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Capital social: vários conceitos, um só problema

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Academic year: 2017

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO

FABIO FRANKLIN STORINO DOS SANTOS

CAPITAL SOCIAL

Vários conceitos, um só problema

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FABIO FRANKLIN STORINO DOS SANTOS

CAPITAL SOCIAL

Vários conceitos, um só problema

Dissertação apresentada à Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, como requisito para obtenção do título de Mestre em Administração Pública e Governo

Campo de Conhecimento:

Transformação do Estado e Políticas Públicas

Orientador: Prof. Dr. Fernando Luiz Abrucio

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Santos, Fabio Franklin Storino dos.

Capital Social : Vários conceitos, um só problema / Fabio Franklin Storino dos Santos. - 2003.

84 f.

Orientador: Fernando Luiz Abrucio.

Dissertação (mestrado) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo.

1. Capital social. 2. Interação social. 3. Cooperação. 4. Comunidade - Organização. I. Abrucio, Fernando Luiz. II. Dissertação (mestrado) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. III. Título.

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Dedicatórias

Em memória a meu amigo Wander que, em sua curta passagem por este planeta, certamente deixou-o muito melhor do que o encontrou, transformando as pessoas que com ele tiveram o prazer de conviver, como eu tive.

Aos meus pais, por investirem em mim tempo, dinheiro, paciência e muito, muito amor. Sinto dizer que o investimento é de longuíssimo prazo, mas com este trabalho espero dar um pouco do retorno do que vocês já fizeram por mim.

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Agradecimentos

Qualquer tentativa de se fazer uma lista exaustiva certamente cometerá alguma injustiça. Foram tantas as pessoas que, de alguma forma me ajudaram a cumprir mais esta etapa da minha vida que certamente estarei esquecendo de mencionar aqui algumas delas. A todas aquelas que eu deixar de mencionar, mas que sabem que contribuíram para isso, meu mais sincero agradecimento.

À minha professora Marta Farah, agradeço pelo aprendizado dentro e fora da sala de aula. Também agradeço por me ajudar a realizar um de meus sonhos, a criação de um Centro de Estudos na FGV-EAESP para tratar do tema da Segurança Pública. Pelo seu alto nível de “capital social”, colocou-me em contato com professores e alunos que juntos me ajudaram neste mais novo projeto.

Aos meus professores Maria Rita Loureiro Durand, Maria Cecília Forjaz e George Avelino, pelas contribuições para a minha dissertação. Ela certamente foi enriquecida pelos comentários e críticas (sempre construtivas) que vocês fizeram a ela.

Ao meu orientador Fernando Abrucio, por toda a orientação que me foi dada, e que superou (e muito) a mera orientação para a conclusão da dissertação: também pela orientação profissional, permitindo que eu contribuísse, ainda que com uma pequena parte, para a tão importante e urgente Reforma Administrativa dos estados brasileiros. Também encontrei em você um amigo, o que tornou de certo modo prazeroso este naturalmente doloroso processo de escrever uma dissertação de Mestrado.

A todos os meus amigos da Academia e de trabalho: Sadao, Hiro, Tatiana, Luciano, Ana Paula Soares, Elaine, Daniela, Ana Paula Karruz, Ana Márcia, Natália, Paula (e meu ‘sobrinho’ Pedro). Trabalhar e estudar com vocês me ensinou muito e moldou de certa forma o que sou hoje. Certamente as nossas discussões em sala de aula e nos trabalhos que já realizamos juntos influenciaram parte das idéias colocadas neste texto.

Às minhas ex-chefas Laura Parente e Helena Kerr, por permitirem que eu me desenvolvesse ao mesmo tempo profissional e academicamente, dando-me condições de assistir a todas as minhas aulas de Mestrado e participar de outros eventos acadêmicos, como o CLAD, e tudo o mais o que me permitiu chegar até aqui.

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Resumo

Esta dissertação discute capital social, um tema relativamente novo nas ciências

humanas, mas que está diretamente relacionado com um velho problema da vida social: os dilemas da ação coletiva, isto é, como uma sociedade pode desenvolver-se por meio de confiança mútua entre seus membros e cooperação em torno de objetivos comuns, evitando os velhos problemas envolvendo bens públicos, quais sejam, os “caronas” e as atitudes “caçadoras de renda”.

Em primeiro lugar, situa-se a discussão enfocando o problema da ação coletiva de um enfoque mais amplo: os dilemas da cooperação, as ações altruístas e seu suposto conflito com um modelo de ser humano movido pelo auto-interesse, o pressuposto da economia neoclássica do “homem econômico” e, enfim, a teoria da lógica da ação coletiva e suas limitações.

Em segundo lugar, apontam-se as 4 principais correntes de pensamento que buscam definir o conceito de capital social: o comunitarismo de Tocqueville e Putnam, o capital social como gerador de capital humano de Coleman, o capital social no mercado das trocas simbólicas de Bourdieu e, por último, o capital social como infra-estrutura social (instituições) de North.

Por último, são apresentados casos de aplicação dos conceitos de capital social baseados em trabalhos teórico-analíticos e de observações empíricas em diversos países, mostrando-se as diferentes formas que ele pode assumir conforme o contexto em que é analisado e, sobretudo, os efeitos que ele pode produzir numa comunidade, numa região ou mesmo num país inteiro.

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Abstract

This thesis discuss social capital, a relatively new theme on human sciences, but

which is directly related to an old problem of the social life: the dilemmas of collective action, that is, how a society can develop through mutual trust among its members and cooperation on common objectives, trying to avoid the old problems involving public goods, that is, the “free-riding” and the “rent-seeking” behaviors.

First of all, the discussion is situated focusing the problem of collective action from a broader view: the dilemmas of cooperation, altruist behavior and its supposedly conflict with a model of human being drove by self-interest, the presupposition of neoclassical economy of the “homo economicus” and, ultimately, the logic of collective action

theory and its limitations.

Secondly, we point out the 4 main streams of thought which seek to define the concept of social capital: the comunitarism by Tocqueville and Putnam, social capital in the creation of human capital by Coleman, the social capital in the market of symbolic exchange by Bourdieu and, at last, social capital as social infra-structure (institutions) by North.

At last, we present cases of the application of the concepts of social capital, based on theoretical-analytical works and empirical observations in several countries, showing the different forms that it can present itself, according to the context in which it is analyzed and, above all, the effects that it can produce in a community, a region or even in a whole country.

