Características clinicoepidemiológicas de um grupo de
mulheres com HIV/AIDS em Salvador-Bahia
Clinical-epidemiological characteristics of a group of HIV/AIDS
infected women in Salvador-Bahia
Ceuci de Lima Xavier Nunes
1, Lívia A. Gonçalves
2,
Patrícia T. Silva
1e José Carlos Bina
3RESUMO
A e x p a n sã o d a i n f e c ç ã o p e lo HIV/AIDS e n tre a s m u lh e re s e o s m a i s p o b re s, sã o i m p o rta n te s c a ra c te rí sti c a s d a e p i d e m i a n o Bra si l e n o m u n d o . Estu d o d e sc ri ti vo d e li n e o u - se c o m o b je ti vo d e d e sc re ve r u m gru p o d e 8 2 m u lh e re s c o m HIV/AIDS d e Sa lva d o r – Ba h i a . A i d a d e m é d i a é 3 2 ± 7 ,2 a n o s; 7 5 % tê m f i lh o s, 8 2 ,5 % e stã o d e se m p re ga d a s e o gra u d e i n stru ç ã o si tu a - se e n tre a n a lf a b e to e p ri m e i ro gra u e m 7 7 ,8 %. O n ú m e ro d e p a rc e i ro s se x u a i s f o i i gu a l o u i n f e ri o r a c i n c o n a vi d a e m 7 1 % d o s c a so s e 2 5 % re la ta va m u m ú n i c o p a rc e i ro . Qu a re n ta e se i s ( 5 5 ,4 %) m u lh e re s a p re se n ta ra m 7 7 e p i só d i o s d e i n f e c ç õ e s o p o rtu n i sta s. A m a i o ri a d a s p a c i e n te s te m b a i x o gra u d e i n stru ç ã o , b a i x a re n d a e p o u c o s p a rc e i ro s se x u a i s. A f o rm a de tra n sm i ssã o f o i pre do m i n a n te m e n te se xu a l, m u i ta s m u lhe re s a dq u i ri ra m o ví ru s c o m o pró pri o c o m pa n he i ro / m a ri d o .
Pal avr as-chave s: AIDS. HIV. Mu lh e re s. Fe m i n i za ç ã o . Po b re za .
ABSTRACT
Th e i n c re a si n g n u m b e r o f HIV/AIDS i n f e c te d wo m e n i s o n e o f th e m a i n c h a ra c te ri sti c s o f th e AIDS e p i d e m i c , b e si d e s th e wi d e e x p a n si o n o f th e d i se a se a m o n g th e p o o r. Th i s stu d y f o c u se d o n a gro u p o f 8 2 wo m e n wi th AIDS f ro m Sa lva d o r -Ba h i a . Th e m e a n a ge wa s 3 2 ± 7 .2 ye a rs, 7 5 % h a d c h i ld re n , 8 2 .5 % we re jo b le ss, a n d 7 7 .8 % we re i lli te ra te o r o n ly h a d b a si c e d u c a ti o n . Th e n u m b e r o f se x u a l p a rtn e rs wa s f i ve o r f e we r i n 7 1 % o f c a se s a n d 2 5 % h a d o n ly o n e se x u a l p a rtn e r. Fo rty- si x ( 5 5 .4 %) wo m e n re p o rte d u p to 7 7 e p i so d e s o f o p p o rtu n i st i n f e c ti o n s. Th e m a jo ri ty o f th e p a ti e n ts we re f ro m th e lo we r c la sse s, wi th n o go o d e d u c a ti o n , a lo w i n c o m e a n d f e w se x u a l p a rtn e rs. Th e m a i n vi a o f tra n sm i ssi o n wa s h e te ro se x u a l, a n d m a n y o f th e wo m e n we re i n f e c te d b y th e i r ste a d y p a rtn e r/h u sb a n d .
Ke y-words: AIDS. HIV. Wo m e n . Fe m i n i za ti o n . Po ve rty.
1 . Esc o la B aiana de Me dic ina e Saúde Púb lic a, Salvado r, B A. 2 . Ho spital Po r tuguê s, Salvado r, B A. 3 . Ho spital São Rafae l da Unive r sidade Fe de r al da B ahia, Salvado r, B A.
