf. Doise, 1982) Há vários anos, os debates que ocorrem nos congressos

internacionais de Psicologia Social se limitam, freqüentemen-te, a solicitações de esclarecimentos, a sugestões polidas de interpretações alternativas, a observações quanto às popula-ções estudadas. Tudo se passa como se trabalhássemos no âmbito de uma ciência normatizada, uma ciência na qual os pesquisadores aderem aos mesmos postulados de base e na qual as possíveis divergências fossem apenas uma questão de detalhes.

Divergências fundamentais, no entanto, existem entre os pesquisadores, sendo que alguns aderem a um construcionis-mo radical, outros a uma prática da análise de discurso, re-jeitando a idéia de quantificação ou variáveis experimentais e, outros ainda, aderem a uma corrente da cognição social que, ao contrário, privilegia a abordagem experimental. Mesmo quando, em uma mesma reunião, essas diferentes correntes são representadas, a prática habitual de simpósios e workshops acontecendo em paralelo, permite aos

repre-sentantes das diferentes orientações não se encontrarem, per-manecendo entre seus correligionários, e se me permitem dizer, evitando assim as guerras de religiões. Tais situações permitem o ataque à posições divergentes, sem que se esta-beleça o contraditório.

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repre-foi sempre o de articular explicações de ordem individual com explicações de ordem societal; de mostrar como o indi-víduo dispõe de processos que lhe permitem funcionar em sociedade e, de maneira complementar, como dinâmicas sociais, particularmente interacionais, posicionais ou de va-lores e de crenças gerais, orientam o funcionamento desses processos.

Uma perspectiva geral como essa necessita recorrer a quatro níveis de análise, que são, de fato, freqüentemente praticadas pelos psicólogos sociais, como mostra uma aná-lise dos 7 primeiros volumes do European Journal of Social Psychology (Doise, 1980).

Um primeiro nível de análise focaliza o estudo dos pro-cessos intra-individuais. Os modelos utilizados tratam da maneira pela qual os indivíduos organizam suas experiênci-as com o meio ambiente. Esse primeiro nível agrupa 46% das explicações presentes nos primeiros volumes do

European Journal. Típico deste nível são as pesquisas sobre

o equilíbrio cognitivo.

Um segundo nível descreve os processos inter-individu-ais e situacioninter-individu-ais (27% das explicações no corpus

estuda-do). Os indivíduos são aqui considerados como intercambiá-veis e são seus sistemas de interação que fornecem os prin-cípios explicativos típicos das dinâmicas desse nível. As pes-quisas sobre as redes de comunicação ilustram bem este ní-vel, bem como as experiências com jogos de motivações mistas.

Um terceiro nível leva em conta as diferentes posições que os atores sociais ocupam no tecido das relações sociais, características de uma sociedade e analisa como suas posi-ções modulam os processos do primeiro e segundo níveis (16% das explicações). São, sobretudo, as pesquisas com grupos de status diferentes, dominantes e dominados,

majo-ritários e minomajo-ritários, que se situam neste nível.

Um quarto nível remete-nos aos sistemas de crenças, re-presentações, avaliações e normas sociais (aproximadamente uma explicação sobre dez). As produções culturais e ideoló-gicas, características de uma sociedade ou de certos grupos, não somente dão significação aos comportamentos dos in-divíduos, como também criam ou dão suporte às diferencia-ções sociais em nome de princípios gerais. Por exemplo, em nome de uma idéia ingênua de justiça, consideramos que as pessoas têm o destino que merecem.

Essa distinção em 4 níveis de análise não deve servir ape-nas a objetivos classificatórios. Ela deve, sobretudo, facilitar a realização de articulações de análises. Análises articulando vários níveis teóricos são mais completas; elas conduzem a uma melhor descrição de um processo conceitualizado em um dos níveis, precisando, prioritariamente, as condições de sua atualização, a partir dos outros níveis de análise. Em aproximadamente 40 artigos, dos 141 estudados, observa-se essas articulações de análiobserva-ses. Mas é verdade que as aná-lises que recorriam às explicações do tipo societal (i. é. posi-cional e ideológica) eram minoritárias em psicologia social. Uma confirmação de que o princípio geral das análises em níveis têm uma base sólida, foi-me dada pela sociologia. As teorias sociológicas não funcionariam sem recorrer, de

uma maneira mais ou menos explícita, às conjecturas sobre o funcionamento individual ou inter-individual. Moscovici (1988) já demostrou isso nos sociólogos clássicos como Durkheim, Mauss, Weber e Simmel, e eu o demonstrei nos contemporâneos: Boudon, Crozier, Bourdieu e Touraine (Doise & Lorenzi-Cioldi, 1989). Mas, se é verdade que as análises oriundas da psicologia ou da psicologia social com-pletam, necessariamente, análises sociológicas, o inverso também é verdadeiro: explicações da psicologia social de-vem, necessariamente, ser completadas por explicações so-ciológicas, contribuindo, assim, para uma melhor compre-ensão dos jogos societais.

