MIELITE TRANSVERSA POSINFECCIOSA
Ε ESPINHA BIFIDA TORACICA
REGISTRO DE UM CASO
LUIZ AUGUSTO F. ANDRADE* PEDRO SIMÕES ROSADO**
Espinha bifida oculta nγo ι condiηγo rara, especialmente quando se consi
dera seu aparecimento na coluna lombossacra ou cervical. Entretanto, pacientes
com esta malformaηγo no segmento torαcico da coluna vertebral sγo considerados
como minoria. Na sιrie publicada por Inzraham e S w a n2
, em que 546 casos de
espinha bνfica e crβnio bνfido foram apresentados (462 pacientes com espinha bifida)
apenas 39 tinham a anormalidade congκnita na regiγo torαcica (menos de 1 0 % ) .
Muitas infecηυes comprometendo estruturas extraneurais de natureza bacte
riana ou viral podem desencadear complicaηυes neurolσgicas durante ou apσs
o seu curso clνnico. Algumas destas complicaηυes podem ser explicadas pela
simples invasγo das estruturas nervosas pelo agente infeccioso. Outro grupo
de pacientes tem suas complicaηυes neurolσgicas secundαrias a envolvimento
imunolσgico, semelhante ao que ocorre apσs alguns tipos de vacinaηγo. A
encefalomielite pσsinfecciosa e a sνndrome de GuillainBarrι sγo exemplos tνpicos
desta forma de comprometimento do sistema nervoso Um pequeno n٥mero de
pacientes, ocasionalmente, pode desenvolver sinais de uma mielite transversa
no decurso da cachumba1
, sarampo5
, influenza4
, mononucleose infecciosa3
e
outras infecηυes virais.
A ocorrκncia de espinha bifida oculta torαcica e de mielite transversa pσs
infecciosa em um mesmo paciente e o fato de ambas as patologias afetarem
estruturas situadas em mesmo nνvel, mostram o relacionamento existente entre elas e motivaram a descriηγo deste caso.
OBSERVAΗΓO
A.A.F., branco, dentista, 30 anos de idade, admitido no hospital em 19 de novembro de 1974. Cinco dias antes havia iniciado o quadro com mal estar geral e indefinido, dores musculares difusas em todo o corpo, dor ΰ movimentaηγo dos olhos e febre. Ele notou que seu pescoηo estava ligeiramente rνgido e doloroso quando tentava a flexγo ou a rotaηγo da cabeηa para os lados. Dirigiuse ao seu mιdico e este solicitou radiografia simples dos seios da face (a qual mostrou apenas a presenηa de um cisto no seio maxilar esquerdo). O mιdico diagnosticou quadro infeccioso sistκmico, de
etiologia viral, do tipo gripai e forneceulhe prescriηγo de analgιsico. Houve melhora discreta do quadro geral mas, na vιspera da internaηγo, comeηou a apresentar dificuldade para urinar, com retenηγo urinaria, sendo necessαria passagem de sonda vesical. As dores musculares jα haviam cessado nesta fase, mas a febre persistia (38°C). No dia da internaηγo a retenηγo urinaria ainda era manifesta, necessitando de sondagens repetidas e ele notou que o seu equilνbrio durante a marcha estava prejudicado e havia sensaηγo de amortecimento em ambas as pernas, atι a altura dos joelhos. Apσs a internaηγo foi chamado um urologista. Este encontrouo febril (40° C) e sonolento. Foi tratado com penicilina cristalina (20.000.000 U por dia) e cloranfenicol (2 g por dia), alιm de prednisona (40 m g por dia). Duas semanas antes do inνcio dos sintomas ele havia tido infecηγo dentαria. Sua histσria mιdica pregressa revelava que 2 anos antes havia tido lesγo sifilνtica primαria, a qual fora tratada convenientemente com penicilina. No terceiro dia de hospitalizaηγo um de nσs foi chamado em consulta. Nesta ocasiγo o paciente estava l٥cido e nγo apresentava mais febre. O abdome se apresentava distendido e ainda havia necessidade de se manter sondagem vesical permanente. Hα vαrios dias nγo evacuava. A palpaηγo do abdome nγo revelava aumento do fνgado, o baηo nγo era palpαvel e nγo se encontrou nenhum linfonodo infartado. O sistema cardiocirculatσrio nγo apresentava anormalidades. O exame neurolσgico revelou marcha atαxica e parιtica, caminhando com as pernas bem abertas e com dificuldade. Seu equilνbrio era instαvel na posiηγo em pι, mas nγo havia sinal de Romberg. A forηa muscular estava normal nos membros superiores e cabeηa, e levemente diminuνda nos membros inferiores, mais no membro inferior esquerdo. O tono muscular apresentavase normal. Os reflexos tendinosos estavam normais nos membros superiores e hiperativos nos inferiores, de maneira simιtrica. Havia sinal de Babinski bilateralmente. Os nervos cranianos nγo apresentavam alteraηυes e o exame fundoscσpico era normal. A estimulaηγo cutβnea com algodγo ou com agulha produzia uma hiperestesia desagra dαvel no segmento cutβneo correspondente a Τ9Ί10 , continuando atι T12L1, apenas no lado direito do abdome e do dorso. A sensibilidade voltava ao normal deste nνvel
atι as pernas, voltando a apresentar o mesmo aspecto hiperestιsico no terηo inferior destas e nos pιs. A sensibilidade vibratσria estava diminuνda nos joelhos e pιs. Nγo havia rigidez de nuca.
