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Um estudo exploratório sobre a exclusão digital e as organizações sem fins lucrativos da cidade de São Paulo

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Academic year: 2017

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Edson Sadao Iizuka

Um Estudo Exploratório sobre a Exclusão Digital e

as Organizações sem Fins Lucrativos da cidade de São Paulo

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Um Estudo Exploratório sobre a Exclusão Digital e

as Organizações sem Fins Lucrativos da cidade de São Paulo

Banca examinadora

Prof. Orientador - Peter Kevin Spink

Prof. Ricardo Bresler

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO

Edson Sadao Iizuka

Um Estudo Exploratório sobre a Exclusão Digital e

as Organizações sem Fins Lucrativos da cidade de São Paulo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração Pública e Governo da FGV-EAESP

Área de Concentração: Governo e Sociedade Civil em Contexto Local como requisito para obtenção de título de Mestre em Administração Pública e Governo.

Orientador: Prof. Dr. Peter Kevin Spink

São Paulo

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IIZUKA, Edson Sadao. Um Estudo Exploratório sobre a Exclusão Digital e as Organizações sem Fins Lucrativos da cidade de São Paulo. São Paulo: FGV-EAESP, 2003. 163 p. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação da FGV-EAESP, Área de Concentração: Governo e Sociedade Civil em Contexto Local).

Resumo: Trata da exclusão digital e, subsidiariamente, os efeitos desta exclusão nas organizações sem fins lucrativos. Aborda a exclusão social, tecendo considerações sobre suas semelhanças e distinções e, principalmente, como meio para analisar alguns argumentos e afirmações acerca da exclusão digital. Aponta novas perspectivas de análise e limitações nas parcerias e relacionamento das organizações sem fins lucrativos com seus parceiros.

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À minha família que sempre esteve ao meu lado, incentivando-me e acreditando nos meus sonhos.

Ao meu eterno amigo, Wander Castro Alonso.

À Paula Chies Schommer a quem eu tanto admiro e, em especial, ao meu afilhado Pedro Chies Alonso que me surpreende a cada dia.

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Agradecimentos

Ao meu orientador, prof. Peter Spink, que sempre soube ouvir as minhas reflexões e dúvidas. Os meus agradecimentos pela grande habilidade em conduzir as minhas ansiedades e os meus questionamentos. Peter, muito obrigado por todos os aprendizados que você proporcionou!

À todas as organizações que aceitaram responder ao questionário e que consentiram no uso dos dados e informações, colaborando para que este trabalho fosse enriquecido com as suas opiniões e reflexões.

Ao Fabio Franklin Storino, um amigo sempre muito leal, e que colaborou, de forma decisiva, para a versão final desta dissertação.

Aos amigos e colegas que colaboraram com as suas idéias, sugestões e considerações em diversos momentos: Marcelo Estraviz, Fernando do Amaral Nogueira, Marie Anne Macadar e Dalberto Adulis.

Ao prof. Wilton de Oliveira Bussab pelas suas valiosas observações para a formação do banco de dados utilizado na pesquisa.

Aos professores Mário Aquino Alves, Marcos Fernandes Gonçalves da Silva e Marta Ferreira Santos Farah pelas observações e sugestões.

Aos amigos de longa data, desde o movimento estudantil, que me incentivaram e, nos momentos críticos, colaboraram para a superação das dificuldades: Alexandre Nicolini, Henrique Heidtmann Neto e Edgilson Tavares.

Aos amigos do mestrado e da pós-graduação, em especial ao Hiro, Dani, Fátima, Mineiro, Elaine, Álvaro, Tatiana, Luciano e Takami por todos os momentos que passamos.

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Resumo

Este trabalho analisa a exclusão digital e, subsidiariamente, alguns dos efeitos desta exclusão nas organizações sem fins lucrativos da cidade de São Paulo. Inicialmente, foi pesquisado a exclusão social, para de um lado compreender o contexto em que se insere a exclusão digital e, por outro, analisar algumas de suas semelhanças e distinções. Posteriormente, foram analisados artigos, dissertações e documentos em temas e assuntos relacionados à exclusão digital. Em seguida, para ampliar o horizonte de entendimento sobre a exclusão digital, sistematizou-se algumas das principais idéias e reflexões de quatro autores: Manuel Castells, Pierre Lévy, Jürgen Habermans e Marshal McLuhan. Finalmente, foi analisado a exclusão digital nas organizações sem fins lucrativos da cidade de São Paulo.

No início da pesquisa de campo, foram coletados os dados das organizações sem fins lucrativos da cidade de São Paulo a partir de oito diferentes bancos de dados: RITS, Rede de Informações do Terceiro Setor; ABONG, Associação Brasileira de ONGs; CVSP, Centro de Voluntariado de São Paulo; PMSP, Prefeitura Municipal de São Paulo; catálogo de entidades sociais da Tertio Millenium; e os sites www.filantropia.org; www.terceirosetor.org.br e www.meioambiente.org.br.

Para atingir os objetivos propostos, efetuou-se uma pesquisa exploratória, de cunho qualitativo, que contou com uma revisão teórica, entrevistas não-estruturadas com especialistas e, finalmente, questionários foram aplicados em um conjunto de setenta e seis organizações sem fins lucrativos da cidade de São Paulo.

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Prefácio

Este trabalho representa o final de pelo menos dois anos de trabalho e pesquisa no contexto do curso de mestrado em Administração Pública e Governo da FGV-EAESP. Por outro lado, trata-se do início de uma reflexão sobre a temática da exclusão digital, que é um dos assuntos, na atualidade, que suscita debates entre lideranças de diversos segmentos econômicos e sociais em todo o mundo.

Os grandes problemas sociais, políticos e econômicos do mundo contemporâneo referem-se ao desarmamento, ao equilíbrio ecológico, às mutações no mercado de trabalho, à educação, à saúde, à miséria, etc. Ninguém possui soluções simples ou definitivas para resolvê-los e uma abordagem séria dessas questões exige, provavelmente, a mobilização de uma grande variedade de competências e, ao mesmo tempo, do acesso e do uso dos dados, informações e conhecimentos construídos e em construção pela humanidade.

Neste contexto, o acesso e o uso das novas tecnologias de comunicação e informação, em especial a internet, emergem como uma alternativa na construção de novos conhecimentos em prol da melhoria das condições sociais e econômicas, em especial das pessoas que encontram-se em situação precária de vida.

Em boa parte da literatura consultada, percebe-se um argumento de que a exclusão digital aprofundará ainda mais a exclusão social. Essa associação de causalidade entre exclusão digital e exclusão social motivou um estudo sobre o conceito da exclusão social como ponto de partida para a análise da exclusão digital. Afinal, para entender se, de fato, a exclusão digital irá ou não aprofundar a exclusão social, pressupõe-se compreender os conceitos e terminologias utilizados.

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Paulo, assim como verificar algumas das possibilidades que o acesso e o uso das novas tecnologias podem propiciar a essas organizações.

Assim, a dissertação está estruturada da seguinte forma:

Na introdução, objetiva-se uma contextualização do tema, a motivação para o estudo e as perguntas que nortearão o trabalho. Evidenciam-se, ainda, os conceitos utilizados e também o objeto de estudo – um conjunto de organizações sem fins lucrativos na cidade de São Paulo. Ao final, expõem-se os aspectos metodológicos que orientam o estudo.

No segundo capítulo, apresentam-se os aspectos conceituais sobre exclusão social, apresentando-se as diversas abordagens nesse assunto, focando nos seguintes aspectos: a origem do termo, o seu conceito, o contexto em que ela se insere, as diversas metodologias para determinar a sua extensão e alguns debates atuais sobre esse assunto.

No terceiro capítulo, aborda-se o tema da exclusão digital, analisando-se as definições teóricas, as suas semelhanças e distinções com relação à exclusão social e as perspectivas e fatores que podem influenciar a sua análise.

