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A propósito de um caso de miastenia grave.

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Academic year: 2017

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A P R O P Ó S I T O D E U M C A S O D E M I A S T E N I A G R A V E

J A R B A S P E R N A M B U C A N O *

Apesar de ser uma enfermidade há muitos anos conhecida, pois

W i l k s referiu a história de um caso em 1877, E r b isolou-a e Goldflam

descreveu-a longamente, continua a ser ainda hoje, a miastenia grave, ou

enfermidade de Erb-Goldflam, assunto de pesquisas e conjecturas p o r

parte de inúmeros autores.

Trata-se de u m a enfermidade que geralmente se inicia em adultos

e cujo principal sintoma é a paralisia por fadiga, que ataca diferentes

distritos do corpo. Esse fenômeno consiste em que os movimentos v o

-luntários, quando repetidamente executados, caem em esgotamento após

poucos minutos de exercício. Isso se verifica freqüentemente com os

movimentos de deglutição, de mastigação, da marcha que, sendo

repe-tidos, tornam-se impraticáveis, de tal forma que o paciente amanhece

bem, piorando à s tardes. O s sintomas mais comuns são ptose

palpe-bral acompanhada de lagoftalmo, disfagia, disforia, incapacidade de

manter erecta a cabeça, fadiga fácil dos músculos do tronco ou dos m e m

-bros, incluindo aí os movimentos para a marcha. A doença evolui

ge-ralmente para a morte em períodos variados. E s t á sujeita a remissões

espontâneas, à s vezes demoradas, ou a súbitas agravações. A s

compli-cações mais comuns que levam à morte correm por conta do ataque aos

nervos bulbares. O diagnóstico é feito em vista desses transtornos m o

-tores, pelo exame elétrico e pela prova da prostigmina. O exame

elé-trico mostra, quase sempre, uma alteração qualitativa da resposta, reação

miastênica de Jolly. E s t a consiste no pronto esgotamento da capacidade

reativa do músculo quando é excitado por corrente farádica de g r a n d e

intensidade. Esse tipo de reação, embora n ã o caraterístico da miastenia,

pois tem sido encontrado em outras condições mórbidas, é mais ou m e

-nos constante na enfermidade de Erb-Goldflam. N o caso que

apresen-tamos, o diagnóstico foi confirmado pela prova da prostigmina, pois a

excitação farádica dos músculos mais atingidos pela astenia não

demons-trou a reação típica de Jolly. Esse é u m dos pontos de interesse desta

comunicação.

(2)

A etiologia da doença é praticamente desconhecida. T ê m sido

vis-tos alguns casos pós-infecciosos — infecções gerais ou encefálicas —

pós-traumáticos, por fadiga, etc. O mecanismo patogênico, suposto

ver-dadeiro até hoje, é bem interessante. Acredita-se haver, na miastenia,

um defeito de transmissão na junção mioneural, defeito que incapacita

a transmissão do impulso do nervo ao músculo. Sabe-se que,

normalmente, a esse nível, o nervo secreta u m a substância, a acetilcolina, g r a

-ças à qual é excitado o músculo. Isso se verifica n o momento preciso

em que se d á a passagem do impulso nervoso. U m a substância química,

destrutiva, a colinesterase, controla o tempo de ação d a acetilcolina, de

tal forma que é preciso haver u m equilíbrio entre as duas substâncias

para que se realize perfeita a função muscular. É justo nesse ponto

que se verifica o descontrole na miastenia, doença em que o equilíbrio

acetilcolina-colinesterase está roto n o sentido de u m a predominância

desta última, de tal forma q u e se interrompe o movimento, apenas seja

repetido. Teórica e praticamente, n a miastenia dá-se o contrário do que

se passa n a miotonia congênita ou doença de T h o m s e n cujo caraterístico

clínico principal é a persistência tônica da contração muscular,

consis-tindo o mecanismo íntimo dessa perturbação n u m a predominância da

acetilcolina sobre a colinesterase.