anormalidades anatτmicas que pudessem ser detectadas pela radiografia simples da coluna torαcica. O paciente foi medicado com dexametasona» (4,5mg/dia, durante 10 dias) e os demais medicamentos foram interrompidos. Duas semanas apσs ele se encontrava livre de sintomas e o exame neurolσgico mostrava apenas reflexos tendinosos vivos nos membros inferiores. Nestes ٥ltimos 8 anos o paciente vem desempenhando normalmente sua atividade de dentista, sem sintomas neurolσgicos.
COMENTÁRIOS
O diagnσstico de quadro infeccioso a vνrus, de tipo gripai, foi feito basendo
se apenas nos dados clνnicos. Nenhuma pesquina especνfica para vνrus foi
feita neste caso.
A anormalidade congκnita de vertebra T 7 , pelo menos depreendendose do
observado na radiografia simples de coluna e na perimielografia, nγo parece
estar associada a anormalidades anatτmicas das estruturas neurais subjacentes.
No entanto, isto nγo pode ser considerado como evidκncia definitiva, desde
que pequenos defeitos de desenvolvimento poderiam existir sem que se mani
festassem nestas investigaηυes. Embora o achado radiolσgico de defeito de
desenvolvimento na coluna nem sempre possa ser relacionado a sintomas que
apareηam ao longo da vida, pensamos que a ocorrκncia de mielite transversa
no mesmo nνvel de uma vertebra com tais defeitos (espinha bifida em T 7 e
comprometimento medular no segmento T 9 T 1 0 , os quais se encontram
aproximadamente no mesmo nνvel) seria mais que simples coincidκncia.
um papel no desenvolvimento da mielite, provavelmente em virtude de ser um
"ponto vulnerαvel" ontogeneticamerite determinado ("locus minor resistentia")
naquele nνvel — quer anatτmico ou imunolσgico.
RESUMO
O s autores registram um c a s o de mielite transversa pós-infecciosa em
paciente que apresenta espinha bifida oculta torácica, no mesmo nível. Estas
duas c o n d i ç õ e s clínicas s ã o infreqüentes e o fato de surgirem em um mesmo
paciente e, ainda, n o mesmo nível, leva a o raciocínio de que estejam relacionadas
uma à outra. O s autores pensam que o defeito congênito vertebral estabeleceu
um " p o n t o vulnerável" naquela área predispondo o paciente a que ali se
esta-belecesse a c o m p l i c a ç ã o medular pós-infecciosa ( " l o c u s minor resistentia").
SUMMARY
Post-infectious transverse myelitis and thoracic spina bifida. Report of a case.
T h e patient, a 3 0 year-old man, dentist, started having an influenza-like
infection which lasted five days, with malaise, muscle pain throughout the b o d y
and fever- One day before the hospital admission he presented urinary retention
followed in the next d a y b y ataxia and numbness sensation in both feet and
l o w e r third of his legs. T h e neurological examination disclosed a thoracic
spinal c o r d impairment at T 9 - T 1 0 level and the d i a g n o s i s of a p o s t - infectious
transverse myelitis w a s made. T h e plain R x of the spine s h o w e d a spina bifida
oculta in the T 7 vertebra, which is roughly at the same level of the T 9 - T 1 0
spinal c o r d segment. A n iodinated m y e l o g r a p h y s h o w e d no abnormalities. T h e
CSF examination s h o w e d small increase in the white cells (6.4 c e l l s / c u . m m ) .
T h e patient received dexamethasone ( 4 . 5 g / d a y ) and t w o w e e k s later w a s
entirely free of symptoms. T h e authors think that the congenital b o n e defect
(spina bifida) might have played a role in the development of the myelitis,
p r o b a b l y because o f an ontogenetically determined "vulnerable point" ( " l o c u s
minor resistentia") at that level, either anatomical or immunological.
REFERENCIAS
1. BENADY, S.; BEN ΖVI , Α . & SZABO, G. — Transverse myelitis following mumps. Acta paediat. scand. 62:206, 1973.
2. INGRAHAM, F.D. & SWAN, H . — Spina bifida and cranium bifidum: survey of 546 cases. N. Engl. J. Med. 228:559, 1943.
4. OWEN, N.L. — Myelitis following type A-2 influenza. J. amer. Med. Assoc. 64:1752, 1969.
4. OWEN, N.L. — Myelitis following type A-2 influenza. J. aumer Med. Assoc. 215:1986, 1971.
5. WESOLEK, I. — Transverse myelitis in the course of measles in a 7 years old boy. Neurol. Neurochir. Pol. 4:471, 1970.