1198900986 1111111111111111111111111111111111111111
FUNDAÇAo GETOLIO VARGAS
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRçSAS DE SÃO PAULO
FRANCISCO GRAZIANO NETO
A VERDADE DA TERRA
(Crítica da Reforma Agrária DistributivistaJ
Tese de Doutorado apresentada, ao Curso de Pós-Graduação da FGV/ EAESP, Area de Concentração em Economia Aplicada a Administra çao" como requisito para obten ção do título de Doutor em Admi nistração. '
Orientador: Prof. Carlos Estevan Martins
SÃO PAULO
1989
r - - - - Getulio Vargas ( '~ FundlilÇào AdministraçãO
I E&CO•••.de de SiloPalllO
I FGV de En1pre~oteca
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SECRCT .A,RIA ESC~)t./,R D8S CPG
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J.eÔ .._ ,., _ , ~.~~i
Dedibo a todos os defensores da reformaagr~ria no Brasil.
Para que nosso idealismo nao se perca nas quimeras.
Para que os t raba1h a d o r e s rurais alimentem adequadamente
seus sonhos.
Para que a verdade prevaleça.
Ao Rarluan e ao Dinho, amigos
que se foram.
\
,
Agradeço ~quele5 que me auxiliaram nessa dificil tarefa. Os 5nus s~o exclusivos e devem-se ~ teimosia em escapar do Con vencion aL,
Os méritos reparto com Lu Fernandes, Rodolfo Hoffmann, Eduar do Fagnani, Eduardo Graziano, Miguel Abeche e Gilberto Bambi.
Ao Luis Cremonez e a Toco devo tos em texto legível.
a transformaç~o dos manuscri
Ao Carlos Estevan, gênio da lucidez, meu respeito.
EAESP/FGV, 1988. 115 p. (Tese de Douto~ado apresent~ da ao Curso de Pós-Graduação da EAESP/FGV, Area de Concentração: Economia Aplicada a Administração).
R~sumo: Analisa criticamente o Plano Nacional de Re. forma Agrária da Nova República. Mostra que as est~ tísticas do Cadastro de Imóveis Rurais do INCRA nao
•
espelham a realidade da agricultura hrasileira, su perestimando a importância dos latifúndios e a ocio sidade da terra. Defende que os trabalhadores rurais não têm na propriedade da terra sua reivindicação principal. Questiona o paradigma agrarista baseado na ideologia anti-latifundiária e defende uma polít~ ea de d~senvolvimento rural como alternativa ~ refor ma agrária distributivista. visto as recentes trans formações da agricultura e a formação do complexo a groindustrial.
r
N D I C EINTRODUçAo
I. Os Paradigmas e a Verdade Científica
11. O Plano Nacional de Reforma Agr~ria
3
da- Nova R8p~b 1ica •.•••. ~ • • • • • • • • • . • • . • • • • • • • • 9
111. Uma Nova Vis~a da Reforma Agr~ria .••...••. 17
CAPITULO 1
Os Latifúndios: Da Histórla a Falsa Estatística 33
CAPITULO 2
A Suposta Ociosidade da Terra no -Brasil ...•... 55
CAPITULO 3
O Público da Reforma Agr~ria •...••.•.•.••.••••.• 83
INTROOUÇÃO
I. Os Paradigmas s a Verdade Cientifica
O cron c a ã to de paradigma cientificG foi desen
volvido por T. Ku~n em sua teoria sobre a evoluç~o das ci~~ cias. Os paradigmas sao realizações cientí7icas cniversalmen te r-e c o nhe cLdes , que orientam as açoes CDS preticantes de
uma ciência ou de suas disciplinas. S~o leis, tE~rias, mode los, aplicações e instrumentalizaç~o que d~o coerªncia a uma d e t e r m i n a d a prátLrca c i e n t
i
f i c a •Ao adotar um paradigma, os cientistes co~prom~ tem-se com um conjunto de regras e padrões~ formulando as re gras do jogo e da~imitando os objetivos a serem etingidos. A pesquisa científL::r:a torna-se orientada: ~ paracigma define os fatos a serem analisados e estabelece sua relEv~ncia para a teoria.
tal na "ci~ncia normal" nao é a produção de novidades. Não se trata de conquistar o desconhecido, mas de se afirmar o já conhecido. Há mesmo, como componente típico da "ci~ncia normal", um preconceito e uma resist~ncia ~s inovaç5es, que podem comprometer a integridade do paradigma. Pode-se afir mar, inclusive, que a ci~ncia, em sua fase madura, e profu~ damente dogmática.
Como ocorre então o desenvolvimento científi co?
Uma das maneiras da ci~ncia avançar é através do conhecimento cumulativo
vigente, que se aperfeiçoa.
produzido no âmbito do paradigma Todavia, o desenvolvimento cien tífico mais significativo resulta de um tipo de alteração que não consiste no simples aperfeiçoamento cumulativo do p~ radigma, mas sim na sua superação e substituição.
voluç5es científicas.
são
as reUma revolução científica decorre do desenvolvi mento da própria prática científica, que no seu des~nrolar vai se defrontando com anomalias, ou seja, com problemas que nao conseguem ser equacionados ou resolvidos a partir das concepç5es anteriores~ Essas anomalias são normalmente deixa das de lado pela "ci~ncia normal", quase sempre acontecendo que a não ocorrência de um resultado esperado desacredite mais o cientista que a teoria utilizada.
Ao mudar o paradigma, muda o próprio mundo no qual o cientista exercita sua prática, alterando-se a forma como ele percebe a realidade. Ocorre que essa percepção está sempre comprometida com um modelo interpretativo, assumi do conscientemente ou não. Nas palavras de Kuhn,"o que um
h!?..
mem vê depende tanto daquilo que ele olha como daquilo que
sua experiência visual-conceitual o ensinou a ver. Em vez ~e
ser um int~rprete (da realidade)~ o cientista que a~raça um
novo paradigma ~ como o homem que usa lentes inversoras.
frontando-se com a mesma constelação de oi--jetosque antes~
De
e
tendo consciência distoj ele os encontra~ não orstante.~
talmente transformadas em muito~ detalhes."(l) Por essa
to
ra ze o , cientistas ligados a paradigmas diferentes vêem coisas distintas, mesmo quando olham para o mesmo lugar.
o
exemplo mais cristalino de uma revolução cien tífica e apresentado pela Física, 6nde o paradiFma newtonia no foi substituído pelo elativista. Sabe-se que Einstein foi considerado um louco, primeiro, depois um gênio que pe~ mitiu o extraordinário desenvolvimento da Física. Oarwin tem bem modificou completamente E Biologia, que avançou signifi cativamente após sua teoria da evoluç~o ~atural.E: ilustrativo apontar que na Agronomia viven cia-se-recentemente um s~rio questionamento científico. Após Leibig, o conhecimento agronômico passou por uma fase espeta cular de desenvolvimento, baseado no paradigma químico-red~ cionista. Entretanto, o reducionismo que impera na Agronomia não tem absorvido totalmente a compreensão dos complexos f~ nomenos biológicos, manifestados especialmente nos trópicos.
Ensaios de adúbação química que nao mostram re sultados significativos; agrqtóxicos que não controlam as
(1) KUHN, Thomas. -The'Strüctüreo'f CientificRevolutions. 1962. Citado em: SANTOS, Irineu R. Os Funda
Polis. mentosSa~iaiS da Ciência. são Paulo.
6
...
pragas, doenças e plantas invasoras; pr~ticas de cultivo que nao levam a aumentos de produtividade; sistemas de criação que t§m se tornado insustent~veis;
lidade biológica.
alimentos que perdem qu~
A "ci~ncia normal" da Agronomia est~ em crise e mui to s e st udio sos p rat i ca,rna "ci~n cia e xt raordi né rLe ? , ma
nifestada pelos gritos da agricultura alternativa ou eco16gi ca. Começa a surgir um novo paradigma na ciência agronômica e a evoluç~o est~ em marcha acelerada. Novas pesquisas estão removendo os obst~culos que freiam a melhor compreensão da Natureza, ampliando as possibilidades de o Homem dela desfru
ta r , sem destruí-la.
Meu trabalho, exposto a seguir, nao versa 50
bre a teoria da ciência, nem tampouco sobre a agricultura aI ternativa. Mas a disposição em lev~-lo adiante prende-se ao raciocínio epistemológico referido. Esta tese, sobre Reforma Agr~ria, contraria o paradigma adotado pela maioria dos est~ diosos da nossa questão agr~ria, buscando nova interpretação da realidade brasileira atual.
