ART I GO C I E NTfF I CO
ASSISTENCIA DE E N FERMAGEM EM UMA UNIDADE DE CUIDADOS TE RCIARIOS AO D IAB ET I CO
Maria do Perpétuo Socorro Rocha l
ROCI-I A , M. do P. S. Assistência de enfermagem em uma unidade de cuidados terciários ao diabético. R ev. Bras. EIl!, Brasília, 3 7 (3/4 ) : 1 82-1 87 , jul./dez. 1 984.
R ESUMO. A autora apresenta sua experiência no atendimento ao d iabético, desenvol vido no Setor de D iabetes do Hospital da Previdência de Minas Gerais - I PSEMG. Neste setor, i mplantado como Un idade de Cu idados Terciários, uma equ ipe multid iscipl inar : médicos, enfermeiras, assistentes sociais, nutricionistas e psicólogos, procura fornecer ao paciente conhecimentos técnicos e motivação para o autocontrole. No per (odo de junho/ 1 982 a fevereiro/1 984, foram inscritos no setor 580 pacientes dos quais 42% receberam orientação de enfermagem quanto : à apl icação de insu l ina, à realização de gl icosúria, aos cuidados com os pés, às noções de hipogl icem ia e como tratá-Ia. A autora comenta os resultados obtidos, baseando-se na redução de internações e na reavaliação do apren· dizado nos retornos. Comentam-se novas atividades programadas para a enfermagem e a importância do cuidado terciário do diabético.
ABST RACT. The author presents her experience with diabetic patients' assistance. The work was developed at the D iabetic Unit of the State Social Security Hospital of M inas Gerais ( I PS E M G ) . At this unit, created as a tertiary care one, a multiprofessional group of doctors, nurses, social workers, d ietitians and psychologists offer the diabetic patients thei r tech nical knowledge and self care incentive. F rom June/82 to Febr.l84, 580 patients were admitted at this unit. Fourty two percent of them received nurses' instructions about insu l i n injection, glycosuria check ing, feet care, hypoglycemia notion and treatment. The author comments the results based on reduction of patients' adm issions and on re-eval uation of their knowledge d uring the fol l ow up period. New activities pro gramed for nursing and the importance of the th ird stage diabetic care are commented.
I NTRODUçAo
No conceito atual do tratamento do paciente diabé tico tem-se dado importincia vital à manu
tenção de níveis glicêmicos próximos da normali dade na prevenção das complicações crônicas da
doença . A expenencia de vanos serviços mostra que este grau de controle só é conseguido com a participação ativa do paciente no seu tratamento.
A mesma experiência mo�:ra que a cooperação
do paciente é proporcional ao grau de conheci mento que este tem da doença. Isto levou à
orga-1 . Enfermeira do Setor de Diabetes do Hospital da Previdência -I'SEMG.
(
nização dos grandes serviços de diabetes (exemplo, a CI ínica J oslin ) com equipe mul tidisciplinar para·
assistência a estes pacientes.
Em 1 98 1 , a Cl ínica Endocrinológica do Hos pital da Previdência - IPSEMG - iniciou a organi zação do Setor de Diabetes . Organizou-se ainda na referida Cl ínica uma equipe multidisciplinar for mada por médicos, enfermeira, técnico de nutri ção, assistente social e psicólogos.
Durante três meses, este grupo de profissio nais se reuniu , semanalmente, sob a coordenação do médico responsável pelo setor, objetivando a padronização do atendimen to ao diabético. Nessa pad ronizaç30 procu rou -se estabelecer os objetivos terminais, principal men te na área de instrução para o autocuidado.
Na formação dessa estrutura, cmsiderou-se a im port incia do serviço social e da psicologia, os
quais são fundamentais para se detec tar proble mas sócio·econômicos e de ordem pessoal que impeçam a consecução desses objetivos terminais.
O presente trabalho apresen ta a atuaçio do setor de enfermagem dentro desta equipe mul ti disciplinar.
ATI V I DADES D E E N F E RMAG EM
As atividades de enfermagem no setor de diabetes se desenvolvem em dois níveis : ambula torial e na unidade de intenação.
