1 TrabalhobaseadonaDissertaçãodeMestradodaprimeiraautorasob aorientaçãodosegundoautor.
2 Endereço:SQN202BlocoDap.201,Brasília,DF,Brasil70832-040. E-mail:sheilaantony@conectanet.com.br
ACriançaHiperativa:UmaVisãodaAbordagemGestáltica
1SheilaAntony2 JorgePoncianoRibeiro UniversidadedeBrasília
RESUMO–Apesquisaobjetivouinvestigarofuncionamentopsicológicodacriançahiperativaembaseateoriadociclodo contatodaabordagemgestáltica,propostaporRibeiro(1997).OTranstornodeDéficitdeAtenção/Hiperatividade(TDAH) caracteriza-sepordistúrbiosmotores,perceptivos,emocionaisecomportamentais.SegundooscritériosdiagnósticosdoDSM-IV(1994),essetranstornoreúne18sintomasbásicosdedesatenção,hiperatividadeeimpulsividade.Apesquisaadotouuma abordagemqualitativa.Aamostrafoicompostapor20sujeitos:cincocasais,cincoprofessorasecincocriançasentreoitoe 11anosdeidade.Utilizaram-seaentrevistaabertaeoTestedeApercepçãoInfantilcomfigurasdeanimais(CAT-A),como instrumentosdecoletadedados.Concluímosqueacriançahiperativaapresentaprocessospsicológicosespecíficosqueformam abasedesuapersonalidade.Ahiperatividadeéacaracterísticaquedefineotranstorno.Nãohápropriamenteumdéficitde atenção.Propomos,portanto,umaterminologiadiferente:TranstornodeHiperatividade/Atenção.
Palavras-chave:hiperatividade;desatenção;TDAH;gestalt;ciclodocontato.
HyperactiveChild:AGestalticView
ABSTRACT–ThestudyinvestigatedthepsychologicalfunctioningofthehyperactivechildaccordingtoContactCycleTheory ofGestaltApproach,proposedbyRibeiro(1997).AttentionDeficit/HyperactivityDisorder(ADHD)ischaracterizedbymotor, perceptual,emotionalandbehavioraldisturbances.AccordingtoDSM-IV(1994),thedisordercomprises18basicsymptoms ofinattention,hyperactivityandimpulsiveness.Theresearchadoptedaqualitativeapproach.Thesamplewascomposedby 20subjects:fivecouples,fiveteachersandfivechildrenfromeightto11yearsold.Non-structuredinterviewsandchildren’s apperceptiontestusinganimalfigures(CAT-A)wereappliedasinstrumentstocollectdata.Weconcludedthathyperactivechild displaysspecificpsychologicalprocessesformingthebaseofhispersonality,hyperactivityisthecharacteristicthatdefines thedisorder,andthatthereisnoattentiondeficitproperly.Thus,weproposeadifferentterminology:Hyperactivity/Attention Disorder.
Keywords:hyperactivity;inattention;ADHD;gestalt;contactcycle.
comofatorparaexplicarasdisfunçõessociaisepsicológicas encontrouseuslimitescomoTDAH.(p.2)
A Gestalt-Terapia (GT) é uma abordagem fenome-nológico-existencial com uma visão holística de doença. Compreendeoadoecercomoresultantedeumadesarmonia relacionalentrepessoaeambientequeformamumaunidade dialéticaeindivisível.Ribeiro(1997)enuncia:“Adoença érelacional.Nãoexistedoençaemsi.Doençaéfenômeno comoprocesso;comodado,existeemalguém,enãocomo realidadeemsimesma(...)”(p.36).
Oenfoquegestáltico,portanto,visairalémdadescrição dossintomasquedefineumadoença,buscaosentidodapa-tologiaeasvivênciassubjetivasdapessoaadoecida.Sendo assim,oobjetivoprincipaldapesquisaconsistiueminvestigar osprocessospsicológicoserelacionaisdacriançahiperati-va,apartirdateoriadociclodocontatodaAbordagemda Gestalt,compreendendoqueahiperatividadeeadesatenção constituemapenasumapartedesuatotalidadeexistencial.
TranstornodeDéficitdeAtenção/Hiperatividade:uma breverevisãodaliteratura
Essa síndrome tem sido descrita extensivamente na literatura médica por longas décadas. Já recebeu diversas nomenclaturasepartedasuacontrovérsiasedeveaessas Atualmente, o Transtorno de Déficit de
Atenção/Hi-peratividade (TDAH) constitui uma complexa desordem comportamental que leva a criança a graus variáveis de comprometimentonavidasocial,emocional,escolarefa-miliar.Essetranstornocaracteriza-sepordistúrbiosmotores, perceptivos, cognitivos e comportamentais, expressando dificuldadesglobaisdodesenvolvimentoinfantil.
O TDAH tem sido objeto de estudo de inúmeras pes-quisasquevisamfundamentalmenteaprimoraroscritérios diagnósticoseconhecersuaetiologia.Aolongodotempo muitos estudos têm sido orientados para encontrar uma causabiológicaespecíficaqueexpliqueoTDAH.Evidên-ciasconclusivasdelesãooudisfunçãoneurofisiológicasão poucosubstanciaisecontinuamincertas.Conformeditopor DebroitnereHart(1997):
mudançasnaterminologia,alteraçõesquerefletiramtendên-ciashistóricasnaconceitualizaçãodaetiologiaenosaspectos essenciaisdotranstorno.