Minha argumentação estar~, muitas vezes, próxi ma do raClOClnlO. r. anti-reformista. Mas, contrariandcr as ap~ rências, naosignifica posição reacion~ria e sim um avanço, que rompe com o conservadorismo e com a ingenuidade das an~ lises tradLci.onais, comprometidas com o paradigma vigente.
Quero retomar, to crítico de Caio Prado Jr.
atª como homenagem, o pensame~ sobre a questão agr~ria brasi leira. Nada me' parece mais oportuno que suas observações s~ bre os equívocos na interpretação da realidade histórica e seus reflexos na an~lise da revolução biasileira.
Alertava Prado Jr. que "nada ee
r-o-i
x-ia, comotantas vezes se faz, trazer soZuções ditadas peZa boa vonta
de e imaginação de reformadores, inspirados embora na meZhor
das intenções, mas que, por mais perfeitas que em principio
fatos presentes e atuantes as circunstâncias capazes de as
o L o lO ,,(2)
promover~ ~mpu s~onar e rea ~zar.
Essas falsas soluções decorrem do uso de teo rias e suposições distanciadas da realidade brasileira. le vando-se a ver os .fatos não como sao. mas como "deveriam" s e r
ã
1 u z dom o de lo i n t e rp r e t a t i voa p r i o r i st i c a me n t e a d o t a do. E isso. continua o autor. "vem impedindo uma revisão doassunto e a elaboração adequada de uma teoria revolucionária
que~ efetivamente3dê conta dos fatos de nossa realidade. Os
esforços nesse sentido~ partidos de umas raras e esparsas
iniciativas que procuram contrapor-se aos dogmas estabeleci
dos e aos "slogans" consagrados~ não encontraram at~ hoje
eco. (... )
t
de e ep ena» que de e ta ve z~ e advertidos p e la experiência que hoje~ mais que nunca~ põe bem a vivo o erro co
metido3 que consiste em teorizar no abstrato e na base de mo
delos que não se enquadram na nossa realidade~ ~ de esperar
que se proceda~ de uma vez por todas~ a uma rigorosa e hones
ta revisão da análise e interpretação dos fatos brasileiros~
e
à
elaboração de uma teoria revolucionária que efetivamentese ajuste a esses fatos.,,(3)
Passados mais de duas_décadas. nem o filósofo da ciência nem o historiador-revolucionário aqui citados co~ seguiram influenciar de forma decisiva os agraristas da nova geraç~o. que continuam batendo em teclas gastas. conforme ar gumentarei a seguir.
Antes. porem. quero registrar que enxergo mui tos dos equívocos existentes na análise da questão agrária como Schaff concebe o conhecimento e a verdade históríc~. Ao defender que a verdade histórica é sempre uma verdade parcial. incompleta e relativa. embora seja uma verdade objetiva na
(2) PRADO .Lr, Caio. A ReVoluçãGBrasileira. S~o Paulo. Brasi liense. 1966. p.5-6.
.
,
medida em que reflQte a realidade, este autor pergunta se os histofiadores mentem quando, dispondo dos mesmos materiais hist6ricos,escrevem hist6rias diferentes.
Ao buscar uma resposta, Schaff argumenta que e quase axiomático considerar que o historiador começa seu em preendimento científico por um fato, um acontecimento concre t o e r e Ie va nt e do p a s s a do. Mas p a ra 8Ie i s s o é f a I s o: "Nos eu
trabalho~ o historiador não parte dos fatos3 mas dos mate
riais hist6ricps3 das fontes~ com a ajuda dos quais constr6i
o que chamamos fatos históricos. Constrói-os na medida que
seleciona os materiais disponiveis em função de umcsrto cr~
tirio de va[or3 como na medida ~m que os articula~ conferin
do-lhes a forma de acontecimentos hie
t
or-i
eoe,
Ae eim , a despeito das aparências e das convicções correntes3 os fatos
hist6ricos não são um ponto de partida3 mas um fim3 um resul
tado.
Por
conseguinte3 não há nada de espantoso que os mesmos materiais3 semelhantes nisto a uma matiria-prima~ a uma
.substância bruta3 sirvam para construções diferentes. (... )
Esse fenômeno i simplesmente o resultado da especificidade
do conhecimento que tende sempre para a verdade absoluta mas
realiza essa tendência no - e pelo- processo infinito da acu
mulação de verdades relativas.,,(4J
Mentem os pesquisadores? Não, a exceçao de
quando perseguem fins extracientíficos e perdem o compromi~ so com a verdade. Nesses casos, como na luta polí~ica e no combate ideol6gico, nem sempre vale aquilo que é verdadeiro. Mas esse campo não será contemplado .ne s s e trabalho. Procura rei apenas a verdade da terra, para com ela poder alimentar adequadamente
país.
as mudanças sociais que se impõem em nosso
II.
o
Plano Nacional de Reforma Agr~ria da Nova Rep~blicaDesde h~ muito se propugna por uma reforr.la
agr~ria no Brasil, sendo o inicio dos anos 60 a epoca em qu~ essa tese mais se popularizou, fazendo parte do cotidiano de luta das massas.
preconizadas durante
Era. uma das principais reformas d~ base
o governo Goulart. Acreditava-se que
sem uma profunda :reforma na estrutura agrária a sociedade bra sileira nao conseguir~a industrializar-se e sair do subdesen volvimento.
Com o golpe militar de 1964, as forças politi cas progressistas foram desmanteladas, sepultando especial mente os projetos que propunham mudanças sociais de vulto, algumas na direção do socialismo. A intervenção e ô repres
são violenta nas Ligas Camponesas fizeram com que a reforma agrária fosse temporariamente esquecida.
Poucos meses após o golpe, entretanto, em ou
tubro de 1964, o governo encaminhava ao Congresso Nacional a Mensagem nV 33, que continha o Estatuto da Terra, lei qUE re
gulava "os direi-tos e obrigações co n ce r ne nte e aos +e n e i;:::ó
promoçao da politica Agricola."
Apns justificar a prioridade governamental pe los anseios de reforma e justiça social dos trabalhadores ru rais epara amainar as tens5es criadas pelo governo anterior. a Mensagem n9 33 deixava claro o car~ter da soluç~o proposta para a quest~o agr~ria: a "opç~o democr~tica". conforme foi denominada em co~traposiç~o ~ "op~~o socialista". baseia~se no estImulo a pr8priedade privada. num sistema que permite a formaç~o de propriedades de tamanho econômico em relaç~o ao conjunto familiar.
o
Estatuto da Terra expressava assim uma concepçao ideológica e estratégica baseada na doutrina da Alian ça para o Piogrssso e assumida formalmente pelo 8rasil na Carta de Punta Del Este. O Estatuto era uma vitória do Cas telismo. que se tornava seto~ hegemônico da coalizaç~o go! pista e enfatizava a relaç~o entre a Reforma Agr~riae demo cracia polItica. através da derrocada da tradicional oliga~ quia agr~ria e súa substituiç~o por uma vigorosa classe me dia rural que servisse como base social para o regime demo crático burguês.
Os sucessivos governos militares. conquanto dispusessem de u~a moderna legislaç~o agr~ria. que previa in clusive a indenizaç~o de terras através de títulos da dIvida pGblica (Emenda Constitucional n9 10. de 9 de novembro de
1964). n~o levaram adiante um processo de redistriQuiç~o de terras que pudesse alterar a estrutura fundiária brasileira. N~o é desprezível. mesmo assim. o trabalho de regularização fundi~ria executado pelos governos militares. distribuindo I
milhão de títulos de propriedades e transferindo cerca de 30 milh6es de hectares de terras pGblicas a particulares.
Tancredo Neves, a deflaEar a decantada reestruturaç~ona pos
se e uso da terra.
Durante esse período, a agricultura hrasileira
atravessou fase de grande transformação, modernizando-se e integrando-se com a indGstria. Um argumento histórico, pri~ cipal alavanca do movimento reformista no campo, havia caí do: a redistribuição das terras não fora pré-condição para o desenvolvimento das forças produtivas na agricultura, que se expandiu como nunca entre 1965 e 1985, mantendo e até mesmo agravando a concent:ca-ç;-ã-oda terra~
6
g "-",e nto p r o d_U.t.;lv-i:s:t~ ní n econômiCO: pas-=n---s~~arou uma questao de justiça, uma f-orma de
baseado no raClOCl
.