Assistência a nível ambulatorial
A assistência a nível ambulatorial é fei.a a tra
vés de consul tas de enfermagem. A primeira con sul ta é paralela ao primeiro atendimento médico, ocorrendo logo após este . As consul tas de controle sUo marcadas de acordo com a necessidade para consecução dos objetivos terminais de instrução. Foram definidos como objetivos mínimos terminais da instrução de enfermagem :
1. Realização e registro diário de glicosúria pelos pacientes.
2. Nos pacientes em uso de insulina, auto aplicação da mesma com técnica adequada. Cuida dos com o material .
}. Conhecer a sintomatologia e tratamento inicial dos episódios hipoglicêmicos.
4. Cuidados com os pés na prevenção de complicações de membros inferiores.
Na escolha desses objetivos, aparentemente bastatlte simples, foi levado em consideração o
nível cul tural dos nossos pacientes, a grande maio ria, com baixo nível de instrução.
A primeira consulta de enfermagem inicia-se com a investigação dos dados do paciente através do Histórico de Enfermagem (Anexo I ), o qual é o instrumento básico para conhecer melhor o diabético e detectar o seu conhecimento sobre a doença, aceitação do controle e cuidados. A téc nica usada é de entrevista, exame físico e obser vação.
O diagnóstico de enfermagem é feito através da análise dos dados e identiicação das necessi dades básicas, para a implementação imediata do plano assistencial que consiste basicamcn te em : motivar, orien tar, ajudar e supervisionar o diabético e seus familiarcs. Na primeira consulta o tempo médio dispendido é de uma hora.
A evolução c avaliação são uma seqüência lógica no plano assistcncial e aplicadas imediata mente , tonando-se uma constante nas consultas de rcvisão.
Ncstas consul tas procu ru -se cstabelecer o grau de segurança alcançado pelo paciente na execução dos objetivos terminais e as falhas observadas são corrigidas atnvés de repetição das técnicas quantas vezes forem necessárias para o aprendizl�do .
Após as orientações, são fornecidos ao diabé tico :
1. Manual sobre diabetes mellitus que foi elaborado pela equipe do setor ;
2. Folheto de revezamento dos locais de apli-cação de insul ina ;
3. Apostila de cuidados com os pés (Anexo 2) ; 4. Folha de controle de glicosúria (Anexo 3 ) ; 5. Cart ão de identil1cação.
Esse material é fonecido para aumentar a independência do diabético, pois oferece infor mações a serem consul tadas 110 scu dia-a-dia. E
nas consul tas de revisao, é avaliado o uso do ma terial . as dúyidas são esclarecidas.
Além das atividades com o paciente, a enfer meira colabora no atendimen to médico realizando glicemias no momento da consulta, para a qual utilizamos aparelho d' leitura ótica - EYETONE. A nossa experiência com o atendimento am bulatorial nos permitiu levantar os problemas mais freqüentes no aprendizado :
1. Não aceitação do diagnóstico e uso da nsu-lina, principalmente a auto-aplicação\
2. DiminuiçãO da acuidade visual.
3. Depressão, medo, ansiedade.
4. Insegurança - provocando instabilidade no controle e cuidados.
5. Baixo nível cul tural dos nossos pacientes, conforme já citado anteriormen te. Sendo caren tes de informações, criam tabus com fal sos conceitos da doença e do tratamento.
6 . Superproteção dos pais, não permitindo à criança e ao adolescente maior participação nos cuidados.
7. Condições sócio-econômicas impedindo o retorno dos pacientes ao ambulatório para conti nuarem a aprendizagem e controle adequados.
8. Problemas famil iares.
9. Certa resistência dos familiares em parti cipar dos cuidados com os pacientes.
la. Falta de sensibilização.
Assistência d a unidade de internação
o paciente internado constitui uma opor tunidldc única de instruç�io, j�í que iS técnicrls (aplica\';i o de insulina, glicosú ria ) podcm ser realizalbs diariame n t e com supervisão d a enfer meira. Dentro deste esp írito as técnicas são realiza das pelos próprios pacientes durante sua inter nação.