Esta foi uma lição que me ensinaram Serge Moscovici e Henri Tajfel, meus principais mestres em psicologia social e Jean Piaget, que também considero como um dos meus mes-tres nesta disciplina.

O julgamento moral ou a psicologia societal de Piaget

Ao reler O julgamento moral de Piaget (1932) não se

pode deixar de ficar impressionado com a importância que ele atribui às análises do tipo societal para dar conta deste desenvolvimento. Não retomarei aqui, em detalhes, a análi-se desanáli-se trabalho e de outros escritos de Piaget dos anos 30, que desenvolvi para o livro editado por Garnier e Rouquette (2000).

O livro de Piaget sobre o julgamento moral é um verda-deiro livro de psicologia política, na medida em que ele es-boça uma teoria que faz da interação democrática, da interação entre iguais, sem os entraves colocados pela auto-ridade, o principal motor do desenvolvimento moral. As con-dições em que se desenvolveu sua carreira o levaram, en-quanto Diretor do Bureau International de l’Éducation (BIE),

a interessar-se pelas relações internacionais, em um período dramático. No momento em que Hitler assume o poder, ele estende sua concepção da livre confrontação a um nível in-ternacional, advogando por uma educação pela paz, nos se-guintes termos:

... compreender pontos de vista diferentes dos seus, penetrar na psicologia de outros povos, enfim, prever e explicar o que mobiliza outros povos, é atualmente uma obrigação, mesmo para o mais autêntico nacionalismo: sem essa adaptação, o isolamento é fatal e sabemos a que conduz o isolamento em um mundo onde tudo se relaciona no nível econômico, político e das idéias. Aí está, portanto, o ponto de partida: o conheci-mento dos outros como condição de sobrevivência e seguran-ça nacionais e como meio de expansão da ideologia na qual se acredita (Piaget, 1997, pp. 125-126).

As condições políticas, para uma verificação das teses de Piaget, não estavam postas. Seria no seio da Sociedade das Nações que o debate preconizado por Piaget deveria ser desencadeado, mas é pouco dizer que ele não pode aconte-cer. Quando Piaget dirigia esta mensagem ao Bureau International de l’Éducation, precursor da UNESCO, a

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Pode-se perguntar se é por acaso que desde então o Psi-cólogo de Genebra interessou-se, sobretudo, pela descrição lógico-matemática de um pensamento socialmente descon-textualizado? Quando ele aborda ainda problemas de ordem societal é para explicá-los a partir de uma nova forma de centração: o sociocentrismo. Ele o evoca para explicar o nacionalismo (Piaget & Weil, 1951) ou a ideologia em geral (Piaget, 1965). Dito de outra forma, a intervenção do social é estudada como uma forma de viés, para retomar uma ter-minologia sociocognitivista.

A teoria da identidade social

Estranha história aquela da teoria da identidade social. Suas origens podem ser buscada em uma concepção “gestaltista” da percepção que, inicialmente, permitiu a Tajfel (1959) propor um modelo de acentuação relativa dos con-trastes. Ele dava conta, assim, de um conjunto importante de resultados no âmbito dos julgamentos quantitativos. Em se-guida, ele estende seu modelo, abordando o efeito da categorização na percepção (Tajfel & Wilkes, 1963) e ao estudo dos estereótipos sociais (Tajfel, Skeikh & Gardner, 1964).

Quando se debruça, em seguida, sobre o estudo das con-dições mínimas de aparição dos comportamentos discrimina-tórios (Tajfel, Billig, Bundy & Flament, 1971), Tajfel mar-cará definitivamente o campo de estudo das relações inter-grupos. Peço permissão para não descrever, novamente, um conjunto de pesquisas que já comentei abundantemente em várias oportunidades. Interessa-nos aqui a perspectiva societal que Tajfel introduzirá em suas explicações.

Quando apresentou pela primeira vez sua pesquisa, uma tal perspectiva é ainda mínima. Os resultados são explica-dos evocando a importância de uma norma genérica:

... é claro que interpretamos nossos resultados em função de uma norma social genérica de comportamento dentro e fora do grupo que orientou a escolha dos sujeitos. Isto aconteceu desta forma porque os sujeitos classificaram a situação social na qual eles se encontravam como uma situação onde essa norma era pertinente e onde a categorização social deveria conduzir a um comportamento intergrupo discriminatório muito mais do que a outras escolhas que lhe eram oferecidas

(Tajfel, Billig, Bundy & Flament, 1971, p.174).

