• Nenhum resultado encontrado

Conectores sequenciadores e e aí em contos e narrativas de experiência pessoal escritos por alunos de ensino fundamental: uma abordagem sociofuncionalista

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Conectores sequenciadores e e aí em contos e narrativas de experiência pessoal escritos por alunos de ensino fundamental: uma abordagem sociofuncionalista"

Copied!
121
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

CONECTORES SEQUENCIADORES E E AÍ EM CONTOS E

NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIA PESSOAL ESCRITOS POR

ALUNOS DE ENSINO FUNDAMENTAL:

UMA ABORDAGEM SOCIOFUNCIONALISTA

WASHINTIANE PATRÍCIA BARBOSA DA SILVA

(2)

CONECTORES SEQUENCIADORES E E AÍ EM CONTOS E

NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIA PESSOAL ESCRITOS POR

ALUNOS DE ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ABORDAGEM

SOCIOFUNCIONALISTA

Por

WASHINTIANE PATRÍCIA BARBOSA DA SILVA

Dissertação

apresentada

ao

Programa de Pós-Graduação em

Estudos

da

Linguagem,

da

Universidade Federal do Rio Grande

do Norte, como requisito parcial para

a obtenção do título de mestre.

Área de concentração: Linguística

Aplicada

Orientadora: Prof.ª Dr.ª. Maria Alice

Tavares

(3)

Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Silva, Washintiane Patrícia Barbosa da.

Conectores sequenciadores e e aí em contos e narrativas de experiência pessoal escritos por alunos de ensino fundamental: uma abordagem sociofuncionalista / Washintiane Patrícia Barbosa da Silva. – 2013. 120 f.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Departamento de Letras. Programa de Pós Graduação em Estudos da Linguagem, 2013.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Alice Tavares.

1. Língua portuguesa (Ensino fundamental). 2. Funcionalismo (Linguística). 3. Sociolinguística – Natal (RN). I. Tavares, Maria Alice. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

(4)

CONECTORES SEQUENCIADORES E E AÍ EM CONTOS E

NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIA PESSOAL ESCRITOS POR

ALUNOS DE ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ABORDAGEM

SOCIOFUNCIONALISTA

Dissertação de Mestrado, defendida por Washintiane Patrícia Barbosa da Silva, aluna do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, na área de Linguística Aplicada, aprovada pela banca examinadora, em 02 de agosto de 2013.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________

Profa. Dra. Maria Alice Tavares

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Orientadora

___________________________________

Profa. Dra. Maria Medianeira de Souza

Universidade Federal de Pernambuco Examinador externo

____________________________________

Prof. Dr. Marco Antonio Martins

(5)

DEDICATÓRIA

(6)

AGRADECIMENTOS

A Deus, meu amigo que me deu coragem quando pensava em desistir e esperança para acreditar que tudo é possível.

À Virgem Maria, que com seu olhar feminino me ensinou a não desanimar diante das situações adversas.

À querida Alice, pela paciência, incentivo, dedicação, ajuda e por tornar possível esse estudo sociofuncionalista.

A minha família, que me apoiou e me cercou de carinho.

Ao meu irmão, Washington, que mesmo de longe me apoiou e rezou para que esse sonho se concretizasse.

Ao meu noivo, Hebert Lissandro, pelo companheirismo, amor e colaboração nessa pesquisa.

A Francielly, minha amiga, pelo seu total apoio e colaboração na realização desse estudo.

Ao professor Sinval Fagundes, que me cedeu sua turma para a realização da coleta de dados desse estudo, mesmo sem possuirmos nenhum vínculo.

Aos meus amigos, Rhena Raize, Manuelle, Danielle, Josefa da Silva e Pe. Matias pela ajuda e pelas palavras de encorajamento.

Ao professor Dr. Marco Martins e à professora Dra. Érica Iliotivitz, pelas ideias brilhantes e sugestões no momento da qualificação.

(7)

RESUMO

Nesta dissertação, apoiando-me em dois referenciais teóricos, o do funcionalismo linguístico de vertente norte-americana e o da sociolinguística variacionista, tomo como objeto de estudo os conectores sequenciadores E e AÍ, que atuam na função gramatical de indicação de sequenciação retroativo-propulsora de informações. Analiso o uso variável desses conectores em textos escritos por alunos de duas escolas da rede pública da cidade de Natal-RN, que cursavam, à época da coleta de dados (o ano de 2012), duas séries distintas do ensino fundamental: o sexto e o nono ano. Os alunos que contribuíram para a realização desta pesquisa escreveram, como parte de suas atividades em sala de aula, textos de dois gêneros da esfera narrativa: narrativa de experiência pessoal (de caráter não ficcional) e conto (de caráter ficcional). Além disso, esses alunos e seus professores de língua portuguesa responderam a um teste de atitude linguística em que opinaram sobre a adequação do uso dos conectores E e AÍ em contextos de fala e de escrita marcados por diferentes graus de formalidade. Os resultados, obtidos por meio de análise quantitativa, revelaram diferentes tendências de distribuição linguística, social e estilística dos conectores E e AÍ nos textos narrativos escritos pelos alunos. Relacionei tais resultados à ação de dois princípios: o princípio da persistência, vinculado ao processo de mudança por gramaticalização, e o princípio da marcação estilística. Além disso, levei em conta as respostas fornecidas por alunos e professores ao teste de atitude linguística para refinar a interpretação dos resultados.

Palavras-chave: conectores sequenciadores; variação linguística; princípio da

(8)

ABSTRACT

In this dissertation, based on two theoretical frameworks, American functionalism and variationist sociolinguistics, I take as subject the sequence connectors E and AÍ, which has the grammatical function of indicating retroactive-propeller sequenciation of information. I analyze the variable use of these connectors in texts written by students from two public schools in the city of Natal, RN, attending at the time of data collection (the year 2012), two distinct levels of basic education: the sixth and the ninth year. The students who contributed to this research wrote, as part of their activities in the classroom, texts of two narrative genres: narrative of personal experience (non-fictional) and short story (fictional). In addition, these students and their Portuguese teachers answered a test of linguistic attitude in which they gave their opinions regarding the appropriateness of the use of connectors E and AÍ in contexts of speech and writing marked by distinct degrees of formality. The results obtained by means of quantitative analysis showed different tendencies of linguistic, social and stylistic distribution of connectors E and AÍ in the narrative texts written by the students. I related these results to the action of two principles: the principle of persistence, linked to the process of change by grammaticalization, and the principle of stylistic markedness. Besides, I took into account the answers provided by students and teachers to the test of linguistic attitude for refine the interpretation of the results.

Keywords: sequence connectors; linguistic variation; principle of persistence; principle

(9)

LISTA DE QUADROS, GRÁFICOS E TABELAS

QUADROS

Quadro 1: Pressupostos da sociolinguística e do funcionalismo ... 48

Quadro 2: Passos metodológicos de uma pesquisa sociofuncionalista ... 51

Quadro 3: Algumas respostas dos alunos à questão 1 do teste de atitude ... 77

Quadro 4: Respostas dos professores à questão 1 do teste de atitude ... 78

Quadro 5: Algumas respostas dos alunos à questão 2 do teste de atitude ... 79

Quadro 6: Respostas dos professores à questão 2 do teste de atitude ... 80

Quadro 7: Percurso de gramaticalização do E ... 88

Quadro 8: Percurso de gramaticalização do AÍ ... 89

Quadro 9: Contextos favoráveis ao aparecimento dos sequenciadores E e AÍ...110

TABELAS

Tabela 1: Frequência de uso dos conectores sequenciadores ... 81

Tabela 2: Influência da relação semântico-pragmática sobre o uso do E e do AÍ ... 90