Q u a n t o à participação de certas glândulas n o mecanismo patológico

da miastenia, muito se tem escrito. U m a das mais freqüentemente

ci-tadas é o timo, desde que, h á 42 anos, W e i g e r t descreveu u m caso d e

t u m o r dessa glândula e m paciente morto de miastenia. N o r r i s , em mais

de 5 0 % dos casos de miastenia coligidos n a literatura, notou

compro-metimento do timo sob a forma de t u m o r ou simplesmente de hiperplasia. Acreditam alguns que o timo seja capaz, e m determinadas

con-dições patológicas, de secretar u m hormônio que inibe a ação da

acetil-colina. Resta saber, como diz C a m p b e l l

1

, e é o que importa — se a

relação entre timo e miastenia é semelhante à da tireóide e bócio exoftálmico ou se é somente u m a relação secundária, como se verifica em

certos casos de bócio em que coexiste acromegalia. H e n r y V i e t s

2

é

contra a opinião d e haver relações entre o timo e miastenia, baseando

sua idéia em dados clínicos. Assim é que, em 84 casos de miastenia,

examinados radiologicamente, não encontrou hipertrofia dessa glândula.

O fato é que, em bem poucos casos de miastenia com participação do

timo, deu resultado a timectomia.

A terapêutica da enfermidade de Erb-Goldflam pode ser resumida

ao emprego de três substâncias: a prostigmina, a efedrina e a guanidina. A prostigmina (metilsulfato), que veio substituir o uso da fisostigmina de que é derivada, parece agir como inibidora da colinesterase.

Os miastênicos suportam-na muito bem em doses mesmo elevadas.

Pou-cas vezes notam-se sinais de intolerância para o lado do aparelho

diges-tivo. Isso pudemos comprovar no caso observado. A efedrina (sulfato)

age também como inibidora da colinesterase, da mesma forma que a

guanidina (cloridrato). Com a primeira obtivemos bons resultados no

caso que ora vamos tratar. A guanidina age menos que a prostigmina,

segundo a opinião de Milhorat. Não chega a diminuir, em tão alto grau,

como a prostigmina, o teor sanguíneo de colinesterase.

==1. Campbell, E., F r a d k i n , N . F . e Lipetz, B . — M y a s t h e n i a gravis

treated by excision of t h y m i c t u m o r . A r c h . N e u r o l . a. Psychiat. 47: 465, 1942.

(3)

O caso que apresentamos, pertencente à clínica privada d o Prof.

Ulysses Pernambucano e que foi por nós observado n o Sanatório R e

-cife, e m janeiro de 1942, ilustrará mais objetivamente o que foi dito

acima.

T r a t a - s e de u m rapaz (J. F . P . ) de 27 anos, branco, ex-soldado, que se

apresentou à consulta dizendo-se doente h á 2 anos desde q u a n d o v e m

sentindo dificuldade em falar e deglutir os alimentos, dificuldade que se a p r e

-sentava invariavelmente à tarde, d e m o r a n d o pouco. P a s s a d o o episódio

voltava à normalidade. E s s a s crises, intervaladas e esporádicas a princípio, t o r

-n a r a m - s e quase co-nsta-ntes, remiti-ndo, ape-nas parcialme-nte, -nas h o r a s que

seguiam o d e s p e r t a r do paciente, pela m a n h ã .

A o s sintomas iniciais a c r e s c e n t a r a m - s e , u l t i m a m e n t e , ptose palpebral

(fi-g u r a 1), fati(fi-gabilidade rápida p a r a qualquer m o v i m e n t o , principalmente p a r a

os de caminhar, elevar os braços, c r u z a r as pernas, andar, s u s t e n t a r a

ca-beça. O principal, entretanto, era o emagrecimento, que se acentuava devido a grave irregularidade de deglutição, irregularidade que o

impossibili-enas a deglutição

(4)

desO e s t u d o dos antecedentes familiares e pessoais do paciente n a d a d e

-m o n s t r o u digno de nota. O enfer-mo é nascido a t ê r -m o de p a r t o n o r -m a l ,

t e n d o passado por todas as e t a p a s evolutivas da infância sem incidentes. S o

-m a t i c a -m e n t e t r a t a - s e de u -m longilíneo, c o -m l,-m72 de a l t u r a e de 52 quilos

de peso, cujos aparelhos respiratório, circulatório e g e n i t o u r i n á r i o n a d a d e

-m o n s t r a v a -m de a n o r -m a l . P r e s s ã o a r t e r i a l : 11 e 6.