A seguir, no quarto capítulo, faz-se uma análise da exclusão digital a partir de quatro autores – dois teóricos clássicos e dois contemporâneos - no que se refere aos efeitos da introdução das novas tecnologias de comunicação e informação na sociedade – verificando-se alguns converificando-sensos e, principalmente, os pontos de vistas divergentes entre estes autores.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 3.1 – Influência da renda e da educação no acesso à internet... 43

Quadro 3.2 – A idade e o percentual dos que não utilizam computadores ... 45

Quadro 3.3 – A idade e o percentual dos que não têm acesso à internet ... 46

Quadro 3.4 – O percentual de alguns idiomas na internet ... 47

Quadro 3.5 – Custo final para o acesso à internet por país ... 48

Quadro 3.6 – Audiência da internet por gênero ... 48

Quadro 3.7 – Perspectivas e dimensões da exclusão digital ... 50

Quadro 3.8 – Visões “crítica”, “dominante” e “alternativa” da exclusão digital ... 57

Quadro 4.1 – Interações entre o sistema e o mundo da vida... 76

Quadro 5.1 – Os agentes e os fins na determinação dos setores ... 102

Quadro 5.2 – Termos utilizados para organizações sem fins lucrativos... 103

Quadro 5.3 – Informações funcionalista e substantiva ... 113

Quadro 5.4 – Pressupostos e contrapressupostos da resistência ... 115

Quadro 5.5 – Presença das organizações nos bancos de dados consultados... 123

Quadro 5.6 – Características das organizações que participaram da pesquisa ... 126

Quadro 5.7 – Percepção sobre o uso da internet ... 127

Quadro 5.8 – Percepção sobre a atualização em relação às novas tecnologias... 127

Quadro 5.9 – Convênios, parcerias e alianças... 128

Quadro 5.10 – Qualidade na relação com os apoiadores... 128

Quadro 5.11 – Conhecimento e atualização na área de atuação ... 129

Quadro 5.12 – Captação de recursos ... 129

Quadro 5.13 – Conhecimento e reconhecimento ... 130

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LISTA DE FIGURAS

Figura 3.1 – Modelo sintético para a exclusão digital ... 51

Figura 4.1 – Uma visão comparativa entre os autores... 89

Figura 5.1 – Público e área de atuação das organizações pesquisadas ... 124

Figura 5.2 – Orçamento anual das organizações pesquisadas... 125

Figura 5.3 – Número de pessoas atendidas ... 125

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Sumário

RESUMO... i

PREFÁCIO... ii

LISTA DE QUADROS E FIGURAS... v

1.INTRODUÇÃO... 1

2.EXCLUSÃO SOCIAL 2.1 Introdução ... 11

2.2 Em busca de uma conceituação da exclusão social ... 13

2.3 É possível e necessário medir o número de pobres e excluídos? ... 20

2.4 A exclusão social e a desigualdade ... 23

2.5 A pobreza e as possíveis relações com a exclusão social ... 25

3.EXCLUSÃO DIGITAL 3.1 Introdução ... 32

3.2 Em busca de uma conceituação da exclusão digital ... 36

3.3 As semelhanças e distinções entre exclusão digital e exclusão social ... 40

3.4 As diversas perspectivas para analisar a exclusão digital ... 49

3.5 Uma breve discussão sobre acesso e uso das novas tecnologias... 52

3.5 A exclusão digital é um problema? ... 56

4.AS NOVAS TECNOLOGIAS E A EXCLUSÃO DIGITAL NA VISÃO DE QUATRO AUTORES 4.1 Introdução ... 61

4.1 Castells, as novas tecnologias e a exclusão digital... 62

4.2 Lévy, as novas tecnologias e a exclusão digital... 68

4.3 Habermans, as novas tecnologias e a exclusão digital... 74

4.4 McLuhan, as novas tecnologias e a exclusão digital... 83

4.5 Uma síntese entre os autores ... 87

5.AS ORGANIZAÇÕES SEM FINS LUCRATIVOS E A EXCLUSÃO DIGITAL 5.1 Introdução ... 95

5.2 Contexto Geral... 96

5.3 A falta de uma terminologia consensual e debates em curso ... 101

5.4 A exclusão digital e as organizações sem fins lucrativos ... 110

5.6 A exclusão digital nas organizações sem fins lucrativos de São Paulo: um estudo exploratório ... 119

5.7 Os resultados e algumas considerações sobre a pesquisa realizada ... 121

5.8 Caracterização Geral das Organizações que participaram da pesquisa ... 123

5.9 Os resultados obtidos ... 126

6.CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES... 138

6.1 Proposições para novos estudos... 145

7.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 148

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1 O tema principal desta dissertação é a exclusão digital1. Inicia-se a utilização deste termo a

partir de meados da década de 1990 nos EUA e, a partir de então, ele se faz presente em declarações de diversas lideranças em todo o mundo. Apesar de ser um assunto recente, alguns estudos foram realizados no âmbito da economia, da ciência política, da sociologia, da comunicação, da engenharia, entre outros. Com a disseminação e a relativa popularização da internet2 no mundo, inicia-se um debate sobre os efeitos dessa nova tecnologia de comunicação e informação nos contextos político, econômico e social.

Neste contexto, percebe-se em muitos autores ligados à Tecnologia de Comunicação e Informação (TCI) um certo fascínio com as “novas formas de pensar e fazer” a partir da tecnologia. A “sociedade do conhecimento” ou a “economia da informação” trazem a promessa, implícita ou explícita, de que resolverá os problemas da humanidade. Nesse sentido, alguns “tecnólogos” defendem que o acesso universal à internet pode garantir as melhorias nas condições sociais, a paz mundial, enfim, influenciar um rumo melhor à humanidade.

Contudo, apesar da esperança gerada em torno das novas tecnologias, verifica-se que elas estão sendo aplicadas, na maioria das vezes, para ampliar a riqueza e exacerbar o poder e as condições econômicas das camadas sociais mais favorecidas pelo sistema econômico capitalista. Em outras palavras: em geral, as tecnologias, em especial a internet, estão a serviço de uma lógica de acumulação de dinheiro e poder e não da solidariedade e cidadania.

O crescimento da internet, fato relatado na maioria dos relatórios e pesquisas, pode induzir a uma extrapolação ingênua de que, com o atual ritmo de expansão da internet, toda a população estaria conectada até 2006. Isto é praticamente impossível: boa parte da população mundial, muito provavelmente, não terá tido acesso à alfabetização, a água potável e ao mínimo necessário para a sobrevivência. É preciso distinguir a expansão da

1 Para efeitos deste trabalho, adota-se o não acesso e o não uso da internet como definição para a exclusão

digital.

2 Menou (1999, p.2) define a internet como: “Um espaço social, em um dado tempo e lugar, queopera através

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massificação, assim como a democratização no acesso e no uso das novas tecnologias (Lafis, 1999).

Há diversas barreiras para que as novas tecnologias de comunicação e informação, em especial a internet, cheguem à maior parte da população mundial: a falta de infra-estrutura tecnológica, o preço dos computadores e o valor para conectá-lo a grande rede, a falta de conhecimento e o analfabetismo são os mais evidentes. Existem, porém, outros fatores que são sutis e que dificultam a expansão tecnológica, tais como o desinteresse tecnológico, a idade das pessoas, a repulsa pelas novas tecnologias, os tipos de políticas públicas na área da Educação, da Cultura, da Ciência e Tecnologia etc. E é isso o que Castells (1999, p.52) procura expor na sua afirmação: “(...) a velocidade de difusão tecnológica é seletiva tanto social quanto funcionalmente.”

Nesse sentido, verifica-se que boa parte da população mundial não tem acesso à internet e, muito provavelmente, não o terá nos próximos anos. Isto não é, ou não deveria ser, motivo de surpresa, pois se algo em torno de 50% da população mundial, segundo a ONU, não tem acesso a uma linha telefônica, então é esperado que boa parcela da população não tenha acesso à internet. Portanto, esta situação é vista como um “novo” problema para boa parte dos pesquisadores, pois se afirma que a exclusão digital irá aprofundar ainda mais a exclusão social.