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Lista de figuras

Figura 1: Dimensões do Capital Social... 17 Figura 2: Dilema do Prisioneiro. Fonte: PINDYCK & RUBINFELD, 1997, p.455... 28 Figura 3: Rede sem (a) e com (b) closure... 56

Figura 4: Rede envolvendo pais (A, D) e filhos (B, C) sem (a) e com (b) closure

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Sumário

INTRODUÇÃO ... 9

RELAÇÃO ENTRE CAPITAL SOCIAL E ESTA LINHA DE PESQUISA DE MESTRADO (TRANSFORMAÇÕES DO ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS)... 9

OBJETIVO... 11

ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO... 13

REVISÃO DA LITERATURA: DO PROBLEMA À CONSTRUÇÃO DA IDÉIA DE CAPITAL SOCIAL ... 14

ALGUNS PROBLEMAS BÁSICOS RELACIONADOS À AÇÃO COLETIVA... 18

DA COMPETIÇÃO À COOPERAÇÃO...19

ALTRUÍSMO, EGOÍSMO E O AUTO-INTERESSE...22

ATEORIA DOS JOGOS E A POSSIBILIDADE DA COOPERAÇÃO...28

A LÓGICA DA AÇÃO COLETIVA...33

HOMO ECONOMICUS E HOMO ETHICUS...36

CAPITAL SOCIAL É CAPITAL?...40

AS CORRENTES E DEFINIÇÕES TEÓRICAS DE CAPITAL SOCIAL... 41

O COMUNITARISMO DE TOCQUEVILLE E A COMUNIDADE CÍVICA DE PUTNAM...41

CAPITAL SOCIAL COMO GERADOR DE CAPITAL HUMANO...48

A ECONOMIA DAS TROCAS SIMBÓLICAS...59

CAPITAL SOCIAL COMO INFRA-ESTRUTURA SOCIAL...63

AS APLICAÇÕES DO CONCEITO DE CAPITAL SOCIAL ... 67

ITÁLIA: CAPITAL SOCIAL E DESEMPENHO INSTITUCIONAL... 67

RÚSSIA: REFORÇANDO OS VÍCIOS DE UMA SOCIEDADE “ANTI-MODERNA”... 68

CAPITAL SOCIAL E DESCENTRALIZAÇÃO... 70

OUTRAS VISÕES DO CAPITAL SOCIAL... 74

CONCLUSÃO... 77

CONSIDERAÇÕES GERAIS... 77

OS CONCEITOS E A MEDIÇÃO DE CAPITAL SOCIAL... 78

PRÓXIMOS PASSOS E SUGESTÕES DE PESQUISA... 78

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Introdução

“Teu milho está maduro hoje; o meu estará amanhã. É vantajoso para nós dois que eu te ajude a colhê-lo hoje e que tu me ajudes amanhã. Não tenho amizade por ti e sei que também não tens por mim. Portanto não farei nenhum esforço em teu favor; e sei que se eu te ajudar, esperando alguma retribuição, certamente me decepcionarei, pois não poderei contar com tua gratidão. Então, deixo de ajudar-te, e tu me pagas na mesma moeda. As estações mudam; e nós dois perdemos nossas colheitas por falta de confiança mútua.” David Hume1

Como muitos outros temas em franco desenvolvimento acadêmico, o tema capital social já angariou para si diversos defensores e opositores ferrenhos, mesmo não havendo (ou talvez devido ao fato de não haver) sequer um consenso sobre sua definição teórica. Tanto que Michael Edwards, um ex-Especialista Sênior em Sociedade Civil do Banco Mundial, hoje Diretor da Unidade de Governança e Sociedade Civil da Fundação Ford, divide os pesquisadores que têm alguma relação com o tema em três grupos: os entusiastas, para quem

o capital social seria uma espécie de “elo perdido” da sociedade, o ingrediente que faltava para fazer as mais diversas equações sociais e econômicas funcionarem; os céticos, que

enxergam nos entusiastas uma inocência ao extremo, rejeitando até mesmo a noção de

“capital” da expressão; e, por último, os táticos, que, apesar de verem no capital social um

papel importante em várias dimensões (inclusive, dizem, na de trazer para o pensamento e debate econômicos considerações mais complexas do que a mera “racionalidade do mercado”), também se preocupam com a falta de rigidez metodológica com que muitos dos

entusiastas tratam suas pesquisas acerca do tema (EDWARDS, 1999). Apenas um tema

apaixonante, como é o caso do capital social, poderia trazer à tona sentimentos tão diversos… Este trabalho tenderá a se aproximar dos valores e preocupações do grupo dos

táticos. Combinar o rigor metodológico, necessário para avançar na compreensão do

fenômeno (“fazer ciência”), com a paixão pelo tema, e a certeza de que estará contribuindo, ainda que de forma bastante modesta, para a melhoria do Estado brasileiro, de uma maneira mais geral, e para o aumento da efetividade das políticas públicas, mais especificamente.

Relação entre capital social e esta linha de pesquisa de Mestrado

(Transformações do Estado e Políticas Públicas)

Ao estudar as reformas do setor público na Europa e, mais especificamente, na Alemanha, Werner Jann, professor da Universidade de Postdam, identificou o que

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caracterizou como uma nova “onda” de reformas, batizada de Public Governance. Para Jann,

ela viria a superar a “onda” anterior, Public Management, aqui no Brasil chamada de

Administração Pública Gerencial ou Pós-Burocrática. Este novo fenômeno traria consigo novos temas políticos, novas abordagens científicas, novos fundamentos normativos, novos arranjos institucionais e, sobretudo, novas implicações práticas.

Na Alemanha, ele observou pelo menos quatro distintas fases recentes pelas quais o Estado passou: no pós-guerra, o democratic state, ou o Estado democrático, que buscava

reconstruir as instituições democráticas do país; algumas décadas depois, o active state, ou o

Estado ativo / planejador, marcado por uma grande intervenção estatal na economia; o lean state, uma reação aos problemas gerados pelo excesso de intervenção estatal, iniciado pelo

governo de Margaret Thatcher na Inglaterra na década de 1980, mas que ganhou força em todo o mundo durante a década de 1990; num primeiro momento do lean state, houve um

forte movimento de redução do aparato estatal (“rolling-back the state”), cortando os excessos,

gerando uma “consciência de custos” e uma desregulamentação de normas; num momento posterior, novas preocupações passaram a fazer parte da chamada Administração Pública Pós-Burocrática, como o aumento da eficiência das políticas públicas, controle dos resultados, qualidade do serviço público etc.