..
reforma agr~ria v! dar cidadania aos
milhões de marginalizados no campo, que foram excluídos do recente processo de transformação capitalista. O discurso da redemocratização política foi traduzido para a questão agr~ ria: democratizar o acesso a terra
-
virou palavra de ordem. "A terra para quem nela trabalha" •..Criado o Ministério da Reforma e do Desenvolvi mento Agrário (MIRA0) e indicado um Ministro ligado à Igreja Católica, cujas Pastorais da Terra haviam se transformado em importante força política pró-reforma, começou-se a elabora ç~o do Plano Nacional de Reforma Agr~ria. Em maio de 1985 o MIRA0 divulgava sua "Proposta para ~laboraç~o do 19 Plano Na
cional de Reforma Agrária da Nova RepGblica", documento ela borado por uma equipe técnica de alto gabarito, composta por
mais de uma centena de pessoas, todas comprometidas com a causa agrarista, a começar pelo seu coordenador, então Presi dente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), Dr. José Gomes da Silva,Dm dos "pais" do
da Terra.
Estatuto
O Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) foi finalmente aprovado em outubro de 1985, em "me"io a enorme ce
emocional. Após sucessivas versoes~ e i n co nt
á
v e i s rB uni õ e s , a Proposta do PNRA transformou-se em plano oficial de governo através do Decreto n9 91.766 de 10/10/85.A meta, estabelecida no PNRA, era de 7,1 mi lhõeB de famílias a serem beneficiadas com um pedaço de ter ra até o ano 2000, das quais 1,4 milh~o rio quadri~nio 1985/ 89. Afirmava o PNRA: "Trata-se de integrar a comunidade poli
tica~ como cidadãos plenos~ uma parcela significativa da p~
pulação brasileira~ submetida a relaç5es sociais atrasadas
ou completamente marginalizada;exatarnente
peZaimpossibili-'dade 'do acesso a terra. Assim~ o desafio que se coloca asa
ciedade e o de saber se o Brasil pode continuar convivendo
com a terra ociosa~ ao mesmo tempo em que precisa criar e~
pregos~ gerar x-i qice za e, promover a Justiça Bo c-ia l, o proçjYJe~
so do trabalhador rural e o desenvolvimento econ3mico do
0# ,,(5)
pa'&s.
Para o assentamento desses contingentes se co~ tava com um estoque de terras da ordem de 409,5 milhões de hectares, pertencentes aos latifúndios, além de uma estimat~ va de 71,7 milh~es de hectares correspondentes ~terras arre cadadas pela Uni~o. Esse fabuloso estoque de terras, dimen sionados na Proposta do PNRA, permitiria atender com sobra ~s necessidades de assentamento daquelas 7,1 milh~es de fam! lias. Terra de exploraç~o que se transformaria em terra de trabalho, no lemacatólibo mais conhecido.
Para fornecer idéia do grau de concentração da terra no Brasil, a Proposta do PNRA, que é um documento mais detalhado que o próprio PN~A, explicitava: "a concentração
da terra se evoZumou. Trezentos e quarenta e dois (342) pr~
prietários de latifúndios por dimensão controlavam~ em 1984~
uma area de 47~5 milh5es de hectares. Esta area supera em
quase 5milh5es de hectares o total de terras em poder dale
. - d . 7h- d "f d-i d <#" (6)
g~ao e 2,5 m~~ oes ~ m~n~ un ~stas o pa~s .
Muita terra sem gente. muita gente sem terra. Essa voz comum sobre o problema agrário brasileiro ganhava respaldo nas hdstesgovernamentais com o PNRA. um plano com alcance social inigualável.
por espíritos mais audazes.
embora tido ainda como modesto
As dificuldades na execuçao do PNRA nao tarda ram a surgir. Na mesma data de sua aprovação. o Presidente do INCRA demitiu-se do cargo. alegando a desfiguração da Pr~ posta inicialmente apresentada. Pouco tempo depois. em maio de 19ô6. foi a vez do Ministro Nelson Ribeiro se demitir.
agrária.
A substituição na alta hierarquia da reforma entretanto. contemplou a esquerda do PMDB: o novo Ministro era o Dep. Federal Dante de Oliveira. eleito Prefei to de Cuiabá. MT. enquanto que para o INCRA foi nomeado o Eng9 Agr9 Ruben Ilgenfritz. líder do cooperativismo gaúcho.
Ambos. Ministro e Presidente. compuseram equipes de confian ça das esquerdas. reacendendo a esperança dos reformistas e dos trab~lhadores rurais.
Entretanto. ao se fazer um balanço quantitati vo da reforma agrária da Nova República. verifica-se que mui to poUco do prometido foi cumprido .• Em maio de 1988. menos de 3~3 milh5es de hectares haviam sido desapropriados e as famílias beneficiadas atingiam pouco mais de 30 mil.
uma meta de 450 mil famílias até fins de 19ô7.
contra
Dentre as razões apontadas pelo fracasso da execução do PNRA. as de natureza política se sobressaem. Ar gumenta-se que acomposição de forças que elegeu Tancredo/Sar ney não permitiria jamais uma profunda revisão da estrutura
(6) MIRAO/INCRA. Proposta para Elab~ração do 19 Plano
Nacio-nalde Raf~~M~ ·Ag~á~i~d~NdVeRa~ública. Bra
agr~ria. A evoluç~o da composiç~o, polftica do governdSarney mostrava um alijamento da tendência progressista do PMDB e um reforço das posições conservadoras. Embora prometida e sempre reafirmada, a reforma agr~ria n~o deixava de ser ~p~ nas 'uma espécie de mel para as esquerdas.
o
episódio da aprovação do próprio PNRA, elaborado a partir da Proposta inicial ~ara elaboração do PNRA, e usado como confirmação da inexistência de vontade política para implementar uma redistribuição de terras de vulto. De pois de apontar'v~riosrecuos do Plano com relação ~ Propo~ ta, entre eles a n~o inclus~o, no PNRA, d~s ~reas regionais prioritárias e a limitaç~o da desapropriação por interesse social apenas das parcelas consideradas ociosas dos latif~n dios, Gomes da Silva conclui que "depois de tantas esperan
ças~lutas'e dehatis~ o Plano finalmente aprovado pouco teve
a ver com a Proposta discutida com a sociedade. (... ) Na ver
dade~ Sarney deixava de ser o sucessor de Tancredo e o sonha
do estadista das reformas para voltar ao coronel do Maranhão
e presidente do PDS:rendera-seaos latifundiários~ ao amigo
Flávio Brito~ ao compadre Sodré. A reforma agrária tinha mes
"d ~" "(7)
mo b o para o L,reJO.
Esse freio político, que evidentemente, se mani festaria de várias formas durante a execuçaoda Reforma (como na falta de verbas e no insuficiente apoio dos demais Minis térios ao PNRA), aliado ~ resistência dos latifundi~rios, a trave~ especialmente da recém~criada UDR - União Democr~tica Ruralista, sem dGvida contribuiram para mergulhar a reforma agr~ria em mare baixa.
Mas, sem desconsiderar a capacidade de reação
e articulação das forças conservadoras, sobretudo para
(7) GOMES DA SILVA, José.C~i~drr~rr~
enfrentar ameaças ao princípio da propriedade privada, acre dito que as objeções de natureza política foram superestim~ das na explicaç~D do fracasso da reforma agr~ria.
qu~ tal reaç~o era previsível.
Mesmo por
Tendo vivenciado a execuçao da reforma impl~ mentada pelo MIRAD/INCRA, durante a curta gest~o do Ministro Marcos Freire, pude sentir de perto os pros e contras na pra tica cotidiana da reforma agrária. ~ verdade que certas ins tâncias governamentais procuravam frear alguns processos d~ sapropriatórios.
o
mesmo acontecia com parlamentares e com representantes de grupos econômicos poderosos. Em nenhum mo mento, porem. senti que tais pressões fossem descabidas ou ilegítimas. Assim como nâo D' eram as manifestações dos" sindicatos"ou do movimento dos "sem-terra" a favor de desapropri~ ções daquilo que bonsideravam latifGndios improdutivos.
A pr~tica democrática pressupõe tal liberdade de açao polític~. por mais que isso possa "atrapalhar" o tra bajho governamental. Somente governos tecnocr~ticos ou rev~ lucionários n~o aceitam pressões políticas em sua aç~o exec~ ti v.a. Eram normais, assim, as açoes organizadas dos advers~ rios da reforma agr~ria, ainda mais considerando as dGvidas de vários processos desapropriatórios. conforme atestavam as liminares judiciais conseguidas p~los proprietários.