Tabela 3: Influência do nível de articulação sobre o uso do E e do AÍ ... 94

Tabela 4: Influência do gênero textual sobre o uso do E e do AÍ ... 103

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO I – ESTADO DA ARTE ... 22

1. Gramaticalização: o caso do E e do AÍ ... 22

2. Os conectores interfrásticos E e AÍ na literatura infanto-juvenil ... 28

3. Conectores E e AÍ na fala e na escrita: foco no princípio da marcação ... 31

CAPÍTULO II – REFERENCIAL TEÓRICO ... 35

1. Funcionalismo norte-americano ... 35

1.1 Gramática emergente ... 35

1.2 Gramaticalização ... 38

2. Sociolinguística variacionista ... 41

2.1 A língua como sistema heterogêneo: variáveis e variantes ... 42

2.2 Variação e mudança linguística ... 44

3. Sociofuncionalismo ... 46

3.1 Gramaticalização e variação ... 50

CAPÍTULO III – NARRATIVA DE EXPERIÊNCIA PESSOAL E CONTO ... 53

1. Gêneros e tipos textuais: definições ... 53

1.1 A narrativa de experiência pessoal ... 55

1.2 O conto ... 58

CAPÍTULO IV – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 62

1. O corpus: distribuição quanto ao gênero textual e a características sociais ... 62

2. Procedimentos adotados para a coleta dos dados ... 64

(11)

CAPÍTULO V – ANÁLISE DOS DADOS EM UMA PERSPECTIVA

SOCIOFUNCIONALISTA ... 77

1. Teste de atitude linguística ... 77

2. Frequência geral dos conectores E e AÍ no corpus ... 81

3. Análise dos dados referentes aos grupos de fatores linguísticos ... 84

3.1 Relação semântico-pragmática ... 84

3.1.1 Caracterização e hipóteses ... 84

3.1.2 Resultados e discussão ... 90

3.2 Níveis de articulação textual ... 91

3.2.1 Caracterização e hipóteses ... 91

3.2.2 Resultados e discussão ... 94

4. Grupo de fatores textual-estilístico ... 95

4.1 Gêneros textuais ... 96

4.1.1 Caracterização e hipóteses ... 96

4.1.2 Resultados e discussão ... 103

5. Grupos de fatores sociais ... 104

5.1 Idade/Escolaridade ... 104

5.1.1 Caracterização e hipóteses ... 104

5.1.3 Resultados e discussão ... 105

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 108

(12)

INTRODUÇÃO

Apoiando-me em dois referenciais teóricos, o do funcionalismo linguístico de vertente norte-americana e o da sociolinguística variacionista, tomo como objeto de estudo os conectores sequenciadores E e AÍ, que atuam na função gramatical de indicação de sequenciação retroativo-propulsora de informações. Analiso o uso variável desses conectores em textos escritos produzidos por alunos de duas escolas da rede pública da cidade de Natal-RN, que cursavam, à época da coleta de dados (o ano de 2012), duas séries distintas do ensino fundamental: o sexto e o nono ano. Os alunos que contribuíram para a realização desta pesquisa escreveram, como parte de suas atividades em sala de aula (cf. capítulo IV), textos de dois gêneros da esfera narrativa: narrativa de experiência pessoal (de caráter não ficcional) e conto (de caráter ficcional).

A sequenciação retroativo-propulsora de informações é uma função ou domínio gramatical ligada à coordenação entre partes do texto de proporções variadas. Mediante esse tipo de sequenciação, estabelecem-se, entre duas partes de um texto, relações coesivas tais que o que é dito ou escrito na primeira serve de base para o que é dito ou escrito na segunda, havendo, pois, entre as partes do texto assim interligadas, relações de continuidade e consonância. É o que o rótulo “sequenciação retroativo-propulsora” procura apreender: “[...] os movimentos simultâneos de retroagir – guiando a atenção para trás – e de propulsionar – guiando a atenção para a frente” (cf. TAVARES, 2003; p. 20).

(13)

da sequenciação retroativo-propulsora de informações, a adversão, a concessão, a causalidade, e todos os demais tipos de relações conjuntivas. No caso deste estudo, recortei, como objeto de análise, a função de sequenciação retroativo-propulsora de informações.

A sequenciação retroativo-propulsora de informações é realizada linguisticamente, no português brasileiro, especialmente por três conectores sequenciadores: E, AÍ e ENTÃO (cf. TAVARES, 2003). Nesta pesquisa, analiso apenas os conectores E e AÍ, devido à baixa recorrência do conector ENTÃO nos textos escritos pelos alunos participantes do estudo (cf. capítulo IV). Nesses textos, os conectores E e AÍ interligam desde informações conectadas localmente no formato de orações até períodos e parágrafos conectados mais globalmente, e exibem as seguintes relações semântico-pragmáticas:1

1. Sequenciação textual: ocorre a introdução de uma informação que se sucede à outra ao longo do tempo discursivo,2 e o conector salienta o encadeamento de um enunciado prévio a um posterior, como se verifica nos exemplos 3 a seguir:

(1) “[...] todo mundo tinha medo de entra nessa casa por que o povo dizinha que a quela casa era mau asonbrada e a velinha com o passar do tempo ela morreu e a casa ficol mais asonbrada as panelas patinhão sozinha o chuveiro ligava [...]” (41F62)

(2) “[...] nos fomos comer ai as menina tava querendo tomar refrigerante ai um colega

meu tava com 5 reais [...]” (49M91)

(14)

2. Sequenciação temporal: ocorre a introdução de eventos conforme sua ordem de ocorrência no tempo, e o conector salienta que o evento B aconteceu logo depois do evento A, o que é ilustrado pelos exemplos a seguir:

(3) “[...] chegamos na casa de praia e ela disse vamos no supermercado já vamos ela

compro tudo para o churrasco compro um bolo de chocolate e um citrus e eu fui la para frente de casa come o bolo e o citrus [...]” (1F61)

(4) “[...] um dia ele veu uma mulher pedido carona ai ele resolveu parar, ai a mulher sumiu e ele ficou muito assustado [...]” (70F62)

3. Consequência: ocorre a introdução de informações que representam consequência em relação a informações anteriormente mencionadas, o que é salientando pelo conector sequenciador, conforme se observa nos exemplos a seguir:

(5) “Outro dia a menina foi passia com o cachorro chegou um ladrão que queria robar a menina, mais o cachorro não deixou ele deu uma mordida na mãe do ladrão e o ladrão fugil [...]” (5F62)

(6) “[...] botaram uma tala de gesso na minha perna e eu fiquei com ela por uma semana mais a dor insistiu ai tive que fazer fisioterapia por duas semanas e agora estou bom [...]” (50M91)

Nas três relações semântico-pragmáticas descritas acima, o movimento de retroação e, ao mesmo tempo, de propulsão de informações característico da função de sequenciação retroativo-propulsora está presente. Conforme Tavares (2003, p. 28), essas relações semântico-pragmáticas podem ser percebidas, pelo ouvinte ou pelo leitor, através de indícios tais como:

(15)

É pela soma de todos esses indícios que o ouvinte ou leitor busca chegar ao tipo de relação semântico-pragmática que parece ter sido pretendido pelo falante ou escritor ao sequenciar informações em seu texto.

A seguir, apresento, em linhas gerais, o aporte teórico em que este estudo se fundamenta, para, na sequência, poder delimitar meu foco de análise, bem como as questões, objetivos e hipóteses de pesquisa.

O funcionalismo norte-americano caracteriza-se, segundo Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003, p. 29), “[...] por conceber a linguagem como um instrumento de interação social e [...] seu interesse de investigação linguística vai além da estrutura gramatical, buscando no contexto discursivo a motivação para os fatos da língua.” Entendendo a língua como fruto da interação comunicativa, a proposta da gramática emergente de Hopper (1987, 1998, 2001, 2004, 2008, 2011; TAVARES, 2012a) recebe destaque na teoria funcionalista. Segundo essa proposta, a gramática dos falantes, observada em seu uso real, emerge do discurso e se adapta às diferentes situações de uso. Considerar que a língua se adapta aos contextos onde seus usuários estão inseridos e que sofre pressões de ordem linguística e social é entender que ela muda e varia de situação para situação (cf. GIVÓN, 1995). As mudanças se dão de maneira discreta e, às vezes, de modo despercebido por parte dos usuários.