Nos últimos anos é possível observar uma quarta “onda” da Administração Pública, com maior ênfase na participação da sociedade na formulação, implementação e acompanhamento das políticas públicas, além de um novo padrão de relações entre Estado, mercado e sociedade civil. Na mudança do lean state para o novo modelo, o activating state, a

ênfase mudaria: de um Estado visto como um negócio, com forte aversão à burocracia, orientado ao “consumidor-cidadão”, que busca qualidade e eficiência, orientado por resultados, onde a questão central é “encontrar os preços e os incentivos corretos”, para um Estado “ativador” da sociedade (no sentido da “cidadania ativa”), cujos valores cruciais são a coesão social, política e administrativa, a participação da sociedade, o engajamento cívico.

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PPPs – Parcerias Público-Privadas). Segundo o modelo desenhado por Jann, o capital social torna-se um dos elementos chaves deste novo modelo de Estado que surge (JANN, 2002).

Outros autores, antes de Jann, já destacavam o crescente papel do capital social nesta nova configuração de Estado. Peter Evans é um deles:

“Em 1995, Evans relançou a polêmica da autonomia do Estado. Defendeu uma noção ampliada dessa autonomia, que englobaria não somente a coesão burocrática, como também a extensão da intervenção à própria provocação da ação coletiva. Isto é, a função do Estado passaria de ação reguladora da interação social para um ativismo político mobilizador do capital social.” (ABU-EL -HAJ, 1999, p.72)

Penso que pelo menos três etapas são essenciais para se incluir o capital social no processo de formulação de políticas públicas, preocupação desta linha de pesquisa: (1) definir o conceito; (2) observar e medir o fenômeno; e (3) analisar que tipo de políticas públicas é capaz de gerar, aumentar e/ou manter o “estoque” de capital social de uma sociedade, e como as políticas públicas podem fazer bom uso do capital social nela existente.

Objetivo

O presente projeto procura fazer um survey da literatura disponível sobre o tema capital social. Este é um tema recente nas diversas áreas de conhecimento, que busca elementos da Economia (teoria dos jogos, eficiência econômica, custos de transação, contratos e outros3), das Ciências Sociais (principalmente nas áreas da Ciência Política, Sociologia, Antropologia e, mais recentemente, nas áreas da Administração – onde o modismo empresarial já conhecido do “networking” chegou a ser rebatizado de “capital social

nas empresas” – e da Administração Pública, como descreveremos detalhadamente adiante) e mesmo da Biologia (egoísmo, altruísmo, cooperação e outros tópicos que o filósofo Peter Singer descreve como “a esquerda darwiniana”4). Antes do que simplesmente arriscar uma visão integradora ou uma definição “definitiva” do que queremos dizer por “capital social”, é importante conhecermos as principais definições do conceito, que tanto o enriquecem quanto

2 Por “menos” não quero dizer que eficiência deixou de ser importante, mas deixou de ser o foco principal. 3 Daniel Kahneman, um dos dois ganhadores do Prêmio Nobel de Economia de 2002 por seu trabalho “

Maps of Bounded Rationality”, questiona as premissas clássicas da Economia sobre o “homo economicus”. As

abordagens econômicas do capital social muitas vezes fazem referência a este mesmo raciocínio – uma delas chega a reescrever a famosa expressão da “mão invisível” de Adam Smith, utilizando a expressão “invisible handshake” (“aperto de mão invisível”).

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tornam sua análise mais complexa do que se possa parecer à primeira vista. Como colocam Grootaert e Bastelaer:

Political scientists, sociologists, and anthropologists tend to approach the concept of social

capital through analysis of norms, networks, and organizations. Economists, on the other hand,

tend to approach the concept through the analysis of contracts and institutions, and their impacts

on the incentives for rational actors to engage in investments and transactions. Each of these

views has merits and the challenge is to take advantage of the complementarities of the different

approaches.” (GROOTAERT &BASTELAER, 2001, p.8)5

Este é apenas o primeiro passo necessário. O segundo seria o de, definido e entendido o fenômeno, sermos capazes de observá-lo e de medi-lo. Qualquer política pública voltada para a criação, aumento ou manutenção do “estoque” de capital social de uma determinada sociedade não pode prescindir de mecanismos de medição do objeto de sua ação, sob o risco de não se conseguir medir a eficácia ou a efetividade de tal política.

Parte fundamental da prática de pesquisa em ciências sociais é a observação do fenômeno estudado. Além de preocupações com o universo a ser pesquisado, com os tipos de abordagem a serem utilizados, entre outras, é preciso conhecer ou construir indicadores que medirão o fenômeno, seja ao longo do tempo, ou entre as diferentes unidades do seu universo, para posterior comparação ou inferência sobre os dados obtidos.

No caso do capital social, há dois grandes empecilhos. Em primeiro lugar, não há um consenso da academia sobre qual seria o conjunto de indicadores capaz de medir este fenômeno. Não há sequer um consenso sobre se é possível existir um único conjunto de indicadores capaz de medir o “estoque” de capital existente desde uma área rural do interior da Índia até uma metrópole com as dimensões de São Paulo ou Nova Iorque. Agrega-se à natural complexidade dos fenômenos sociais o fato de o capital social estar intimamente ligado à cultura e aos valores morais de uma comunidade (desde uma família até uma região composta de diversos municípios). Assim, um conjunto de indicadores deveria ser capaz de medir o mesmo fenômeno a partir de universos bastante distintos. Por outro lado, se o caminho a ser adotado for o da criação de um conjunto de indicadores específicos para cada país, com ou sem variações para cada “extrato social” (rural, urbano e indígena), é preciso se definir como poderão ser feitas comparações entre o conjunto de indicadores levantados em

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cada região. Sem a possibilidade de comparação, a pesquisa do tema torna-se extremamente fragilizada, seja do ponto de vista metodológico – “(…) all data and analyses should, insofar as possible, be replicable” (KING, KEOHANE & VERBA, 1994, p.26) – seja do ponto de vista

analítico.

Em segundo lugar, como já argumentado anteriormente, ainda não há, na literatura atual, um consenso sobre a definição exata do termo “capital social”. Isto é, obviamente, um grande dificultador da criação dos indicadores acima mencionados: para se conseguir medir ou observar um fenômeno, é preciso, antes de tudo, saber descrevê-lo objetivamente e identificá-lo.