A verdade é que nenhuma "força"oculta" impedia. por absoluto, o trabalho do MIRAD/INCRA. Estou convencido de que era o própriD Plano Nacional de Reforma Agrária nosso grande advers~riD: b PNRA havia criado uma imensa expectati va, sem condições de atendê-la. Era nec e s sárí.o rever o Plano.
pois sua concepç~o fora equivocada. Mas não havia condições políticas para isso. Afinal. o MIRA0 ainda dava uma fachada progressista para o titubeante governo Sarney e na Consti tuinte se travava uma batalha decisiva na quest~o da terra. Rediscutir o PNRA seria
di reita.
·
'17
111. Uma Nova visão da Reforma Agrária
í
Uma regra básica da metodologia científica es tabelece que os pesquisadores devem. primeiro. localizar com
clareza o problem~ a ser analisado. situando-o, no contexto de uma temática mais global. para definir. a relev~ncia da pesquisa e sua contribuição âO processo do conhecimento.
o
arcabouço te6rico bem delineado e o rigor na obtenção e no manuseio dos dados e informações podem se to~ nar relativamente inf~utíferos. quando o trabalho científico nao parte de uma questão real e intrigante para a sociedade. Esse risco na produção de conhecim~nto asc~tico. irrelevante socialmente. ~ comum ao academicismo que se pratica em mui tos centros de saber onde se cultiva a "ci~ncia normal". Teo ricamente coerentes. metodologicamente corretos. quantos tra balhos de pesquisa não dormem nas prateleiras por terem ger~ do conhecimento inútil:de vivenciá-la. aliada evidentemente ao conhecimento ante elementos de reflex~o rior sobre o assunto. ofereceram-me
que a distância universitária tende a bloquear. possibilita~ do e exigindo uma crítica profunda da análise sobre a que~ tão agrária brasileira.
o
ponto de partida dessa reflexão repousa naenorme dificuldade prática que os SuperIntendentes Regionais do INCRA tinham para arrecadar terras a serem destinadas ~o assentamento de trabalhadores rurais. Trata-se de um fato concreto que permite um questionamento elementar. embora fun
damental: se a disponibilidade de terras ociosas era t~o
grande. por que o INCRA não as localizava? Se os latif~ndios e suas areas eram tantos. por que os processos desapropriató rios eram t~o insignificantes?
Especialmente no Sudeste e no Sul do país. os agentes do INCRA realizavam verdadeiras noperaç5es pente fi non para identificar áreas inexploradas de latifGndios e con seguiam parcos resultados. Alguns imóveis abandonados. mui tos deles espólios em disputa familiar. já haviam sido desa propriados no começo da reforma. Outros latifGndios. compl~ tamente tomados por posseiros há anos. com c~sos antigos de conflito. receberam ação rápida do MIRAD/INCRA. mesmo porque seus proprietários facilitaram as desapropriaç5es para pod~ rem receber a indenização pGblica.
A· medida em que o tempo corria e os movimentos sociais exigiam o cumprimento das metas do PNRA. crescia a dificuldade em arrecadar terras
c
e assentar .nov o s trabalhado res rurais. Em certos momentos os resultados eram. desanimado re s:
\
as vistorias de imóveis classificados como latifúndios indicavam fazendas produtivas e novas vistorias eram progr~ madas. numa ação pontual e desgastante.
o
comprometimento político e a competência té~organizados em seus sindicatos e movimentos~ participavam ativamente do processo, indicando propriedades improdutivas, às vezes invadindo-as. Mas as desapropriações por interesse social nunca atingiram vulto.
Quais as razoes dessa ineficiência? ~ certo que faltavam verbas para custear um processo de vistoria mas sal, além de existirem algumas dificuldades operacionais. co mo a falta de técnicos especializados. Mas tais deficiências
pouco explicam daquela ineficiência, pois nada garante que vistorias generalizadas tivessem maior sucesso que aquelas ações s~lecionadas, j~queestas 'recaiam sobre im6veis que mais aparentavam ociosidade, selecionados a partir do cadas tro ou por indicação de outrem.
Argumentos de natureza política poderiam ser evocados. A União Democr~tica Ruralista (UDR) tinha se forta
lecido e defendia com tenacidade os propriet~rios rurais. Mas a não ser quando, num ou noutro caso, chegou a impedir a vistoria de im6veis suspeitos, a ação da UDR pouco interf~ ria no cotidiano das atividades do MIRAD/INCRA, desenvolvSn do sua atuação política a nível mais geral .
.Quanto ao Pal~cio do Planalto, por influência da UDR e de políticos conservadores, ou
latifundi~rios do pr6prio Presidente
pelos ditos vínculos da República e de aI guns membros da cúpula governamental, certos processos desa propriat6rios ficavam engavetados por algum tempo. Mas isso não era significativo e somente ocorria na fase final da de sapropriação, não explicando a ineficiência dentro da esfera
do MIRAD/INCRA.
Basta verificar que até fins de. 1987, cerca de
de exeeuç;o da reforma agr~ria,. passando para quase 4,5 mi lh5es de hectares desapropriad6s, menos de 1% da disponibil! dade ~e terras estimadas na Proposta do PNRA.
Minha hipótese explicativa do problema apont~ do ~ que inexiste o volume de t~rras ociosas disponível para programas de reforma nos moldes apregoados pelo Plano
nal de Reforma Agr~ria.
Nacio
~ ev~dente que h~, ainda, muita terra sem ocu paçao produtiva no pais. Essa con9tataç~o n~o deve, entretan to, fazer supor que h~ farta quantidade de terras para redi~ tribuiç~o fundi~ria, pois o conceito da disponibilidade pr~ cisa ser relativizado em função da possibilidade de seu uso. Tal pO'ssibilidade, por sua vez, depende da qualidade do re curso fundi~rio e da exigência de capital para incorporar a terra ao processo produtivo.
Entendendo dessa forma. como processo históri co, ~ possIvel s~stentar que o capitalismo brasileiro ~ sufi cientemente avançado, especialmente no Sude~te e Sul do pais, para m~nter latifQndios improdutivo~e permitir elevada oeio
sidade de meio de prod~ção t~o importante e valorizado .a terra.
como
Tampouco ~correto. no meu entender, a0aliar em tantos milh5es os benefici~rios da reforma agr~ria. como se a justiça social no campo passasse apenas pela propried~ de da terra. Os trabalhadores rurais' das regi5es onde a eco nomia ~ dinâmica têm sua dignidade dependente de relaç5es de trabalho modernas e de sal~rios condizentes com uma existêri
cia
não
miserável.Confirmadas minhas hipóteses, ria deve ser recolocada noutros termos e a
na compreens;ode nosso problema fundi~rio. Al~m·de fornecer munição obsoleta para a luta política dos trabalhadores.
As.características do goyerno civil da chamada
Constituinte mostram que por sobre
na Assembl~ia Nacional o duelo entre direita e Nova Re p úb l iça e os ·embat es travado s
esquerda. trava-se na .sociedade uma ~isputa entre o moderno e o arcaico. ~ como disse o Senador Fernando Henrique Cardo so ao discursar sobre o Estado Moderno: "A história econômi
ca brasileira mostra a constante presença do Estado como
agente propulsor do desenvolvimento econômico. A antinomia
,es t.a
ti-i
zaçao " - 'privati zação"~um falso p rob lema. Lnj e lizme nte~ em nosso debate atual~ perdemo-nos freqf1entemente no aE.
caismo. Os 'progressistas' defendem o populismo e os 'conser
(8 )
vadores' o atraso."
o
sentimento d~ descrença e frustação que pe~meia a Nação indica a nec8ssidadede um questionamento geral por parte da sociedade. A' transição democr~tica. bem ou mal.
pX:-0piciou condições para esse grande debate nacional. do qual a intelectualidade bra~ileira não pode se esquivar. Mas. na busca da modernidade. as velhas teses necessitam ser repensadas a fundo.
Quero inserir meu trabalho nesse contexto. pr~ curando contribuir para uma moderna ~isão dos problemas agr~ rios do Brasil. especialmente da reforma agr~ria. Pode par~ cer pretenção demasiada. mas se vera que a empreita
é
sim pIes. desde que despida de surradas roupas ideológicas que impedem a transpar~ncia da verdade.CAPITULO 1. OS LATIFONDIOS: DA HISTORIA
A
FALSA ESTATIsTICAPaís de dimens~es continentais, com area total próxima dos 850 milh~es de hectares, o Brasil apresenta boa parte do território própício à ocupação humana e à explor~ ção agropecu~ria, com con~ider~vel potencial produtivo.