Apesar de não haver estudos e pesquisas que demonstrem de forma clara a relação entre exclusão digital e exclusão social, parte-se, supostamente, do raciocínio de que na chamada “Sociedade do Conhecimento” é imprescindível que as pessoas tenham acesso e utilizem a informação para a sua sobrevivência e desenvolvimento. Neste sentido, induz-se a pensar que o acesso e o uso das novas tecnologias, em especial a internet, são sempre essenciais e positivas e, analogamente, que o não uso e o não acesso é algo negativo e que, portanto, deve ser combatida.

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3 aumento da exclusão social. Entretanto, pode-se questionar tal raciocínio, pois, além de não haver um teste desta hipótese, esse raciocínio pressupõe, ainda que indiretamente, que as pessoas “incluídas” teriam acesso à internet e usufruiriam seus supostos benefícios e as “excluídas” e sem acesso à internet ficariam expostas aos malefícios disso. É possível admitir tal generalização? Qual seria, então, a relação entre a exclusão digital e a exclusão social?

Para entender em que medida a exclusão digital irá afetar a exclusão social é necessário, inicialmente, compreender o significado e o conceito da exclusão social. Assim, um tema complementar, mas necessário, para esta dissertação é a exclusão social. Esse esforço justifica-se porque não há clareza suficiente sobre ao que se refere exatamente a exclusão social. Em princípio, parece que neste termo “tudo pode”, ou seja, nele caberiam a pobreza, a desigualdade, a injustiça e tudo aquilo que de alguma forma afeta negativamente a vida das pessoas. Contudo, a falta de rigor e a banalização no uso do termo exclusão social causam um certo esvaziamento e um empobrecimento nas discussões, análises e considerações realizadas. Além disso, a compreensão da exclusão social pode esclarecer o contexto em que se insere a exclusão digital.

Após o entendimento da exclusão social e da exclusão digital, escolheu-se fazer uma análise das organizações sem fins lucrativos3, entre as diversas alternativas possíveis.

Poderia-se, por exemplo, pesquisar a exclusão digital entre as pessoas excluídas socialmente; seria plausível e justificável analisar e comparar os diversos projetos de combate à exclusão digital; uma outra possibilidade seria pesquisar a exclusão digital no âmbito governamental, apenas para citar algumas das alternativas existentes para um estudo mais aprofundado e específico da exclusão digital.

O motivo desta escolha tem uma relação direta com as experiências, projetos e organizações que convivi ao longo dos últimos anos. Minhas trajetórias pessoal e profissional instigaram-me a conhecer cada vez mais o universo das organizações sem fins

3 O termo “organização sem fins lucrativos” possui diversos termos correspondentes: organização

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lucrativos. Meu envolvimento com essas organizações iniciou-se em 1993 com a campanha contra a fome e a miséria liderada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho4. As

experiências profissionais e acadêmicas deste período foram determinantes para que houvesse o interesse atual em pesquisar esse tipo de organização. Desde então, venho participando em projetos, iniciativas e organizações cujos objetivos podem ser traduzidos num desejo comum de buscar a melhoria das condições sociais.

Ao assumir em 1998 o cargo de coordenador do Centro de Voluntariado de São Paulo5

encontrei uma equipe de trabalho reduzida e que tinha grandes dificuldades no uso de computadores e da internet. A situação encontrada no Centro de Voluntariado de São Paulo não era uma exclusividade, ao contrário: à medida que conhecia as organizações sem fins lucrativos, verificava que boa parte delas carecia de uma infra-estrutura tecnológica e, principalmente, de uma equipe preparada para utilizar as novas tecnologias de comunicação e informação.

A luta incansável de muitas lideranças da área social pela diminuição das desigualdades sociais, injustiças de todas as ordens e contra a exclusão social que se apresenta em boa parcela da população brasileira, obrigam uma parcela considerável dessas pessoas a batalharem diariamente pela sua própria sobrevivência e das organizações que conduzem ou participam. A falta de recursos financeiros, apontado freqüentemente como o principal problema das organizações sem fins lucrativos é, muitas vezes, conseqüência de uma série de outros fatores como, por exemplo, a falta de articulação e trabalho em parceria, a deficiência administrativa e organizacional, a dificuldade de acesso a informações e conhecimentos, entre outros.

4 A campanha contra a fome e a miséria e pela vida foi uma das mais relevantes mobilizações da sociedade

civil ocorridas nos últimos anos. Apesar de ter um foco claro na questão da fome, diversos desdobramentos aconteceram a partir dessa mobilização. Na FGV-EAESP, por exemplo, foram criados o Centro de Estudos do Terceiro Setor – CETS (1994) e a Consultoria Júnior Pública – FGV (1994) por professores e alunos que, na sua maioria, estavam envolvidos no comitê da campanha liderada pelo sociólogo Betinho.

5 O Centro de Voluntariado de São Paulo foi inaugurado em 1997 como parte do Programa Voluntários,

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5 O conjunto de organizações sem fins lucrativos, entretanto, não é homogêneo. Ao contrário da maioria, algumas destas organizações gozam de uma condição financeira privilegiada, com equipes altamente capacitadas e com acesso a todo tipo de informação e de conhecimento disponíveis. Seja como for, há poucos estudos e pesquisas sobre essas organizações e qualquer consideração mais enfática sobre quem são, onde estão, o que fazem e como fazem as organizações sem fins lucrativos pode-se incorrer numa generalização que não corresponda a um quadro de complexidade e diversidade destas organizações.

Além dos desafios empíricos há também uma certa indefinição teórica acerca das organizações sem fins lucrativos. Entre as diversas discussões nessa área pode-se observar uma tentativa constante em se definir, por exemplo, uma terminologia que represente o conjunto das organizações que não fazem parte do Estado e também não são empresas. Neste contexto, surgem diversos termos, tais como organizações da sociedade civil, organizações voluntárias privadas, organizações não-governamentais, organizações da sociedade civil de interesse público, entre outros. Além deste esforço, busca-se compreender minimamente as funções e os papéis exercidos por essas organizações e o contexto político e social em que se inserem. O fato é que essas organizações despertam um interesse crescente, tanto prático como teórico, em diversos segmentos da sociedade.

A relevância do debate sobre as organizações sem fins lucrativos ganha uma dimensão considerável à medida que os problemas sociais se agravam e tornam-se mais complexos. É possivelmente por isso que, no Brasil, há uma maior visibilidade dessas organizações nos últimos anos, apesar de este tipo de organização existir desde o século XVI, com a inauguração da primeira Santa Casa de Misericórdia. E por essa razão também, portanto, que nas últimas eleições no Brasil se destacou, como pouco se fez anteriormente, a importância da participação destas organizações nos projetos e programas governamentais.

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intenções de governantes e empresários nem sempre correspondem ao que de fato ocorre com as organizações sem fins lucrativos. Um exemplo concreto disso é que não há um banco de dados suficientemente amplo e confiável destas organizações no Brasil, ou seja, as informações disponíveis são parciais e limitadas.

Nesse sentido, um estudo sobre a exclusão digital nestas organizações, em essência, pode trazer à tona um possível paradoxo: as organizações sem fins lucrativos que, em geral, estão trabalhando contra a exclusão social, podem estar excluídas do acesso e do uso das novas tecnologias. E isto é apenas um recorte que pode simbolizar os inúmeros desafios presentes no cotidiano de grande parte das organizações sem fins lucrativos. Deve-se considerar, ainda, que a exclusão digital nas organizações sem fins lucrativos pode favorecer uma cadeia de exclusão, pois, ao estarem excluídas digitalmente, há um potencial para que as pessoas com as quais atuam sejam excluídas por conseqüência.

Apresentados os pontos principais que serão tratados nesta dissertação, expõem-se os objetivos do estudo que nortearam o desenvolvimento da pesquisa. O objetivo central desta dissertação é compreender em que medida a exclusão digital pode ser considerada como um problema e, neste contexto, se é possível traçar uma relação entre a exclusão digital e a exclusão social.