A constituição da gramática é compreendida, pela teoria funcionalista, como uma questão de gramaticalização. A gramaticalização é um processo de mudança segundo o qual itens linguísticos sofrem alteração no uso e rotinizam-se em novas funções de caráter gramatical, caso esses itens sejam provenientes do léxico, ou de caráter ainda mais gramatical, caso esses itens sejam provenientes da própria gramática (cf. HOPPER; TRAUGOTT, 1993). Nesse processo, uma forma linguística pode passar a exercer uma função gramatical que já é desempenhada por uma ou mais formas, passando a concorrer com elas na expressão dessa função. Hopper (1991) denomina “estratificação” essa coexistência de diferentes formas em um mesmo domínio funcional: segundo o autor, camadas mais recentes e camadas mais antigas de formas linguísticas acabam atuando em uma mesma função gramatical em decorrência do processo de gramaticalização.

(16)

ao âmbito da conexão entre partes do texto, a indicação de sequenciação propulsora de informações. No domínio funcional da sequenciação retroativo-propulsora, E e AÍ representam, pois, camadas distintas de realização linguística, sendo o E a mais antiga das camadas desse domínio no português brasileiro e o AÍ uma de suas camadas mais recentes (cf. capítulo I).

A sociolinguística variacionista observa a língua do ponto de vista de sua heterogeneidade, mostrando que o fenômeno de variação linguística é generalizado: pode ocorrer em qualquer um dos níveis da língua (fonológico, morfossintático, pragmático/discursivo) (cf. TAGLIAMONTE, 2012). Isso significa que os falantes ou escritores seguidamente precisam fazer uma seleção – consciente ou inconscientemente – entre dois ou mais sons, palavras ou construções disponíveis, em uma mesma comunidade de fala e em um mesmo período de tempo, para a expressão de um certo significado e/ou de uma certa função gramatical. As formas linguísticas que possuem um mesmo significado e/ou função são denominadas “formas variantes”, caracterizadas por manifestarem equivalência referencial e/ou funcional (cf. CHAMBERS; TRUDGIL, 1980; WOLFRAM, 1991; TAGLIAMONTE, 2006, 2012; WATT, 2007). Esse é o caso dos conectores sequenciadores E e AÍ, que possuem a mesma função gramatical, a indicação de sequenciação retroativo-propulsora, e que são, aqui, tomados como formas variantes. Um conjunto de formas variantes recebe o rótulo de “variável linguística” e constitui o objeto de estudo da sociolinguística variacionista.

A sociolinguística variacionista trouxe à tona o fato de que variação linguística é um fenômeno regular, e, portanto, pode ser sistematizado e investigado quantitativamente. Uma das principais tarefas da sociolinguística variacionista é descobrir e explicar padrões quantitativos de distribuição de formas variantes. É justamente a quantificação dos dados quanto a traços de seu contexto de uso que possibilita ao sociolinguista a observação de possíveis influências de natureza social, linguística e estilística sobre o emprego variável das formas que são alvo de sua investigação (cf. LABOV, 2008[1972]).

(17)

linguística’: em ambos os casos, trata-se de formas que desempenham a mesma função (cf. TAVARES, 2003, 2013a). Essa relação existente entre os fenômenos de estratificação e de variação também é levantada por Tagliamonte (2003), que afirma que a gramaticalização gera variabilidade na gramática no formato de velhas e novas camadas que desempenham uma mesma função.

O sociofuncionalismo nos permite tomar como objeto de análise “[...] diferentes camadas ou variantes que partilham e/ou disputam determinada função, realizando o controle de grupos de fatores linguísticos e sociais passíveis de influenciar a escolha de cada uma delas pelos falantes” (TAVARES, 2013b, p. 4). No caso deste estudo, investigo possíveis influências de natureza linguística, estilística e social sobre o emprego dos conectores sequenciadores E e AÍ em textos narrativos escritos por alunos de ensino fundamental através do controle dos seguintes grupos de fatores: (1) relações semântico-pragmáticas; (2) níveis de articulação; (3) gêneros textuais; (4) gênero; (5) nível de escolaridade; (6) idade.

Os fatores condicionadores linguísticos, sociais e estilísticos representam as armas que os conectores sequenciadores E e AÍ possuem em seu combate no domínio funcional da sequenciação retroativo-propulsora. Acredito que haja motivações de natureza linguística, estilística e social atuando subjacentes às escolhas – conscientes ou inconscientes – feitas pelos alunos participantes desta pesquisa no momento em que sequenciam as diferentes partes de seus textos narrativos. Neste estudo, considero duas motivações em especial: o princípio da persistência e o princípio da marcação estilística.

(18)

De acordo com o princípio da marcação estilística, formas linguísticas estilisticamente marcadas como informais em uma certa comunidade de fala tendem a ser frequentes em contextos caracterizados por maior informalidade, e pouco frequentes em contextos caracterizados por maior formalidade, ao passo que formas estilisticamente marcadas como formais na mesma comunidade de fala tendem a predominar em contextos de natureza mais formal, e serem pouco empregadas em contextos de natureza mais informal (cf. TAVARES, 2013d; LABOV, 2003). Além disso, formas que são tidas como informais pelos usuários da língua costumam ser mais recorrentes entre indivíduos de menor idade e/ou de menor escolaridade, e/ou de indivíduos de determinada classe social e/ou de determinado gênero (cf. LABOV, 2003).

Estudos anteriores apontam que o conector sequenciador AÍ é geralmente considerado uma forma típica de contextos informais, sejam de fala (cf. TAVARES, 2003; SOUZA, 2010), sejam de escrita (cf. ABREU, 1992; SANTOS, 2003; ANDRADE, 2011; TAVARES, 2013c). Para descobrir como os alunos participantes desta pesquisa avaliam os conectores E e AÍ quanto ao quesito (in)formalidade, organizei e apliquei junto a esses alunos um teste de atitude linguística em que eles puderam expor sua opinião sobre a adequação ou não do uso de cada um desses conectores em contextos de fala e de escrita mais e menos formais. Apresento, no capítulo IV, a descrição completa desse teste de atitude, que também foi aplicado aos dois professores de língua portuguesa das turmas que contribuíram para esta pesquisa.

Em síntese, o teste de atitude trouxe fortes evidências de que o AÍ é considerado, pelos alunos, um conector que não pertence à língua culta, podendo ser empregado, segundo eles, em situações informais, mas não em situação formais. Em contraste, o E parece ser tido, pelos alunos, como pertencente à língua culta, e, como eles não mencionaram questões de formalidade implicadas no uso desse conector, acredito que o considerem como uma forma não marcada estilisticamente, isto é, uma forma que pode aparecer em contextos mais ou menos formais sem chamar atenção especial (poderia se dizer, talvez, que se trate de uma forma estilisticamente neutra).

É interessante notar que a avaliação do conector AÍ como não pertencente à variedade culta da língua também aparece bem claramente em uma atividade proposta por um livro didático de língua portuguesa destinado ao nono ano do ensino fundamental: “Este uso do aí como encadeador de episódios na narrativa não é muito

(19)

norma urbana de prestígio” (TRAVAGLIA; ROCHA; ARRUDA-FERNANDES, 2009, p. 309). 4

Justifico a relevância desta pesquisa apontando, em primeiro lugar, a importância da realização de estudos sobre conectores sequenciadores. A fim de construir uma relação coesiva entre as informações sequenciadas no texto falado ou escrito, nas mais diferentes situações de interação, uma das principais estratégias a que pode recorrer o falante ou escritor é justamente fazer uso de um conector sequenciador. Essas formas linguísticas, ao interligar as informações e, assim, dar continuidade e significado ao que é dito ou escrito, contribuem sobremaneira para a coesão e a coerência textuais.