Estrutura da Dissertação

Por se tratar de um survey da literatura sobre capital social, o capítulo seguinte,

Revisão da Literatura, é o coração deste trabalho. Em primeiro lugar, faço uma rápida introdução onde procuro desenhar rapidamente um panorama das principais definições do conceito, bem como apontar o problema da interdisciplinaridade do tema, que exige que se busque em diversas áreas de conhecimento os elementos dos quais se constitui o que se entende por capital social. Em seguida, procuro adentrar-me em tais áreas do conhecimento, mostrando como e em que medida determinados elementos usualmente estudados por estas áreas se aplicam no entendimento do conceito de capital social. Mais especificamente, procuro analisar elementos da Biologia, da Economia e das Ciências Sociais.

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Revisão da literatura: do problema à construção da idéia de

capital social

Uma das primeiras definições de capital social deriva do início do século passado, da discussão feita pelo supervisor estadual das escolas rurais do Estado de West Virginia, EUA, Lyda Judson Hanifan6, citado por SMITH (2001):

“(…) social capital refers to connections among individuals – social networks and norms of

reciprocity and trustworthiness that arise from them.” (HANIFAN apud SMITH, 2001)

Hanifan detalha sua descrição anterior definindo capital social como:

“(…) tangible substances that count for most in the lives of people: namely good will, fellowship,

sympathy, and social intercourse among individuals and families who make up a social unit (…).

The individual is helpless socially if left to himself (…). If he comes into contact with his neighbor,

and they with other neighbors, there will be an accumulation of social capital, which may bear a

social potentiality sufficient to the substantial improvement of living conditions in the whole

community.” (IDEM)

Ele estava se referindo à importância dos centros comunitários para o desenvolvimento das escolas rurais de seu Estado. Ironicamente, Robert Putnam aponta o Estado de West Virginia como sendo o segundo pior em termos de capital social atualmente (PUTNAM, 2001).

Segundo Putnam, o termo “capital social” foi inventado e reinventado diversas vezes ao longo do século 20. Foi utilizado por Jane Jacobs7 em relação à vida urbana, por Pièrre Bourdieu (BOURDIEU, 1983) com relação à teoria social, e por COLEMAN (1988) nas suas discussões sobre o contexto social da Educação. Nos últimos anos, foi “adotado” pelo Banco Mundial (WORLD BANK, 1999) e pela OCDE (2001), que passaram a sistematizar as informações existentes sobre o tema e a estimular novos estudos, principalmente no que concerne à sua criação, medição e relação com o desenvolvimento econômico e redução da pobreza.

No entanto, tanto as diferentes formas de criação quanto de medição de capital social permanecem, ainda, como foi dito no começo deste trabalho, um espaço aberto para novos estudos e pesquisas, pois ainda não há um arcabouço teórico fechado a respeito deste tema.

6 Ver HANIFAN, L. J., (1916). “The rural school community center”, In: Annals of the American Academy of Political and Social Science 67: 130-138 apud SMITH (2001).

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Há, atualmente, pelo menos três definições de capital social adotadas por diversos autores. O primeiro conceito foi desenvolvido a partir do trabalho de Robert Putnam, ao estudar o caso da Itália moderna (entre o período de 1970 a 1989). Segundo este conceito, capital social se refere a “características da organização social, como confiança, normas e redes, que podem melhorar a eficiência da sociedade ao facilitar ações coordenadas” (PUTNAM, 1993).

O segundo conceito foi colocado por James Coleman, que define capital social como “uma variedade de diferentes [sic] entidades, com dois elementos em comum: todas consistem em algum aspecto da estrutura social, e facilitam certas ações dos atores – atores tanto individuais como corporativos – dentro da estrutura” (COLEMAN, 1988). Esta definição abriga, além das associações horizontais consideradas por Putnam, também as associações verticais, além da relação entre essas associações, e não só as relações entre seus membros (WORLD BANK, 1998).

A terceira definição de capital social enfatiza os ambientes político e social que moldam a estrutura social e permitem o desenvolvimento de normas. Este conceito foge do nível estritamente local onde os dois primeiros focam sua preocupação, e inclui instituições políticas formais, como o governo, o regime político, a legislação, o sistema judiciário, os direitos políticos e civis etc. Dois autores, NORTH (1990) e OLSON (1982), têm foco no institucionalismo (WORLD BANK, 1998).

Em termos de linhas de pensamento, podemos classificar a primeira definição, de Putnam, como uma visão “culturalista”. Segundo esta visão, a formação de capital social se dá através de um processo histórico. Em “Making Democracy Work”, lançado no Brasil como

“Comunidade e Democracia”, Putnam argumenta que a diferença de estoque de capital social encontrado no Norte e no Sul da Itália deve-se a séculos de histórias distintas entre as duas regiões. O depósito excessivo de confiança no papel exclusivo da história deixaria apenas duas alternativas para que o Sul da Itália se igualasse ou mesmo ultrapassasse o Norte em termos de capital social: “trocar” sua população ou esperar mais alguns séculos, tomando-se neste ínterim decisões similares às tomadas ao longo da história do Norte. Esta visão acabou sendo revista posteriormente por Putnam, que passou a dar maior valor para o papel das instituições neste processo.

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aspecto cultural da formação de capital social, North e Olson pecam por subestimar seu papel, dando uma ênfase excessiva ao papel das instituições na criação de capital social, algo que ainda não pôde ser confirmado nas pesquisas empíricas promovidas pelo Banco Mundial, isto é, ainda é um campo vasto a ser estudado pelos pesquisadores desta área.

Neste sentido, a definição de James Coleman se situa no meio deste continuum

delimitado pelas duas visões anteriores. É importante considerar, ainda, o trabalho de TENDLER (1998) que, estudando casos de sucesso na implementação de políticas públicas no Estado do Ceará, mostrou que as instituições públicas (incluindo as políticas públicas “institucionalizadas”) têm um impacto positivo na formação do capital social. Outros autores, como EVANS (1997), passaram a estudar o caminho inverso de Putnam: como instituições afetam o capital social. Estes trabalhos partem do “culturalismo” de Putnam, mas incorporam elementos importantes da visão institucionalista.