Aevoluçãohistóricadaterminologiainicia,em1947, com Strauss e Lehtinen (conforme citado por Gorodscy, 1991) que utilizam a denominação Síndrome de Lesão Cerebral Mínima para classificar crianças com hiperativi-dade,“distratibilidade”,distúrbioscognitivoseproblemas deadaptaçãosocial.Em1962,ahipótesedelesãocerebralé abandonadaemrazãodafaltadecomprovaçãoneurológica, substituindo-se o termo para Disfunção Cerebral Mínima (DCM)quefoilargamenteaceitodurantealgunsanos.
Anoçãodequeaatividademotoraexcessivaeraacon-dição primária da desordem se tornou proeminente entre osanosde1950a1970.Otermohipercinesiapassaaser empregado equivalendo a hiperatividade e alguns autores começamaestudarahipercinesia,tantodeumpontodevista sintomático,quantoemumsentido“sindrômico”.
A compreensão desse quadro nosológico continuou insatisfatória e com pouca aceitação científica. A criação deumaclassificaçãocommaiorvalidadeeconfiabilidade começou com a CID-9 (Organização Mundial de Saúde, 1965)ecomoDSM-II(AssociaçãoPsiquiátricaAmericana, 1968), quando a terminologia foi mudada para Síndrome HipercinéticadaInfância.
Discussões sobre qual o elemento primário da patolo-gia permaneceram. Em 1980, a Associação Psiquiátrica Americana (APA) cunhou a nomenclatura Síndrome de DéficitdeAtençãocomousemHiperatividaderelegando ahiperatividadeaumsegundoplano.ODSM-III-Revisado (APA,1987),emseguida,modificaotermoparaDistúrbiode DéficitdeAtençãoporHiperatividadetornandonovamente ainquietaçãooelementoessencialaotranstorno.
Apartirdenovosestudosqueverificaramquetantoa faltadeatençãoquantoahiperatividadeestavampresentes, oDSM-IV(1994)apresentaamaisnovaeatualdenomina-ção:TranstornodeDéficitdeAtenção/Hiperatividade.Essa classificaçãoreúne18sintomasdedesatenção,hiperatividade eimpulsividadeedistinguetrêssubtiposparafinsdediagnós-tico:opredominantementedesatento,opredominantemente hiperativo/impulsivoeotipocombinadoquereúnecaracte-rísticasdosdoisanteriores.
Asinvestigaçõescientíficasatuaisparaadeterminação daetiologiadasíndromeatingemumamplocampoquevai desdeaspectosbioquímicoseneurológicosatépsicológicos esócio-ambientais.
Barbosa, Gaião e Di Lorenzo(1996) distinguem três concepçõesetiológicasparaoTDAH:a)aquedefendea síndrome como um transtorno de personalidade, oriunda dasabordagenspsicodinâmicas;b)adebaseorgânicaque consideraotranstornocomosendoumaafecçãocerebral;ec) agenética,comaidéiadeumapossíveltransmissãogenética nasbasesdoTDAH.
Nocampobiológico,omeiocientíficotemvalorizado duashipótesesneurológicas.Estudosrecentessobresíndro- meslocalizadassugeremqueoTDAHresultadeumadisfun-çãodolobofrontaldevidoaumaperturbaçãodosprocessos inibitóriosdocórtex.Umaoutrapropostadebaseneurológica dadaporKornetsky(conformecitadoporHallowell&Ra-tey,1994/1999)enfocaumdesequilíbrioneuroquímiconos
sistemasneurotransmissoresdanoradrenalinaedadopamina, osquaisseencontramemníveisinferiores,sendooTDAH provocadoporumabaixaproduçãoousubutilizaçãodessas substancias.Aetiologiagenéticatemsidosustentadaapartir deestudosdefamíliacomfilhosadotivosegêmeosqueve-rificaramantecedentesdehiperatividadenospaisefaltade associaçãoentrecriançasadotadasepaisadotivos.
Naspesquisasdecaracterizaçãosócio-emocional,oestilo decriaçãoeascaracterísticasdepersonalidadedospaissão consideradosfatoresqueinterferemnodesenvolvimentoe curso do transtorno. Ajuriaguerra e Marcelli (1984/1986) abordamaquestãoclínicadasíndrome,considerandoqueo transtornohipercinéticopodeserumestadoreacionalauma situaçãotraumatizanteouansiogênicaquerespondeauma angústia permanente. Para Hernandez (1989), existe uma hiperatividadedecomportamentoouumahiperatividaderea-tivageradaemambienteondehárelacionamentosfamiliares insatisfatóriosefaltadereciprocidadeafetiva,sendoacriança objetodepermanentedesvalorizaçãoealvodecrítica.
Pesquisasmaisrecentestêmapontadoparaumaetiologia multidimensionaldiantedacomplexidadedessetranstornoe dafaltadeevidênciascientíficassólidasquesustentemuma etiologiaúnicaedebaseexclusivamentebiológica.Estudio-sospassaramaafirmarqueavulnerabilidadebiológicaeos fatorespsicossociaisinteragemdeummodocircularcom relaçãoàcausa,gravidadeeresultadodotranstorno.Para Barkley,MurphyeBauermeister(1998),oTDAHenvolve interações multidirecionais, recíprocas e dinâmicas entre influênciasgenéticas,neurais,psicológicas,comportamentais eambientaisqueocorremaolongododesenvolvimentoda criança.