Os conectores sequenciadores E e AÍ são analisados, nesta pesquisa, como estratégias empregadas para o estabelecimento da coesão e da progressão de narrativas de experiência pessoal e de contos escritos por alunos de nível fundamental. A narrativa de experiência pessoal e o conto costumam ser bastante trabalhados nesse nível de ensino e, portanto, é fundamental que compreendamos como os conectores E e AÍ funcionam na indicação da sequenciação retroativo-propulsora de informações nesses gêneros textuais. Acredito que esta pesquisa traz importantes contribuições nesse sentido, pois identifico os contextos linguísticos, estilísticos e sociais que influenciam o emprego do E e do AÍ como conectores sequenciadores nos textos narrativos escritos pelos alunos participantes desta pesquisa, bem como levanto, nesses textos, problemas relativos ao emprego desses conectores. Lembro, ainda, que, neste estudo, os gêneros textuais não representam apenas o material do qual se extraem os dados, pois também foram controlados como possíveis condicionadores do uso variável dos conectores sequenciadores E e AÍ.

Também merece destaque o fato de que o corpus constituído para esta pesquisa é muito rico e variado, podendo vir a possibilitar estudos futuros de base quantitativa e/ou qualitativa a respeito não só de conectores (sejam coordenativos ou subordinativos), mas de diversos fenômenos gramaticais e lexicais presentes nos textos produzidos pelos alunos participantes desta pesquisa. Além disso, os testes de atitude realizados com esses alunos trazem informações às quais podem recorrer pesquisadores que tenham interesse, por exemplo, em contrastar avaliações sobre o uso dos conectores

4 Os autores do livro didático definem “variedade urbana de prestígio” da seguinte forma: “[...] a variedade utilizada pelos grupos sociais de maior prestígio social (político, econômico e cultural)”

(20)

sequenciadores E e AÍ feitas por falantes e escritores do português brasileiro de diferentes regiões.

No âmbito nacional, vários pesquisadores já envidaram esforços no sentido de analisar o emprego dos conectores sequenciadores em diferentes contextos de uso, de fala e de escrita, o que deixa saltar à vista que a investigação desses conectores é um terreno de grande fertilidade para a realização de novos estudos nas regiões brasileiras onde o tema foi pouco contemplado. Esse é o caso do Rio Grande do Norte, em que já há trabalhos feitos a respeito de conectores sequenciadores, como o de Tavares (2007) com textos orais e escritos de diferentes gêneros produzidos por informantes do Corpus Discurso & Gramática (cf.FURTADO DA CUNHA, 1998), o de Andrade (2011) com textos argumentativos escritos produzidos por vestibulandos, e Souza (2010), com conversações cotidianas. Todavia, ainda não foram feitos trabalhos versando os conectores em questão em textos narrativos produzidos por alunos de ensino fundamental, o que torna esta pesquisa inédita em termos do corpus utilizado, o que soma a seu ineditismo quanto à mobilização e combinação de dois princípios, o princípio da persistência e o princípio da marcação estilística, na explicação dos resultados obtidos.

A partir das considerações feitas até aqui, a seguir apresento as questões sobre as quais me debrucei, bem como as hipóteses, os objetivos gerais e os objetivos específicos desta pesquisa e, logo após, listo as hipóteses.

Questões:

 O uso variável dos conectores sequenciadores E e AÍ em textos narrativos escritos por alunos do ensino fundamental sofrem influências de grupos de fatores de natureza linguística, estilística e social?

 Os princípios de persistência e de marcação estilística estão subjacentes ao uso variável dos conectores E e AÍ?

Objetivo geral

(21)

pesquisadores que, por ventura, venham a realizar estudos sobre o mesmo fenômeno.

Objetivos específicos

 Averiguar os grupos de fatores linguísticos, estilísticos e sociais que exercem influência sobre o uso variável dos conectores sequenciadores E e AÍ em textos narrativos escritos por alunos do ensino fundamental;

 Avaliar o papel do princípio da persistência e do princípio da marcação estilística no uso variável dos conectores sequenciadores E e AÍ em textos narrativos escritos por alunos do ensino fundamental;

Hipóteses

 Os conectores sequenciadores E e AÍ sofrerão influências dos seguintes grupos de fatores de natureza linguística e textual-estilística: relações semântico-pragmáticas, níveis de articulação e gêneros textuais, e dos seguinte grupos de fatores sociais: gênero, idade e nível de escolaridade. 5

 O princípio da persistência pode explicar os condicionamentos exercidos pelos grupos de fatores relações semântico-pragmáticas e níveis de articulação, e o princípio da marcação estilística pode explicar os condicionamentos exercidos pelo grupo de fator gêneros textuais, bem como pode explicar os condicionamentos exercidos pelos grupos de fatores gênero, idade e nível de escolaridade.

A seguir, no capítulo I, sintetizo, na primeira seção, com base em Tavares (2003), os percursos de gramaticalização possivelmente percorridos por E e por AÍ de empregos adverbiais a seu emprego como conectores sequenciadores. Na segunda e na terceira seções, destaco, respectivamente, dois estudos, um deles feito por Santos (2003) e o outro por Tavares (2007), em que são averiguadas ocorrências do E e do AÍ como conectores em textos escritos de diferentes gêneros textuais.

No capítulo II, encontra-se o referencial teórico desta pesquisa, em que lanço o foco, inicialmente, para os conceitos do funcionalismo norte-americano e da

(22)

sociolinguística variacionista mais relevantes para a análise feita aqui. Na sequência, delineio considerações sobre algumas implicações teórico-metodológicas derivadas da adoção de uma perspectiva sociofuncionalista de investigação, como a que guia este trabalho.

No capítulo III, consta a caracterização dos dois gêneros textuais em que se enquadram os textos dos quais extraí os dados: a narrativa de experiência pessoal e o conto. Nesse capítulo, dou ênfase às definições e às propriedades de cada um desses gêneros que foram trabalhadas por mim junto aos alunos participantes desta pesquisa, antes de eles escreverem seus textos.

No capítulo IV, reservado aos procedimentos metodológicos, inicialmente descrevo o corpus do qual extraí os dados: textos de dois gêneros textuais da esfera narrativa, produzidos por alunos de diferentes características sociais. Depois, listo os procedimentos que segui para a obtenção dos textos junto a esses alunos. Por fim, discorro sobre os procedimentos que utilizei para a análise dos dados.

(23)

CAPÍTULO I – ESTADO DA ARTE

Neste capítulo, abordo conceitos e propostas fundamentais para o estudo dos conectores E e AÍ, muitos dos quais são, posteriormente, relacionados aos dados obtidos (cf. capítulo V). Lanço, inicialmente, o olhar sobre o fenômeno de gramaticalização, processo de mudança responsável pela passagem do E e do AÍ de usos adverbiais a usos como conectores sequenciadores. A esse respeito, na primeira seção, delineio, com base em Tavares (2003), os percursos de gramaticalização possivelmente percorridos pelas formas sob enfoque em sua trajetória rumo à sequenciação retroativo-propulsora de informações.

Na segunda e na terceira seções, apresento os resultados de duas pesquisas, a de Santos (2003) e a de Tavares (2007), as quais, em sua análise sobre o uso do E e do AÍ como conectores, levaram em conta a questão do gênero textual. Tais pesquisas constituem-se, portanto, em referências fundamentais para este estudo.

De antemão, já aponto que Santos (2003) abordou os conectores E e AÍ do ponto de vista de seu papel na tessitura textual em termos das macrofunções e das subfunções por eles assumidas no âmbito interfrástico em romances infantis e juvenis. Por sua vez, Tavares (2007) tomou em conjunto os âmbitos intrafrástico e interfrástico, averiguando diferentes categorias que se correlacionam ao emprego do E e do AÍ como conectores em diferentes gêneros textuais orais e escritos, e relacionando tais categorias ao princípio da marcação (cf. GIVÓN, 1995).