En de r e ço par a cor r e spon dê n ci a: Dra. Ceuc i de Lima Xavier Nunes. R. Martins de Almeida 6 0 , Jardim Apipema, 4 0 1 5 5 -0 6 0 Salvado r, B A. Tel: 7 1 2 4 5 -3 8 0 8 , Fax: 7 1 2 4 5 -0 9 5 2
e-mail: c euc i@ uo l.c o m.br Rec ebido em 8 /9 /2 0 0 3 Ac eito em 2 0 /8 /2 0 0 4
A expansão da síndrome da imunodefic iênc ia humana ( AIDS) entre as mulheres vem sendo observada em quase todo o mundo8 1 2 2 2 2 4 2 8 3 3, e estas representam 5 0 % dos casos no
mundo e 3 0 % dos casos da América Latina3 2. No Brasil, esta
c o nstataç ão fo i feita pelo Ministér io da Saúde, ao ser em analisadas as notificações do período de 1 9 9 4 a 1 9 9 8 , onde o crescimento entre os homens foi de 1 0 ,2 % e entre as mulheres de 7 5 , 3 % . Ob s e r vo u- s e ta m b é m q ue o c r e s c im e nto da transmissão heterossexual foi de 1 1 3 %, contra 8 ,6 % entre homo/ bissexual1 7 1 8. De 1 9 8 0 a 2 0 0 2 , foram notificados 2 5 7 .7 8 0 casos
de AIDS, sendo 72.719 mulheres, representando 28,2% dos casos totais e 3 6 ,5 % dos casos novos1 9.
Na Bahia, os primeiros casos em mulheres foram notificados em 1 9 8 7 . Até 2 0 0 2 , 1 4 7 0 casos foram notificados, destes, 9 8 1 são tidos como vivos. Nestes casos, a forma de transmissão foi sexual em 871 casos, representando 59,3% do total, 182 ( 12,4%) eram usuárias de drogas injetáveis ( UDI) e 99 ( 6,7%) adquiriram a infecção por transfusão de sangue2 1.
para as camadas de menor poder aquisitivo da população2 2 5.
No Brasil, este dado foi avaliado de forma indireta, através do nível de escolaridade, a partir das fichas de notificação, que caiu de forma progressiva de 1 9 8 5 a 1 9 8 8 /1 9 8 92 6. Alguns autores
apo ntam par a o espec ial empo b r ec imento das mulher es, dec orrentes de prec onc eito de raç a, etnia e, sobretudo, de gênero1 1 0 2 5.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE) mostram que a mulher brasileira além de ser a chefe de domicílio e m 2 4 , 9 % das famílias b r asile ir as e 2 5 , 9 % das famílias nordestinas, têm baixa renda ( média de R$ 1 6 4 ,2 0 no nordeste) e baixa escolaridade, sendo 2 1 ,2 % analfabetas1 4. O imbricamento
destes dois dados, pauperização e feminização da AIDS aponta para um grave problema social, com cada vez mais famílias sem condições mínimas de sobrevivência2 3. No Brasil, estima-se o
número de órfãos da AIDS de 1 9 8 7 a 1 9 9 9 em 3 0 .0 0 0 , só no ano de 1 9 9 9 , 5 .5 0 0 menores de 1 5 anos ficaram órfãos em decorrência da AIDS3 0.
Fa to r e s a n a tô m ic o s e b io ló gic o s fa ze m c o m q ue a transmissão do vírus seja mais efetiva do homem para a mulher, sendo que a maior quantidade do vírus no sêmen e a maior quantidade de sêmen quando comparado com a secreção vaginal são os fatores mais importantes16 31. A falta de controle da mulher
so b r e as pr átic as de sexo segur o é tamb ém c o nsider ado importante, para justificar esta tendência da epidemia1 0 1 3.
Entre os fatores biológic os que fac ilitam a infec ç ão pelo HIV, de stac am-se as do e nç as se xualme nte tr ansmissíve is ( DST) , tanto as ulc erativas, c omo as não ulc erativas, c uja presenç a eleva de duas a quatro vezes o risc o de infec ç ão pelo HIV9 1 5 2 3 3 2.
Os principais preditores de risco de progressão da doença e sobrevida nos pacientes infectados pelo HIV, são o número de linfócitos T CD4+ e o nível de RNA viral ( Carga viral) . Embora
existam estudos com resultados conflitantes, a literatura médica tem mostrado diferenças na dinâmica viral entre o homem e a mulher que se manifestam com a diferença do nível de Carga Viral para um número semelhante de linfócitos T CD4 + . Como a progressão para AIDS e morte é semelhante no homem e na mulher, provavelmente a mulher desenvolve doença com um nível da carga viral menor, indicando ser o nível de T CD4 + um melhor indicador para basear a indicação de tratamento do que a carga viral6 8 2 9.