Além disso, esta dissertação tem três objetivos específicos: busca-se o entendimento sobre a exclusão social, seu conceito e o contexto em que ela se insere. Com o intuito de enriquecer o estudo sobre a exclusão digital, propõe-se estudar quatro autores – Castells, Lévy, Habermans e McLuhan – que, em épocas e realidades diferentes, se propuseram a estudar os efeitos das tecnologias na transformação ou manutenção da realidade social. Ao final, almeja-se constituir um estudo inicial sobre a exclusão digital em algumas organizações sem fins lucrativos da cidade de São Paulo.

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7 pesquisa mais precisa e, além disso, permite ao pesquisador fazer um levantamento provisório do fenômeno que se deseja estudar posteriormente de forma mais detalhada e estruturada (Oliveira, 2001).

A escolha desta metodologia se deve ao fato de que os assuntos tratados nesta dissertação são, do ponto de vista teórico, relativamente recentes, e os dados e informações disponíveis são incipientes. Nesse sentido, observa-se que muitos estudos qualitativos são exploratórios, ou seja, não se preocupam em verificar teorias, o problema de pesquisa se torna bem mais amplo, podendo ser definido como uma questão relevante que nos intriga e sobre a qual as informações disponíveis são insuficientes (Alves-Mazzotti e Gewandsznajder, 1998).

Considerando-se o critério de classificação de pesquisa proposto por Vergara (1998, p.44), quanto aos fins e quanto aos meios, tem-se:

Quanto aos fins – trata-se de uma pesquisa exploratória, pois se pretende organizar e sistematizar o conhecimento disponível sobre a exclusão digital e, subsidiariamente, analisar a exclusão digital nas organizações sem fins lucrativos da cidade de São Paulo.

Quanto aos meios – trata-se de uma pesquisa, ao mesmo tempo, bibliográfica6 e

telematizada7.

O conhecimento da literatura pertinente ao problema é indispensável para identificar ou definir com mais precisão os problemas que precisam ser investigados com mais precisão. Três situações, de acordo com Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1998, p.150), podem dar origem a um problema de pesquisa: “(a) lacunas no conhecimento existente, (b) inconsistência entre o que uma teoria prevê que aconteça e resultados de pesquisas ou observações práticas cotidianas; e (c) inconsistências entre resultados de diferentes pesquisas ou entre estes e o que se observou na prática.”

6 Livros, artigos, dissertações, teses e documentos em geral são alguns exemplos.

7 De acordo com Vergara (1998), a pesquisa telematizada busca informações em meios que combinam o uso

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O problema de pesquisa relativa à exclusão digital parece se enquadrar nestes três itens apresentados, pois há pouco conhecimento sistematizado sobre o assunto, alguns pressupostos utilizados na exclusão digital não se confirmam tanto teórica como empiricamente e, por fim, existem algumas diferenças entre as pesquisas disponíveis, especialmente quanto aos argumentos utilizados com razoável freqüência em artigos, livros e seminários.

Durante o processo de trabalho desta dissertação, houve a inclusão de novos elementos que emergiram ao longo da pesquisa, assim como a exclusão de alguns aspectos que pareciam ser relevantes num momento inicial. Introduziu-se, por exemplo, a análise de quatro autores, Castells, Lévy, Habermans e McLuhan, e excluiu-se o estudo sobre os possíveis efeitos da exclusão digital na gestão das organizações sem fins lucrativos, de forma a adequar-se às questões que emergiram ao longo do período de pesquisa, assim como às limitações de tempo e de recursos.

Neste contexto, ao comentar sobre o procedimento mais comum entre os pesquisadores qualitativos, Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1998, p.158), apresentam o seguinte: “(...) formula novas perguntas, inclui novos sujeitos, observa novos aspectos que não haviam sido inicialmente focalizados etc.” Enquanto alguns autores afirmam que a exclusão digital irá aprofundar a exclusão social, questiona-se algo anterior a isso, por exemplo, se existe alguma relação entre elas e, além disso, se a exclusão digital deve ser vista sempre como um problema. Opta-se, assim, por algumas reflexões sobre certos pressupostos considerados por muitos como algo inquestionável.

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9 Nacional dos Cursos de Pós-Graduação em Administração, de 2001 em Campinas/SP e de 2002 em Salvador/BA. A possibilidade de troca de idéias, a partir da interação com outros pesquisadores, neste e em outros eventos, foi um dos fatores que enriqueceram esta dissertação.

As idéias e sugestões dos pesquisadores e de especialistas colaboraram para que houvesse uma mudança na abordagem inicial da pesquisa. A exclusão digital nos primeiros textos produzidos, por exemplo, era vista como um problema, sem maiores questionamentos. A partir das críticas e observações, percebeu-se que era necessário maior prudência e reflexão ao estudar e analisar a exclusão digital. Nesse sentido, buscou-se não apenas um autor especificamente, mas alguns dos principais teóricos clássicos e contemporâneos que se preocuparam com os efeitos da tecnologia na sociedade.

Ao mesmo tempo em que se constituía a revisão teórica, havia o desafio de selecionar as organizações sem fins lucrativos que seriam pesquisadas. Entre outras possibilidades, poder-se-ia estudar as organizações afiliadas à ABONG, Associação Brasileira das ONGs; uma outra possibilidade seriam as organizações que trabalham com a inclusão digital como por exemplo o CDI, Comitê pela Democratização da Informática, e o Sampa.org, uma ONG que trabalha a inclusão na periferia de São Paulo. Contudo, apesar de ser, em princípio, as opções “mais simples” para determinar as organizações participantes da pesquisa, não eram essas as organizações que traduziam o desejo de investigação deste autor.

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Estas organizações foram selecionadas por meio de um banco de dados que foi formado a partir das informações obtidas de oito diferentes bancos de dados: RITS, Rede de Informações do Terceiro Setor; ABONG, Associação Brasileira de ONG’s; CVSP, Centro de Voluntariado de São Paulo; PMSP, Prefeitura Municipal de São Paulo; catálogo de entidades sociais da Tertio Millenium; e os sites www.filantropia.org; www.terceirosetor.org.br e www.meioambiente.org.br. O critério utilizado para definição da amostra foi, ao mesmo tempo, por acessibilidade (Oliveira, 2001; Vergara, 1998) e também por tipicidade (Oliveira, 2001), ou seja, aproveitou-se a experiência e conhecimentos empíricos de mais de dez anos de atuação na área social deste autor.

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2.1 Introdução

O tema da exclusão social já suscitou muitos estudos, pesquisas e discussões no meio acadêmico ao longo dos anos. Trabalhou-se o seu entendimento a partir da sociologia, da economia, da psicologia social, da assistência social e de outras áreas do conhecimento humano. Trata-se de um assunto que é ao mesmo tempo amplo e complexo, bem como algo que está em debate permanente no meio acadêmico, nos governos e entre as lideranças sociais. O número expressivo de trabalhos nesta temática, com qualidade e profundidade, possibilita, entre outras coisas, um referencial teórico que oriente o entendimento da exclusão digital, seja pelas suas semelhanças, distinções e até mesmo as suas relações na medida em que se dissemina o argumento de que a exclusão digital agravará ainda mais a exclusão social.

Assim, entender o que seja exclusão social e os seus possíveis conceitos é um primeiro passo para compreender em que medida a exclusão digital irá ou não agravar as atuais condições sociais e econômicas das pessoas. Admitir precipitadamente que haverá o agravamento da exclusão social em conseqüência da exclusão digital – o que é “óbvio” para muitos – parece ser uma posição superficial em torno deste assunto: como é possível afirmar de forma incisiva tal relação de causalidade se não há pesquisas e estudos que a comprovem? Por isso, antes de se estudar a exclusão digital, propõe-se um esforço no sentido de buscar compreender em que contexto se insere a exclusão social, os seus efeitos e implicações e, a partir disso, avançar para o capítulo da exclusão digital.