N e u r o l o g i c a m e n t e , c h a m a a a t e n ç ã o a p e r t u r b a ç ã o de deglutição e q u e

consiste em n ã o conseguir o paciente propulsionar o bolo alimentar da b o c a

p a r a as vias digestivas inferiores, a n ã o ser e s t e n d e n d o e x a g e r a d a m e n t e a

cabeça sobre o t r o n c o ( c o m o o fazem as galinhas ao b e b e r e m á g u a ) p a r a

permitir o deslisamento dos a l i m e n t o s pelo seu p r ó p r i o peso. Com a o b s e r

-vação mais cuidadosa dos m o t i v o s dessa disfagia, evidencia-se que n ã o só à

língua, c o m o t a m b é m aos elevadores do faringe falta força muscular para

o d e s e m p e n h o de suas funções. À língua falta a elevação da p o n t a n e c e s

-sária à queda do b o l o alimentar no retrofaringe e, aos elevadores do faringe,

o m o v i m e n t o executado pelas fibras constrictoras médias e inferiores, g r a ç a s

às quais alça-se t o d o o ó r g ã o p a r a a recepção do alimento. O esforço de

deglutição do bário, visto radioscopicamente, d e m o n s t r a n i t i d a m e n t e o

afir-m a d o . T r a n s p o s t a a c h a afir-m a d a fase voluntária da deglutição, ou afir-melhor,

che-g a d o o bolo à p a r t e superior do farinche-ge, t u d o se continua b e m .

A l é m d o já descrito, apresenta ainda o paciente ptose palpebral e lagoftalmo bilaterais, voz nasalada, sem m o d u l a ç ã o , impossibilidade de flexão

da cabeça q u a n d o se acha em decúbito dorsal, impossibilidade de estender a

língua além da arcada dentária inferior, incapacidade de cruzar as p e r n a s

q u a n d o sentado, de elevar os b r a ç o s estendidos. T o d o s esses sinais de

in-capacidade m o t o r a são devidos à diminuição da resistência m u s c u l a r à

fa-diga. P o r exemplo, se se o r d e n a a o e n f e r m o sentar-se e levantar-se várias

vezes de u m a cadeira ( m o v i m e n t o que executa c o m relativo d e s e m b a r a ç o )

consegueo com agilidade nas primeiras duas ou t r ê s vezes, fracassando p r o

-g r e s s i v a m e n t e a t é à incapacidade nas se-guintes. É a paralisia p o r fadi-ga.

Daí a m a n h e c e r melhor o doente, p i o r a n d o à tarde. N ã o é demais insistir-se

n ã o h a v e r no paciente paralisias verdadeiras m a s u m a pseudoparalisia,

conse-qüente à astenia m u s c u l a r que impossibilita a repetição de m o v i m e n t o s . O

r e s t a n t e do e x a m e neurológico nada a p r e s e n t a de importância, a não ser

diminuição do reflexo nauseoso ou faríngeo, sem disestesia d a região. E s t á

-tica, m a r c h a , t ô n o e coordenação musculares, reflexos, sensibilidades, troficidade etc., n a d a a p r e s e n t a m que m e r e ç a registro. U m dos e x a m e s

comple-m e n t a r e s realizados, foi o eletrodiagnóstico, que nada revelou de a n o r comple-m a l .

A r e a ç ã o miastênica de Jolly não foi encontrada.