De uma certa forma, a norma social toma aqui o status

de uma boa forma “gestáltica”, que seria ativada quando os grupos estão diante dela. Entretanto, Tajfel (1972) não de-morou em desenvolver uma teoria mais complexa, fazendo intervir a comparação intergrupo como o motor da constru-ção de uma identidade social positiva. Em artigos mais teó-ricos (Tajfel, 1974, 1975) ele estabelece uma relação entre esses resultados e uma ideologia de mudança social à qual certos grupos adotariam quando a única via possível para melhorar de vida é através de uma ação coletiva, visando mudar as relações entre grupos. De uma certa forma, os par-ticipantes de sua experiência, alunos de uma escola secun-dária inglesa, eram colocados numa situação, na qual

ape-nas um esforço visando diferenciar positivamente seu grupo em relação a um outro lhes permitiria o acesso a uma identi-dade positiva. De fato, nessa situação era-lhes impossível tentar outra forma de melhorar sua sorte individual, portan-to, de recorrer a qualquer tipo de estratégia de mobilidade individual, o que os levava à utilização de estratégias mais coletivas.

Um estudo sistemático impõe-se sobre o futuro destas considerações societais entre os numerosos autores que se dizem adeptos da teoria da identidade social. De acordo com as evidências, apenas uma minoria dentre eles se refere a uma abordagem societal, como é o caso no Quebec, em um livro de Taylor e Maghaddam (1987) e em um capítulo de Guimond e Tougas, (1994). Sem dúvida, não é por acaso que essas considerações societais sejam levadas a sério em um país onde povos nativos (Americanos autóctones), po-vos fundadores (anglo e francofônicos) e novas populações de imigrantes tentam agora redefinir as regras da vida em comum.

O paradigma de Tajfel, no momento atual, é freqüente-mente assimilado a uma teoria de auto-categorização que não necessariamente evoca hipóteses de ordem societal. É o caso, por exemplo, quando esta teoria é utilizada por Turner (1987) para dar conta das dinâmicas de articulação das iden-tificações regionais, nacionais e européias. Recentemente argumentamos que uma tal concepção da teoria da identida-de social é insuficiente para dar conta das relações entre es-sas dinâmicas identitárias. É preciso, necessariamente, nela introduzir análises sobre as concepções societais dos respondentes (Doise & Devos, 1999), sobre suas ideologias e projetos políticos que eles desenvolvem em relação a uma unificação européia.

Psicologia societal e representações sociais

Retornemos agora ao meu terceiro mestre, aquele com o qual comecei a trabalhar há quase 40 anos. Refiro-me a Mos-covici, com o qual mantenho ainda contatos regulares. Re-sumo aqui seu ponto de vista sobre a psicologia social re-correndo a um artigo que ele publicou há uns 10 anos.

Nesse artigo, ele admite que é tão difícil teorizar sobre sua própria prática quanto “se observar passear pela rua atra-vés da janela de sua própria casa”. Ainda, ele se declara tam-bém consciente do fato que “uma boa concepção da ciência não leva necessariamente a praticar uma boa ciência”.

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social, demandam por uma continuidade em relação as ou-tras ciências sociais, sobretudo, a antropologia. Ao invés de considerar a psicologia social como um apêndice da psico-logia, é preciso, antes de tudo, considerá-la como uma ponte para outros ramos do saber, sobretudo atualmente, quando a psicologia tem se desinteressado dos fatos sociais, focali-zando os fenômenos biológicos.

Para Moscovici, em realidade é na vida com os outros que pensamento, sentimento e motivação humanos se de-senvolvem. Nesse sentido, a psicologia social, utilizando-se de seus próprios métodos, particularmente os experimentais, deve tornar-se um tipo de antropologia da cultura moderna. Seus próprios métodos só deveriam ser utilizados quando há a possibilidade de extrapolarem para outras disciplinas “que se ocupam das mesmas questões, fornecendo-nos ba-ses de dados e orientações teóricas”.

Uma tal definição de objeto necessita superar a clivagem tradicional entre, de um lado, análises oriundas da psicolo-gia e centradas no indivíduo e, de outro, análises econômi-cas e sociológieconômi-cas que abordam a sociedade. Esses dois

ti-pos de análises, apesar das tensões existentes entre elas, de-vem manter-se ligadas uma a outra. A realidade das relações entre o individual e o social necessita de modelos ternários, fazendo intervir o outro na construção desta realidade.