. As atividades de grupo são partes integrantes do sistema. Sendo complementares na consecução dos objetivos terminais, na qual as instruções nor teiam no sentido de orientaçãO geral e troca de experiências entre os pacientes.
'Considerando que o paciente já esteja mais sensi bilizado quanto à imprtância do con t rol e . n a a l i a , a insl ru ç âo processa-se como reforço.
Con forme proposto no trabalho, procedemos I orientação sistema t izada aos diabét icos h ospi t a l izados num l o l a l de 1 40 pacicn lcs. Destes, 46'), continuaram sendo acompanhados no ambulató rio, perden do-se o controle dos 54% restantes. Acredi tamos serem os seguintes os molivos :
1. Pacientes do interior com difícil acesso' à capital.
. Pacientes com diagnóstico antigo sendo
controlados n o ambula tório p or médico nlO per tencente ao setor.
3. Pacien tes rebeldes.
1 84 - R ev. Bras. EII!, Brasília, 37 (3/4), jul./dcz. 1 984.
R ESU LTADOS OBTI DOS
No período de junho de 1 982 a fevereiro de 1 984, foram matriculados no setor de diabetes 580 pacientes ; destes , 245 (42%) foram encami nhados à enfermeira. O não encaminhamento de todos os pacientes deve-se ao fato de contarmos com apenas uma enfermeira para o atendimento. Por isso são selecionados para encaminhamento à enfermeira os mais necessitados de instrução, principalmente aqueles em uso de insulina, com lesão de membros inferiores ou aqueles conside rados pelo médico assistente como relapso no autocuidado.
Os resultados oblidos estão resumidos nas
Tabelas I a 4.
TAB E LA 1 - D i st r i b u i ção dos c l ientes q uanto a u t i l i z ação ou não de i ns u l in a e h i pog l icemiante oral.
Med i cação N? %
I nsu l in a 1 8 1 74
H i pogl i ce m i ante oral 36 1 5
Sem med i cação 28 1 1
Tot a l 245 1 00
Fon te A . H . P .
Observamos na Tabela 1 que dos 245 pacientes
cncaminhados à enfermeira, a maior porcen tagcm
(74%) usava insulina, 1 5% hipoglicemiantc . oral
TAB E LA 2 - D istribuição dos cl ientes segundo a auto-apl icação ou não da insul ina, antes e após a
consulta.
Antes da consulta Após a consulta
C lientes
Com auto-apl icação Sem auto-apl icação *
Total
Fonte: A . H . P.
N?
65 1 1 6
1 8 1
%
36 64
1 00
N?
1 7 1 1 0
1 8 1
%
95 5
1 00
• C l ientes já em u so de insu l ina, porém sem auto-apl icação, mais pacientes q u e i n iciaram a apl icação e u so de i n su l ina
na primeira consul t a n o setor.
TAB E LA 3 - D istribuição dos cl ientes segundo a via de aplicação da insu l ina, antes e após a consul ta.
* * Pacien tes com auto-apl icação , mais apl icação por tercei ros, na ocasi,ão d a primei ra cons u lta.
TAB E LA 4 - D istribuição dos cl ientes segundo a aval iação da técnica de verificação da gl icosJria, na primeira consulta.
Técnica N? %
Correta 30 1 2
I ncorreta 1 2 1 50
N ão conhecida 94 38
Total 245 1 00
F onte : A. H .P.
D IScussAo DOS R ESU LTADOS
E COMENTÁR I OS
Com a implantação do Setor de Diabetes e instruçOes sistematizadas e cont ínuas observamos que houve grande interesse e receptividade dos clientes e familiares em participarem do controle. Demonst rou que nossos clientes eram carentes de conhecimentos e a ação educativa foneceu-lhes subsídios para conviver melhor com o diabetes. A Tabela 2 mostra que dos 181 (74%) diabé ticos que u savam insulina, após a orientação da enfermagem, 95.% ficaram independentes quanto à auto-aplicação. Aqui consideramos a auto
aplicaçIo mais aplicação dos familiares, pois alguns pacientes não tinham condições de aprender por
deiciência visual . não aceitação da auto-aplicação. medo. insegurança ou su perpro t eção dos pais com as crianças etc.