Longe de serem visões distintas de capital social, podemos diferenciar estas três visões como diferenças de “escopo”: a visão de Putnam focaria sua preocupação no nível “micro” da sociedade, isto e, nas associações horizontais que surgem em uma determinada comunidade visando a resolver seus dilemas coletivos; a visão de Coleman situar-se-ia num nível intermediário (“meso”), incorporando à primeira as associações verticais, e as relações dentro e entre elas; por último, a visão “macro” de North e Olson, que se preocuparam com o ambiente na qual estas associações horizontais e verticais estão inseridas, incluídos o regime político, a regra da lei, o Estado de Direito (“rule of law”), o sistema judiciário e as liberdades

civis e políticas (GROOTAERT & BASTELAER, 2001).

Além das diferentes abordagens quanto ao escopo do capital social, a literatura também encontra diferenças quanto à forma do capital social encontrado: estrutural e cognitivo.

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Estas duas formas de capital social, estrutural e cognitivo, trazem certa semelhança, respectivamente, com as visões “institucionalista” e “culturalista” definidas por mim anteriormente, ainda que não sejam sinônimos. Putnam também levava em consideração, além das formas cognitivas de capital social, as instituições que foram criadas durante seu período de estudo, os governos regionais italianos, e observou que tais instituições também tiveram influência na dinâmica das comunidades por elas governadas, ainda que seus efeitos não fossem suficientemente explorados no livro. Da mesma forma, os “institucionalistas” do capital social também concebem a existência e importância das normas sociais que regem uma comunidade, ainda que seu foco seja o ambiente na qual tais normas são estimuladas ou suprimidas e as instituições que também contribuem para isso.

O quadro abaixo apresenta de maneira bastante ilustrativa as diferentes dimensões do capital social:

Figura 1: Dimensões do Capital Social

Fonte: GROOTAERT &BASTELAER, 2001.

As diferentes pesquisas realizadas em diversas partes do mundo sobre capital social tendem a focar suas análises em apenas um destes quadrantes, com bem-vindas

Cognitivo Estrutural

Macro

Micro Instituições do Estado,

Estado de Direito (“rule of law”)

Governança

Instituições locais,

redes sociais,

associações comunitárias

Confiança,

normais locais

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exceções. Mas a visão integrada do capital social, que implicaria abordar conceitos de diversas áreas do conhecimento, como economia, sociologia, antropologia e ciência política, é fundamental para avançarmos no entendimento do fenômeno e de suas implicações para as políticas públicas que visem ao aumento do bem-estar da sociedade (ver nota 5, p.11).

Os itens a seguir tratarão de abordar essas diferentes visões que compõe o conceito de capital social. Nenhuma dessas visões é exaustiva, e ao mesmo tempo não são perfeitos complementos de um todo coerente: encontraremos a seguir conflitos entre algumas delas. Para facilitar o entendimento da riqueza de conceitos e pressupostos que compõem este conceito, resolvi organizar este capítulo não por autores ou por “escolas” de pensamento sobre o capital social, mas procuramos “desconstruir” o conceito em diversos elementos constituintes, e analiso cada um deles separadamente. Ao final, tentaremos fazer um apanhado geral dos conceitos abordados e “reconstruir” o conceito de capital social a partir deles. Portanto, se inicialmente esta divisão parecer um pouco confusa ou sem conexão entre os diversos tópicos, tudo isso faz parte da complexidade de se lidar com um tema que já nasceu de maneira “multidisciplinar”.

Alguns problemas básicos relacionados à Ação Coletiva

Para começar este survey da literatura sobre capital social, analisaremos uma obra

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tentativa de se fazer um survey da literatura sobre o tema deve explorar essas diferentes

facetas.

Para analisarmos alguns elementos que constituem o capital social, como cooperação, confiança, ação coletiva etc., um bom começo seria conhecer o que se entende por “natureza humana”: como explicar a cooperação, a confiança, a ação em grupo etc., como observamos em algumas outras espécies na natureza? Estas facetas na natureza humana são naturais (ex.: genéticas) ou são parte da cultura de determinadas sociedades? Se for parte da cultura, são passíveis de intervenção? É possível uma determinada política pública transformar uma sociedade da “desconfiança” e da competição predatória entre as pessoas em uma sociedade que confia e coopera mutuamente, visando ao bem comum?

Da competição à cooperação

Ainda que possa parecer estranha, em princípio, a mistura de conceitos da Biologia e da Ciência Política, uma maneira interessante de começarmos a analisar a questão do capital social do ponto de vista da Biologia é pensarmos sobre as crenças em relação ao que se considera como “natureza humana” nos espectros políticos da direita e da esquerda. A direita faz uma leitura estrita da fábula “do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro” de Adam Smith8, mostrando a superioridade e a inevitabilidade do capitalismo como o melhor modelo político-econômico, e uma das palavras-chave deste pensamento é “competição” (e a sua relação com a idéia darwiniana de “seleção natural”). Já a esquerda, imbuída da teoria de Karl Marx de que o processo histórico levaria naturalmente à adoção do socialismo como modelo econômico e como regime de governo, em geral acredita que a teoria de Darwin da “seleção natural” não é compatível com um ambiente de cooperação, o qual deveria prevalecer numa sociedade socialista.

A Biologia, entretanto, desfaz tal dicotomia ou, ao menos, coloca-as no plano das idéias e não dos fatos. Nem a teoria da Evolução é incompatível com a idéia de cooperação nem esta é incompatível com a idéia de capitalismo e de um mercado eficiente (questão que será retomada na análise do capital social a partir da Economia, o item seguinte deste capítulo). Após a publicação do livro A Origem das Espécies, uma série de análises da obra de

Charles Darwin, notadamente aquelas escritas por autores mais à direita do espectro político,

8 Disse Adam Smith em

Uma investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações (1776): “Não é

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mostrava que suas teorias, enfim, provavam a superioridade do pensamento da direita, dava embasamento e justificativa científica ao “negociante desonesto” ou a qualquer outra tentativa de se “vencer” no “vale-tudo” da vida. Peter Singer, professor de Bioética em Princeton, refuta este tipo de tentativa de associação entre as descobertas científicas no campo do comportamento humano e valores morais:

“(…) we cannot conclude that the direction of evolution is ‘good’. Evolution carries no moral

loading, it just happens. We are no more justified in helping it on its way than we are in doing our

best to slow it down or change its direction.” (SINGER, 1999, p.12) 9

Uma questão central para a Biologia neste respeito é diferenciar quais aspectos da “natureza humana” são determinados por nossos genes e quais são produtos da nossa cultura – um debate que ganhou o título “nature v. nurture”, uma referência a características intrínsecas