Em nossas negociações com o outro, com outros indiví-duos e grupos, temos consciência que os processos se de-senvolvem ao mesmo tempo dos dois lados. Daí a importân-cia das representações soimportân-ciais, constituindo uma parte im-portante da realidade social e a modulando. Eis aqui um objeto de estudo encontrado pela psicologia social do devir. São, portanto, os estudos sobre as representações sociais, iniciados por Serge Moscovici (1961), que me parecem atual-mente fornecer o quadro mais estimulante para construir uma psicologia societal imbricando o estudo dos sistemas cognitivos no nível do indivíduo no estudo dos sistemas relacionais e societais. O estudo das representações sociais preconizado por Moscovici necessita que se coloque em rela-ção os sistemas cognitivos complexos do indivíduo com os metasistemas de relações simbólicas que caracterizam uma sociedade:

... vemos funcionar dois sistemas cognitivos, um que processa associações, inclusões, discriminações, deduções, quer dizer, o sistema operatório, e outro que controla, verifica, seleciona, com a ajuda de regras, lógicas ou não; trata-se de um tipo de metasistema que retrabalha a matéria produzida pelo primei-ro (Moscovici, 1976, 254).

Ele incumbe precisamente os psicólogos sociais de estu-dar as relações entre essas regulações societais e funciona-mentos cognitivos, para responder à questão: quais sistemas de comunicação característicos de uma sociedade atualizam ou favorecem quais funcionamentos cognitivos, em quais contextos específicos? Um vasto programa!

Tive a oportunidade, com Alain Clémence e Fabio Lorenzi-Cioldi, de propor um quadro teórico e metodológico para o estudo quantitativo das representações sociais. De uma ma-neira geral, definimos as representações sociais como

prin-cípios organizadores das relações simbólicas entre indivíduos e grupos. Seu estudo remete a três hipóteses importantes.

Uma primeira hipótese é que os diferentes membros de uma população estudada partilham efetivamente certas cren-ças comuns concernentes a uma dada relação social. As repre-sentações sociais (RS) se constróem nas relações de comuni-cação que supõem referentes ou pontos de referência comuns aos indivíduos ou grupos implicados nessas trocas simbólicas. Uma segundo hipótese refere-se à natureza das tomadas de posições individuais em relação a um campo de (RS). A teoria das representações sociais deve explicar como e por-quê os indivíduos diferenciam entre si nas relações que eles mantêm com essas representações. Isto implica que essas variações nas tomadas de posição individuais são organiza-das de uma maneira sistemática.

Uma terceira hipótese considera a ancoragem das toma-das de posição em outras realidades simbólicas coletivas, como as hierarquias de valores, as percepções que os indiví-duos constróem das relações entre grupos e categorias e as experiências sociais que eles partilham com o outro.

O projeto da psicologia societal não implica apenas em um conhecimento dos problemas pertinentes elaborados pelas outras disciplinas, como a sociologia ou a antropolo-gia, mas também em uma articulação de nossas análises com aquelas mais societais.

No âmbito das equipes que realizaram projetos já con-cluídos no quadro desse modelo de três fases, freqüentemente incluíam-se sociólogos ou psicólogos sociais de formação sociológica (cf. Clémence, 1994, Clémence, Doise et Lorenzi-Cioldi, 1994, Roux, Gobet, Clémence, Deschamps & Doise, 1994). No âmbito teórico, a definição de represen-tações sociais que proponho visa articular a teoria de Serge Moscovici com aquela de Pierre Bourdieu (Doise, 1985).

Aportes da empiria nas pesquisas sobre os Direitos Humanos

Nas páginas que se seguem, retomaremos, antes de tudo, as principais conclusões de nossas próprias pesquisas sobre as representações sociais dos Direitos Humanos (DH), com-pletando-as com aquelas relatadas por outros colegas. Para a organização dessa apresentação, poderíamos escolher en-tre duas possibilidades: seja ordená-la em função das gran-des questões levantadas na primeira sessão gran-dessa contribui-ção; seja em função das três hipóteses teóricas sobre as RS que acabamos de evocar.

Finalmente, escolhemos uma apresentação que se man-tém mais próxima de nossas pesquisas, abordando sucessiva-mente as três fases dos estudos sobre as representações soci-ais. Mas, à guisa de conclusão, para cada fase desenvolvere-mos algumas implicações dos dados que aqui são apresenta-dos para uma problemática mais geral apresenta-dos direitos humanos.

O campo comum dos direitos humanos.