NoBrasil,estudosepidemiológicosrealizadoscombase noscritériosdiagnósticosdoDSM-IV,situamaprevalência doTDAHentre3%e5%.Asíndromeémaiscomumem meninos(9%)comsintomasdehiperatividadedoqueem meninas(3%)queapresentammaissintomasdedesatenção (Rohde,Barbosa,Tramontina&Polanczyk,2000).
Aspesquisasmostramumaaltataxadeco-morbidade entreoTDAHeostranstornosdisruptivosdocomportamento (transtornodecondutaetranstornodesafiadordeoposição); depressão;transtornodeansiedade;etranstornodaaprendi-zagem.Noentanto,nãoháestudosqueexpliquemasrazões paraqueocorramasco-morbidades.Aescassaexistênciada suacondição“pura”revelaafragilidadedeseustatusdeen-tidadenosológicadiferenciadaquenosalertaparaaquestão dequeaessênciadoTDAHaindanãofoiencontrada.
Principaiscaracterísticasedificuldadesbásicas
Atualmente, o Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividadeéumaterminologiausadaparadescreveruma desordemespecíficadodesenvolvimentoexibidoporcrianças comdeficiênciasemsustentaraatenção,inibirosimpulsose regularaatividademotoranasdiversassituaçõesdevida.
menosseisdossintomasdedesatençãoe/ouseisdossinto-masdehiperatividade/impulsividadetêmqueestarpresentes freqüentementenavidadacriança.
Afracacapacidadedemanteraatençãofocalizada,quan-dodistintosestímulosnoambientedistraemcomfacilidadea criança,designaotipopredominantementedesatento.Asua atençãodifusa(dirigeaatençãoamuitascoisasaomesmo tempo)criaproblemasnopensamentoenamemória.Essa criança,contudo,écapazdeseconcentrarhorasemuma atividadequeapreciaenaqualéhabilidosa.Umaexplica-çãodadaporBarkleyecols.(1998)paraesta“desatenção seletiva”relaciona-seàmotivaçãoeaoprazerdesencadeado pelatarefa,comoseessacriançafossemovidaporestímulos excitantes,ondeomundotemqueserinteressanteetudo aquiloqueforaborrecido,tedioso,prolongadoourepetitivo nãotemumatrativointrínseco.
Segundoasleisdapercepção,nemtododadoderealidade éobjetodepercepção,ouseja,“nemtudooqueseolhaéo quesevê”.Oatodefocalizaraatençãorequerumaintencio-nalidadedaconsciência,ondeaatençãovoluntáriaimpõeum esforçomentalparaorientaraatividadepsíquicaemdireção aumestímuloemantê-lodentrodocampoperceptivocons-ciente.Todoatodepercepçãorevela,portanto,umprocesso de“atençãoseletiva”e/ou“desatençãoseletiva”.
Ahiperatividadecomocaracterísticamarcanteeatrelada àimpulsividadedistingueacriançaporestaremconstante movimentaçãocorporalduranteaexecuçãodeumaatividade eporagirimpulsivamente(“sinto,logoajo”).Acriançares-pondeaosmúltiplosestímulosambientaiscomumaprontidão imediata,parecendonãoselecionarconscientementeatarefa ouoobjetoprioritáriodesuaação.Ainquietaçãorevelauma faltadecontroledoprópriocorpo,indicandoumadesarmonia entreosentir,opensareoagir.
A psicomotricidade ocupa-se do movimento humano comoprimeiroinstrumentonaconstruçãodopsiquismoe apontacomgrandeênfaseaaçãorecíprocaentremovimento, emoção,indivíduoemeioambiente.Sustentaqueaatividade motoraconstróiaimagemcorporalcomoresultadodaação dinâmica entre as experiências intracorporais e extracor-porais,equeaimagemcorporaldáabaseparaacriança agirnomundodeformaorganizadaeadaptadaaoespaço envolvente.
Emumanovaóticaepistemológica,oolharnãoestámais situadoapenasnomotor,numcorpoinstrumental,mas“num corpoemmovimentoqueàmedidaquesedeslocaconstrói arealidadeeaprópriacapacidadeintelectiva,quesente, queseemocionaecujaemoçãomanifesta-setonicamente” (Levin,1991/2001,p.31).Ocorpoéconstruídoeconstituído apartirdeumahistória.Corpo,motricidadeeemocionalidade formamumaunidadeeumatotalidade.
Portanto,oquefalaéosujeitoatravésdoseucorpo,das variaçõestônico-motoras,domovimento,dosgestosedo esquemacorporalquesãorepresentantesdeumaorganização psíquica.Esteéodesafioquenoslançaacriançahiperativa comoseucorpoemcontínuomovimento.
AabordagemdaGestalt:umavisãogeral
Gestaltéumapalavraalemãquesignificaforma,con-figuração, todo significativo, entidade estrutural. Ao ser
apropriadapelaPsicologiadaGestalt,passaarepresentar umaunidadeperceptivacujosentidoédadopelasinter-rela-çõesespecíficasentreaspartes,aquiloquefazdotodouma unidadediferentedasimplessomadaspartes.
AhistóriadaGestalt-Terapia(GT)temsuaorigemcom Fritz Perls (1893-1970) que, em colaboração com Laura Perls,PaulGoodmaneRalphHefferline,fundouumaaborda-gemdebaseholística-existencial-fenomenológicareunindo elementosdaTeoriadoCampo,daTeoriaOrganísmica,da PsicologiadaGestaltedasconcepçõesfilosóficasdoHuma-nismo,ExistencialismoedaFenomenologia.