à raça humana (“nature” ou natureza) e às características que nos são passadas por meio do

convívio social, ou da nossa criação pelos nossos pais (“nurture” ou criação). A preocupação

da esquerda, em especial a da marxista, que muitas vezes enxerga o homem apenas como um “produto do meio” ou, para usar a expressão cunhada por John Locke, como uma “folha em branco”, é sobre como é possível mudar o sistema de produção e todo o sistema de incentivos da sociedade de maneira a caminhar em direção a um ser humano melhor. O pensamento de direita, por sua vez, conforta-se com a idéia de que a competição e a “sobrevivência do melhor” são características intrínsecas a todos os seres vivos, aí incluídos os humanos, e que, portanto, todas as políticas ou instituições públicas deveriam contribuir, senão para estimular esse tal ‘instinto animal’ do homem, nas palavras de Keynes, ao menos para não inibi-lo ou atrapalhá-lo – neste caso, quanto menos intervenção do Estado nos ‘assuntos privados’, melhor. Singer resume o dilema nurture v. nature colocado pela direita e pela esquerda no que

se refere à natureza humana:

If (…) the materialist theory of history is correct, and social existence determines consciousness,

then the greed, egoism, personal ambition and envy that a Darwinian might see as inevitable

aspects of our nature can instead be seen as the consequence of living in a society with private

property and private ownership of the means of production. Without these particular social

arrangements, people would no longer be so concerned about their private interests. Their nature

would change and they would find their happiness in working cooperatively with others for the

communal good. That is how communism would overcome the antagonism between man and man.

que cada qual dá ao próprio interesse. Apelamos não à sua humanidade mas ao seu amor-próprio, e nunca lhe falamos das nossas necessidades, e sim de seus interesses”.

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The riddle of history can be solved only if this antagonism is a product of the economic basis of

our society, rather than an inherent aspect of our biological nature.” (SINGER, 1999, p.27)10

Como grande parte das dicotomias do mundo, a resposta está mais próxima de uma combinação dos dois (e diversos outros) fatores do que de qualquer um deles isoladamente. O homem possui certas predisposições, tendências, propensões e instintos que variam muito pouco ou nada entre as diversas culturas espalhadas pelo mundo, ao mesmo tempo em que elas (culturas) também produzem características singulares a seus membros. Para sabermos quais dessas características são ‘moldáveis’, passíveis de intervenção por meio de políticas públicas, por exemplo, seria necessário tentar classificar as características dos seres humanos entre: (1) aquelas ‘culturais’, que adquirimos dentro de um ambiente específico, e portanto varia bastante entre as diferentes culturas e os diferentes arranjos institucionais (da sociedade, do Estado etc.) e são passíveis de intervenção e/ou de mudança; (2) aquelas que variam pouco entre as culturas; e (3) aquelas que seriam ‘biológicas’, isto é, com as quais todos nós nascemos e praticamente imutáveis entre as diferentes culturas e ao longo da vida de cada indivíduo.

Singer colocaria na primeira categoria a maneira pela qual produzimos nossa comida (caça, domesticação, plantação – influenciando também o tipo de alimento consumido), as estruturas econômicas, as práticas religiosas, as formas de governo – embora a existência de um governo ou de algum outro tipo de liderança pareça ser uma característica universal da humanidade. Na segunda categoria, Singer coloca os relacionamentos amorosos – apesar de haver diferenças entre o número de esposas que um homem pode possuir (mas raramente o inverso), quase todas as culturas impõem, de forma legal ou moral, alguma restrição às relações extraconjugais –, além das identificações étnicas e seu oposto, a xenofobia e o racismo. Embora muitos países gozem de um ambiente com bastante diversidade cultural, étnica etc., alguma forma de separação entre as diferentes etnias parece sempre existir, ainda que muitas vezes de forma apenas velada ou mesmo disfarçada (como no Brasil, onde muitas vezes o racismo se esconde em uma barreira pretensamente socioeconômica). No último grupo, aquele das características ‘universais’, Singer colocaria o

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fato de que somos seres sociais – não de uma maneira particular de sociedade, mas o fato de que, diferentemente dos, digamos orangotangos, não vivemos isoladamente das outras pessoas. Igualmente invariante estaria nossa preocupação com laços familiares. Singer também colocaria nesta terceira categoria nossa prontidão para formar relações cooperativas e reconhecermos obrigações recíprocas. (SINGER, 1999, p.35-7)

Importante ressaltar, entretanto, que a cultura tem influência na acentuação ou suavização mesmo das características mais enraizadas na nossa natureza humana. Além disso, uma característica dita universal não implica a inexistência de indivíduos que não possuam algumas dessas características. É possível encontrarmos pessoas que simplesmente não possuem nenhuma ligação afetiva ou moral com nenhum de seus parentes, ou pessoas que, na falta de uma melhor expressão, classificamos como ‘anti-sociais’.

Altruísmo, egoísmo e o auto-interesse

Na classificação das características humanas entre aquelas com muita, com pouca ou com nenhuma variação, descrita acima por Singer, a ‘formação de capital social’, entendida neste contexto como a organização de pessoas geograficamente próximas em comunidades, com um sistema de relações cooperativas e o reconhecimento de obrigações recíprocas, como apontou Singer, parece então ser uma predisposição natural do homem, e tenderíamos a observá-la em praticamente todas as sociedades que nos dispuséssemos a observar e analisar.

No entanto, é comum não encontrar tal predisposição para ação cooperativa em grandes metrópoles ou em muitos outros contextos urbanos, comparativamente a comunidades menores. Uma primeira explicação para isso é o estilo de vida urbano, em contraste com o rural ou o indígena, onde predominaria uma visão auto-interessada de seus habitantes, um ambiente mais competitivo onde as pessoas seriam mais centradas em si mesmas e em sua família (neste último caso, é possível ocorrer algo similar ao ‘familismo amoral’ descrito por Banfield (1958), onde há relações de confiança, regras de conduta e de reciprocidade entre os membros de uma família, mas desconfiança, não-cooperação etc. entre cada membro desta família e a comunidade onde ela está inserida).