1. Gramaticalização: o caso do E e do AÍ

As formas E e AÍ tornaram-se conectores por meio do processo de gramaticalização. Através desse processo, uma palavra ou construção recorrentemente empregada em situações comunicativas particulares pode vir a obter, com o passar do tempo, estatuto de forma gramatical, ou uma palavra ou construção já pertencente ao conjunto de itens gramaticais pode vir a adquirir um novo papel gramatical (cf. HOPPER; TRAUGOTT, 1993).

(24)

quais sejam: a) desenvolvimento unidirecional no âmbito semântico, indo de significados ligados a um plano mais concreto/lexical a significados ligados a um plano mais abstrato/gramatical; (b) incorporação de características morfossintáticas comuns à categoria gramatical para a qual a forma está se dirigindo, com a concomitante perda de características de seu emprego fonte (cf. TABOR; TRAUGOTT, 1998; BRINTON; TRAUGOTT, 2005; TRAUGOTT; DASHER, 2005; ROSSARI; RICCI; SPIRIDON, 2009).

Comecemos pelo processo de gramaticalização do E. Segundo Ernout e Meillet, (1951 apud BARRETO, 1999), o conector E provêm do conector latino et, derivado do advérbio do latim arcaico et/eti, que significava ‘também’. Por sua vez, o advérbio

et/eti era provavelmente oriundo do advérbio ~eti, ‘além de’, do protoindo-europeu. Posteriormente, em uma possível gramaticalização sofrida a partir de seu uso com o significado de também’, et passou a ser usado na indicação de cópula, isto é, na indicação de uma junção entre construções linguísticas, tornando-se, desse modo, um conector.

Nesse papel, et conectava de palavras a segmentos do texto de proporções variadas, e teve as suas possibilidades de uso cada vez mais aumentadas, transformando-se em um conector sequenciador que podia ser utilizado para codificar diferentes relações semântico-pragmáticas, entre as quais destacavam-se a sequenciação textual (tradicionalmente denominada “adição”), a sequenciação temporal e a consequência. Vejamos alguns exemplos, extraídos de Tavares (2003, p. 142):

(1) Quid uero? Nuper cum morte superioris uxoris nouis nuptiis domum uacuefecisses, nonne etiam alio incredibili scelere hoc scelus cumulauisti? Quod ego praetermitto et facile sileri, ne ih hac ciuitate tanti facinoris immanitas aut exstitisse aut non uindicata esse uideatur? (Cic. Cat. I, 6, 14)

[O que na verdade? Recentemente, quando esvaziaste tua casa com a morte da última esposa para novas núpcias, por acaso não aumentaste ainda este crime com outro crime mais terrível? Eu não menciono aquilo e suporto que seja silenciado facilmente, para que a imensidão de tão grande atentado não pareça ter existido nesta cidade ou que não foi vingado.]

(2) Usque in hanc horam et esurinus, et sitimus, et nudi summus, et colaphias cædimur,

(25)

[Até esta hora padecemos até fome e sêde, e desnudez, e somos esbofeteados, e não temos morada segura, e trabalhamos obrando por nossas próprias mãos.]

(3) Teque adeo decus hoc aeui, te consule, inibit, / Pollio, et incipient magni procedere mensis, / te duce. Si qua manent sceleris uestigia nostri,/ inrita perpetua soluent formidine terras. (L. Publius Vergilius Maro: Bucólica IV)

[Esta glória da era surgirá, sendo tu o cônsul, / e, sendo tu o comandante, Pólio, começarão a correr os meses. / Se alguns vestígios de nosso crime permanecem, / anulados livrarão as terras de um medo perpétuo.]

(4) Tu credis quoniam unus est Deus: Bene facis: et daemones credunt, et contremiscunt. (A. P., Tiag. II. 19)6

[Tu crês que ha um só Deus: Fazes bem: mas tambem os demônios o crem e estremecem.]

Os exemplos (1) e (2) nos trazem ocorrências de sequenciação textual, em que et salienta o encadeamento de porções discursivas relacionadas a um mesmo tópico; em (3), temos sequenciação temporal: a informação introduzida por et sucede-se temporalmente em relação à informação já dada; e, em (4), temos consequência: os demônios acreditam que existe um só deus e por essa razão estremecem.

Provindo do et latino, o E já surgiu no português como conector. Explica-nos Tavares (2003, p. 24) que as “fontes do uso sequenciador do E parecem vincular-se ao

longo do tempo a papéis relativos à soma entre informações (além de, também, junção de elementos)”. A autora propõe, com base em dados do latim, que, como et parece ter estado por muito tempo vinculado a significados ligados à soma de informações, deve ter tido como seu primeiro uso no âmbito da sequenciação retroativo-propulsora a indicação de sequenciação textual, a qual manifesta, à semelhança dos usos adverbiais de et, a característica de adicionar uma parte do texto à outra (seja no âmbito intrafrástico, seja no interfrástico). A esse emprego conectivo, posteriormente somaram-se outros, como a somaram-sequenciação temporal e a consomaram-sequência.

Em contraste com a migração de et de advérbio para conector, sua expansão para a expressão de diferentes relações semântico-pragmáticas não implica mudança de

(26)

categoria gramatical, posto que não acontece a passagem de uma categoria gramatical para outra, e sim uma ampliação funcional: uma vez que, a partir de seus usos adverbiais, et começou a ser empregado na indicação de uma relação semântico-pragmática – no caso, possivelmente a sequenciação textual – ele se tornou, por pressão dos contextos de uso, apto a indicar também outras relações semântico-pragmáticas ligadas à sequenciação retroativo-propulsora de informações, caso da sequenciação temporal e da consequência.

Que tipo de contextos de uso poderiam ter pressionado a ocorrência desse processo de ampliação funcional do conector et? Consoante Tavares (op. cit.), certas nuanças semântico-pragmáticas possivelmente estavam presentes como inferências em alguns contextos de uso do et na indicação de sequenciação textual. Graças a repetição de ocorrências do et nesse tipo de contexto, tais padrões inferenciais devem ter se rotinizado, tornando-se incorporados ao conjunto de relações semântico-pragmáticas passíveis de serem expressas por esse conector, as quais foram herdadas pelo conector E no português.

No que se refere à relação de sequenciação temporal, segundo Tavares (op. cit.), em certos casos os falantes devem ter organizado textualmente as informações conectadas pelo et de forma que essas informações parecessem seguir uma ordenação cronológica. Em contextos desse tipo, o et pode ter sido relacionado à sequenciação temporal, e, assim, teria se dado o começo de seu emprego na indicação dessa relação semântico-pragmática.

Quanto à consequência, o conector et pode ter começado a ser empregado como marca linguística dessa relação em contextos de uso em que, além de haver a conexão de dois eventos de acordo com a sua ordenação temporal, provavelmente havia também a inferência de que esses eventos estavam relacionados não apenas temporalmente, mas também como causa e consequência. Contextos desse tipo seriam capazes de pressionar o processo de enraização do uso de et na indicação de consequência (cf. TAVARES, op.

cit.).

Por sua vez, AÍ é oriundo do advérbio latino ibi e podia significar ‘nesse lugar’, ‘nesse momento’ ou ‘nesse assunto’.7

Explica-nos Tavares (op. cit.) que AÍ parece ter desembocado na sequenciação retroativo-propulsora seguindo um percurso universal

(27)

tipicamente envolvido na emergência de conectores: espaço > tempo > texto, conforme proposta de Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991). O significado espacial é mais básico e concreto que o significado temporal, que, por sua vez, é mais básico e concreto que as relações textuais. É comum que os itens que possuem valor de espaço externo assumam um valor temporal, chegando, por fim, a serem empregados como organizadores de espaço textual.

Tavares (2003), com base em dados orais e escritos do português do século XIII ao XX, propõe o seguinte percurso que teria sido seguido por AÍ em seu processo de gramaticalização como conector: dêixis locativa (apontamento para o mundo) > anáfora locativa (apontamento para um lugar mencionado anteriormente, criando-se uma relação de correferência) > anáfora temporal (apontamento para um período de tempo mencionado anteriormente, criando-se uma relação de correferência) > sequenciação retroativo-propulsora (apontamento para a informação prévia e para a informação subsequente, criando-se um laço coesivo que leva o interlocutor a buscar por inter-relações entre essas informações).