A forma como se deu a ocupação histórica, en concentração da propriedade e da tretanto, levou à elevada
posse da terra, distorção que se agravou nas últimas décadas (pelo menos até 1980), conforme mostram as v~rias an~lises realizadas sobre o assunto. são os conhecidos latifúndios, ao lado de milh~es de minifúndios,
tura fundiária brasileira.
que caracterizam a estru
A historiografia consagrou o latifúndio como o maior dos males de nossa formação social. Originário do l~ tim, significando os grandes domínios privados da aristocra eia na Roma éntiga, o conceito de latifúndio vincula-se à
agrária tradicional ostenta sua dominação política.
Um de seus maiores estudiosos, Alberto Passos Guimarães, assim escreveu em consagrado livro: "Se acompa
latifundiário brasileiro, a
nharmos a evolução do sistema
partir de sua forma integral primitiva, veremos que ele, ao
entrar nas etapas da crise de decomposição, foi perdendo,
gradativamente, algumas de suas principais caracteristicas,
sem contudo perder, desde o inicio até hoje, aquelas que o
qualificam como um regime arcaico, dnacr3nico, lesivo aos in
teresses progressistas da sociedade brasileira."
"Ao recapitularmos aquela evolução, desde o
ponto em que o sistema latifundiário brasileiro guardava por
inteiro seus tr~s carac~eres originais - o caráter colonial,
o caráter escravista e o car&ter feudal verificaremos que
apenas um deles desapareceu totalmente e os ~~tros dois ·cil
teraram-se parcialmente! Assim, O sistema latifundiário bra
sileiro atravessou um longo periodode desagregação sem dei
xar de ser o que ainda hoje é - um sistema semicolonial e se
mifeudal."
"Embora nao seja mais,
-
como era, uma peça domecanismo da meti6pole, mantém-se como um apindice das gran
des pot~ncias industriais, para cujos mercados destina a qu~
se totalidade de sua produção. E, apesar de não mais ser, co
mo antes, um conjunto de senhorios aut3nomos, armados de to
dos os poderes do 'govern6', conserva o mais forte vestlgio
da ess~ncia do medievalismo: o poder de coação extra-econ3mi
co, que lhe é conferido pela atual estrutura ultra-monopoli
zada da terra."(9)
Derrocar o sistema latifundiário, erradicando o latifGndio de no~sa agricultura, constituiu-se num dos
(9) GUIMARAES, Alberto Passos.·Q~at~~ 'SªcUlosdeLatifGndioi
brados históricos mais veementes na luta pelo desenvolvimen to nacional. Visto quase sempre como aliado do capital inte~ nacional, de~ido ~s teias do mercado exportador, livrar-se do latifúndio e do imperialismo era tido como receita certa contra a pobreza brasileira e latino-americana em geral.
Nelson Werneck Sodré foi um expoente nessa in terpretação da realidade brasileira: "A economia brasileira
sobre a dupla pressao: a externa~ com o imperialismo~ e a in
t.er
na , com o latifúndio. (... ) A co nt
radi.ç ào fundamental~ assim~
é
entre a naçao e o imperialismo e seus agentes internos~que se desenvolve p~ralela e intimamente associada
a
contradiçao entre as forças produtivas em desenvolvimento e
o monopólio da terra que as entrava (... ).
E
surge claramente a necessidade de juntar o côro do campo~ com a liquidaçao
do latifúndio e das relações semi-feudais de produçao~ ao cô
ro das classes que participam da luta pelo livre desenvolvi
mento do pais. Latifúndio e imperialismo aparecem como peças
conjugadas~ trabalhando no mesmo sentido.,,(lOl
o
golpe militar ocorrido em 1964 e os desdobramentos posteriores da economia exigiram novos esforços para a compreensão da dinâmica da sociedade brasileira. As modifi caç5es na esfera mundial, com a expansão do capitalismo no Terceiro Mundo e a internacionalização das economias dos pai ses coloniais, levaram à substituição da teoria do ir'npeL'iô lismo por concepçoes mais modernas, como a teoria da depe~ dência. Mesmo assim, o anti-imperialismo mais elementar ai~ da se faz presente, como demonstrou o debate constituinte so bre a nacionalização da distribuição de combustíveis no país.
Quanto"ao latifúndio, ~mbora muitos estudiosos apontem sua transformação capitalista durante a modernização recente da agricultura, seu conceito permanece vivo como
26 _
.•
-~nunca, utilizado de forma recorrente nas discussões e análi ses sobre a questão agrária brasileira. As mazelas do siste ma iatifundiário marcaram profundamente o debate nacional e ainda hoje a ideologia anti-latifundiária marca f~fte prese~ ça no cenário nacional.
Vários trabalhos e textos poderiam ser evOca dos para comprovar essa presença. Afinal, rios de tinta se consumiram nas análise~ recentes da agricultura brasileira, tema que desperta a atenção de muitos estudiosos, de políti cos e da população em geral, cujas origens rurais são pr6xi mas. Para quase todos,a constataç~o das enormes desiguald~
des da nossa estrutura fundiária e o princípio que embasa aquela ideologia.
A síntese dessa const~táção e encontrada na
de Reforma Agr~ "Proposta para Elaboração do Plano Nacional
ria da Nova RepGblica" (Propos~a .do PNRA), documento elabora do por uma centena de especialistas na questão agrária brasi leira: "A concentração da posse da t.exrx-a , historicamente gE:..
rantida e 'contemporaneamente estimulada3 fez prevalecer a 1.-n
justiça social no campo. Enqu~~t03em 19843 constatava-se a
existência de 1036 mi l.hoee de 'trabalhadores rurais sem tierr a,
os im6veis rurais considerados como latif~ndios apropriavam
409 milhões de hectares. Esses im6veisapresentavam em 1972
cerca de 25% de sua area avroveitavel não explorada. Essa si
tuação agravou-se de forma suhstantiva3 tanto que em 1984
J - (11)
passou a ser de 41%a area nao explorada." .
Saber que algumas centenas de grandespropri~ tários rurais detém quase metade do territ6rio nacional e deixam cada vez mais ociosa grande parte de suas terras, num país onde a fome e a miséria grassam, seria razão suficiente para manter a ideologia anti-laiifundi~ria e acender a chama
(11) MIRAD/INCRA. Proposta para Elaboração ••• p.6 •
27 de uma reforma agr~ria distributivista.
Mas a realidade n~o ~bem essa. Embora seja
possivel encontrar imensas propriedades rurais. ociosas e que ainda mant~m uma estrutura interna de poder quase feudal. a an~lise mais isenta e cuidadosa permite questionar o argume~ to que enxerga no latifGndio o traço marcante de nossa estru tura agr~ria atual. Sen~o vejamos.
Embora os dados do MIRAO/INCRA mostrem que os latifGndios representam perto de 26% dos imóveis rurais bra sileiros e ocupam quase 70% da ~rea total cadastrada no pais. as mesmas estatísticas permitem descobrir que 58~2% desses latifGndios têm ~re~ menor que 100 hectares e 89,8% nao atin gem 500 hectares.
r
o que se verifica na tabela 1.Tabela 1 - l.e tí f úndí o s "por Exploração" no ·Brasil. 1985.
Regiões e Latif.Expl./ Latif •Expl. 100 ha Latif.Expl. 500 ha
Estados Total Imóveis % n9 % area % n9 % area
BRASIL 26.3 58.2 8.6 89.8 29.6
NORTE 24.8 9.7 0.9 66.9 10.4
NORDESTE 21.9 33.0 9.1 90.0 41.4
SUDESTE 29.8 69.3 23.0 95~8 61.2
SUL 24.2 87.1 43.8 98.4 74.5
CENTRO-OESTE 43.3 22.4 1.4 68.1 13.4
são Paulo 29.6 77.6 28.2 96.9 63.8
Paran~ 24.1 85.3 39.1 98.1 70.4
Rio G. do Sul 21.2 86.2 43.4 98.3 76.2
SP + PR + RS 24.4 83.2 36.1 97.8 69.6
Fonte: MIRAD/IN[RA. Estatisticas Cadastrais Anuais. 1986.
Também impressiona que a grande maioria dos la tifúndios daqueles Estados sequer alcancem os 100 hectares de ~rea e a quase totalidade tem até 500 hectares; ocupando expressiva quantidade de ~rea dentre os latifúndios. Apenas na Regi~o Norte e, em menor grau, no Centro-Oeste, os peque nos latifúndios t~m import~~cia relativamente reduzida.
O resultado dessa pequena an~lise é imediato: esses "latifúndios" em nada se assemelham aos famosos lati fúndios consagrados no conceito histórico-popular. N~o have riam coronéis, nem generais, capazes de comandar um exército formado por quase 700.000 "latifúndios" que sequer tª~ 100 hectares, ou mais de 1 milh~o de "latifúndios" com area me nor que 500 hectares.