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(…) we still have to ask what we mean by the term ‘self-interest’. We often assume that it is in our

interests to earn as much money as possible, but there is no reason to assume that earning more

than a modest amount of money will maximize the number of descendants we leave in future

generations. So from an evolutionary perspective, we cannot identify self-interest with wealth. Nor

can we do this from a more commonsense viewpoint. We often hear it said that money cannot buy

happiness. This may be trite, but it carries the implication that it is more in our interests to be

happy than to be rich. Properly understood, self-interest is broader than economic self-interest.

Most people want their lives to be happy, fulfilling, or meaningful in some way, and they recognize

that money is, at best, a means to achieving part of these ends. Public policy does not have to rely

on self-interest in this narrow economic sense. It can, instead, appeal to the widespread need to

feel wanted, or useful, or to belong to a community – all things that are more likely to come from

cooperating with others than from competing with them.” (SINGER, 1999, p.42)11

Para muitos pesquisadores, o comportamento altruísta está em contradição com princípios básicos da genética evolucionista. Sobreviver em competição com outros indivíduos, procurando se adaptar o melhor possível ao ambiente, seria a regra número um do jogo da vida, segundo a teoria de Darwin. Explicar como o altruísmo conseguiu sobreviver ao tempo e evoluir até os dias de hoje é a questão central, por exemplo, para a Sociobiologia. Segundo o sociobiólogo Richard Dawkins12, por exemplo, os seres vivos seriam "governados" pelos seus "genes egoístas", e passar a maior parte deles para a próxima geração não seria compatível com altruísmo.

Mesmo Darwin já se intrigava com a questão da evolução da moralidade humana. O comportamento moral, para ele, não traz vantagem para o indivíduo, que lucraria mais se desobedecesse às regras para agir de acordo com sua vontade própria. Darwin chegou a criar uma hipótese de “seleção de grupo”, isto é, de que tribos regidas por valores que enfatizem “o espírito de patriotismo, fidelidade, obediência, coragem e solidariedade” seriam mais coesas e organizadas e, assim, teriam vantagens evolutivas sobre aquelas tribos com disputas internas, traições etc. Entretanto, Darwin não chegou a desenvolver plenamente este conceito de

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seleção de grupo, enfatizando em seus estudos a questão da seleção individual – provavelmente um dos motivos pelos quais a Teoria da Evolução fosse apropriada pela direita e renegada pela esquerda do espectro ideológico político.

Entretanto, mais de um século antes de Darwin, o filósofo italiano Cesare Beccaria, considerado um dos precursores do Direito Penal moderno, discorria sobre os motivos pelos quais um indivíduo abriria mão do que ele considerava ser o bem mais importante: a liberdade.

“Ninguém faz graciosamente o sacrifício de uma parte de sua liberdade apenas visando ao bem público. Tais fantasias apenas existem nos romances. Cada homem somente por interesses pessoais está ligado às diversas combinações políticas deste globo; e cada um desejaria, se possível, não estar preso pelas convenções que obrigam os demais homens.” (BECCARIA, 2003, p.17)

Beccaria tem uma formação claramente hobbesiana. Sem um sistema de leis, e uma organização em torno de uma sociedade, com a escolha de um soberano para governá-los, viveriam os homens num estado natural de beligerância entre si, acreditava ele. Por fim, conclui o porquê da renúncia dos homens de uma parte da sua liberdade ao concordarem em obedecer a um mesmo conjunto de leis: ”Fatigados a viver apenas em meio a temores e de encontrar inimigos em toda parte, cansados de uma liberdade cuja incerteza de a manter tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para usufruir o restante com mais segurança” (BECCARIA, 2003, p.17), isto é, antes de um aparente altruísmo ou de uma “civilidade inerente” à humanidade, esta escolha representou uma estratégia de sobrevivência individual e, portanto, estaria perfeitamente de acordo com as idéias apresentadas quase um século e meio depois por Charles Darwin.

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si mesmo. Parte de nossa carga genética, em especial aquela que nos possibilitou o uso da fala para nos comunicarmos, mostra-nos também que somos seres naturalmente “sociais”.

Esta “sociabilidade natural” do ser humano torna a estratégia de sobrevivência e, sobretudo, de convivência entre os indivíduos muito mais complexa do que as dos outros animais. A Biologia explica, em parte, a evolução do altruísmo por meio do conceito de “altruísmo recíproco”. O ser humano poderia agir de maneira aparentemente altruísta, portanto, se esperasse receber algo em troca da pessoa que ele ajudou, seja no presente ou seja como “crédito” para uma oportunidade futura de retribuição. Mas a complexidade das redes sociais atuais torna algumas reciprocidades muito improváveis, embora ainda possamos observar altruísmo entre estranhos. Peter Singer costuma citar a doação voluntária de sangue como um caso emblemático, pois a pessoa que doa nem ao menos sabe quem será o receptor de seu sangue, de forma que não poderia esperar dela reciprocidade.

A primeira resposta a este aparente enigma é razoavelmente clara: aquele que doa sangue também tem uma expectativa (ainda que negativa) de que um dia poderá precisar também de sangue e, estando o banco de sangue “cheio”, é bem provável que ele se beneficie de seu próprio ato (o sangue doado poderia, hipoteticamente, voltar para o corpo do próprio doador, portanto a doação poderia ser encarada como uma “poupança de sangue”!). Mas esta hipótese é razoavelmente remota, e portanto o ato de doar também pode ter outro efeito: inspirar outros a também doarem, garantindo com isto que o banco de sangue esteja sempre “cheio”, caso ele venha a precisar.

A segunda resposta para este enigma é um pouco menos “economicista”: o doador de sangue recebe seu “pagamento” ao sair da sala de doação, ao ver orgulho e admiração no olhar de quem o vê passar em direção à saída, ao receber uma carta de agradecimentos, ao contar para seus amigos que foi doador voluntário de sangue. Isto é, o pagamento também pode vir de uma “reputação” ou “imagem” conquistada com o gesto. Há culturas que valorizam bastante os gestos voluntários e/ou solidários, e aqueles que se engajam neste tipo de atividade recebem o reconhecimento devido. Outras culturas, como é o caso dos Estados Unidos, consideram as atividades voluntárias, a despeito de uma certa ironia, uma “obrigação” de um bom cidadão, e muitas empresas e muitas universidades pontuam este tipo de atividade ao fazer a seleção de admissão14.