A título de ilustração, vejamos os exemplos a seguir, extraídos de Tavares (op.

cit., p. 154-155) e pertencentes ao Banco de Dados Variação Linguística na Região Sul

do Brasil (VARSUL/Florianópolis):

(5) Daí no outro dia, no aniversário, já ligaram toda a minha família: “Ah, eu vou aí dar

um abraço na- na tua irmã, tá R.? (FLP04C)

(6) Sempre faz aquelas coisas que não pode. A gente se pendu- não era pendurar, também, né? Nós gostávamos de abrir o armário porque ele era muito grande e era muito alto. Então a gente se pendurava aí e ficava assim. (FLP01:770)

(7) Quando eu tinha doze anos, ela apareceu de novo. Aí eu já estava adulta. (est) Aí eu já estava bem grande, né? (FLP03)

(8) Eu disse: “Claro que não, é pra lá, garota! Vamos esperar o tio.” ela disse: “Mas

(28)

Em (5), temos um AÍ dêitico locativo. Em (6), temos um AÍ anafórico locativo. Em (7), temos um AÍ anafórico temporal. E em (8), temos um AÍ conector sequenciador.

Como o processo de passagem do AÍ de cada função precedente para a função subsequente pode ter ocorrido? Segundo Tavares (op. cit.), no caso do uso dêitico locativo, o apontamento para um lugar relacionado ao contexto em que se dá a interação comunicativa tem natureza bastante concreta devido à ligação estabelecida entre o texto e o mundo exterior a ele. Na migração do AÍ dessa função dêitica para a função de indicação anafórica locativa, a organização espacial do mundo concreto transfere-se para a organização do mundo mais abstrato do texto, passando a haver a interligação de dois elementos mencionados no texto, os quais possuem o mesmo referente (um caso de correferência, portanto).

Já o ganho da função de indicação anafórica temporal é uma etapa ainda mais gramatical do percurso de gramaticalização seguido pelo AÍ, em que uma noção mais abstrata, o tempo, é compreendida em termos de uma noção mais concreta, ligada à experiência física com o mundo, qual seja, a noção de espaço, ambas manifestadas no plano anafórico. Finalmente, a função de indicação de sequenciação retroativo-propulsora de informações representa, para o AÍ, a aquisição de um papel altamente gramatical, vinculado à interligação de informações dentro de um texto. Nesse processo, a relação espacial e/ou temporal que ligava o AÍ a um elemento antecedente cede lugar à relação de sequencialidade temporal existente entre dois eventos. (cf. TAVARES, op.

cit.)

A sequenciação temporal manifesta-se em trechos do texto em que são encadeados eventos no plano da cronologia temporal. Do emprego do AÍ na indicação de sequenciação temporal, provavelmente teve origem seu emprego na indicação de consequência, relação semântico-pragmática pela qual o falante ou o escritor apresenta, num plano de maior complexidade e abstração, causas que levam a consequências, envolvendo ou não sucessão temporal. Por fim, devido à pressão dos contextos de uso de sequenciação temporal ou de consequência ou ainda de ambos, AÍ passa a ser empregado em contextos de sequenciação textual,

(29)

Os exemplos a seguir, extraídos de Tavares (op. cit.), ilustram a utilização do AÍ como conector sequenciador na indicação de sequenciação temporal (em (9)), na indicação de consequência (em (10)) e na indicação de sequenciação textual (em (11)):

(9) E debaixo daquele aço sai um tubo desses de encanamento de água, aqueles tubos grandes, vão todos- Aí eles se metem dentro, aí estoura tudo, aí vem a máquina, vai tirando aquelas pedras menores, né? ficam mais ou menos assim, põe dentro do britador,

aí eles vão pra outra barreira de pedra que tem. (FLP09J)

(10) A minha vódrasta, aquela tansa, antes ela ia fazer o arroz, ela pegava e mexia, aí ficava aquela papa. (FLP11J)

(11) É, ali tinha o Rox, Cine Rox, e tinha o Cine Ritz também. Mas só o Cine Ritz também. (inint) hoje, né? existia naquela época também. Aí o Cine Ritz só ti- tinha cinema pra criança, mas era só durante a tarde, e à noite não podia ir, né? (FLP18)

Martelotta (1994), com base em dados sincrônicos e diacrônicos, também propôs percursos de gramaticalização para o AÍ. Consoante o autor, o AÍ, em seu processo de gramaticalização, passou por uma trajetória de mudança que teve como ponto de partida o uso como dêitico espacial, do qual se seguiram os usos como anafórico espacial e anafórico temporal. O uso como anafórico temporal, por sua vez, foi a fonte do uso sequencial de base temporal (que corresponde ao que denomino “sequenciação temporal”). O uso sequencial de base temporal deixou emergir o uso conclusivo (que também pode abarcar a relação de consequência) e o uso introdutor de informações livres (que corresponde ao que denomino “sequenciação textual”).

2. Os conectores interfrásticos E e AÍ na literatura infanto-juvenil

(30)

macrofunções:8 (i) Organização tópica, com as subfunções de Ruptura e Retomada; (ii) Progressão narrativa, com as subfunções de Mudança de condução da narrativa, Adição, Progressão temporal, Causa/efeito, Conclusão/finalização e Ênfase (polissíndeto); (iii) Interação (entre personagens ou entre narrador e leitor), com as subfunções de Interpelação, Ênfase e Contestação; (iv) Contrajunção, com as subfunções de Quebra de expectativa, Retificação e Ressalva.

Santos (op. cit.) afirma que o conector E costuma ser o mais recorrente dos conectores, independentemente do tipo de amostra utilizada, seja de fala ou de escrita. Como trabalhos que atestam essa informação, são citados pela autora: Guimarães e Filipouski (1988), Kato (1990), Abreu (1992), Rojo (1996) e Monnerat (1998). Para Kato (1990 apud Santos, 2003, p. 40), o E é um “arquiconectivo” e as crianças aprendem a utilizá-lo bastante precocemente para garantir a coesão textual. Rojo (1996

apud Santos, 2003) alerta para a marca de oralidade que pode ser percebida no uso

recorrente dos conectores – a exemplo do E e do AÍ – em textos escritos.

Ao analisar dados do E extraídos de dez romances infantis e juvenis, Santos (op.

cit.) observou que esse conector facilmente assume a macrofunção de Progressão

narrativa, macrofunção em que mais se repete. Nessa macrofunção, Santos encontrou o E desempenhando as subfunções de Adição (314 dados), Progressão temporal (159 dados), Causa/efeito (18 dados), Conclusão/finalização (27 dados) e Ênfase (76 dados). Na subfunção de Adição, o E auxilia na progressão narrativa, realizando uma espécie de adição na tessitura textual, entre orações ou parágrafos, estendendo o texto e ordenando os eventos. Na subfunção de Progressão temporal, o E carrega uma marca temporal, possibilitando a ordenação da sequência cronológica dos fatos narrados. Na subfunção de Causa/efeito, o E estabelece uma relação de consequência relativamente a uma causa anteriormente dada. Na subfunção de Ênfase/polissíndeto, o E gera uma espécie de fluidez no texto, dando movimento, ritmo, continuidade aos fatos. Na subfunção de Conclusão, o E é recorrente em trechos tipicamente argumentativos dos romances infantis e juvenis, em que o argumento precedente está relacionado com a conclusão; já o efeito de finalizador de passagens do texto se dá com mais frequência em trechos descritivos e narrativos.