MATERIAL E MÉTODOS
No pr e s e n te e s tudo fo r a m e s tuda da s 8 2 m ulh e r e s matriculadas no Serviço de Ambulatório Especializado ( SAE) do Hospital Couto Maia, atendidas em dia e horário exclusivos, no período de junho de 1 9 9 8 a janeiro de 2 0 0 2 . O atendimento foi prestado pela autora diretamente, ou por intermédio da supervisão a médic os residentes de doenç as infec c iosas e parasitárias.
O pr o j e to fo i a pr o va do pe la Dir e to r ia Té c n ic a da Instituiç ão . A c ada mulher fo i apresentado um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, contendo os objetivos da pesquisa e a garantia da privacidade. Após a assinatura, todas as mulheres responderam questionário padronizado, com questões contemplando dados demográficos e comportamentais, nem todas as perguntas foram respondidas por todas as mulheres. Dados clínicos e laboratoriais foram incluídos no estudo.
Os exames laboratoriais assim como os testes sorológicos fo ram realizado s no Labo rató rio do Ho spital Co uto Maia, Laboratório Central ( LACEN) e outros da rede pública estadual. Para o teste HIV, foi utilizado o teste Ortho Diagnostics EIA como triagem e imunofluorescencia indireta ( IFI) ou Western Blot como confirmatório; a carga viral foi realizada pela técnica de Protein Chain Reation ( PCR) ( Biomerieux) e a contagem de células TCD4+/CD8+ por citometria de fluxo ( FacsCalibur – BD) .
A análise estatístic a foi desc ritiva e realizada c om auxilio do programa SPSS versão 1 1 para Windows.
RESULTADOS
Foram estudadas 8 2 mulheres com idade média de 3 2 ± 7 ,2 ano s; 6 3 /8 1 ( 7 7 ,8 % ) tinham nível de esc o lar idade entr e analfabetismo e primeirograu incompleto. A renda mensal foi inferior a um salário mínimo em 3 1 /7 7 ( 4 4 ,3 %) e inferior a três salários mínimos em 6 5 /7 7 ( 8 4 ,3 %) . O desemprego ou tr ab alho espo r ádic o fo i r elatado po r 6 3 /7 6 ( 8 2 ,5 % ) das entrevistadas. Quanto aos hábitos de vida, 3 5 /7 6 ( 4 6 %) referiam ser ou terem sido fumantes, 3 0 /7 5 ( 4 0 % ) referiam uso de bebidas alcoólicas e 7 /7 7 ( 9 %) utilizavam drogas injetáveis.
Nos antecedentes médicos, 4 4 /6 3 ( 6 9 ,8 %) referiam consulta c om ginec ologista, 9 /7 0 ( 1 3 % ) não tinham tido nenhuma gestação e 1 5 /8 2 ( 1 8 ,3 %) estiveram grávidas durante o período de acompanhamento. O abortamento foi relatado por 3 5 /6 5 ( 5 4 % ) das m ulhe r e s e de stas, 1 9 ( 2 9 , 2 % ) adm itiam o abortamento provocado. A transfusão sanguínea foi relatada por 1 4 /7 5 ( 1 8 ,6 % ) . O uso de algum método c ontrac eptivo foi relatado por 3 9 /6 5 ( 6 5 %) , sendo que a laqueadura tubária e o uso de pílulas foram os mais freqüentes. O uso de preservativos foi relatado por 9 /6 5 ( 1 3 ,9 %) das mulheres. O número de parceiros sexuais na vida variou de um a numerosos e 4 2 /6 1 ( 7 0 %) destas mulheres tiveram entre um e cinco. Os dados demográficos, comportamentais e de antecedentes médicos e obstétricos podem ser vistos na Tabela 1 .
Os e xame s r e fe r e nte s ao diagnó stic o c o nstante s no s prontuários foram testes imunoenzimátic os ( ELISA) em 6 7 / 8 2 ( 8 2 %) dos casos, Western Blot ou imunofluorescência indireta em 5 3 /8 2 ( 6 5 %) dos casos. Os exames para acompanhamento da infecção pelo HIV, especificamente a quantificação de carga viral e as subpopulações de linfócitos T CD4 + e CD8 + , foram realizados por 5 6 /8 2 ( 6 8 ,3 %) . O número de cópias virais variou de inferior ao limite de detecção a 1 1 milhões e o T CD4 + de um a 1 0 3 8 na primeira medida, sendo que 2 5 /5 6 ( 4 4 ,6 % ) tinham T CD4 + inferior a 2 0 0 cels/mm3.