Sustentadaemsuasteoriasdebase,aGTformulaque ocampoorganismo/ambienteconstituiumaunidadeinse-parável, uma totalidade cujo significado emerge das inter eintra-relaçõesentreaspartesqueformamumdadotodo. Dessatotalidade,figurasemergememrelaçãoaumfundo,e essarelaçãoentrefiguraefundofuncionadinamicamenteedá significadoaosfenômenos.Umaboagestaltéclaraearela-çãofigura/fundoreageapadrõesmutantesdasnecessidades imediatasdapessoa.Necessidadesnãoatendidasformam gestalten incompletas, exigindo atenção e interferindo na formaçãodenovasgestalten(Yontef,1993/1998,p.213). Paraogestaltista,aexperiênciasegueumfluxonaturalde surgimentoemudançadefiguras,naqualocomportamento podevariarconformeascondiçõesambientaiseasnecessi-dadesdapessoa.
EmGestalt,contatoeawareness3formamoeixobásico para a compreensão da forma de pensar, agir e sentir da pessoa.Awarenessdáosignificadoesentidodaexperiência, formandogestalten.Contatoéoprocessopsíquicooucom-portamentalpeloqualoindivíduoentraemrelaçãoconsigo, comooutroecomomundoembuscadadiferenciação.Perls, HefferlineeGoodman(1951/1997),naobraclássicaGestalt Therapy,definemdemaneirasucintaadinâmicadocontato deunião/separação,evitação/aproximação,identificação/alie-nação:Primordialmente,contatoéaawarenessdanovidade assimilávelecomportamentocomrelaçãoaesta;erejeição danovidadeinassimilável.Oqueédifuso,sempreomesmo, ou indiferente, não é objeto de contato(p. 44). Portanto, contatorepresentaumprocessoativoeconscientedeajus-tamentocriativoeenfatizaoprincípioontológicoexistencial queconcebeoindivíduocomoserrelacional.
Osmovimentosdialéticosrepresentativosdaexperiência docontatoocorrempormeiodaauto-regulaçãoorganísmi-carealizadapeloselfnocampoorganismo/ambiente.Esse processorevelaumfluxodinâmicodeciclossucessivosde satisfaçãodenecessidades,ondeumafiguraemergedeum fundoindiferenciado.Ainterrupçãosistemáticaerepetida dofluxodeformaçãoedissoluçãodefigurasdeixagestal-ten abertas e necessidades não satisfeitas. Cada situação incompletaretémenergiamentalefísicaemtornodeuma necessidadeinsatisfeitaqueexercepermanentepressãopsí-quicaparasuarealizaçãoe,assim,levaapessoaamanter comportamentosrepetitivoseobsoletosemsuavidapresen-te.ParaaGT,doençasignificaperturbaçãonoprocessode
formação-destruição-reformadegestalten(Clarkson,1989) queinterrompeofluxonaturaldaexperiência.Representa aincapacidadedeumapessoaemreconheceranecessidade dominante, de discriminar o objeto que irá satisfazer sua necessidade,depermaneceremcontatocomesseobjetoe deseretrairapósofechamentodeumagestalt.
Campoholísticorelacional
Ribeiro(1997)sustentadonaTeoriadoCampoenaTe-oriaOrganísmica-HolísticacriaomodeloCampoHolístico Relacional (Figura 1), o qual anuncia quea pessoa é um campoeédeumcampo(grifonosso).Essemodelopossibilita umavisãomacroemicrosistêmicadosdiversoscamposque compõemarealidadeexistencialdoindivíduo(campogeo-biológico,camposócio-ambiental,campopsico-emocionale camposacro-transcendental)econcebeaintereintra-relação entreoscampos,noqualnadaqueocorraemumcampoé neutroparaumoutroeparaotodoholísticorelacional.
Figura1.Campoholísticorelacional Fonte:Ribeiro(1997)
Oindivíduoéformadopelossistemassensorial-motor- cognitivo,osquaisoraserelacionammaiscomumdetermi-nadocampo,oramaiscomoutro,podendocriarmúltiplas possibilidadesdeformasdecontatoedecomportamento.O autorexemplificahipoteticamenteadinâmicadofunciona-mentopsicológicodeumacriança,demonstrandocomocada sistemaseconectacomumdadocampo,criandoumpadrão decontatocomomundo:
Acriançaquetemseusistemamotorinibidocom“nãofaça isto,nãofaçaaquilo”;seusistemacognitivosuperestimulado com“pensesempreantesdeagir,cuidadocomerros”,terá estesdoistiposdeintrojetosafetandoimediatamenteseucampo psicoemocional,produzindonelaummedogeneralizadoesenti-mentosdeinsegurançaqueafetamseucamposócio-ambiental, fazendo-a assumir sempre atitudes tímidas, prudentes, com dificuldadesderelacionamentoeprofundadesconfiançadesi mesmo.(Ribeiro,1997,p.24)
Assim,cadaindivíduopodeapresentarcomportamentos diferentesemambientesdiferentes.Ocampocrianecessida-desecomportamentosdiferentes,assimcomoanecessidade organiza o comportamento e o campo. Compreende-se, portanto,arazãodacriançahiperativavariaroseucompor-tamentoirrequietoemdistintoscontextosdevida.
