Arq Bras Cardiol volume 70, (nº 6), 1998
Pinton e col Asssitolia durante ECO de estresse
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Santa Casa de Misericórdia de Curitiba
Correspondência: Rita Pinton - Rua Siqueira Peixoto, 555 - 80240-120 - Curitiba, PR Recebido para publicação em 12/2/98
Aceito em 7/4/98
Cardiac Asystole during Dobutamine Stress
Echocardiography
We report a case of cardiac asystole during dobuta-mine stress echocardiography in a 59 year-old woman presenting with chest pain and a positive treadmill test for ischemia. Cardiac asystole was not associated with myo-cardial ischaemia and was probably related to a powerful cardioinhibitory reflex caused by dobutamine stimulation. Caso de assistolia, durante a realização de
ecocar-diografia de estresse com dobutamina, em mulher de 59 anos, com queixa de dor precordial. A complicação não foi associada com isquemia miocárdica e deve ter sido causada pela estimulação dos receptores cárdio-inibi-dores cardíacos à ação da dobutamina. A assistolia cardí-aca foi revertida após administração de atropina, sem se-qüelas.
Arq Bras Cardiol, volume 70 (nº 6), 435-436, 1998
Rita Pinton, Hermínio Haggi Fº, Walmor Lemke, O limpio R. França N eto
Curitiba, PR
Assistolia Durante Ecocardiograma de Estresse com
Dobutamina
Relato de Caso
Extra-sistolia ventricular e atrial são as complicações mais freqüentemente associadas à ecocardiografia de estresse com dobutamina. A arritmia ventricular pode ser atribuída à atividade predominante da dobutamina de estimulação do receptor B1 adrenérgico. Por outro lado, a infusão de dose alta de dobutamina, pode resultar em ação paradoxal de inibição simpática e aumento da atividade parassimpática, com redução da freqüência cardíaca (FC), geralmente acompanhada de náuseas e hipotensão. Esta resposta cárdio-inibitória pode ser manifestação do reflexo de Bezold-Jarisch, cuja expressão extrema é assistolia.
A assistolia parece ser uma complicação extremamente rara da ecocardiografia de estresse com dobutamina, não tendo ocorrido em mais de 5.000 testes de alguns estudos 1-3, e tendo
sido relatada em apenas um caso recentemente publicado 4.
Relato do Caso
Mulher de 59 anos de idade, apresentou um episódio de dor precordial atípica. História pregressa de aproximada-mente seis episódios de síncope, iniciados na infância e desencadeados por apreensão. O eletrocardiograma (ECG) demonstrou alteração da repolarização ventricular na face inferior. O teste de esforço foi positivo para isquemia com
infradesnível retificado de ST de 2,0mm em CM5 e aVF. Como a paciente não apresentasse outro fator de risco para doença coronária, além da menopausa, foi submetida a ecocardiografia de estresse para confirmação diagnóstica. O ecocardiograma mostrou ventrículo esquerdo (VE) com dimensões, função sistólica global e regional normais. Não se evidenciaram alterações morfológicas ou funcionais das estruturas cardíacas. O ecocardiograma de estresse foi obtido com protocolo de infusão progressiva de 5, 10, 20, 30 e 40µg/kg/min de dobutamina a cada 3min. Em condição basal a pressão arterial (PA) era de 110/70mmHg e a FC de 70bpm.
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Pinton e col
Asssitolia durante ECO de estresse
Arq Bras Cardiol volume 70, (nº 6), 1998
Discussão
A ecocardiografia de estresse com dobutamina é técni-ca bem difundida na investigação da doença coronária. A dobutamina é uma amina simpaticomomética que possui propriedades adrenérgicas alfa-1, beta-1 e beta-2. Com as doses habitualmente empregadas, os receptores beta-1 são primariamente estimulados, provocando resposta inotró-pica maior do que cronotróinotró-pica. Com doses mais elevadas, observa-se estímulo dos receptores beta-1 e beta-2, com resposta cronotrópica e inotrópica equivalentes.
A indução de isquemia durante infusão de dobuta-mina é dependente da FC. No entanto, em alguns pacientes, é observada resposta paradoxal bradicárdica com doses elevadas de dobutamina. Geralmente ocorre a tríade de bradicardia, hipotensão e naúsea. Temos observado que atropina é efetiva para aumentar a FC e diminuir esses sinto-mas. O mecanismo do reflexo cárdio-inibidor parece se origi-nar nos receptores sensoriais cardíacos, com vias vagais aferentes não mielinizadas e recebe o nome de reflexo de Bezold-Jarisch 5. O VE, particularmente a parede inferior, é a
principal localização desses receptores. Eles são influenci-ados por estímulo mecânico ou químico, e sua estimulação resulta em aumento da atividade parassimpática e em inibi-ção da atividade simpática.