Infec ç õ es o po rtunistas fo ram o bservadas ao lo ngo do acompanhamento, das quais destacamos as mais freqüentes: monilíase oral ( 3 1 /8 2 - 3 7 ,8 %) ; toxoplasmose cerebral ( 1 0 /8 2 - 1 2 ,2 %) ; monilíase esofágica ( 6 /8 2 - 7 ,3 %) ; herpes zóster ( 5 / 8 2 - 6 ,1 %) e a pneumonia possivelmente por Pne um o cystis ca rinii ( 3 /8 2 -3 ,7 %) .
Das mulheres estudadas 4 8 ( 5 8 ,5 %) eram portadoras do HIV e 3 4 ( 4 1 ,5 %) tinham AIDS, diagnóstico baseado na contagem de T CD4+ inferior a 2 0 0 cel/mm3 e/ou por apresentarem uma
ou mais das seguintes doenças definidoras: monilíase esofágica, toxoplasmose cerebral, pneumonia por Pne um o cystis ca rinii,
diarréia por Crypto spo ridium e esofagite por Cyto m e ga lo virus.
O ac ompanhamento c línic o oc orreu regularmente em 6 1 ( 7 4 ,4 % ) c asos, oito ( 9 ,8 % ) mulheres evoluíram para óbito e 1 3 ( 1 5 ,8 % ) mulheres desc ontinuaram o ac ompanhamento.
O tratamento anti-retroviral, assim c omo as profilaxias, fo r a m in s tituí da s b a s e a do s n o s do c um e n to s e dita do s anualmente pelo Ministério da Saúde.
DISCUSSÃO
Este artigo visa trazer para a discussão o acompanhamento de pac ie nte s do se xo fe minino c o m HI/AIDS que o c o r r e rotineiramente nos SAE, refletindo, portanto as condições da assistência real.
Quinze mulheres chegaram ao serviço sem o resultado do exame sorológico, apenas referindo ser o exame positivo. A destruição do resultado do exame pela própria paciente, tanto por negação da doença, como por medo do conhecimento deste por pessoas do seu convívio familiar e o extravio devido ao tempo decorrido entre o resultado e a procura do atendimento, foram os fatores levantados para explicação desta ocorrência. Todas as mulheres que chegaram sem o resultado do exame diagnóstico foram acompanhadas e tiveram o diagnóstico da infecção pelo HIV, seja pela realização da carga viral e linfócitos T CD4 + , ou por presença de doenças oportunistas relacionadas a AIDS.
As mulheres estudadas apresentam indic adores soc iais baixos e a escolaridade desta amostra ( 7 7 ,8 % de analfabetas e primeiro grau) é inferior a das mulheres brasileiras cujos casos foram notificados ao Ministério da Saúde ( 6 0 ,4 %) , sendo que esta diferença pode ser creditada a origem destas mulheres, principalmente da região sudeste do Brasil, onde os indicadores sociais são melhores1 9. A renda mensal inferior a um salário
mínimo em 4 5 % dos casos, pode ser comparada a renda média das mulheres nordestinas, que segundo o IBGE é de R$ 1 6 4 ,2 01 4.
Quanto ao tr ab alho , pe r c e b e mo s que 8 2 ,9 % não tinham emprego. Este número é muito expressivo, mesmo quando comparamos aos índices de desemprego da região metropolitana de Salvador, que é o maior do país e chega a 3 2 %1 4. Como a
população estudada é composta apenas por mulheres, e todos os índices utilizados para medida de pobreza estão em pior situação que os da população em geral, esses fatos corroboram a afirmação de alguns autores, que atribuem às mulheres o maior contingente de pobres1 0 2 5.
Ta bela 2 - So ro preva lência pa ra sífilis, hepa tite B, hepa tite C, to xo pla sm o se e cito m ega lo viro se em 82 m ulheres co m HIV/AIDS.