Clinicamente, p o r t a n t o , não havia d ú v i d a s : t r a t a v a - s e de u m caso de

miastenia. O eletrodiagnóstico, todavia, n ã o d e m o n s t r o u a r e a ç ã o peculiar

à enfermidade. A confirmação do diagnóstico deu-a o teste da prostigmina,

que foi realizado com meia e m p o l a da substância, dose correspondente a

0 , 0 0 0 2 5 . A prova foi realizada sem que o paciente soubesse a o que estava

sendo submetido. P a s s a d o s 2 0 m i n u t o s da injeção, feita às 11 horas, q u a n

-do já passava mal, alguns m o v i m e n t o s , como os de deglutir, cruzar as p e r n a s ,

elevar a cabeça acima do travesseiro, que n ã o e r a m realizados,

restabelece-r a m - s e .

P o s t o assim o diagnóstico, foi instituida a terapêutica, que consistia no

uso diário de duas empolas de p r o s t i g m i n a (metilsulfato), t o m a d a s às 11 e

às 17 h o r a s . I s s o livrava o paciente da s o n d a g e m esofagiana que

realizáva-mos para a introdução de alimentos, duas vezes por dia. Diga-se de passagem que, graças à diminuição do reflexo nauseoso, essa operação era

rea-lizada com extrema facilidade, portando-se o enfermo como se fôra um

(5)

N o dia 2 de fevereiro de 1943 voltou o paciente a o Sanatório, p a r a r e

-visão. A u m e n t a r a 10 quilos de peso, t o r n a r a - s e mais r e g u l a r a pressão

ar-terial, que era no m o m e n t o de 13 e 7. D u r a n t e as 48 h o r a s em que esteve

hospitalizado, dessa vez, foi suspenso o u s o da prostigmina, o que trouxe,

c o m o resultado, voltar toda a antiga sintomatologia. N o v o exame elétrico

p o r meio da c o r r e n t e farádica d e m o n s t r o u , mais u m a vez, a inexistência da

reação miastênica.

N o dia 15 de maio de 1943 resolvemos modificar a medicação d o

pa-ciente. Queixava-se êle n ã o só do custo do medicamento, c o m o d o

inconve-niente de t o m a r o b r i g a t o r i a m e n t e duas injeções por dia. Foi e m p r e g a d o

ent ã o o sulfaento de efedrina na dose diária de 0,05; para isso e m p r e g a m o s o p r o

-duto em cápsulas gelatinosas. O s resultados até hoje t ê m sido m u i t o

satis-fatórios, e m b o r a c o n h e ç a m o s ser sujeita a doença a remissões e s p o n t â n e a s .

H á q u a t r o meses que v e m gozando o enfermo de relativo bem-estar,

superior àquele trazido pela prostigmina, fato que a t e s t a m o s pessoalmente e a t r a

-vés de cartas a n ó s enviadas. E m 25 de j u l h o nos escrevia, por exemplo,

d i z e n d o : " a m e l h o r a é considerável, estando eu como era a n t e s de a d o e c e r " .

S U M Á R I O

É relatada a observação de um caso de miastenia em adulto de 27

a n o s de idade, em cuja sintomatologia predominavam as perturbações

da deglutição. N ã o foi possível demonstrar a etiologia. O exame

neurológico resultou negativo, exceto para a astenia muscular. O

exa-me clínico nada revelou de anormal. N ã o foram encontrados indícios

de lesão do timo. O exame elétrico não demonstrou a reação de Jolly.

A astenia diminuiu com a prostigmina e, também, com o emprego do

sulfato de efedrina, em cápsulas gelatinosas, na dose diária de 0,05

centgrs.

S U M M A R Y

Case report of a 27 years old male with myasthenia in which there

was a marked disturbance of swollowing. Etiology was not discovered.

Neurological examination was negative, excepting the muscular

asthe-nia. General clinical examination w a s negative. T h e r e were no signs

of t h y m u s pathology. Electric examination revealed a negative Jolly

reaction. Improvement followed treatment w i t h prostigmine combined

w i t h ephedrine sulfate in daily dosages of .05 centigrams.

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