Como acreditar nesses dados? Como compreender que ex~stam pequenos latifúndios, algo que nega a própria origem etimológica da palavra: lato-fundis?
Para o entendimento desse absurdo h~ que se
averiguar os ditames da legislaç~o agr~ria brasileira, seus
\
princípios e sua operacionalizaç~o. Como se sabe, é o MIRAo/ INCRA* o órg~o federal responsável pelo cadastramento das propriedades rurais nD país B pela execuç~o da política fun di~ria nos termos.estabelecidos pelo Estatuto da Terra. O E~ tatuto vincula a propriedade à funç~o social conforme os ter mos do parágrafo 19 do artigo 29:
"§19.
A propriedade da terra desempenha integralmente sua função social quando~ simultaneamente:
(*) E preciso lembrar que o INCRA/Instituto Nacional de Co Ionização e Reforma Agrária foi extinto recentemente, atra ves do Decreto-Lei 2.363, de 21/10/87, logo apos a posse do Sr. Jader Barbalho no MIRA0, Ministério que incorporou as atribuições daquela autarquia extinta, à exceçBo de sua Pro curadoria Geral, que se transformou em nova autarquia,
tulada Instituto Jurídico das Terras Rurais/Inter.
29
aJ favorece o bem-estar dos propriet~rios e
dos trabalhadores que nela labutâm" assim como de suas iam!:.
lias;
bJ mantém n{veis satisfatórios de produtivid~
de;
cJ assegura a conservaçao dos recursos natu
rais;
dJ observa as disposiç6es Zegais que regulam
as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a
cultivam."
Percebe-se facilmente que. por decorr~ncia. o latifúndio e o imóvel que não cumpre com sua função social. sendo mantido inexplorado em relação às possibilidades físi cas. econômicas e sociais do meio. com fins especulativos. ou seja. deficiente ou inadequadamente explorado. Alªm dessa definição de latifúndio. baseada no seu conceito histórico. fixa ainda o Estatuto da Terra que todos os imóveis rurais que excedam 600 vezes o módulo rural são tambªm latifúndios.
latifúndio:
Estamos frente. portanto. a dois conceitos de o latifúndio "por exploração" e o latifúndio "por dimensão". O primeiro deriva do não cumprimento da fun ção social da ·propriedade e independe do tamanho. desde que nao seja uma propriedade familiar. O segundo depende apenas do tamanho.
social.
indiferentemente de cumprir ou não com a função
Para completar o quadro referencial-conceitual do Estatuto da Terra e. consequentemente. da reforma agrária brasileira. a pr~pried~de familiar ª definida como o imóvel rural que. direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família. lhes absorva toda a força de trabalho. garanti~ do-lhes a subsist~ncia e o progresso social e econômico. e eventualmente trabalhado com a ajuda de terceiros.
lecido como
Dessa conceituação deriva ~~inifúndio. estabe
inferiores as da propriedade -familiar. ~~ o ~~du16rural,
conceito-chave n~ sistema de cadastro rural do =~asil, e a
~rea da propriedat.:de familiar, fixada para cada região e tipo de exploração. Esti:abelece ainda o Estatuto da Te r-r-e (art. 59)
que "a dimens~o 3a area dos m5dulos de p~oprie~ade rural s~
ra
fixada para e adia zona de cax-a c t-e ri eti c a e eco?:677'::"cas e ecol5gicas homoqe neaie ~ dis ti ntamente 3 por -tipos de e x p Lo r aç ao
rural que nela po~sam
ocorrer."
BaSJ:Bad o n e s s e ref e r e n c i a1, po ste r ~c :::-;;')e n t e de t a lhado atrav~s de w~rias leis, decretos, portô::-iôs e instru ç5es especiais, o cadastramento dos im6veis rurais ~, resumi damente, feito co~o se segue.
o
LNCRA determinou, atrav~5 de po:::-tarias, o mo*
de ~da município brasileiro e estabeleceu, redulo rural
gionalmente, índ.::ices de rendimento das atividadesagropecu~ rias considerados aceit~veis.
o
drnn o de im6vel rural, para se cadastrar, preenche uma OP - JJelcaração do Pr-o p r-det é r-ã o , na qual prestaas informaç5es ra~evantes sobre sua terra: aree total, area aproveitável,
etc.
ár~a e rendimento de cada cultura ou criação,
Ooxotejamento entre a OP B aquilo estabeleci doj:J-elo INCRA saL a classificação do Lrnó v a I e
e
c o n s eqüe n t ecobrança do ITR. Se a área aproveitável do imóvel for menor que o m6dulo dete7minado para aquele município. trata-se de um "minifúndio" •. Se tal área exceder 6[0 mód~los é um lati fúndio "por dimen:são".
Se~a tudo muito simples se nos abstraíssemos .dos c ri t ~ r i o s p aF--'3 f i x açã o dom ó d u 1 o r u r a 1 d e c a G a rnuni cíp i o •
~ fácil perceber que mesmo o mais competente cálculo nao eli mina um problema elementar: a unidade geográfica composta pe lo município nao se identifica, necessariamente, com uma zo na homogênea do ponto de vista econômico ou ecológico, con forme reza o Estatuto da Terra.
Es~a deformação leva a que apenas o tipo de ex ploração agropecwária predominante e, conseqHentemente, a a rea m~dia das pr~priedades. sejam os fatores que determinam a dimensão do mójulo rural dos municípios. Em São Paulo, por exemplo, o módulo para A~açatuba ~ de 30 hectares, enquanto que para Cotia ~ de 5 hectares. Essa diferença reflete tão somente o fato de Araçatuba estar numa região de pecuária e Cotia situar-se no cinturão verde de são Paulo. Por razão se melhante, o móddlo rural de Corumbá, MS, ~ de 110 hectares, o maior dentre os municípios brasileiros.
Em termos cadastrais isso s~gnifica que um
agricultor em Araçatuba que explore menos de 30 hectares com cereais ou área menor ainda com hortaliças ou avicultura se rá taxado como minifundista. independentemente da renda que obtenha nessa~ativid~des ou da conceituação de "propriedade familiar" expressa no Estatuto da Terra.
Numa argumentação gen~rica, pode-se dizer que as deformaçôes são proporcionais ao grau de diversificação da atividade agropecuária municipal ou regional. Quanto mais ~onocultor 0- municípiO,
imóveis rurais.
mais correto ~ a classificação dos
Co~o, entretanto, a diversificação está prese~ te em grande parte das regiôes agropecuárias, o cadastro de
imóveis, particularmente dos minifúndios, está eivado de
equívocos. Afinal, certas atividades na agricultura podem se realizar em áreE diminuta e serem econômicas, dependendo da tecnologia utilizada e dos preços relativos.
As repercussôes dessa aproximação metodológica
desconsideração da existência de alternativas para a explor~ çao agropecuária, aparecem nas estatísticas: existem no Bra sil mais de 550 mil "minifGndios" com área acima de 25 hecta res, representando 19% do total deminifGndios. Desses, 220 mil "minifGndios" s~o Maibres que 50 hectares, corresponde~ do à 7,7% do total. Cl2J
Se, antes, nos d~paramos com os "pequenos lati fGndios", agora estamos diante de "grandes minifGndios", dis tanciando-nos novamente dos conceitos históricos e consagr~ dos popularmente. Agrava essa observação a existência, sem razao lógica, de 73 "minifGndios" maiores de 500 hectares, tendo 1 deles área de 20.000 hectares, localiiado no Estado
-
*
de Rondonia •
E
um "maxi-minifGndio"!Voltemos aoslatifGndios. As estatísticas do
MIRAD/INCRA para 1985 indicam a existência de apenas 305 la tifGndios "por dimensão", aqueles que têm área aproveitável superior a 600 módulos rurais, independente de sua utiliza
-çao produtiva. Embora poucas, essas grandes unidades ocupam uma área total de 40,4 milhões de hectares,
\
resultando numa área média de 132,4 mil hectares cada 'latifúndio;,
Analisando-se sua distribuição geográfica, ve mos que nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
encontram-se 241 desencontram-ses latifGndios e 95,4% da area que ocupam, sobr.an
do para o Sul e Sudeste os restantes 64 imóveis, onde se
apropriam de 1,9 milhões de hectares, com área média de 29,7
mil hectares.
(12) MIRAD/INCRA.Estatísti~sS CadsstrsisAnUsis. Brasília. 1986.
Ao continuar a análise da distribuição dos la tifGndios "por dimensão" segundo os Estados. deparamo-nos com incrível paradoxo: são Paulo ocupa o 39 lugar entre os
Estados com mais latifGndios "por dimensão". Em primeiro vem a Bahia, com 68 desses imóveis, depois o Amazonas. com 34. seguido de são Paulo, com 33.