Exame sorológico No pacientes que realizaram No pacientes com
exames/população ( %) testes positivos ( %) Sífilis – VDRL 39/ 82 ( 47,6) 5/39 ( 12,8) Hepatite B – AgHbs 34/82 ( 41,5) 0/34 ( O) Hepatite C 22/82 ( 26,8) 7/22 ( 31,8) Toxoplasmose 28/82 ( 34,1) 17/28 ( 77,3) Citomegalovírus 22/82 ( 26,8) 20/22 ( 90,9)
Ta bela 1 - Da do s dem o grá fico s, co m po rta m enta is e a ntecedentes m édico s de 82 m ulheres co m HIV/AIDS.
Dados demográficos Nº / Nº de pacientes que responderam (%)
Idade ( média ± Desvio Padrão) 32 ± 7,2 Grau de instrução
analfabeto/1º grau 63/81 ( 77,8) 2º Grau/superior 18/81 ( 22,2) Trabalho
empregada 13/76 ( 17,1) desempregada/trabalho esporádico 63/76 ( 82,5%) Renda mensal
< 1 salário mínimo 31/70 ( 44,3) 1 – 5 salários mínimos 35/70 ( 50) > 5 salários mínimos 4/70 ( 5,7) Filhos
sim 66/80 ( 82,5)
não 14/80 ( 17,5)
Dados comportamentais
Número de parceiros na vida
≤5 42/61 ( 68,9)
6-20 11/61 ( 18)
> 20 8/61 ( 13,1) Etilismo
sim 30/75 ( 40)
não 45/75 ( 60)
Tabagismo
sim/ex-fumante 35/76 ( 46)
não 45/76 ( 54)
Uso de drogas injetáveis
sim 7/77 ( 9,1)
não 70/77 ( 90,9)
Antecedentes médicos
história de transfusão sanguinea
sim 14/75 ( 18,6)
não 61/75 ( 81,4)
Acompanhamento ginecológico
sim 44/63 ( 69,8)
não 19/63 ( 30,2)
Métodos contraceptivos
preservativo ( sozinho ou associado) 9/65 ( 13,9) laqueadura 11/65 ( 16,9) pílula/DIU/outros 19/65 ( 29,2)
não usa 26/65 ( 40)
Abortamento
espontâneo 16/65 ( 24,6) provocado 19/65 ( 29,2)
não 30/65 ( 46,2)
Gravidez após o diagnóstico
sim 15/82 ( 18,3)
Os aspectos comportamentais mostram que as características destas mulheres não são compatíveis com os grupo s de risco
ou mesmo co m po rta m e nto s de risco, utilizados no início da epidemia e, felizmente, já superados na abordagem do Ministério da Saúde, especialmente nas campanhas de prevenção. Nesta amostra, menos de 1 5 % das mulheres referiam 2 0 ou mais parc eiros na vida e um quarto da amostra é c omposta por mulheres com um único parceiro sexual na vida. Ainda entre os aspe c to s c o mpo r tame ntais, c hama a ate nç ão o pe q ue no perc entual de uso de preservativos ( 1 3 ,9 %) , revelando não somente desinformação, compatível com o nível de escolaridade, mas principalmente o não domínio das mulheres dos meios de proteção, isto porque as mulheres entendem que a não utilização de preservativos pode significar confiança no parceiro, crença na relação monogâmica e compromisso com a relação2 7. Estas
c arac terístic as das mulheres deste grupo as enquadram na denominação utilizada pela pesquisadora Dirce Guilhem, de
e scra va s do risco, por serem, na sua maioria, mulheres com parceiros fixos e que adquiriram a AIDS desses parceiros4 1 0.
Quanto a o utr o s c o m po r tam e nto s q ue po de r iam se r r e spo nsáve is pe la aq uisiç ão do HIV, de stac amo s a b aixa r e fe r ê nc ia a o uso de dr o ga s inj e tá ve is ( 8 , 5 % ) q ua ndo c omparamos c om os dados nac ionais ( 1 3 ,6 % ) ; a transfusão sanguínea relatada por 1 7 % das mulheres estudadas é muito s u p e r i o r a o s d a d o s n a c i o n a i s ( 1 , 7 % ) , e n tr e ta n to , a c onsideraç ão da transfusão c omo forma de transmissão fic a prejudic ada por não ter havido avaliaç ões c omplementares deste dado. Na B ahia, a c ategoria exposiç ão sanguínea ( sem dife r e nc iaç ão do uso de dr o gas inj e táve is e tr ansfusão sanguínea) é responsável por 1 6 ,6 % dos c asos em mulheres2 0.