Dada a localização preferencial dos receptores senso-riais, o estímulo pode ocorrer no infarto do miocárdio inferi-or. Hopfenspirger e col 6 relataram desaceleração sinusal em
10 pacientes, durante cintilografia de perfusão com dobu-tamina. Todos apresentavam sinais cintilográficos de isquemia em parede inferior, porém sem confirmação pela angiografia coronária. Ao contrário, no estudo de Attenhofer e col 7, que muito bem caracterizaram
desa-celeração sinusal durante ecocardiografia de estresse com dobutamina, o reflexo ocorreu em 8% dos pacientes estuda-dos, todos sem doença coronária.
Em ratos com volume cardíaco diminuído pela oclusão da veia cava, a reação vasodepressora e cárdio-inibitória (bradicardia paradoxal) foi induzida pela infusão de isopro-terenol e dobutamina 8. A indução da resposta
vasode-pressora no homem pode ocorrer com a administração de isoproterenol durante teste de inclinação (tilt teste) em
pes-soas com propensão para síncope. A reação vasode-pressora e cárdio-inibitória pode ocorrer em qualquer situa-ção em que exista redusitua-ção do volume intracardíaco combi-nada com estimulação beta-1 adrenérgica. Ambas situações podem ser causadas pela dobutamina.
O aparecimento de assistolia em nossa paciente, com história de quadro sincopal, sugere síncope neurogênica, isto é, mediada pelo sistema nervoso autônomo. Essa situa-ção originou aumento da sensibilidade à asitua-ção inotrópica positiva da dobutamina, que, estimulando os mecano-receptores da parede inferior do VE, desencadeou intensa reação vagal (reflexo de Bezold-Jarisch), evoluindo para assistolia. Somado aos efeitos da infusão de dobutamina, o grau leve de hipovolemia pelo jejum de 4h, antecedendo a realização do exame, resultou em diminuição do volume intracardíaco, o que facilitou a ocorrência da resposta vasodepressora e cárdio-inibitória.
Em nosso caso, não se pôde atribuir à isquemia em re-gião inferior o desencadeamento dessa resposta. A hiper-cinesia difusa do VE resultante da infusão de dobutamina e a angiografia coronária normal excluem a possibilidade de doença coronária.
O único caso de assistolia descrito na literatura, como complicação da ecocardiografia de estresse, foi atribuído à estimulação dos baroreceptores dos grandes vasos, por aumento da PA sistólica 4. Em nossa paciente, a assistolia
não foi precedida por aumento marcado da PA.
Assim, concluímos que a ecocardiografia de estresse com dobutamina pode originar assistolia e síncope. O fenô-meno é provavelmente causado pelo reflexo de Bezold-Jarisch. Embora esse reflexo possa estar relacionado à doen-ça coronária, pode ocorrer na ausência de isquemia miocárdia ou anormalidades coronárias na cineangiografia. O relato desse caso sugere que o teste deve ser con-duzido com cautela, em pacientes com história de síncope e que atropina deve estar disponível, para contrabalançar a ação vagal induzida pela dobutamina.
Agradecimentos
Ao Dr José Carlos Moura Jorge, pela orientação na análise da arritmia.
1. Secknus MA, Marwick TH - Evolution of dobutamine echocardiography proto-cols and indications: safety and side effects in 3,011 studies over 5 years. J Am Coll Cardiol 1997; 29: 1234-40.
2. Mertes H, Sawada SG, Ryan T et al - Symptoms, adverse effects, and complications associated with dobutamine stress echocardiography. Experience in 1118 pa-tients. Circulation 1993; 88: 15-9.
3. Pinton R, Lemke W, Garcia L - Sintomas, complicações e alterações hemodi-nâmicas associadas a ecocardiografia de estresse com dobutamina. Arq Bras Cardiol 1997; 69: 161-4.
4. Lanzarini L, Previtali D - Syncope caused by cardiac asystole during dobu-tamine stress echocardiography. Heart 1996; 75: 320-1.
Referências
5. Mark AL - The Bezold-Jarisch reflex revisited: clinical implications of inhibitory reflexes originating in the heart. J Am Coll Cardiol 1983; 1: 90-102. 6. Hopfenspirger MR, Miller TD, Chistian TF, Gibbons J - Sinus node deceleration
during dobutamine perfusion scintigraphy as a marker of inferior ischemia. Am J Cardiol 1994; 74: 817-9.
7. Attenhofer CH, Pellikka PA, McCully RB, Roger V, Seward JB - Paradoxal sinus deceleration during dobutamine stress echocardiography: description and angiographic correlation. J Am Coll Cardiol 1997; 29: 994-9.