~ inacreditável que o Estado mais desenvolvido da Federação tenha uma quantidade de latifGnd~os "por dimen são" maior que a soma desses Le tLf ú n dLos encontrados em Ro
reí.rne , Ceará, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Paraí
Ser~ipe, Espírito Santo, Rio de Janeiro. Santa
be , Alagoas,
Catarina. Amapá e Minas Gerais. ~, ainda, simplesmente ate.!:. rador verificar que em são Paulo se encontram mais latifGn d i os" p o r di me n são" que em G o i á seM ato G r o s so ju n tos. \.'
As informações anteriores, presentes na tabela I, já surpreenderam ao mostrar que os latifGndios "por expIo ração" eram mais expressivos em são Paulo que no Norte e Nor deste. Agora, verificando os latifGndios "por dimensão"~ ve mos novamente sua supremacia na agricultura paulista.
A
primeira vista isso parece ser a confirmação da aberrante deformidade da estrutura fundiária, sinaiizando claramente por onde deveria começar a reforma agrária. Ainda mais quando se consideram alguns indicadoresciais desses lBtifGndios "por dimensão".
econômicos - so
Veiga, analisando a realidade agrária de são Paulo a partir dos dados obtidos no Recadastramento dos imó veis rurais realizado em 1978, traçou o perfil dos latifún dios "por dimensão" na agricultura paulista: "totalizam 900
mil hectares, dos quais B37milsãoaproveitáveis. No entan
to,
só
uma área de 75 miL hectaresé
utilizada com agricu~t~ra ou pecuária. Ou seja, há uma área de 762 mil hectares que
é aprovéitável mas não e explorada (..•
J.
Existem apenas10.111 pessoas ocupadas. A incidência de arrendatários e pa~
proprietario que trabalham no im6vel. Quanto ao niv~l t~cni
co, somente 13usam trator e sementes selecio~adds, s6 8 usam
tração animal e adubo orgânico, .s6 11 usam fertilizantes qui
..
micos e defensivos. O grau de ociosidade reinante nos latifú?!:.
dios "por dimensão" e tão gigantesco que nem valeria a pena
. (13)
mencionar dados sobre seu desempenho produt~vo."
Serão verdadeiras essas informações? Exprimem a realidade da agricultura do Estado mais importante, rico e dinâmico do país? Veremos.
Quando, em outubro de 1985, foi finalmente
do extinto aprovado o PNRA, as Superintend~ncias Regionais
INCRA aceleraram os trabalhos visando desencadear a reforma agrária nos vários Estádos. Em são Paulo, uma equipe inicial ficou encarregada de proceder ao levantamento dos im6veis ru
\
rais de maior porte, que sofriam uma vistoria pr~via, muitas vezes efetuada com técnicos da Secretaria Estadual da Agri cultura. O objetivo fundament~l era, rapidamente, selecionaf areas para desapropriação por interesse social.
O resultado dessas averiguações iniciais foi decepcionante. Com freq~~ncia, os dados cadastrais não confe riam 'c"om a situação concreta dos im6veis rurais e, em muitos casos. sequer a propriedade rural era encontrada pelos técni
c o s ,
Tomando-se, em especial, os latifGndios npor dimen são n , verificou-se que a maioria dessas unidades eram
desconhecidas e que os cadastros existentes no INCRA eram fa jutos. O acesso que tivemos aos arquivos daquela equipe de trabalho permitiam colher alguns exemplos desses latifGnfios
nfantasmasn, que seguem com algumas observações adicionais:
(13) VEIGA. José Eli. Informações Básicas sobre a Realidade Agrária do Estado de são Paulo Reforma
Agrá-ria. Revista da ABRA. são Paulo. 1985.
~-~_._~~~~~---35
.
1. Im5vel Col3nia Nova Trieste~ area cadastral
de 30.000 hectares, . município de Eldorado: não encontrado, ~arecendoser ~rea antiga, subdividida h~ tempos.
2. Im5vel Juq~ia Traves8~o Cachoeira Comprida~
area cadastral de 19.800 hectares, município de Juquiá: nao exist~ demarcação nem limites dessa area.
3. Im5vel Agenor dos Santos~ area cadastral de
16.200 hectares, município de ·Sete Rarras: area inexistente.
44 Sitio Cachoeirinha e Campe8tre~ ~rea cadas
traI de 14.520 hectares, municípió de Sete Bairas: ~rea gri lada~ superposta ~ v~rios im6veis, com limites ignorados.
5. Sitio Vale do Fit.anq a, area
-
~ cadastral de33.154 hectares, município de Mir~catu: ~rea inexistente.
6. Sitio Pinheiro~ area cadastral de 72.600
hectares, município de Pedro de Toledo: ~rea desconhecida, provavelmente grilada.
7. Fazenda Tamandua~ ares cadastral de 14.063
hectares, município de Matão: desconhecida.
8. Im6vel sem nome, de propriedade de Joaquim Pedro de Castro,
pio de Cardoso:
~rea cadastral de 163.200 hectares, municí area desconhecida, embora supere o tamanho do pr6prio município.
hectares,
9. Fazenda Esperança; area cadastral de 39.375
município de Presidente Prudente: ~rea desconheci da.
10. Fazenda Greg5rio da Silva Leite (Araras e
Paio l ), area cadastral de 15.200 hectares, município de Gua
reí: área grilada com limites desconhecidos.
11. Fazenda Guapiara ou Oliveiras~ area cadas
traI de 22.B95 hectares, município de Capão Bonito: area su
perposta com a Fazenda Oliveira, propriedade do PANESPA.
Esses sao apenas alguns casos, subtraídos a partir das informaç6es daquela equipe de trabalho do INCRA que, como dissemos, coordenou uma vistoria pr~via dos-m~io res latifGndios de S~o Paulo .. Infelizmente os arquivos enbon
I -trados s~o prec~rios, impedindo uma completa auditoria des sas areas.
-.r eLs
Sabe-se, entretanto, classificados como latifGndios
que nenhum dos Lrnó veLs r-u: (i:, "por dimens~o" p6de ser ~ desapropriado em S~o Paulo, hem sequer sofreu aç~o desapro-priatória por interesse social para fins de reforma agrária. Esse fato permite concluir - oque e grãvíssimo - que o c~ dastro de imóveis rurais n~o espelha a realidade da explora ção agropecuária das grandes propriedades rurais paulistas, levando
agrária.
a equívocos s~rios na compreens~o de nossa economia
Não sera um agronomo nem um economista que des vendará os mist~rios que envolvem o cadastro de ,imóveis ru rais do INCRA, como o caso desses latifGndios "fantasmas", que nao recolhem ITR - tmposto Territorial Rural, n~D t~m do no conhecido, nem tampouco s~o localizados.
o
problema n~o reside apenas na desatualizaç~ocadastral, embora esta seja grave. Ao lado da desatualizaç~o há falta de clareza na situaç~o dominial dos imóveis. Muitos proprietários cadastraram no INCRA áreas de terra de proc~ dência duvidosa e tamanho incerto, freq~entemente griladas e com documentos falsos. E essa situaç~o pouc~ se modificou d~ rante os anos, pois ao INCRA sempre interessou apenas lançar o tributo rural sobre as áreas cadastrais.
Com o advento do PNRA, em 1985, os pr-op rãet á
i~formaç~es absolutamente falsas, que nunca receberam deli gências oficiais. Tal procedimento significou, na prática, a legitimaç~o da fraude dos grileiros e especuladoresde. ter raso
Vale a pena repetir que nenhum dos latifGndios "por dimensão" do Estado de são Paulo sofreu açao desapropria t6ria do poder pGblico. simplesmente porque nao
-
foram encon trados: eram áreas fictícias, na maioria griladas, cadastra das com documentação ilegttima para facilitar seu registro ou sua venda. Em outros casos (poucos) constituiam p r o pr-âe da des produtivas; n~da semelhantedos coronéis do sertão.
aos históricos latifGndios
Essa
é
a verdade para são Paulo, Sobre os de mais Estados, especialmente do Norte e Nordeste, fica a for te suspeita de uma situação pior, pois suas estruturas agrá rias são menos consolidadas jurídica e economicamente. Sendo verdade, aqueles 47.5 milh~es de hectares citados no PNRA c~ mo pertencentes aos 342 latifGndios "por dimensão". area que superava o total de terras detidas pelos 2.5 mil~~es de mini fundistas, mQstra uma concentração que nao corresponde ~ rea lidade da estrutura fundiária brasileira.Assim como em são Paulo, o perfil das desapr~ priaç6es de terras e um sintoma dessa inverdade cadastral. Apenas alguns latifGndios "por dimensão" foram desapropri~ dos na execução do PNRA, fazendo com que a área média das de sapropriaç~es fosse de apenas 6.180 hectares. decorrentes de 470 i~óveis, perfazendo um total de 2.904.000 hectares. cuja desapropriação havia sido decretada até 17/05/1988. conforme dados do MIRAD/INCRA.
hectares, ehtre Angical e Cotegipe, BA; Fazenda Acaba Vida, com 43.539 hectares, em Niquel~ndia, GO. A lista ~ curta e nem todos s~o latif~ndios "por dimens~o", pois sua area apr~ veitável ~ menor que 600 módulos rurais do município onde se encontram.