(31)

Santos (op. cit.) encontrou também o emprego do conector E na macrofunção de Organização tópica, seja em casos de Ruptura (5 dados) ou Retomada (4 dados). O E pode interligar dois segmentos tópicos, que pertencem a um mesmo assunto (subfunção de Adição), mas também pode introduzir um novo tópico que represente uma quebra em relação ao eixo temático que vinha sendo desenvolvido na narrativa (subfunção de Ruptura). Além disso, no desenrolar da narrativa, o escritor pode interromper o assunto e começar a discorrer sobre outro tema significativo, e, logo após, retomar o assunto interrompido previamente, marcando essa retomada através do conector E (subfunção de Retomada).

Outra macrofunção que o conector E assume nos romances infantis e juvenis analisados por Santos (op. cit.) é a de Contrajunção, na subfunção de Quebra de expectativa (14 dados), similar à função do conector MAS. Por fim, o E também exerce a macrofunção de Interação, tipicamente em diálogos ou em narrativas de primeira pessoa, deixando emergir uma intenção fática de interação entre os personagens que dialogam entre si ou entre o narrador e o leitor. Relativamente a essa macrofunção, o E aparece com as seguintes subfunções: Interpelação (114 dados, a exemplo de “E você, como é que se chama?”), Ênfase (12 dados, a exemplo de “E como!”) e Contestação (56 dados, a exemplo de “E como é que a gente vai dar uma lavagem intestinal nesse bicho tão grande?”).9

Quanto ao AÍ, nos romances infantis e juvenis analisados por Santos (op. cit.), foram encontradas ocorrências desse conector apenas na macrofunção de Progressão narrativa, nas subfunções de Progressão temporal (65 dados), Causa/efeito (12 dados) e Conclusão/Finalização (1 dado). Face a esses resultados, Santos conclui que o AÍ exerce, em sua amostra de dados, a macrofunção de Progressão narrativa, encadeando uma a outra diferentes partes do texto. A autora acredita que, devido a sua natureza adverbial prévia, esse conector ainda traz em si uma marca de temporalidade, sequenciando os eventos narrados. Por isso, é bastante recorrente na subfunção de Progressão temporal. O estabelecimento de uma relação de causa/efeito entre segmentos do texto também é uma subfunção desempenhada pelo AÍ na amostra de dados de Santos, havendo, ainda, uma ocorrência do AÍ na subfunção de Finalização, em que esse conector assume um valor de finalizador da tessitura textual.

(32)

3. Conectores E e AÍ na fala e na escrita: foco no princípio da marcação

Tavares (2007) analisou 846 dados de conectores sequenciadores de uma amostra composta por 64 textos pertencente ao Corpus Discurso & Gramática – a língua falada e escrita na cidade do Natal (cf. FURTADO DA CUNHA, 1998). Esses textos foram produzidos por oito indivíduos natalenses, quatro de 9 a 11 anos da 4ª série do ensino fundamental e quatro de 18 a 20 anos do 3.º ano do ensino médio. Cada um desses indivíduos produziu quatro textos orais e quatro textos escritos correspondentes, dos seguintes gêneros textuais: narrativa de experiência pessoal, relato de procedimento, descrição de local e relato de opinião.

Explica Tavares (op. cit.) que, como E e AÍ conectores são utilizados em uma mesma função, a indicação de sequenciação retroativo-propulsora de informações, caracterizam-se como um caso de formas em sobreposição funcional. Nas palavras da autora, “formas em sobreposição funcional estão sujeitas ao princípio da marcação, pois, mesmo desempenhando uma mesma função, tendem a manifestar diferentes graus de complexidade” (TAVARES, op. cit., p. 88).

Givón (1995) apresenta três critérios para a identificação de formas marcadas: (a) complexidade estrutural: a forma marcada tende a ser mais complexa (em termos de extensão e/ou número de morfemas) que a não marcada; (b) distribuição de frequência: a forma marcada tende a ser menos frequente que a não marcada, o que lhe gera maior saliência cognitiva; (c) complexidade cognitiva: a forma marcada tende a ser cognitivamente mais complexa, o que aumenta a necessidade de atenção, o esforço mental e o tempo de processamento.

O emprego desses critérios por Tavares (2007) para o caso dos conectores sequenciadores E e AÍ encontrados em sua amostra de dados resultou na constatação de que o E é o conector menos marcado e mais recorrente tanto na escrita como na fala (havia 502 dados na totalidade da amostra, 393 na fala e 109 na escrita). Quanto ao AÍ, esse conector é mais marcado, por ter maior extensão e menor frequência de uso (havia 223 dados na totalidade da amostra, 221 na fala e 2 na escrita).

(33)

contextos menos complexos, em contraste com o AÍ, mais marcado, que seria empregado em contextos mais complexos. Frente a essa hipótese, destaco os resultados obtidos por Tavares para três categorias: (i) relações semântico-pragmáticas existentes entre as partes do texto interligadas por E e por AÍ (sequenciação textual, sequenciação temporal e consequência); (ii) níveis de articulação (segmento oracional, segmento tópico); (iii) gênero textual (narrativa de experiência pessoal, relato de procedimento, descrição de local e relato de opinião). Essas categorias foram relacionadas a graus distintos de complexidade.

No que diz respeito às relações semântico-pragmáticas, Tavares (op. cit.) considera a sequenciação textual a relação menos complexa, pois diz respeito apenas à ordenação pela qual as informações interligadas ocorrem ao longo do tempo discursivo. Já a sequenciação temporal é considerada mais complexa que a textual, pois, além da ordenação discursiva, o leitor/escritor precisa compreender a ordenação temporal impingida pelo falante/escritor entre as informações interligadas. Por fim, a relação de consequência é considerada a mais complexa dentre as três relações, uma vez que exige do leitor/escritor um processo cognitivo mais complexo, ligado a um viés argumentativo.10

Segundo a hipótese inicialmente feita, o E, por ser o conector menos marcado, tenderia a ser preferencialmente usado na indicação de sequenciação textual. Os resultados da pesquisa atestaram essa hipótese, pois 67% das ocorrências desse conector estavam ligadas à sequenciação textual, e apenas 24% à sequenciação temporal e 9% à consequência. Em contraste, o AÍ, conector mais marcado que o E, foi mais recorrente na indicação de sequenciação temporal (42% dos dados), seguindo-se a sequenciação textual (34% dos dados) e a consequência (22% dos dados).

Relativamente aos níveis de articulação, foram examinados dois níveis: segmento tópico – o conector tem a função de interligar dois segmentos tópicos, que fazem parte de um mesmo tópico/assunto; segmento oracional – o conector tem a função de interligar duas orações que mantêm entre si fortes elos de integração. Avaliado quanto à complexidade, o nível dos segmentos oracionais foi caracterizado como menos complexo, pois envolve uma maior continuidade dos subcomponentes

10Lopes (2012) também considera a adição (aqui denominada “sequenciação textual”) como a menos

(34)

implicados na coerência textual: referencialidade, localização, temporalidade, aspectualidade, modalidade/modo e ação/evento.11 Trata-se, pois, de um tipo de segmento menos complexo porque não ocorrem nele muitas rupturas entre as informações conectadas. Por sua vez, o nível dos segmentos tópico exige um processamento mais complexo, posto que há maior descontinuidade entre as informações interligadas, considerando-se os subcomponentes da coerência textual. Os resultados obtidos confirmaram a hipótese de que o E, por ser menos marcado, seria mais frequente no nível dos segmentos oracionais (em que o E teve 32% de suas ocorrências e o AÍ apenas 5%). Todavia, ambos os conectores foram mais frequentes no nível dos segmentos tópicos (em que o E teve 68% de suas ocorrências e o AÍ, 95%).

Quanto aos gêneros textuais, os quatro gêneros analisados – narrativa de experiência pessoal, relato de procedimento, descrição de local e relato de opinião – foram avaliados em termos de complexidade quanto aos seguintes critérios: (i) tempo e aspecto verbal mais frequentes; (ii) natureza do tipo de informação mais recorrente. Quanto a esses critérios, os gêneros textuais foram assim caracterizados:

 Narrativa de experiência pessoal: o gênero textual menos complexo dentre os quatro gêneros analisados, por haver nele a sequenciação temporal de eventos passados, temporalmente delimitados, com predomínio de verbos no pretérito perfeito e no aspecto perfectivo, compacto e completo. Segundo Givón (1993), esses são o tempo e o aspecto verbal menos complexos porque costumam ser os mais frequentes na comunicação humana em geral, e, devido a suas características de completude e de delimitação mais precisa, demandam menos trabalho cognitivo tanto para o processamento quanto para a percepção.