No período do estudo, 2 1 mulheres desc ontinuaram o acompanhamento. Destas, oito evoluíram para o óbito e em 1 3 o motivo foi desconhecido. Das mulheres que morreram, pelo menos duas, não morreram por complicações clínicas, sendo que a primeira c o meteu suic ídio e a segunda falec eu em conseqüência do parto. A avaliação destas oito mulheres mostra que apenas duas delas realizaram os exames necessários ao acompanhamento, com número de linfócitos T CD4 + baixos ( 1 1 0 e 8 3 ) , assim c omo a c arga viral elevada ( 3 4 0 .0 0 0 e 1 .3 0 0 .0 0 0 ) . A deficiência imunológica destas pacientes pode indicar que sequer tiveram tempo para realização das avaliações laboratoriais necessárias. Das treze pacientes que não retornaram ao ambulatório, quatro realizaram os exames de T CD4 + ( que foram maiores que 2 0 0 cels/mm3) e carga viral ( três inferiores
a 2 1 .0 0 0 cópias) e ao contrário das que evoluíram para o óbito, apresentavam os indicadores virológicos e imunológicos mais satisfatórios. A desc ontinuidade pode ter oc orrido devido a estabilidade clínica, não se podendo descartar a ocorrência de óbito, assim como a transferência do acompanhamento para outro serviço.
O acesso aos exames essenciais para o acompanhamento virológico e imunológicos foi efetivo na grande maioria ( 7 0 %) das pacientes. As maiores dificuldades para realização destes exames ocorreram em pacientes provenientes do interior do estado, onde os exames não são disponibilizados nas suas cidades de origem, e em Salvador existe centralização, inclusive a coleta,
no Laboratório Central ( LACEN) , dific ultando o ac esso. Em c o ntr apo siç ão a e sta c o nstataç ão , o ac e sso ao s e xam e s sorológicos foi pequeno, até mesmo para exames de baixo custo como o VDRL, realizado por menos da metade da população estudada. A universalização do acesso aos exames essenciais para o acompanhamento adequado dos pacientes com HIV deve ser perseguida, inclusive com a possibilidade de realização da coleta no local onde o paciente é atendido.
Quando a avaliaç ão das soroprevalênc ias, a da sífilis foi realizada apenas com o teste não treponêmico – VDRL, não confirmado com os testes treponêmicos devido a dificuldade de acesso a estas provas sorológicas na rede pública da Bahia. A prevalência de 1 2 ,8 % pode caracterizar especialmente a sífilis latente ou tardia. A Organização Mundial de Saúde estima que para a população de 15 a 45 anos, a prevalência seja de 0,5%; em estudos sentinelas em gestantes observa-se a prevalência de 4% e e m pr o fissio na is do se xo , e sta ta xa c he ga a 3 7 %2 0. A
soroprevalência para os vírus da hepatite B ( AgHbs) e hepatite C ( sem teste c onfirmatório) foi de zero/3 4 e 7 /2 2 ( 3 1 ,8 % ) , respectivamente. Dados semelhantes foram obtidos em doadores de sangue HIV positivos, em Londrina – PR, onde de 39 doadores positivos para HIV, 1( 2,6%) foi AgHbs positivos e 10 ( 25,6%) foram anti-HCV positivos2 6. Das sete mulheres que tiveram o teste
inicial positivo para hepatite C, uma referia uso de droga injetável e outra tinha história de transfusão sanguínea. A soroprevalência para toxoplasmose ( 7 7 ,3 % ) signific a infec ç ão latente pelo
To xo pla sm a go ndii e é importante para decisão de profilaxia. É grande a variação da prevalência desta infecção ao redor do mundo e nos EUA é de 30%7. A infecção latente pelo citomegalovírus foi
detectada em 90% das mulheres estudadas e este dado é compatível com a literatura médica que mostra esta infecção presente na maioria dos adultos infectados pelo HIV7.
Qua n to à s in fe c ç õ e s o po r tun is ta s de te c ta da s n e s ta populaç ão, a proporç ão é inferior aos números relatados para os c asos notific ados pelo Ministério da Saúde, entretanto a nossa populaç ão é c omposta tanto por mulheres c om AIDS, c omo por portadoras do HIV1 1.
AGRADECIMENTOS
A diretoria do Hospital Couto Maia e especialmente as equipes do ambulatório, da farmácia e a assistente social Alice Maria Carvalho, pelo apoio na organização deste trabalho.
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