Ciclodocontato
Perlsecols.(1951/1997),inicialmente,descreveramo processodocontatocomoumtodounificado,representa-doemumaseqüênciacontínuadefigura-fundo,quetem origemnumavagasensaçãoquesedelineiacomofigura, levandoàmobilizaçãodeenergiaeaumaaçãoorganizada que responde a uma necessidade emergente. O ciclo se fechaquandooorganismotemaexperiênciadesatisfação plena,entrandoemretraimentoecolocando-se,emseguida, àdisposiçãodeumanovafigura.Paraosautores,emtodo processodecontatoháumaunidadesubjacentedefunções perceptivas, motoras e sensório-afetivas que funcionam demodointegrado.Aexperiênciadocontatofoidefinida comoumexcitamentocrescenteconscientequeocorreem quatroestágios:
1) Pré-contato:ocorpoéofundoeoestímuloambientalou aexcitaçãoorganísmicaéafigura.
2) Contato:a)oexcitamentonocorpotorna-seofundoe algumobjetoouconjuntodepossibilidadeséafigura; b)háaescolhaearejeiçãodepossibilidades,ocorrendo asidentificaçõesealienaçõesdeobjetoseexperiências. 3) Contatofinal:oambienteeocorposãoofundoeoob-jetivovívidoéafigura;háumaaçãoespontâneaunitária dapercepção,domovimentoedosentimento;oselfestá plenamenteawaredafiguraquedescobriueinventou. 4)
Pós-contato:háumainteraçãofluidaentreorganismo/am-bienteenãoháumadiferenciaçãofigura/fundo,masuma unidadefigura/fundo;oselfseretraiemumasensaçãode completude.
De acordo com a teoria da Gestalt, os bloqueios do contatosãomecanismospsicológicosqueexercemfunções defensivaseconstituempadrõesdecomportamentoepercep-çãopelosquaisoindivíduomantém,nopresente,situações mal resolvidas do passado, impedindo-se de realizar um contatosaudável.SegundoClarkson(1989)eRibeiro(1997) cadaindivíduopodeinterromperocicloemqualquerponto, conformeasexigênciasdocontexto,porémexisteumlugar ondeobloqueioémaisconstanteedefineasuadinâmica intraeinterpessoal.Éválidoressaltarqueessesprocessos docontatopossuemumafunçãosaudávelquandoemprega-dosflexivelmente,atendendoàscondiçõesdasituaçãoeàs necessidadesoriginaisdoindivíduo.
abrangenteeatualizadadofluxodinâmicodaexperiência humananaabordagemgestáltica.
Figura2.Ciclodosfatoresdecuraebloqueiosdocontato Fonte:Ribeiro(1997)
A partir da visão holística da GT, acreditamos que é imprescindível se tomar em consideração a influência do ambientesocialefamiliar,casosedesejecompreenderple-namenteessasíndrome,diagnosticá-lacomacertoeprover os tratamentos necessários. Sendo assim, o objetivo geral dotrabalhoécompreenderofuncionamentopsicológicoda criançahiperativacombasenaTeoriadoCiclodoContatoda abordagemgestáltica,deformaaidentificarosfatoresdecura eosbloqueiosdocontatoutilizadosporessacriança.Como objetivoespecífico,pretendemosoferecerumacontribuição psicopedagógicaparaabordaracriançahiperativa,apartir deummodelodeintervençãodebasegestáltica.
Metodologia
Pelofatodessetrabalhoterseoriginadoemumcontexto clínicoterapêuticovoltadoparacompreenderosprocessos psicológicosqueregemocomportamentodacriançahipe-rativa,essapesquisaseguiuumametodologiadenatureza qualitativadebasefenomenológicacujaessênciaéadescri-çãodarealidadeobservadaeexperienciada.
SegundoMartinseBicudo(1988),apesquisabaseada naabordagemqualitativabuscaumacompreensãoparticular daquilo que se estuda e não aexplicação dos fenômenos estudados.Nestesentido,QuinnPatton(conformecitadopor González-Rey,1999,escreve:“Osmétodosqualitativossão particularmenteorientadosparaaexploração,odescobri-mentoealógicaindutiva.Umenfoqueavaliativoéindutivo quandooinvestigadorintencionacriarsentidodasituação, semimporexpectativaspreexistentessobreofenômenoou situaçãoestudada”(p.131).
Universodapesquisa
Ouniversodapesquisacompõe-sede20pessoas,sendo elas: cinco crianças (quatro meninos e uma menina cujos
nomessãofictícios)nafaixaetáriade8a11anos,selecio-nadas no Centro de Orientação Médico-Psicopedagógica (COMPP), Unidade da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal – SES/DF, com diagnóstico psiquiátrico deTranstornodeDéficitdeAtenção/Hiperatividade;cinco casais;ecincoprofessoras.
ForamescolhidascriançasdiagnosticadascomoTDAH “puro”,nãoassociadoaoutrasco-morbidades(Transtorno deConduta,TranstornoDesafiadordeOposição,Transtorno deAnsiedade,Depressão,DeficiênciaMentaleEpilepsia)e quenãoestivessememusodemedicação.
Instrumentoseprocedimentos
Foramutilizadosdoisinstrumentosparacoletadedados: aentrevistaabertacomoscasaiseasprofessoras;eoTeste de Apercepção Infantil com figuras de animais (CAT-A) aplicadoàscrianças.Foramrealizadasdezentrevistasabertas. Todasasentrevistasetestesforamgravadosetranscritos.
Asentrevistascomospaisforamrealizadasseparadamen-te,emsalareservada,noCOMPP,empregando-seaquestão orientadora:“Comovocêspercebemseufilho?”Asentre-vistascomasprofessorasforamfeitasnaprópriaescolaem quelecionameiniciou-secomaseguintepergunta:“Como você percebe essa criança em sala de aula?” Perguntas complementares foram feitas visando obter o máximo de informaçõessobreomododesentir,pensar,agireinteragir dossujeitos.