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12 A relevância deste assunto na atualidade pode ser representada pela consideração de Castel (1998) sobre o que este autor chama de a “questão social”. Para o autor, a “questão social” pode ser caracterizada por uma inquietação quanto à capacidade de manter a coesão de uma sociedade. Com o crescimento da pobreza, a crescente falta de empregos formais e na precarização do mercado de trabalho, a falta de condições de vida e também pela presença de elementos subjetivos que segregam as pessoas numa sociedade, os efeitos e impactos da exclusão social não estão restritas a um segmento da população. O ponto central está na ameaça de ruptura a partir de grupos cuja existência abala a coesão do conjunto (Castel, 1998).

Nesse sentido, a ampliação da exclusão social, entre outras conseqüências, pode abalar o sistema político em que se insere. Limita-se essa consideração ao regime democrático, apesar de que em condições extremas e adversas é provável que exista alguma pressão pela ruptura de qualquer sistema político vigente. A democracia é possível em sociedades marcadas por um alto grau de desigualdade ou por processos de crescente desigualdade social (Weffort, 1992). Entretanto, resta saber a quantidade de constrangimentos quanto ao tipo de democracia que é possível construir em tais condições. A consolidação democrática é seriamente prejudicada num cenário como esse.

Vale observar que a democracia não traz necessariamente crescimento econômico, paz social, eficiência administrativa, harmonia política ou mercados livres. Embora alguns destes itens possam facilitar a consolidação democrática, nenhum deles é pré-requisito ou resultado imediato do regime democrático. Contudo, as questões substantivas8 se não são pré-condições para a democracia, são importantes para a sua qualidade e sobrevivência no longo prazo. Entretanto, é improvável que um sistema político sobreviva ao longo do tempo se as condições sociais e econômicas estejam absolutamente distantes do que a população preconiza. É o que Lamounier (1996, p.7) busca destacar: “(...) a democracia não se realiza quando um governo (mesmo formalmente legítimo) sistematicamente ignora preferências sociais inteligíveis.”

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Apesar dos seus defeitos, a democracia permite a esperança, pois pode ser melhorada, afirma Bobbio (1997). Para Dahl (1997) e Przeworski (1997) a construção do Estado é um processo de supressão da violência privada, enquanto a construção da democracia é um processo, não de supressão, mas de institucionalização do conflito. Nesta mesma direção Castel (1998, p.580) argumenta o que a democracia procura alcançar:

“(...) não o consenso, mas a regulação dos conflitos; não a igualdade das condições, mas a compatibilidade de suas diferenças; não a justiça social, mas o controle e a redução da arbitrariedade dos ricos e dos poderosos; não o governo de todos, mas a representação de todos os interesses e sua apresentação para debate no cenário público.”

Neste sentido, parte das organizações sem fins lucrativos assume um papel cada vez mais destacado nas transformações sociais, como também no cenário político. Dessa forma, estas organizações buscam ocupar, a partir dos seus interesses e necessidades, o seu espaço no contexto democrático. Na medida em que estas organizações ganham importância na atualidade, busca-se estudar a exclusão social com o intuito de esclarecer, pelo menos em parte, o tipo de trabalho realizado pelas organizações sem fins lucrativos. Em outras palavras, a compreensão do fenômeno da exclusão social, portanto, pode favorecer o entendimento da razão pela qual trabalham estas organizações.

2.2 Em busca de uma conceituação da exclusão social

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14 O surgimento do conceito da exclusão social e a sua disseminação, entretanto, são creditados, muitas vezes, à dinâmica do mercado e, especificamente, ao fenômeno do desemprego de longo prazo ou permanente. Nesse sentido, Rogers (1995) considera que o crescimento dos sem-teto e a ampliação da pobreza urbana suscitaram a discussão sobre exclusão social na Europa. A falta de emprego e de perspectivas a médio e longo prazos, especialmente entre minorias étnicas e os imigrantes, causava um sentimento de revolta na população em geral. O que era para ser residual passava a ser a realidade de um contingente cada vez maior de pessoas que experimentavam a sensação de ser inútil, sem capacidades, ou seja, fora dos padrões exigidos pelo mercado.

Essa situação, se considerado apenas o mercado como alternativa para a inclusão social, pode se agravar ao longo dos anos pela própria lógica do sistema capitalista, que é excludente, conforme já havia apontado Karl Marx em “O Capital” e em outras obras de sua autoria. Nessa mesma direção, Benevides (2001) e Demo (1998), por exemplo, apresentam uma certa descrença quanto à possibilidade de combater a exclusão por intermédio do mercado. Ainda nesse sentido, alguns autores como Jeremy Rifikin (1996) em o “Fim dos Empregos” e Willian Bridges (1995) “Jobshift – Um mundo sem empregos” descrevem uma época de crise no emprego, principalmente pela alta mecanização e o uso de tecnologia no processo produtivo, reforçando a hipótese de que o mercado não é e nem será capaz, provavelmente, de absorver um volume de pessoas que esteja à altura da demanda existente.

Essa transformação nos mercados, especificamente quanto ao volume de empregos formais existentes, tem alguns efeitos que extrapolam a mera condição individual de quem vive a situação do desemprego. A diminuição do número dos empregos formais implica, entre outras coisas, uma queda de arrecadação fiscal, ou seja, por um lado há demandas sociais e econômicas crescentes e por outro a diminuição de recursos para o governo enfrentar tal situação, pois há uma queda de arrecadação de impostos.

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seria possível pagar a trabalhadores, em vez de indenizar desempregados?” E isso, segundo o autor, conduziria a um outro paradoxo, onde grande parte do custo do trabalho que serviria para compensar, mediante transferências sociais, a exclusão parcial ou total do acesso ao trabalho de uma parte significativa da população diminui na mesma velocidade da redução do contigente de trabalhadores no mercado formal. Nesse sentido, Rosanvallon (1998, p.93) afirma que: “O resultado é o ingresso em uma espiral perversa que equivale a uma espécie de deflação social: um número crescente de inativos é sustentado por um número decrescente de trabalhadores na atividade.”

Nesse contexto, Dubar (citado por Demo, 1998), observa que o discurso de muitos pesquisadores e autores prioriza o papel central do emprego e dos mecanismos de mercado como forma de inclusão: “todos os pesquisadores que lançam mão da noção de exclusão insistem sobre o papel central do sistema produtivo em sua gênese e extensão.” Em outras palavras, é provável que o surgimento do termo exclusão social esteja relacionado com o desemprego e a precarização do mercado de trabalho, entretanto, isso não implica, necessariamente, que ao longo dos anos não se tenha agregado outros fatores além da falta de empregos.

A dinâmica pela qual, provavelmente, passa o termo e conceito da exclusão social é observada por Sposati (1998) que afirma que, a partir do final do século XX, a exclusão social assume o caráter de um conceito/denúncia na medida em que há uma ruptura da noção de responsabilidade social e pública que foram construídas a partir da Segunda Guerra Mundial e também da quebra da universalidade da cidadania conquistada no Primeiro Mundo. Nessa direção, Castells (1999) afirma que a exclusão social é um processo e não uma condição. Por esta razão, as suas fronteiras mudam, e quem é excluído e incluído pode mudar com o tempo, de acordo com determinadas condições políticas, sociais e econômicas de um país ou região.

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16 industrial, sobre os ‘miseráveis’ do século XIX, sobre os excluídos de hoje – inscreve-se numa dinâmica social global.” O autor complementa a sua reflexão ressaltando a interdependência dos “excluídos” e “incluídos”: “(...) quer entremos na sociedade pós-industrial, quer mesmo na ‘pós-moderna’ ou como se quiser chamá-la, ainda assim a condição preparada para os que estão ‘out’ depende sempre das condições dos que estão ‘in’.”

O esforço para definir o que é exclusão social, termo que, em geral, é utilizado de forma indiscriminada e aberta a múltiplas interpretações, faz-se necessário para uma maior clareza da sua extensão e a sua importância no contexto atual. Para Paugam, autor citado no livro de Pedro Demo (1998, p.37): “(...) a exclusão social não passaria de um ‘conceito-horizonte’, que aglutina um tipo de preocupação social atual, sem maiores rigores analíticos.”