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por extratos de diferentes países. Na primeira (cf. Clémence, Doise & Lorenzi-Cioldi, 1994; Clémence, Doise, De Rosa & Gonzalez, 1995), solicitamos a estudantes com idades entre 13 e 20 anos, habitando 4 diferentes países (Costa Rica, Fran-ça, Itália e Suíça), que se pronunciassem sobre 21 situações de restrição de certos direitos em termos do esperado em DH, sobre uma escala de 4 pontos (sim, certamente; sim, talvez; não exatamente; certamente não). Os resultados são bastantes convergentes, não há dúvida que nos 4 países, os estudantes estruturam suas respostas de uma forma seme-lhante, em torno de um conjunto de elementos que se en-contram mais ou menos explicitados em textos oficiais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Na segunda pesquisa (Doise, Spini & Clémence, 2000), repro-duzimos para estudantes universitários de aproximadamen-te 30 países, dos 5 continenaproximadamen-tes, o aproximadamen-texto da DUDH. Para cada artigo da Declaração solicitamos que respondessem às esca-las concernentes à importância atribuída ao artigo, sua im-plicação pessoal quanto ao respeito desse artigo e a eficácia atribuída ao governo e aos partidos políticos para fazer com que ele fosse respeitado. Os resultados para aproximadamente 20 países já foram analisados e podemos concluir que as respostas se organizam de maneira muito semelhante nos diferentes países, diferenciando os direitos segundo catego-rias utilizadas pelos redatores da DUDH (direitos individu-ais, direitos sociindividu-ais, direitos sócio-econômicos, direitos a uma ordem societal).

Aos resultados desses dois estudos é preciso adicionar os resultados referentes a uma população mais restrita, os habitantes de Genebra (Doise & Herrera, 1994). Contraria-mente às pesquisas precedentes, esta pesquisa começava com questões abertas, convidando os participantes a enumerar e a descrever os Direitos Humanos (DH). Praticamente, todos os direitos enumerados poderiam ser colocados em relação com aqueles proclamados na DUDH.

A referência comum às definições oficiais dos DH pare-ce, portanto, uma realidade bastante disseminada. Isto não significa, necessariamente, que todos os respondentes ade-rem sem reservas a um conjunto de direitos contidos na DUDH. Retomaremos mais adiante este problema, quando estudarmos as variações nas tomadas de posição individu-ais. Mas, assinalemos aqui que os textos oficiais limitam, de uma maneira importante, o leque dos DH, como é o caso particular da Convenção Européia. Ela anuncia, principal-mente, os direitos individuais e prevê também a suspensão, pelo menos provisória, da maior parte dentre eles em certas situações excepcionais. Um estudo com entrevistas, realiza-do em Paris e na Suíça (Bechlivanou, Delmas-Marty, Doise, Duchesne, Gonzalez & Lenoir, 1990) mostra também que uma tal visão restritiva é facilmente partilhada pela popula-ção interrogada.

No que se refere à questão da universalidade dos DH, as pesquisas mencionadas não podem apresentar conclusões definitivas. As populações estudadas não são absolutamente representativas do conjunto da população humana. Trata-se no máximo de estudos exeqüíveis. Mas, como indicam as pesquisas sobre valores, relatadas por Inglehart (1995) e

efetuadas sobre amostras mais representativas, em 43 países (compreendendo 70% da população mundial), é possível generalizar nossa abordagem. Uma primeira conclusão a ti-rar nos parece ser a seguinte: um dos procedimentos a seguir para arbitrar o debate da universalidade é também o de in-terrogar os membros de culturas diferentes, apresentando-lhes versões adaptadas de documentos oficiais (dos quais representantes de seus governantes são signatários). Uma outra conclusão que tiramos destas pesquisas relaciona-se à possibilidade de limitação dos direitos previstos pela Con-venção Européia. Apenas as proteções contra a tortura e a escravidão, a legalidade dos delitos e das penas e a não retro-atividade da lei penal estão nela garantidas de uma maneira global, assim como a interdição de expulsões coletivas. Não seria necessário relembrá-los, em todas as discussões inter-culturais sobre a universalidade dos DH?

A variação das tomadas de posição individuais

Nesta sessão, reportamos-nos, principalmente, àquelas pesquisas sobre as variações de tomadas de posição e, por conseqüência, nos será possível estudar, na seqüência deste texto, as ancoragens em outras realidade simbólicas sociais. Mencionemos, entretanto, o interessante estudo de Rogers e Kitzinger (1995) que extraem, através de um método apro-priado (técnica Q-sort), uma dezena de estruturas representa-cionais em um material originário de várias fontes e apre-sentado a 57 adultos, igualmente, de origens muito diferen-tes. Doise e Herrera (1994) descrevem, também, 6 fatores obtidos em uma análise fatorial textual de respostas livres fornecidas pelos participantes da pesquisa de Genebra. Es-tes fatores dão conta de explicar as tomadas de posição indi-viduais em diferentes embates tradicionais, tais como aque-les opondo bens materiais e espirituais, liberdade e restri-ções de origens sociais, liberdade e igualdade.