Ométodoprojetivoinfantil(CAT-A)foiaplicadopela própriapesquisadoraeaanáliseinterpretativadasestórias narradasfoifeitaporumapsicólogaclínicacomformação emGestalt-Terapiaquetrabalhanosetordepsicodiagnóstico doCOMPP.
Análisedosdados
Aanálisedosdadosdasentrevistascomospaiseprofes-sorasfoifeitacombasenatécnicadeanálisedeconteúdodo tipocategorialpropostaporLawrenceBardin.Aanálisedos dadosdascriançasfoirealizadamedianteaanáliseinterpre-tativadoCAT-A,asobservaçõescomportamentaisdurante assessõesdeaplicaçãoeosdadosdeanamneseobtidosdos prontuáriosdascrianças.
Paradiscussãodosresultados,foramorganizadosquadros referentesàscategoriaslevantadasparacadaprofessoraecada casalcomasrespectivasfreqüênciasdeverbalizações;qua-drosrelacionadosàscategoriaslevantadasparaosdoisgrupos desujeitoscompostospordefiniçãodacategoria,temasre-presentativoseexemplosdeverbalizações;eumquadrogeral dosprocessosbásicosdecontatoutilizadopelascrianças. Apresentaremosoquadrogeraldascategorias-síntesescom suasrespectivasfreqüências(Tabela1)eoquadrogeraldos processosbásicosdobloqueiodocontato(Quadro1)para finsilustrativosediscussãodosresultados.
ResultadoseDiscussão
Tabela1.Freqüênciadascategorias-síntesesdasprofessorasedoscasais
Professoras Casais
Categorias Freqüência Categorias Freqüência
Desempenho Escolar
49 Afetividade 48
Característicasda Criança
40 Inquietação 42
Relaçãocomos Colegas
30 Determinação 40
Inquietação 21 RelaçãoFamiliar 34 Relaçãocoma
Professora
28 Sentimentosdos Pais
28
Sentimentosda Professora
18 Característicasdos Pais
20
Desatenção 15 ConflitosFamiliares 17 Afetividade 14 RelaçãocomosPais 15
Ansiedade 13 Desatenção 11
Agressividade 10 Relaçãocomo Irmão
10
Desempenho Escolar
09
Legenda: As categorias foram extraídas da análise de conteúdo das entrevistasabertasrealizadascomospaiseasprofessoras.
AcategoriaDesempenhoEscolarapontaparticularidades nofuncionamentocognitivodascrianças,inter-relacionando atenção-pensamento-memória.ComexceçãodeArtur(que possuinívelintelectualacimadamédia),todasasdemais crianças apresentam atraso no processo de aprendizagem comdeficiênciasespecíficasnaleituraenaescrita.Aletra éirregular,sempadrãoealeituranãosegueumaseqüência (“pulafrases”),oqueindicadeficiênciasnofuncionamento viso-motor.
Problemas no processo de organização e execução do pensamentoforamdescritos.Surgeo1oparadoxodentrodo Transtorno:LentidãonopensamentoxRapideznapercepção. Deduzimosqueessalentidão(consideradacomo“preguiça mental”pelospaiseprofessoras)sejaresultadodapercepção rápidaedofluxocontínuodeidéiasqueacriançaprecisa regularafimdeorganizarseuspensamentosdeformasigni-ficativaecoerentepara,então,interpretareescreveraquilo quecompreendeu.
Essadificuldadenoprocessamentodasinformaçõesim-pedeacriançadeacompanharoritmoeademandaescolar. Passa,então,aagircomdesinteressenosestudoscomcondu-tasdefugacujointuitoédesviarocontatocomosentimento deincompetênciacognitivageradordeansiedade,pornão darcontaderesponderasexigênciasescolares.
AcategoriaDesatençãoapresentouumafreqüênciamuito baixa,masfoimantidanatabeladascategorias-síntesespara finsdediscussãoclínica.Asprofessoraseospaisfalamque acriançaprestaatençãoemtudoeemtodos,masparecenão escutarou“estarvoando”quandooassuntoédenatureza acadêmicaouquandosãorepreensões.Surgeo2oparadoxo: AtençãoxDesatenção.
Acriançaorientaesustentaaatençãoquandoalgoéde seuinteresse,fazendousodasfunçõesdaatençãodeselecio-nar,focar,manteredividir.Háumfenômenomotivacional ocorrendosubjacenteaofenômenocognitivodaatenção,a qualflutuaparasituaçõesquetemvalênciapositivafugindo
daquelas com carga negativa, logo existe uma “atenção seletiva”euma“desatençãoseletiva”.Acriança,portanto, desviaaatençãodetudoaquiloqueferesuaauto-estimae sensodecompetência.
OesquecimentoconsideradoumamanifestaçãodaDe-satençãoévistocomoumafalhadememóriapelospaise professoras.Acriançapossuiboamemóriaparacertascoi-saseatéparaconteúdosdisciplinares,noentanto,esquece logooquelhefoiensinadooudedarrecados.Seacriança tem dificuldades no processamento de informações e na organizaçãodopensamento,elateráproblemasnamemória deassociação(ouseqüencial)enaretençãodeinformações complexas.Amemória“boa”,portanto,éamemóriarela-cionadaaoarmazenamentodedadossimples,acoisasque nãoexigemesforçomentaldeelaboração.