Sawaia (1999, p.7), por sua vez, descreve o conceito de exclusão social na mesma direção de Demo (1998), ao sustentar o seguinte argumento: “um conceito ´mala’ ou ‘bonde’, como falam Morin e Castel, que carrega qualquer fenômeno social e que provoca consensos, sem que se saiba ao certo o significado que está em jogo.” Este caráter ambíguo tem levado muitos pesquisadores a propor sua substituição por outros conceitos que eles consideram mais precisos.

Exatamente pela dificuldade em determinar o que seria a exclusão social, alguns autores (citados por Wanderley, 1999, p.21-22) preferem o uso de termos e conceitos que julgam menos contraditórios, como é o caso de Robert Castel que adota o termo “desafiliação social”, Serge Paugam utiliza-se do conceito de desqualificação social, Gaujelac e Leonetti que trabalham com a desinserção e, finalmente, Cristóvão Buarque que faz o uso do termo apartação social.

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disso, reconhece que não há uma separação entre os que estão dentro ou estão fora e também alerta para uma possível “gangrena” e uma desestabilização da sociedade, ou seja, para este autor, a exclusão social é uma questão de todos: “(...) não há ‘in’ e ‘out’, mas um continuum de posições que coexistem no mesmo conjunto e se ‘contaminam’ umas às outras.” Complementa o autor: “(...) a exclusão não é uma ausência de relação social, mas um conjunto de relações sociais particulares da sociedade tomada como um todo.” Em suma, segundo Castel (1998), é preciso analisar os processos e as relações de exclusão e não apenas o fato em si, ou seja, a dinâmica pela qual as pessoas foram levadas a essa situação e, além disso, deve-se perceber que a exclusão social é uma forma de relação social inserida numa realidade indivisível.

O conceito de desqualificação social foi desenvolvido por Serge Paugam e implica conhecer quem são as pessoas susceptíveis de ficarem desempregadas e que irão recorrer à assistência social. O conceito de desqualificação social permitirá, segundo Paugam (1999, p.121): “(...) compreender a trajetória segundo a qual esse indivíduo passa a ser usuário da assistência.” O argumento de Paugam é que o próprio fato de os pobres serem assistidos pela coletividade acabará por assegurar-lhes uma determinada trajetória, pois contar com esse apoio acabará sendo determinante na construção da sua identidade. O autor alerta para o fato de que há diversas fases num processo de desqualificação social, apontando três: fragilidade, dependência (assistidos) e marginalidade.

A última fase, a marginalidade, caracteriza-se, em particular, pela ruptura dos vínculos sociais. Paugam esclarece, ainda, que a desqualificação social não se aplica a todos os países, pois ela é típica dos países que alcançaram um alto nível de desenvolvimento econômico e que, ao mesmo tempo, conhecem uma forte degradação do mercado. A observação deste autor é pertinente também no sentido de alertar sobre a limitação no uso de determinados termos em contextos diferentes.

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18 desfavoráveis, logo, não há, necessariamente, uma relação entre pobreza e desinserção. Nesse sentido, Wanderley (1999, p.21) faz a seguinte consideração a respeito do conceito de Gaujelac e Leonetti: “é o sistema de valores de uma sociedade que define os ‘fora de norma’ como não tendo valor ou utilidade social, o que conduz a tomar a desinserção como fenômeno identitário na articulação de elementos objetivos e elementos subjetivos.” Percebe-se, então, que os autores não se restringem a desvincular a pobreza com a desinserção, mas também a consideração de elementos subjetivos que são variáveis em contextos e realidades diferentes.

A apartação social proposta por Cristóvão Buarque designa um processo pelo qual denomina-se o outro como um ser a parte, não apenas como desigual, mas como um “não semelhante”, um ser expulso não somente dos meios de consumo, dos bens, serviços etc., mas do próprio gênero humano. É uma espécie de intolerância social (Wanderley, 1999).

Para outros autores, a exclusão social é, de fato, algo que assume múltiplas interpretações, nem sempre na mesma direção, ou seja, os conceitos podem ser conflituosos entre si, porque se trata de um termo que busca dar conta de algo que é naturalmente complexo e dinâmico. Nesse sentido, ao invés de tentar uma nova terminologia ou um novo conceito, busca-se compreender e sistematizar o que seja, a origem e a extensão da exclusão social. Sawaia (1999, p.7), por exemplo, ao tentar aprimorar o conceito de exclusão social e reconhecendo as possíveis ambigüidades, destaca: “elas (as ambigüidades) não revelam erro ou imprecisão, mas a complexidade e contraditoriedade que constituem o processo de exclusão social, inclusive a sua transmutação em inclusão social.”

Nesse sentido, Sawaia (1999, p.9), no intuito de buscar uma definição para a exclusão social, sistematiza a sua percepção da seguinte forma:

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combatida como algo que perturba a ordem social, ao contrário, ele é produto do funcionamento do sistema.”

A exclusão social, a partir do conceito construído por Sawaia (1999), não é algo estanque e a parte do sistema que a gerou e, por essa razão, questiona-se, inclusive, se devemos combatê-la. Na medida em que ela se configura a partir de um processo, não há uma forma que seja única e que não esteja sujeita a transformações ao longo do tempo. Além disso, considera-se a inclusão social como uma parte da exclusão social e vice-versa. Por fim, observa-se que há diversos fatores objetivos e subjetivos que influenciam e são influenciados pela exclusão social.

Dubar (citado por Demo, 1998, p.24) ao analisar o conceito da exclusão social acrescenta a perda de relações sociais produzidas pelas organizações, conforme afirmação a seguir: “(...) não podemos entender nada sobre exclusão se não é analisada a maneira pela qual é produzida pelas instituições: a empresa, a escola, a cidade.” Apesar de reconhecer a importância das alterações no mercado de trabalho nos últimos anos, o autor procura destacar que a exclusão social se refere também às transformações na família, das políticas urbanas e dos bairros periféricos.

Alguns autores, por sua vez, procuram destacar a exclusão como uma forma de inclusão e vice-versa. Demo (1998, p.105), por exemplo, ressalta a sua visão dialética da exclusão social: “quem não consegue entender que a exclusão é uma forma de inclusão, ou seja, uma maneira de exercer uma função dialética no sistema, não percebeu ainda o que significa dialética na história.” A exclusão social, segundo Demo (1998), expressa uma luta desigual, a concentração de privilégios e a repartição injusta dos espólios de uma sociedade falida.

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20 provavelmente irá excluir-se da possibilidade de uma formação que lhe dê direito a concorrer às melhores vagas no mercado de trabalho.

2.3 É possível e necessário medir o número de pobres e excluídos?

Na medida em que existe uma dificuldade em se saber com exatidão o que é exclusão social, abre-se a possibilidade para que existam múltiplas interpretações, muitas vezes baseadas numa visão limitada e parcial. Apesar disso, almeja-se, muitas vezes, compreender a extensão da exclusão social por intermédio de indicadores que buscam medir o número de pobres e excluídos9. Nesse sentido, Sposati (2000, p.1) cita um esforço realizado no início do século XX para medir-se a pobreza: “os primeiros estudos de Rowntree sobre pobreza em 1901, por exemplo, considera o padrão de pobreza individualizando as famílias e aplicando estimativas de exigência nutricional para sua sobrevivência, entre outras necessidades.”

Uma outra perspectiva utilizada para a análise das condições de vida precária é a inadequação da renda. Utilizou-se a partir do final da década de 1960 o indicador macroeconômico do PIB per capita para mensurar a extensão da pobreza nos países (Sposati, 2000). Este indicador foi amplamente criticado, pois em países com grande concentração de renda, ou seja, com um grande contingente de pessoas pobres e um pequeno conjunto de pessoas ricas, poderia ser entendido como um país com condições de vida adequada na medida em que o seu PIB per capita é relativamente elevado. Nesse sentido, Sposati (2000, p.2) apresenta dois argumentos para criticar a utilização do PIB per capita no entendimento da pobreza: “a medida do PIB per capita de um país padece e falece de dois grande males: primeiro, mede a opulência econômica; segundo, enxerga a realidade pela média e não pela sua distribuição real.”