Diaz-Veizades, Widaman, Little e Gibbs (1994) utiliza-ram, igualmente, a DUDH como base de um questionário sobre os DH. Entretanto, eles efetuam um importante traba-lho de adaptação deste texto. Inicialmente, eles reformulam os artigos em 116 itens para os quais os estudantes expressa-vam, um a um, seu grau de acordo sobre uma escala de 7 pontos. Em seguida, eles eliminam todos os itens que não obtiveram uma saturação de pelo menos .30 em um dos 4 fatores obtidos numa análise de componentes principais, de forma tal que acabaram retendo apenas 38 itens para o estu-do definitivo com 212 estudantes universitários e 42 adul-tos. Trata-se, portanto, claramente de uma pesquisa que pri-vilegia o estudo da organização das variações inter-indivi-duais, cuja lógica se manifesta nos 4 fatores. Estes fatores são descritos da seguinte maneira:

Fator 1: Todos os itens (...) referem-se ao acesso ou direito a um padrão de vida adequado (por exemplo: comida, habita-ção, cuidados médico). Este fator é chamado de Segurança Social.

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segundo fator seria dizer que ele refletiria uma orientação con-tra os direitos humanos. Este fator foi chamado de Restrição Civil.

Fator 3: O tema engloba (...) itens que juntos referem-se à igual-dade, evidenciado mais claramente pelos itens concernentes à igualdade de acesso aos direitos básicos por todos os indiví-duos, independentemente da raça, gênero ou crenças.

Fator 4: Dentre seis itens, quatro envolveram direitos de priva-cidade individual (...). Um item referia-se à educação (...) e um outro referia-se à linguagem (...). Como a maioria dos itens, e aqueles com alta saturação, envolviam direitos à privacida-de, denominados este fator de Privacidade (Diaz-Veizades,

Widaman, Little & Gibbs, 1994, pp. 317-321).

Em várias de nossas próprias pesquisas identificamos, igualmente, tais princípios organizadores de diferentes po-sições individuais, particularmente, na pesquisa já mencio-nada sobre as violações efetuada em quatro países. Os dois primeiros fatores são organizados pelos julgamentos sobre as violações que estão mais diretamente inscritas no campo oficial dos DH. As expectativas que mais contribuem com o primeiro fator referem-se à violação das liberdades das pes-soas e da igualdade de direitos em matéria de estabeleci-mento, de expressão política, de informação e de religião. É interessante revelar que um item (obrigação de culto ou da missa para as crianças), cujo julgamento médio de expecta-tiva foi fraco, inclui-se neste fator. O fator 2 refere-se à vio-lação dos direitos das pessoas (direito à subsistência, à defe-sa jurídica, à assistência) e à proteção das crianças; estas violações se opõem à proibição de fumar que não está inclu-ída nos registros dos DH. Os fatores de 3 a 5 referem-se, mais especificamente, às relações entre as pessoas. O fator 3 é orientado principalmente pela violação da igualdade entre o casal e, de forma mais marginal, pela violação dos direitos das crianças pelos pais. As saturações mais fortes no quarto fator são aquelas dos itens que evocam relações de poder, implicando em sanções aos desviantes, ou às minorias (ci-ganos, ladrões, estrangeiro com suspeita de homicídio e, de forma mais fraca, pessoas tendo baixos salários, prisionei-ros que se agridem e ...os fumantes). Enfim, o último fator refere-se às relações sócio-econômicas (hospitalização for-çada e desigualdade salarial), julgadas como estranhas ao campo dos DH e que se opõem à violação reconhecida dos DH, tais como a violência sobre as crianças ou o encarcera-mento de adversários políticos.

O fato de existir referências comuns em relação aos DH, não implica, por conseqüência, que os indivíduos, entre si, avaliem os diferentes direitos da mesma maneira. Entretan-to, em nosso estudo com o texto da DUDH, pudemos cons-tatar que as tomadas de posição dos indivíduos se diferenci-am em apenas dos 30 artigos: aqueles que atribuem mais importância aos direitos individuais, por exemplo, geralmente também atribuem mais importância a outras famílias de di-reito; aqueles que se comprometem mais com certos direi-tos, manifestam, também, um maior comprometimento com outros, e da mesma forma para as crenças na eficácia do governo. De uma certa maneira, a propósito do conjunto dos direitos, suas crenças e comprometimentos estavam

forte-mente ligados, aparecendo em bloco. Aparenteforte-mente, esta relação bastante forte entre atitudes concernentes aos dife-rentes grupos de direitos não se enquadra com a variedade de tomadas de posição que acabamos de ilustrar com a aju-da dos aju-dados de várias pesquisas. Retomaremos este proble-ma quando falarmos da ancoragem e da contextualização nas representações sociais dos direitos humanos.

Neste momento, insistimos sobre uma outra fonte de variação. Ela nos foi confirmada em um estudo com os 30 artigos da Declaração Universal. Uma análise tipológica nos permitiu distinguir 4 tipos de posições em relação aos direi-tos humanos.