Compreendemosqueessacriança,naverdade,nãotem umdéficitdeatenção,masumahiperatenção,umaimensa capacidadedeatentarparaosmúltiplosestímulosambientais. Háumaatençãoexageradavoltadaparaoambiente,ondea percepçãocontínuadoexternosobrepõe-seàpercepçãodo próprioself,evidenciandoumareduzidaconsciênciadesuas experiênciasinternas.Acriançaéfundo,oambienteéfigura. Aatençãoédifusaporqueaconsciênciaéconfusa.Nãosabe oquêprocuraeparaquê,mantendoumcontatosuperficial consigoecomomundo.
Ainquietaçãoéunânimeparapaiseprofessorascomo característicaprevalenteepadrãoanormaldecomportamen-to.UmmeninocomentanoCAT-Aque“omacaconasceu com problema de chatice”. Um outro se identifica com o cachorroediz:“Eletemumnegócionocorpo,temumtipo dedeficiênciamoral,moral.Aí,elenãoconseguepensarcom essadoença”.Ascriançasreconhecemoseuproblemacom-portamentalesentemahiperatividade/impulsividadecomo umadificuldadeemcontrolarocorpoeopensamento.
Adiscussãoanteriorarespeitodascaracterísticascom-portamentais e cognitivas da criança coloca a Deflexão4 comooprocessopsicológicoquedefineapatologia.Iremos elucidar,agora,comooTDAHsemostranadimensãoin-trapsíquicadacriança.
Quadro 1.Quadro geral dos processos básicos de bloqueio do contato dascrianças
Crianças ProcessosdoContato
João Projeção,Egotismo,Deflexão Pedro Projeção,Egotismo,Deflexão Artur Projeção,Egotismo,Deflexão Marco Egotismo,Deflexão
Lia Introjeção,Retroflexão,Deflexão Legenda:Osprocessosdebloqueiodocontatoforamobtidosdasentrevistas abertasrealizadascomospaiseasprofessorasedaanálisedoCAT-A.
AAfetividadeeaDeterminaçãocomocategoriasdestaca-dasdaanálisedeconteúdoconferemgrandeimportânciaao campopsicoemocionaldacriançahiperativa.AAfetividade revela uma intensa sensibilidade e reatividade emocional eummodogenerosodesercomooutro.Nacompreensão
dospaiseprofessoras,sãocriançascomumaaltademanda deafetoquepossuemumacarênciaafetiva,oumelhor,um Déficit de Afetividade. Surge o 3o. paradoxo:Déficit de AfetividadexHiperemotividade.Osdoisextremosexperi-mentadospelacriançarevelamumadialéticaparadoxalde fenômenosqueregulamoequilíbriodoorganismo:Hiperx Déficit. Esse funcionamento desarmonioso mostra que “o excessocriaafalta”,umadeficiênciaemumafunçãooposta complementar.
ADeterminaçãodescreveapersistênciadacriançacom aquiloquequer,seumodovoluntariosoeimperativodeagir. Nãoaceitaopiniõesouimposiçõesequerfazerascoisasdo seujeitomesmoquesejaerrado.Essacategoriaretrataas característicasdeonipotênciaeauto-referênciadacriança quesuscitamproblemasnainteraçãocomooutro.Essefun-cionamentocentradoemsimesmo,comumapreocupação voltadaparaasprópriasnecessidadeseidentidade,representa adinâmicadoEgotismo.
AsestóriasnarradaspelascriançasnoCAT-Arevelam intensos sentimentos de inadequação, incompreensão e rejeição.Percebemoambientecomopunitivoeintolerante, emboraseconsideremmerecedorasdepunição.Noentanto, reagemàs constantescríticasnuma tentativade recusaro juízodepreciativoalheio.Ahiperatividade,enquantoconduta desorganizada, representa assim a Projeção5 de introjetos negativosoriundosdomeiodoqualtemquesedefender, dotipo:“Vocêéchato.Vocêédesobediente.Vocêestásem-pre aprontando, fazendo coisas erradas”. A criança vive umconflitointernoentreos“nãodeverias”eaquiloqueé originalmenteseumododesereagir,comosenãopudesse aceitarosprópriossentimentos,pensamentoseações.Por conseguinte,acriançacriaumsensodeselfnegativooriundo deumaconfusaimagemcorporal.Ahiperatividadeainda pode expressar uma forma de recusar o pensar as ações desamorosas e intolerantes vindas do ambiente, represen-tandoumestadopermanentedetensãoeansiedadevivido pelacriança.
Emconclusão,osprocessosdebloqueiodocontatobási-cosqueorganizamofuncionamentopsicológicodascrianças dapesquisasão:Deflexão,ProjeçãoeEgotismo.Acombi-naçãodinâmicadessestrêsmecanismosrevelaosseguintes processosinternoserelacionaisdacriança:acriançadeflete pormeiodainquietaçãoedadesatenção.Aodefletircomuma açãomotoraexcessivaqueocorreemsimultaneidadecom aatençãodifusa,acriançapassaasecomportardeforma inapropriadasematenderanecessidadeprioritária.Suaação desorganizada advém da Projeção ao lançar no ambiente partes de si consideradas inaceitáveis (introjetos tóxicos) que,porsuavez,criaperturbaçãonaqualidadedainteração. Nesseponto,acriançarecorreàProplexão6comomecanismo saudávelpararepararassuascondutasinadequadas,sendo prestativanaesperançadereceberemtrocaaprovaçãoeafeto
paracompensarseuDéficitdeAfetividade.OEgotismore-velaalutadacriança(pormeiodadeterminação)paraimpor suaidentidadeemododeserperanteomundo.Assim,seu mododeagir,pensaresentirreflete:“Jáqueomundonão meaceitacomoeusou,nãomecompreendeenãoatendeas minhasnecessidadesdeafeto,eumesmavoumenutrir,vou fazeroqueeuquero.Ninguémmandaemmim”.