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conforme análise que se segue: “(...) dos 6 bilhões de habitantes, 2,8 bilhões (quase a metade) vivem com menos de US$ 2,00 por dia e 1,2 bilhão (um quinto) com menos de US$ 1,00 por dia...” (Banco Mundial, 2001). A despeito do mérito em quantificar o número de pobres no mundo e do avanço da generalização proposta a partir do PIB per capita, destaca-se nessa forma de análise o contexto monetário como principal fator para a pobreza e exclusão social, ou seja, são suprimidos outros fatores como a carência educacional, o não acesso à saúde, a falta de perspectivas de emprego, trabalho e renda etc.

Além disso, os contextos social, político e econômico de cada país são pouco ou praticamente desconsiderados por este critério, sendo que se tratam de aspectos a serem considerados quando se analisa a pobreza e exclusão social. Um exemplo disso seria o US$ 1,00 ao dia em Nova Iorque ou em Tóquio e a mesma quantidade de moeda em Maputo ou Bangladesh. Em termos absolutos, trata-se de uma igualdade, entretanto há que se considerar que essa quantidade de moeda tem um valor relativo diferente, ou seja, a capacidade de compra não é a mesma entre os países, e isso limita esse indicador no entendimento de realidades sociais, políticas e econômicas distintas entre si.

A despeito dos esforços em quantificar o número de pobres e excluídos, convém considerar a reflexão de Rosanvallon (1998, p.154) que pondera o seguinte:

“(...) não é importante ‘contar’ os excluídos. Isso não permite tê-los como objeto de ação social. O importante é, em primeiro lugar, analisar adequadamente as trajetórias que conduzem às situações de exclusão, que resultam sempre de um processo particular.”

Seguindo-se a compreensão de Rosavallon (1998), multiplicam-se as possibilidades para analisar a exclusão social e, ao mesmo tempo, amplia-se a complexidade no seu entendimento na medida em que se busca particularizar os caminhos percorridos pelas pessoas. O autor procura chamar a atenção para o fato de que saber “quantos são os pobres e excluídos” não implica uma ação social que reverta tal realidade. Nesse sentido, Demo (1998, p.1) ironicamente diz: “há duas décadas, publiquei um trabalho com o título ‘a

9 Apesar de próximos e em alguns momentos serem utilizados como se fossem sinônimos, pobreza e exclusão

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22 pobreza também tem charme’, buscando indicar que a pesquisa e a teoria em torno da pobreza iam bem, enquanto o pobre continuava na mesma.”

Complementando a reflexão anterior, Rosanvallon (1998, p.154), à semelhança de Castel (1998), chama a atenção para as trajetórias e processos para o entendimento da exclusão social, muito mais do que buscar algum tipo de classificação:

“(...) não tem sentido tentar compreender os excluídos como uma categoria. São os processos de exclusão que é preciso levar em conta. A situação desses indivíduos deve ser compreendida a partir de certas rupturas, das crises e perturbações que vivenciaram. São os afastamentos e as diferenças que os marcam, e não as positividades descritas ordinárias: renda, profissão, nível de formação etc.”

Uma possível conclusão para este argumento é que se as pessoas tiveram caminhos diferentes para chegar ao estado de exclusão social, é natural que elas tenham perspectivas distintas para saírem dessa condição. Em outras palavras, a história, o processo de vida e o contexto em que vive cada indivíduo são algo que o distingue das outras pessoas e, portanto, não há porque tratar de forma homogênea algo que é naturalmente heterogêneo.

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2.4 A exclusão social e a desigualdade

A exclusão social pode ser entendida, entre as diversas possibilidades, como resultado de uma sociedade cada vez mais desigual e que não apresenta alternativas de sobrevivência a um conjunto crescente de pessoas, ou sob outra ótica, a exclusão social pode denunciar, de fato, um quadro de crescente desigualdade e a ampliação da injustiça social. Para fazer frente a essa situação, busca-se alguma alternativa para que o processo seja revertido, ou seja, que exista uma melhor condição de vida e um maior equilíbrio no acesso à renda e ao bem-estar. Entretanto, para questionar o que parece ser “razoável”, o economista Amartya Sen apresenta uma pergunta que procura instigar uma reflexão sobre a questão da desigualdade: afinal, busca-se a igualdade de quê?

De acordo com Sen (2000), há os “igualitarista de renda” (income egalitarians) que exigem rendas iguais; os “igualitaristas de bem-estar” (welfare-egalitarians) que pedem níveis iguais de bem-estar; os “utilitaristas clássicos” que insistem sobre pesos iguais para a utilidade de todos e, finalmente, os “libertários puros” que exigem igualdade com respeito a uma classe inteira de direitos e liberdades.

Todos eles são “igualitaristas” (egalitarians), mas que uma exigência de igualdade em termos de uma variável pode ter de ser não igualitária com respeito a outra variável, já que as duas perspectivas podem, bem possivelmente, conflitar. Sen (2001, p.22) apresenta os seguintes exemplos:

“(...) um libertário que exija direitos iguais sobre uma classe de ‘intitulamentos’10 (entitlements) não pode, para ser coerente com isso, insistir também sobre a igualdade de rendas. Ou um utilitarista que exija peso igual para toda e qualquer unidade da utilidade não pode, de modo coerente com isso, demandar também a igualdade de liberdade ou direitos (e, pela mesma razão, não pode insistir nem mesmo para igualar os níveis totais de utilidade desfrutadas por diferentes pessoas).”

10 Termo introduzido originalmente para mudar o foco de análise da fome: refere-se a “pacotes (alternativos)

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24 É precisamente devido à diversidade nas características internas tais como a idade, sexo, habilidades, talentos, limites, propensão à doença etc. e também nas circunstâncias externas tais como os bens e patrimônios disponíveis, ambientes sociais, meio ambiente, entre outros, que a ênfase no igualitarismo em um campo exige a rejeição do igualitarismo em outro (Sen, 2001).

Nesse sentido, Sen (2001, p.46) cita William Letwin, que diz: “na medida em que as pessoas são desiguais, é racional supor que elas devem ser tratadas desigualmente – o que poderia significar parcelas menores para os necessitados ou parcelas maiores para os merecedores.” Letwin questiona, portanto, a tese de que deve haver um tratamento de igualdade entre os desiguais acrescentando, inclusive, uma idéia de proporcionalidade de “merecimentos”.

A teoria central de Sen, baseada nos funcionamentos11 e capacidades12, distingue-se da

análise e avaliação proposta por Jonh Rawls, que preconiza a teoria da “justiça como eqüidade”, embora sua análise seja profundamente influenciada pelo foco rawlsiano. De acordo com Sen, dar a importância aos meios para a liberdade relativamente a qualquer avaliação das extensões da liberdade pode ser um inconveniente. Cita o autor (2001, p.38): “(...) o foco em que Rawls particularmente se concentra negligencia certas considerações que podem ser de grande importância para a avaliação substantiva da igualdade – como também da eficiência.”

11 Ricardo Doninelli Mendes (2001, p.15), na apresentação do livro “Desigualdade Reexaminada”, cita um

dos exemplos preferidos de Sen para explicar o conceito de funcionamento: “a bicicleta, que é um bem ou mercadoria, é um dos exemplos preferidos de Sen para ilustrar a natureza de um funcionamento. Ela possui ‘características’, tais como transportar quem pedala. Posso ter uma bicicleta ou não. Posso apenas estar perto de uma. Posso achá-la um objeto bonito. Posso me sentir bem vendo pessoas andando de bicicleta, por exemplo. E de diferentes maneiras. Posso me exercitar andando numa bicicleta todas as manhãs. Posso usá-la como meio de transporte de casa para o trabalho. Algumas vezes, isso me é prazeroso. Mas outras, embora chegando em casa mais rapidamente, não sinto prazer tendo que pedalar depois do trabalho. Deslocar-se, dar um passeio, transportar-se, ir ao trabalho, trabalhar como ciclista profissional, ou como um motorista de ‘bici-táxi’ e pedalar são todas atividades e realizações que uma pessoa pode alcançar utilizando uma bicicleta. Todas elas são funcionamentos. Funcionamentos são definidos como estados e ações que uma pessoa consegue realizar vivendo de algum modo.”