Assinalamos que uma tal tipologia foi obtida tratando tanto as respostas de 6.791 estudantes de 38 grupos nacionais, sem levar em conta o país de origem (análise pancultural) como controlando eventuais efeitos de suas origens, obten-do-se, para cada resposta, a média nacional (análise indivi-dual). Duas análises hierárquicas foram, então, efetuadas.

As duas análises mostraram um grupo de sujeitos (res-pectivamente 28% e 29 % do conjunto) que obtiveram esco-res médios elevados em todas os itens: trata-se de simpati-zantes da idéia de direitos humanos.

Um outro grupo de respondentes pode ser considerado como composto de céticos (respectivamente 21% e 18% do conjunto). Suas respostas são menos favoráveis em todos os itens.

Um outro grupo não comprometido (respectivamente 28% et 28% do conjunto) deu respostas bastantes baixas em diferentes itens de implicação pessoal, mas ligeiramente mais elevado nos itens concernentes à implicação do governo.

Enfim, os sujeitos do último grupo (respectivamente 23% e 25% do conjunto) consideram, ao mesmo tempo, que os direitos humanos lhes concernem mais diretamente no nível pessoal e, ao mesmo tempo, que não é fácil para o governo fazer qualquer coisa. Esta estrutura de resposta seria típica dos personalistas.

Ancoragem e contextualização das representações sociais dos direitos humanos

Em nossa apresentação da teoria das representações so-ciais distinguimos três tipos de ancoragens (Doise, 1992). A primeira foi praticada tanto por Diaz-Veizades e seus cole-gas (1994), como por nós mesmos. Diaz-Veizades mostra, por exemplo, que os indivíduos que privilegiam uma con-cepção dos direitos humanos limitada por restrições exter-nas obtêm também escores elevados nos itens nacionalistas e escores baixos nos itens internacionalistas e de liberdades civis. Eles têm, também, simpatias políticas mais republica-nas do que democratas. Por outro lado, aqueles que aderem a uma concepção dos direitos humanos favorável à seguran-ça social são, também, mais internacionalistas nos Estados Unidos e suas simpatias se dirigem para os democratas.

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que podem envolver diretamente os respondentes. Consta-tamos que a adesão prioritária a valores universais e de har-monia social está sistematicamente em relação com uma re-presentação mais favorável e com um comprometimento mais pessoal em relação aos direitos humanos, enquanto que um posicionamento oposto é acompanhado de ceticismo. Ain-da, uma consciência e uma experiência mais aguda de con-flitos e de injustiça conduziriam a um comprometimento mais pessoal, oposto a uma atitude governamentalista.

No estudo sobre as expectativas em relação aos direitos humanos, com amostras de jovens de 4 países, dois itens se mostraram particularmente importantes para dar conta da maneira pela qual os sujeitos traçam uma fronteira entre o que era esperado e não esperado em relação aos direitos humanos. Esses itens se referiam aos direitos das pessoas frente ao poder político e econômico. Por exemplo, os alunos que tinham uma visão restrita das expectativas em relação aos direitos humanos eram também aqueles que achavam normal que uma empresa, antes de contratar um empregado, investigasse sua religião, sua maneira de viver, seu possível engajamento sindical, sua ficha judicial, sua saúde e que atri-buíam, também ao governo, tais poderes de investigação.

No que diz respeito à ancoragem nas experiências sociais, é preciso, evidentemente, assinalar os efeitos da nacionali-dade, bastante evidentes no estudo com os 38 grupos nacio-nais. Se a pertença ao grupo japonês ou indiano parece levar a uma atitude de ceticismo, uma concepção mais personalista estaria ligada à pertença a certos grupos nacionais caracteri-zados por um fraco índice de desenvolvimento econômico e por uma abundância de violações dos direitos humanos.

Outras convergências em direção a uma psicologia societal

Os múltiplos contatos estabelecidos ao longo de mais de 30 anos me encorajaram, constantemente, a trabalhar com uma psicologia societal. Não posso citar todos, mas o fato de que colegas como Glynis Breakwell e Colin Rowett (1982) tenham chegado a uma distinção em quatro níveis, em suas análise do trabalho social, confortou-me na minha intenção. Mais tarde, um mesmo reforço me foi dado por Miles Hewstone (1989), que adaptou os quatro níveis de análise para sistematizar as pesquisas no âmbito da atribuição causal. Outros colegas abriram-me perspectivas que levavam também a uma articulação de análises psicológicas e análi-ses societais. Assim, Augusto Palmonari associou-me a suas pesquisas sobre a profissionalização dos psicólogos e con-venceu-me, através de seus trabalhos, que é possível anali-sar problemas societais recorrendo aos instrumentos teóri-cos e metodológiteóri-cos elaborados na psicologia social. Proce-dimento análogo é também praticado há bastante tempo por Jean-Pierre Deconchy (1971, 1989) estudando, por exem-plo, a ortodoxia religiosa ou a ideologia.