AmeninaLiaapresentouumainquietaçãoreduzida,tendo adesatençãocomocaracterísticapredominante.Reveloudois mecanismosdocontatodistintosdosmeninos(introjeção, retroflexão), configurando um funcionamento psicológico diferente.
Analisando a criança hiperativa do ponto de vista dos fatoresdecuradociclodocontato,temos:ainquietaçãoe adesatençãosignificamqueacriançaestáempermanente processodefluidez,emcontínuomovimentoembuscade novosestímulos.Háumexcessodeexcitaçãoquecriaumalto níveldemobilizaçãodeenergiaparaaexecuçãodaação,a qualéefetuadaprontaeimpulsivamente.Mantémumcontato superficialcomascoisas,trocandoincessantementeofocoda atençãodeumobjetoaoutro,prematuramente,semmanter acontinuidadeatéofechamentodagestalt.Acriançanão sesatisfaztotalmente,nãoalcançaaharmoniaorganísmica, experienciando um estado permanente de insatisfação. A criança,portanto,viveumprocessointermináveldebuscada própriaauto-regulação,noqualahiperatividadeeadesaten-çãodisfarçamacondiçãoessencialdasíndromequereflete umabuscaalienadadeobjetivosesentidodaexistência.
Uma vez que a desatenção acompanha o fluxo da ex-citação, não se deveria diagnosticar hiperatividade sem sintomasdedesatenção,ouseja,DDAsemhiperatividade, comoindicadonoDSM-IV.Casoexistamapenassintomas dedesatençãodevesereconhecerumacategorianosológica diferenciada.Faceàsreflexõesapresentadas,propomosseja pensadaumadiferenteterminologia:TranstornodeHipera-tividade/Atenção.
Conclusão
O TDAH representa um alto nível de excitação orga-nísmicacomimplicaçõesorgânico-funcionaisassociadasa fenômenosdeordememocional.Oelevadofluxodeenergia fazacriançafuncionarem“altavoltagem”respondendoao mundocomHiperatividade,HiperatençãoeHiperemotivi-dade,comoumatotalidadeemação.OTDAHécolocado totalmente no domínio da patologia, o que não é correto. Hátalentosoriundosdessaaltaexcitabilidade–aintuição, acriatividade,aafetuosidade,avitalidade–quedevemser sobrepostosaossupostosdéficits.
Essacriançalançaumdesafioaoseducadores,aospais, aosprofissionaisdasaúdeparaumamudançaemseusmo-delosdepensamento,deintervenção,deinteração.Elanão aceita ser vítima de métodos padronizados de ensino ou modeloseducacionaisrígidos.Anseiaporcriatividade,fle-xibilidade,afetividadee,sobretudo,sertratadacomosujeito responsávelporseuprocessodeaprendizagem.
Em nossa pesquisa, foi possível oferecer um número amplodepropostaspsicopedagógicasparaabordaracriança nocampoacadêmicovisandofavoreceroseudesempenho escolar.Destacamosasmaisimportantes,aseguir:
5 Projeçãoéoprocessopeloqualapessoaatribuiaosoutrossentimentos, pensamentosecomportamentosintoleráveisdaexpressãodesimes-ma,desapropriando-sedaspartesdesiemquesurgemasexcitaçõese impulsos.
– Darinformações,instruções/orientaçõescurtasebreves. – Repetirasinformaçõesefazeracriançarepetiroquelhe
foiditoouensinado.
– Exigirumaquantidademenordetarefasequestõesnas avaliações.
– Realizarmaisavaliaçõesoraisdoqueescrita.
– Exercitar as habilidades motoras finas relacionadas à percepçãovisual.
– Trabalhar positivamente o olhar e o ouvir aguçados dacriançacomexercíciosdeseleçãoefocalizaçãode objetos-figuras.
– Interessar-semaispelascoisasqueacriançasabefazer, por seus talentos e não somente pelas suas deficiên-cias. Enfatizar mais as qualidades do que os supostos déficits.
– Aproveitar a alegria, vitalidade, criatividade, intuição, generosidadeeafetuosidadedacriançadeformaacriar umambientepositivoparapossibilitarumcontatosau-dávelentreacriançaeoscolegas.
Ocaminhodasaúdeéoresgatedaconsciênciasobreo seucorpo,pensamentosesentimentos,deformaatornar-se umapresençaconsciente.Aprenderaassumirresponsabili-dadesobresuasaçõeseescolhas.Sercapazdecriarmetase reconhecerlimitesparadarsentidoasuaexistência.Exercer aauto-regulaçãodeformaconscienteparapoderhierarquizar assuasnecessidadeseseajustarcriativamenteaomeio.
OTDAHvemanunciaratotalidadedacondiçãohumana queestáinseridaemumatotalidademaisamplaqueforma a realidade holística relacional. O TDAH está nas crian-ças assim como está no mundo com seu ritmo acelerado, retratando a desatenção humana e a inquietação ansiosa presentesnasociedademoderna.Otodoestánaspartese aparteestánotodo.Somosasociedadequeproduzimose quenosproduz.
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Recebidoem08.07.2003 Primeiradecisãoeditorialem15.04.2004 Versãofinalem10.05.2004