Apenas 5% continuaram dependentes de ter ceiros (farmácia etc.) para a aplicação, pelos moti vos citados acima e ainda, pelo fato de morarem sós ou em asilo. o que resulta em maior despesa, omissão da insulina e não permite uma avaliação correta da técnica.
Observamos que dos 36% que já aplicavam a insulina antes da orientação da enfermagem, todos cometiam erros quanto à técnica. Sendo que os mais comuns foram : via de aplicação, dosagem, manipulação e cuidados com material e fal ta de
conhecimen t o s quan t o lS regil�es c o rod ízio
da a plica�·ão. E nas cOllsu l t a s t ivemos a oportu
nidade de detectar que os diabéticos comctiam
tais erros porque não tiveram orientação adequa
da . A aplicaç
ã
o de t e rceiros também era incorreta e . (juando i n t c nados. o pessoal de c n fc rmagema p l ica a insulina incorrc t amcn t c ( in t radé rmica c
apenas no antebraço). Esses pacientes apresenta
rmn resistência ao aprcndizado da técnica correta.
Mas com . as instruções e avaliações freqüentes,
conseguimos sensibilizá-los a procederem a técnica correta.
Como mostra a Tabela 3 , antes das instru
ções da enfermeifa. 8 5% dos pacientes aplicavam a insulina intradénnica, e apenas 1 5% subcutânea.
Após as inst ruções, 9 1 % dos pacientes passaram a
aplicar a insulina su bcu t ancamcn t e . Quan t o ao rest a n t e . que rcpresen t a 9%. tomou -sc imposs ível
a avaliaçãO dos mesmos na utilização da técnica. em razão desta parcela de pacientes continuar
dependente de tercciros.
Ao levantarmos os dados quanto ao conhe , cimento da técnica de glicosúria. que pode ser
observado na Tabel a 4 . 3 8', não conheciam a téc-. nica. 1 2% procediam de maneira correta e 50% de
maneira incorreta na colheita de urina e o horário da realização do exame. ou seja. usando a pri meira micção. por tanto. não usa ndQ a , técnica da segunda micçãO. Quanto ao horário, procediam
ao exame após as refeições induzindo a um falso
resultado.
Com relação à redução no número de intena
ções, isto realmente 'ocorreu. no entanto, não
temos dados numéricos porque o serviço de
estat ística do hospital não registrou separadamente
1 86 -Re). Bras. Ell.. Brasília, 3 7 (3/4), jul./dez. 1 984.
as intenações de diabéticos e outros pacientes intenados na cl ínica endocrinológica.
Observamos, portanto, que o instrumento básico para o tratamento do diabético é a edu cação permanente do paciente e seus familiares por uma equipe multidisciplinar, onde são detectados todos os fatores inter-relacionados ao autocuidado e . correção desses por profissionais especialmente treinados.
Dentro deste esp írito, o setor de enfermagem é fundamental, como demonstra a anál ise dos da dos obtidos no se tor de diabetes do Hospital da Previdência - IPSEMG.
A oportunidade de participar desta experiên
cia possibi l i t ou-nos com provar que a( o ) cnre r
meira( o) é parte integan te da equipe mul t idisci plinar, no sen tido de posicionar-se den tro da
equipe de saúde como um profissional atuante ,
dcscnvolvendo ullla assistência sistematizada e
dinâmica em suas ações.
O Plano Assistencial nos permite avaliar o valor da ação educativa. no que diz respeito a mudanças de hábitos que a assistência de enferma
gem pode propiciar, pois faz consultas, registra
dados. proporcionando parâmetros para avaliações e continuidade das ações.
CONC L USÃO
A experiência do Setor de Diabetes do Hospi
tal da. Previdência - IPSEMG - mostra que o paciente diabético pode er tre
i
nado no sentidodo autocuidado . Este treinamento deve ser reali
-, zado por equipe multidisciplinar.
A longo prazo, outras atividades comple mentares como colônia de férias com as crianças diabéticas e instrução em grupo para pacientes ambulatoriais permitirão ampliar os objetivos terminais.
R E F E R : N C IAS B I B L l O G R A F ICAS
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