Excluindo tais imóveis, a area m~dia das desa propriações naqueles Estados ~ de 9.064 hectares no Amazonas, 6.428 hectares na Bahia, 6.357 hectares no Mato Grosso e de 4.030 hectares em Goiás. No Pará, o maior imóvel desapropri~ do foi a Fazenda Joncon e Tr~s Irm~os, no municipio de Co~ ceiç~o do Araguaia, com área de 26.220 hectares, resultando numa area m~dia desapropriada, no Estado, de 7.307 ,hectares.
No Ceará, a maior desapropriaç~o recaiu sobre a Fazenda Reunidas são Joaquim, de 16.345 hectares, situada no município de Quixeramobim. Os 38 imóveis desapropriados nesse Estado t~m uma área m~dia de 2.667 hectares, sendo 10 imóveis menores que 1.000 hectares, sendo uma desapropriação, do Sítio são José, no município de Itapipoca, com area de 187 hectares. Na Paraiba, a maior área desapropriada e de 1.000 hectares, referente ~ Fazenda Baixio, município de Ara runa. Em Pernambuco, o maior "latifGndio" desapropriado foi a Fazenda Pitanga, município de Igarassu, com 956 hectares. Nesse Estado, a área média dos 14 imóveis destinados ~ refor ma agrária ~ de 512 hectares.
No Paraná, a desapropriação do imóvel Pontal do Tigre, no município de Querência do Norte, com área de 10.596 hectares, elevou a m~dia estadual das 45 areas arreca dadas pelo PNRA para 1.250 hectares. Nesse Estado, onde qu~ se 30% dos "lati~Gndios" desapropriados têm menos de 500 hec tares, chegou-se a aplicar a reforma agrária na Fazenda Be bedouro, município de Santana do Itarar~, com área total de 99,2 hectares. Um recorde:
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agrária. ébrangendo o período da Nova RepGblica at~ maio de 1988, procura apenas comprovar que os gr-en de s imóveis rurais. utilizados "ad nauseum" para mostrar tanto o grau de desigua~ dade da estrutura fundiária. como a parca utilização da te~ ra, nao foram atingidos
forma Agrária/PNRA.
na execuçao do Plano Nacional de Re
Era de se esperar que a partir da gestão do Mi nistro Jader Barbalho. iniciada em setembro de 1987, asd~sa propriaç6es tomassem novos rumos. Isto porque com o Oecreto-Lei 2.363 de 21/10/87, o governo exdluiu da reforma agrária os pequenos e médios proprietários de imóveis rurais ate 250 hectares (no Sul/Sudeste), 500 hectares (no Nordeste). 1. 000 hectarEs (no Centro-Deste) e 1.500 hectares (na Amazônia).
De fato, durante os 8 meses iniciais de Jader Barbalho ~ frente do MIRA0, a m~dia das áreas desapropriadas foi de 12.704 hectare~ ~or imóvel, contra 5.434 hectares nos períOdos anteriores. Tal desempenho. entretanto, parece ter folego curto. Ocorre que os 414 processos de desapropriação em andamento,· registrados em maio de 1988, referiam-se ~ ar recadação de 2.032.896 hectares, .resultando numa área m~dia rle apenas 4.910 hectares por imóvel.
Passemos agora para a análise do~ latifGndios "por exploração". Para entender corretamente o porquê da existênéia de tantos desses latifGndios. é necessário apr~ fundar o conhecimento da sistemática de cadastro rural.
tário.
Quando. a partir da OP - Declaração do Propri~ verifica-se que o imóvel tem área aproveitável entre 1 e 600 módulos, duas hipóteses podem oçorrer: ou se trata de um~~~p~~~a~u~al ou de um.latifGndio "por exploração". E a forma de separar o j óio do trigo e baseada no cálculo do GUT - Grau de Utilização da Terra e no GEE - Grau de Eficiên cia na Exploração. Vejamos de que forma.
o
GUT do imóvel ~ calculado dividindo-se a areaimóvel. Se tal relação for menor que 0,8, ou seja, se menos de 80% da ~rea aprdveit~vel estiver sendo explorada, o imó velé classificadD como 'latifúndio "'por exploração", -por se encontrar ocioso. Mesmo que seja elevada a efici~ncia obtida na parcela explorada, isso n~o conta para classificação.
Se o GUT - Grau de Utilização da Terra situar-se igualou acima de 0,8, a classificação do imóvel entre la tifGndio.e empresa rural vai então depender do GEE - Grau de Efici~ncia na Exploração pelo qual se comparam os níveis de produtividade do imóvel com aqueles índices de rendimento re gionais fixados pelo poder público.
Se o GEE encontrado for menor que 1,0, trata-se ainda de um' latifúndio, entendendo-se que, embora a utili zação da terra seja elevada. a exploração nao .é racional. Pa ra ser classificado como empresa rural, portanto, tanto o ou acima de 0,8, quanto o GEE igualar GUT deve estár igual
ou superar 1,0.
Não é difícil perceber que as fronteiras entre o latifúndio "por exploração" e a empresa rural são delica da~ e question~veis. Primeiro porque se baseiam em critérios.
• ~+ • exatos, quer dizer, me t ernà tf c o s , Assim, por exemplo. se um
imóvel apresentar um GUT de 0,79, o computador o clas~ifica ra, inapelavelmente, como lat~fúndio.
Ora, os c r-ã t é.ru o s deveriam ser estafísticos, utilizando-se de conceitos mais modernos e flexíveis, como o deintg~Vald~de cd~fià~ça para o GUT e GEE. Além disso, ou tros critérios, mais dinãmicos, deveriam ser introduzidos .pa ra auxiliar na classificação do imóvel rural.
A necessidade de normas .menos simplistas e
comparativa. A ev~luç~o da produç~o, considerando os ~ltimos 3 anos, poderia ~er introduzida como crit~riD Gais ct~n~mico para a classific~ç~o do im5vel.
~ ~nteressante relatar, para melhor v~Eualiza çao desse problewe, que parte das contestaçõe~ que c MIRAO/ INCRA recebia acerca de im5veis em processo de5apropr~at5rio estava r-eLa c Lo n adio com a violenta seca que ce st ã g o u o
Centro-Sul do pãís na sa~ra 1985/86. Muitas propriedades o~tiveram pouca produç~o o~ reduziram drasticamente a lotaç~o de seus pastos devido ~ seca. E qu~ndo receberam a vistoria dos t~c nicos oficiais, estes obtiver~m informações que poder~am nao corresponder ~ exploraç~o econõ~ica daquele i~5vel em tempos normais.
Tais informações, coletadas na desgraça da se
ca, caracterizavam um baixo GEE - Grau
plbraç~o, resultando na conseq~ente classificaç~o dc im5vel como um latifGndi~ "por exploraç~o" e sua eventual destina ç~o para fins de reforma agrária. Houve tambsm muitos casos semelhantes
,.
com processos desapropriat6rios referentes ao
Nordeste, que pa&savapor 5 anos de seca.
As inormas cadastrais t~mbªm favorecem os pr~ prietários de ma fª. Eles podem, ao preencher a OP Declara
çaodo Proprietár~o, prestar informações so~reesti~adas de
sua produç~oou da seu rebanho elevando fajutamente o GEE
de seu e mp r e e n dí.rn'ento , Alªm disso, no caso ce urne vistoria "in loco", como era e;igida nas ações desapropriat6rias, o c o r r i a a "ma qui a g em'". d a f a zen da, c o n f o r m e a im p r e n s a p opu 1~ rizou. O caso ma~s comum era do proprietário emprestar gado de vizinhos para dar a impressao de alta lotaç~o de suas pa~ tagens, na realid~de quase abandonadas.
Al~m desses problemas, advindos da utilização de critérios estáticos, os níveis de produtividade deveriam ser relativizadoe em·funçao do grau de fertilidede da terra