 Relato de opinião: apresenta as opiniões do falante ou escritor a respeito de fatos ou ideias, com predomínio de verbos no presente, não sequenciais e ancorados na situação de produção do texto, e no aspecto imperfectivo, de maior duração e incompletude. De acordo com Givón (op. cit.), esse tempo e esse aspecto estão entre os mais complexos na comunicação humana em geral. Assim, Tavares (2007, p. 94) defende que o relato de opinião é o gênero textual mais complexo dentre os que leva em conta em seu estudo, uma vez que esse gênero se define pela

(35)

“exposição de pontos de vista, o que é relativamente complexo em nível de processamento e percepção, bem como envolve o uso de tempo e de aspecto complexos”.

 Relato de procedimentos: ênfase na sequenciação temporal das etapas de um processo, geralmente com predomínio de verbos no presente e no aspecto imperfectivo. Apesar de o relato de procedimentos se aproximar da narrativa de experiência pessoal devido ao traço de sequenciação temporal, de natureza mais concreta e, assim, mais simples em termos de processamento cognitivo, os verbos mais recorrentes nesse gênero são de natureza complexa, o que faz com ele possa ser tido como mais complexo que a narrativa de experiência pessoal.

 Descrição de local: trata-se de um gênero textual também mais complexo que a narrativa de experiência pessoal, já que envolve “a exposição das características de um elemento, feita comumente no pretérito imperfeito ou no presente, tempos verbais complexos” (TAVARES, op. cit., p. 95).

A hipótese de que o conector E, por ser o conector menos marcado, seria mais frequente na narrativa de experiência pessoal, não foi confirmada pelos resultados, que revelaram que ambos os conectores possuem maior taxa de uso nesse gênero textual, com 51% das ocorrências do AÍ e 41% das ocorrências do E. Ambos os conectores também se destacam no relato de procedimento, com 35% das ocorrências do AÍ e 23% das ocorrências do E. Esses resultados levaram Tavares (op. cit.) a concluir que os gêneros textuais em que o E e o AÍ são mais recorrentes são aqueles marcados pela sequenciação temporal de eventos ou de etapas de um processo.12

Enfim, neste capítulo, após abordar os processos de gramaticalização percorridos pelos conectores sequenciadores E e AÍ, sintetizei estudos que tomaram tais conectores como objeto de análise, estudos esses que se constituem em importantes referência para esta pesquisa. No próximo capítulo, terá lugar a apresentação dos preceitos teórico-metodológicos por mim adotados.

(36)

CAPÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A presente pesquisa é desenvolvida à luz de uma perspectiva teórica que se constitui através da busca de articulação entre pressupostos teórico-metodológicos provenientes de duas teorias: o funcionalismo norte-americano e a sociolinguística variacionista.

Na primeira seção, apresento a teoria funcionalista, destacando sua abordagem ao processo de gramaticalização. Na segunda seção, dou espaço à sociolinguística variacionista, referente à qual focalizo, em especial, a questão da heterogeneidade e da mudança linguística. Por fim, na terceira seção, caracterizo o sociofuncionalismo, levantando pontos de contato entre o funcionalismo e a sociolinguística, e delineando os procedimentos de análise comumente adotados por pesquisadores que trabalham nessa perspectiva teórica.

1. Funcionalismo norte-americano

1.1 Gramática emergente

O funcionalismo norte-americano tem como objeto de estudo as línguas em situação real de comunicação, recebendo, portanto, papel central a função do item linguístico observado, cuja forma será descrita em relação a suas propriedades funcionais – fonético-fonológicas, morfossintáticas, semântico-pragmáticas. Nessa perspectiva teórica, defende-se que a estrutura é motivada pelo uso, pelas intenções e pelas necessidades comunicativas dos usuários da língua. Sobre o funcionalismo, explica-nos Furtado da Cunha (2009, p. 157) que o seu “[...] interesse de investigação linguística vai além da estrutura gramatical, buscando na situação comunicativa – que envolve os interlocutores, seus propósitos e o contexto discursivo – a motivação para os fatos da língua”.

Similarmente, Martelotta e Areas (2003, p. 20) assim definem o funcionalismo:

(37)

autônomo, mas como uma estrutura maleável, sujeita a pressões oriundas das diferentes situações comunicativas, que ajudam a determinar sua estrutura gramatical.

De acordo com a teoria funcionalista, a língua é concebida como heterogênea e susceptível às mudanças, pois o sistema linguístico sofre pressões tanto linguísticas quanto cognitivo-comunicativas; essas pressões determinam a forma e a função, eclodindo nas variações linguísticas, característica inerente às línguas (cf. GIVÓN, 1995). A gramática é definida como um sistema elástico, mutável, destacando-se os sujeitos e suas intenções de fala/escrita, bem como o contexto de uso: a gramática é entendida “[...] como um organismo maleável, que se adapta às necessidades comunicativas e cognitivas dos falantes [...]” (FURTADO DA CUNHA, 2009, p. 164).

Na ótica funcionalista, a gramática tende a ser vista, pois, como emergente. Günther (2011) salienta que a proposta de gramática emergente apresentada por Paul Hopper (1987, 1998, 2001, 2004, 2008, 2011) tem exercido, com o passar do tempo, grande influência em diferentes vertentes de pesquisa, como a linguística funcional, a linguística interacional e a linguística cognitiva, além de receber lugar de destaque em investigações sobre o fenômeno de gramaticalização realizadas na perspectiva funcionalista.

A respeito de sua proposta, esclarece-nos Hopper (1998, p. 156) que a “[...] noção de gramática emergente pretende sugerir que a estrutura, ou regularidade, vem do discurso e é moldada pelo discurso em um processo contínuo” (HOPPER, 1998, p. 156). Hopper (1987) adotou, em referência à gramática, o termo “emergente” empregado pelo historiador James Clifford, para quem a cultura é temporal, emergente e disputada (cf. CLIFFORD, 1986). Entendendo que, para Hopper, o termo “discurso” diz respeito a todo ato interacional entre os usuários da língua, seja ele de fala ou de escrita, podemos observar alguns aspectos relevantes para a compreensão do conceito de gramática emergente:

1. A estrutura linguística é sempre adiada, trata-se de um processo que nunca está acabado;

2. A gramática é um produto de estruturação contínua, dependente do contexto de uso;

Imagem

Tabela 1: Frequência de uso dos conectores sequenciadores

Referências

Documentos relacionados

the human rights legislated at an international level in the Brazilian national legal system and in others. Furthermore, considering the damaging events already

Portanto, conclui-se que o princípio do centro da gravidade deve ser interpretado com cautela nas relações de trabalho marítimo, considerando a regra basilar de

nesta nossa modesta obra O sonho e os sonhos analisa- mos o sono e sua importância para o corpo e sobretudo para a alma que, nas horas de repouso da matéria, liberta-se parcialmente

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial

3.3 o Município tem caminhão da coleta seletiva, sendo orientado a providenciar a contratação direta da associação para o recolhimento dos resíduos recicláveis,

Para analisar as Componentes de Gestão foram utilizadas questões referentes à forma como o visitante considera as condições da ilha no momento da realização do

utilizada, pois no trabalho de Diacenco (2010) foi utilizada a Teoria da Deformação Cisalhante de Alta Order (HSDT) e, neste trabalho utilizou-se a Teoria da

Neste estudo foram estipulados os seguintes objec- tivos: (a) identifi car as dimensões do desenvolvimento vocacional (convicção vocacional, cooperação vocacio- nal,