12 Na teoria de Amartya Sen, há uma distinção entre ability e capability. Na concepção seniana do termo,

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De acordo com Sen (2001, p.176), além de avaliar a insuficiência da renda é necessário agregar uma análise das deficiências no uso da renda para a criação de “capacidades”, como se segue: “(...) a ordenação da pobreza e a identificação dos pobres podem ser bem diferentes se forem feitas inteiramente em termos do tamanho da renda (como é prática na maioria dos países), comparadas com o que seriam se o foco fosse a insuficiência de capacidade.” Nesse sentido, Sen (2001, p.177) observa que “(...) a ‘conjugação’ da insuficiência para obter uma renda com a deficiência para usar a renda na geração de capacidades é desconsiderada (no foco tradicional da análise da pobreza).”

Os conceitos e a teoria de Amartya Sen (2001) implicam uma maior complexidade no entendimento da pobreza (nos seus mais diferentes contextos), que para esse autor não está restrita apenas à inadequação da renda, mas especialmente na incapacidade na geração de capacidades. O ponto de interesse do autor, portanto, recai sobre o usufruto da renda disponível, que pode ser convertida em capacidades.

As reflexões de Sen sobre a igualdade buscam esclarecer os possíveis conflitos entre as diversas perspectivas existentes (renda, oportunidades, liberdade etc.). Num quadro de crescente desigualdade, pobreza e exclusão social, é cada vez mais comum o uso do termo “igualdade” como resposta às adversidades econômicas, sociais e políticas. O autor, entretanto, além de questionar as possíveis perspectivas da igualdade, defende uma outra variável que está relacionada à diversidade humana. Dessa forma, apresenta-se uma perspectiva diferenciada em relação ao foco tradicional na análise da pobreza e da exclusão social.

2.5 A pobreza e as possíveis relações com a exclusão social

A pobreza e a exclusão social podem ser vistas e utilizadas como sinônimos se não houver um maior rigor analítico. A pobreza, muitas vezes, pode levar à exclusão social, mas não necessariamente e, talvez, a exclusão social, na maioria das vezes, é que leva à pobreza.

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26 Contudo, o uso indiscriminado destes termos banaliza, empobrece e reduz a compreensão de ambos. Justamente pela proximidade e uma possível confusão entre estes termos e os seus conceitos, é interessante estabelecer uma distinção entre elas.

Nas palavras de Sposati (1999, p.129), esclarece-se esta distinção:

“Considero que há uma distinção entre exclusão social e pobreza. Por conter elementos éticos e culturais, a exclusão social se refere também à discriminação e a estigmatização. A pobreza define uma situação absoluta ou relativa. (...) pobre é o que não tem, enquanto excluído pode ser do sexo feminino, cor negra, opção homossexual, é velho etc.”

A associação entre pobreza e exclusão social, ainda que pertinente, pode induzir a uma conclusão precipitada de que é uma relação única e inquestionável. Que a pobreza e as condições precárias de vida acentuam os problemas sociais, não há dúvida. Isto não quer dizer, contudo, que a exclusão social se limita a isso. Com as transformações do mercado e a precarização nos empregos formais, por exemplo, boa parte das pessoas que não são pobres está excluída das oportunidades de emprego disponíveis. Há outros exemplos: pessoas que perderam as suas famílias, ou seja, excluídas da convivência familiar; imigrantes que não falam a língua local e não conseguem se estabelecer na comunidade; pessoas que têm renda, mas que são excluídas do consumo de produtos e serviços de luxo, entre outros.

A pobreza está relacionada não se restringe apenas a aspectos objetivos, mas também a percepções e valores que são subjetivos, ou em outras palavras, ela não pode ser analisada à parte da realidade em que se insere. Paugam (1999, p.101), por exemplo, argumenta que “a pobreza em si não é o pior de tudo, mas, sim, as formas como é representada em cada sociedade.” Assim, seguindo-se esse raciocínio, ser pobre num país como a Índia ou Moçambique não deve ter o mesmo impacto que ser pobre no Japão ou na Inglaterra.

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exclusão social domina atualmente. Nos EUA, por sua vez, não se fala em exclusão, mas o “estar de fora de uma classe” (underclass). Na América do Sul, especificamente no Brasil, falou-se em marginalidade até um determinado momento e, a exemplo da Europa, a exclusão social é o termo mais utilizado na atualidade (Paugam, 1999).

A noção de estar “abaixo de uma classe” (underclass/subclasse), termo que é utilizado nos EUA, identifica ou representa aquele que está “acima” e aquele que está “abaixo”. Ao empregar o termo marginalidade/exclusão na América do Sul, por sua vez, indica uma distribuição espacial entre o centro e a periferia e também de “estar dentro” ou de “estar fora”. Apesar de parecer que as diferenças são mínimas, os diferentes termos revelam, mesmo que sutilmente, a forma ou a dinâmica de como a sociedade concebe as relações entre diferentes segmentos que compõe a sociedade.

Em diferentes países, percebe-se que a pobreza e a exclusão social podem ser influenciadas em maior ou menor grau por questões como a raça e a cor da pele. Neste contexto, Paugam (1999, p.103) argumenta que “ao visitar bairros pobres de cidades americanas, ou as favelas no Brasil, é possível perceber que há uma relação entre a cor da pele e a segregação.” Em princípio parece não se tratar da questão de raças simplesmente, mas da combinação de vários fatores, entre eles o econômico e também a cor da pele. Percebe-se que há uma certa discriminação a partir desse critério, pois na Europa, por exemplo, quando se fala em periferia, talvez não haja a mesma intensidade de discriminação baseada na raça ou na cor da pele, até porque essas periferias são pluriétnicas (Paugam, 1999).

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28 A análise descritiva da pobreza deve incorporar as dimensões específicas de cada sociedade. O que pode ser uma terrível privação em uma sociedade pode não sê-lo em outra. A forma de diagnosticar a privação deve, portanto, ser sensível à maneira como se enxergam os diferentes tipos de privação em cada sociedade. As necessidades fisicamente elementares como nutrição, vestimenta e saúde e também as questões sociais mais complexas, como participar da vida comunitária, cuidar dos filhos, participar de movimentos políticos, entre outras têm pesos e valores distintos em diferentes países (Dupas,1999). Há, contudo, um certo consenso sobre a questão de evitar a desnutrição crônica. Da mesma forma, reconhece-se na maioria dos países que o trabalho infantil é, em última instância, prejudicial à sociedade, que o trabalho escravo deve ser banido, entre outros (Dupas,1999).

A perspectiva política, enfatizada por Demo (1998, p.5), refere-se ao seguinte raciocínio:

“O conceito de pobreza política obtém sua pertinência maior precisamente por relevar o aspecto da exclusão política como cerne da pobreza (...) o maior problema das populações pobres não é propriamente a fome, mas a falta de cidadania que os impede de se tornarem sujeitos de história própria, inclusive de ver que a fome é imposta.”

Independente do método para analisar a exclusão social ou a pobreza, verifica-se que ambas não se modificam de maneira significativa ao longo dos anos. Às vezes, ao contrário, elas estão se agravando, não só porque a fome, a miséria, a ignorância, entre outros persistem a existir em pleno século XXI, mas também porque agrega-se “novas formas” de exclusão, como por exemplo os desempregados que não conseguem voltar ao mercado formal de trabalho, os que são obrigados a emigrar para países que mal falam sua língua, os que não têm acesso às novas tecnologias de comunicação e informação etc.

Imagem

Figura 3.1 – Modelo sintético para a exclusão digital  Fonte: Cuneo (2002, p.58)
Figura 4.1 – Uma visão comparativa entre os autores  Fonte: Adaptado de Heeks (1999, p
Figura 5.1 – Público e área de atuação das organizações pesquisadas
Figura 5.2 – Orçamento anual das organizações pesquisadas
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Referências

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