Os próprios títulos dos livros de Jean-Léon Beauvois (1994), Tratado da servidão liberal ou de Nicole Dubois

(1994) A norma da internalidade e o liberalismo evocam

uma problemática societal, para não dizer política. Para ca-racterizar essas duas obras, permito-me emprestar uma cita-ção de Jacques-Philippe Leyens no prefácio do livro de Nicole Dubois: “O livro de Nicole Dubois nos revela /.../ que um valor como a internalidade depende muito menos das capacidades cognitivas dos indivíduos do que do funci-onamento da sociedade” (Leyens, 1994, p. 8). Efetivamen-te, nossas sociedades estão baseadas nas avaliações dos in-divíduos em termos de autonomia e de responsabilidade. Os trabalhos recentes de Christian Staerklé (Staerklé, Clémence & Doise, 1998) estendem os estudo dessa normatividade “de-mocrática” ao campo dos julgamentos sobre os governantes e populações em um contexto internacional, opondo, sobre-tudo, os países democráticos ao resto do mundo.

Uma preocupação societal está presente também nas pes-quisas de Fabio Lorenzi-Cioldi (1988, 1994), sobre os gru-pos ‘coleção’ e ‘agregados’. Suas pesquisas realizadas nesse âmbito constituem-se em protótipos de uma psicologia societal: o processo psicológico de categorização atualiza-se diferentemente em função da evocação de grupos a um

status sociológico diferente, dominantes ou dominados,

masculinos ou femininos. Assim, efeitos não previstos pelo processo de categorização se produziriam quando da evoca-ção da pertença a um grupo ‘coleevoca-ção’, o qual faria co-variar diferenciações intra e inter-grupos; enquanto que a evoca-ção da pertença a um grupo ‘agregado’ teria efeitos de acor-do com uma definição mais corrente acor-do processo de categorização, porque a acentuação das diferenças entre gru-pos caminharia junto com uma acentuação das semelhanças intra-grupos.

Patricia Roux (1999) promove, atualmente, uma evolu-ção da questão das relações de gênero, propondo o conceito de ambigüidade normativa, para dar conta da condição de muitas mulheres em nossa sociedade que são levadas a de-mandar normas igualitárias e a reivindicar também uma não-discriminação, ao mesmo tempo em que assumem também a tarefa cotidiana de proteger as “boas relações” conjugais, relações que são freqüentemente desiguais e assimétricas, sobretudo, no que concerne o trabalho doméstico.

Se para indicar as convergências, eu citei, sobretudo, pesquisas realizadas na França ou na Suíça é pela simples razão que elas me são mais familiares e que elas foram tam-bém mais importantes para me encorajar a perseverar em uma psicologia societal. Isso não indica, entretanto, que meus contatos em psicologia societal não se estendam para além da francofonia. Eles se estendem até mesmo ao Brasil, des-de que tomei conhecimento dos trabalhos des-de Angela Almeida (1999), sobre o fracasso escolar e de Leôncio Camino (1995), sobre as crenças em um mundo justo como fator oposto à militância política.

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Conclusão

Este cuidado em integrar, em uma mesma análise, os modos de funcionamento da sociedade e dos indivíduos é também o que diferencia a psicologia societal de muitas quisas realizadas no âmbito da psicologia política. As pes-quisas em psicologia política podem, evidentemente, ser pesquisas em psicologia societal, mas não necessariamente o são. Elas podem muito bem aplicar modelos correntes na psicologia social ao estudo da escolha política, sem, entre-tanto, recorrer a qualquer análise do tipo societal (cf. o livro coletivo editado por Iyengar & McGuire, 1993). Inversa-mente, o exemplo dos estudos sobre a identidade européia, abordado brevemente aqui, mostra que uma perspectiva societal pode incitar uma abordagem psicossocial tornar-se mais exaustiva em suas próprias explicações, completando, por exemplo, a teoria da identidade social por aquela de Sherif (1966), sobre os objetivos supra-ordenados ou aquela de Rabbie e Horwitz (1969), sobre o destino partilhado.

Piaget (1932, p. 279) foi, sem dúvida, um precursor, quan-do declarava, a propósito de sua análise da mentalidade pri-mitiva, que não havia como retornar a uma “fase pré-socio-lógica da psicologia”, mas que ele gostaria de “assinalar que nos quadros traçados pela sociologia há todo um interesse de restabelecer a análise psicológica: há atualmente muito mais paralelismo do que antagonismo entre os estudos socio-lógicos e as pesquisas psicológicas”. Isto foi escrito em 1932.

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Recebido em 23.10.2001 Primeira decisão editorial em 25.02.2002 Versão final em 14.05.2002

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