13 Ver DAWKINS, Richard. Op.cit.

14 Num episódio de um famoso seriado recente norte-americano (“

Gilmore Girls”), uma garota que tentava ser

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Dois pesquisadores da Universidade de Berna, Suíça, Claus Wedekind e Manfred Milinski, ecologistas comportamentais (ou evolucionários), criaram um experimento para testar como poderia surgir essa "reciprocidade indireta" em uma interação social. Foram recrutados 79 calouros universitários que não tinham conhecimento das teorias ligadas ao altruísmo. Eles poderiam doar dinheiro uns aos outros, mas aqueles que recebiam nunca tinham a chance de devolver ao doador. Todos tinham acesso ao nível de doações feitos por eles. Os resultados, descritos em artigo na revista Science, mostraram que os jogadores que

agiam com maior generosidade também eram os que terminavam o jogo com mais dinheiro. Os participantes tendiam a recompensar os mais altruístas, e negar dinheiro aos menos generosos. Um resumo da pesquisa mostra as principais conclusões dos pesquisadores:

The ‘tragedy of the commons,’ that is, the selfish exploitation of resources in the public domain,

is a reason for many of our everyday social conflicts. However, humans are often more helpful to

others than evolutionary theory would predict, unless indirect reciprocity takes place and is based

on image scoring (which reflects the way an individual is viewed by a group), as recently shown

by game theorists. We tested this idea under conditions that control for confounding factors.

Donations were more frequent to receivers who had been generous to others in earlier

interactions. This shows that image scoring promotes cooperative behavior in situations where

direct reciprocity is unlikely.” 15

Um estudo posterior de Milinski, em conjunto com outros dois cientistas, publicado na revista Nature, mostrava que o dilema da “tragédia dos comuns”, isto é, de se

manter aqueles recursos com características de bens públicos (que todos são livres para utilizar em excesso mas ninguém tem incentivo para, sozinho, mantê-lo), teria uma solução. Alternando entre jogos de “reciprocidade indireta” e de bens públicos, eles observaram que a necessidade de se manter a reputação para a “reciprocidade indireta” mantinha a contribuição individual para os bens públicos num nível muito alto. Sem tais jogos de “reciprocidade

de seleção), diante da ausência de vagas para voluntários em uma entidade, exclamou, furiosa, algo equivalente a “Como é que pode haver pessoas tão egoístas a ponto de fazerem trabalho voluntário sem precisar, tirando a oportunidade de pessoas como eu, que preciso deste trabalho voluntário!“

15 Ver MILINSKI, Manfred &WEDEKIND, Claus. "Cooperation through Image Scoring in Humans". In: Science Magazine, n.288, 5/mai/2000. Washington: American Association for the Advancement of Science, 2000, p.850-852. “A ‘tragédia dos comuns’, isto é, a exploração egoísta dos recursos no domínio público, é uma explicação de muitos dos nossos conflitos diários. Entretanto, humanos são freqüentemente mais prestativos a outros do que a teoria evolucionária teria previsto, ao menos que a reciprocidade indireta tivesse lugar e fosse baseada em reputação [image scoring] (que reflete a maneira pela qual o indivíduo é visto pelo grupo), como recentemente

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indireta”, o nível de contribuição para os bens públicos caía para praticamente zero, como a própria teoria dos bens públicos prevê:

The problem of sustaining a public resource that everybody is free to overuse—the 'tragedy of the

commons'—emerges in many social dilemmas, such as our inability to sustain the global climate.

Public goods experiments, which are used to study this type of problem, usually confirm that the

collective benefit will not be produced. Because individuals and countries often participate in

several social games simultaneously, the interaction of these games may provide a sophisticated

way by which to maintain the public resource. Indirect reciprocity, 'give and you shall receive', is

built on reputation and can sustain a high level of cooperation, as shown by game theorists. Here

we show, through alternating rounds of public goods and indirect reciprocity games, that the need

to maintain reputation for indirect reciprocity maintains contributions to the public good at an

unexpectedly high level. But if rounds of indirect reciprocation are not expected, then

contributions to the public good drop quickly to zero. Alternating the games leads to higher profits

for all players. As reputation may be a currency that is valid in many social games, our approach

could be used to test social dilemmas for their solubility.” 16

Um ambiente com alto nível de capital social, por meio de sua rede de relações sociais, seria um “solo fértil” para o desenvolvimento da “reciprocidade indireta” e, portanto, para a solução de dilemas como os da “tragédia dos comuns”, embora os autores do estudo não tenham feito uso deste conceito.

É certo, ainda, que haja um outro motivador intrínseco das ações altruístas dos seres humanos. Este tem origem muito mais cultural, com base nas crenças individuais, que são construídas a partir da educação recebida pelos pais ou quaisquer outros que tenham participado da criação e crescimento do indivíduo, e em valores morais, que podem ter origem de ordem religiosa (uma sociedade predominantemente católica, como a brasileira, tem enraizados em sua cultura alguns valores originalmente pertencentes à moral católica) e diversas outras origens, das quais a Antropologia se ocupa estudar (padrão de colonização, hábitos dos ancestrais e mesmo o desenrolar da história desta sociedade, que depende de uma profusão tão grande de fatores e de pessoas que limita as possibilidades de simplificação).

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havia renunciado a uma vida de conforto ou qualquer acumulação de bens materiais, e mesmo títulos e reconhecimento público pouco pareciam lhe motivar (ao saber que havia recebido o Prêmio Nobel da Paz, simplesmente juntou-se com outras religiosas que a cercavam e convidou-as para um momento de oração). Mas nada disso implica que suas ações deixaram de ser auto-interessadas. Suas ações altruístas e a dedicação de sua vida a ajudar os outros estava fortemente calcada em sua fé, na doutrina religiosa dentro da qual foi educada, nos valores que acreditava etc. Estava, portanto, maximizando seu bem-estar por meio da “paz de espírito”, do conforto advindo de fazer aquilo em que acreditava, e seguramente ela se sentia melhor assim do que de qualquer outra maneira.

A Teoria dos Jogos e a possibilidade da cooperação

Singer afirma que em todas as sociedades podemos encontrar tendências de cooperação e de competição, algo que não podemos modificar, mas que podemos alterar o balanço entre estes dois elementos por meio de políticas públicas e de configurações institucionais específicas (SINGER, 1999, p.44). Para isso, ele resgata o famoso Dilema do Prisioneiro, um exemplo clássico da Teoria dos Jogos, que procura mostrar, num jogo com apenas dois atores, a decisão que cada um dos atores tenderá a tomar.

Figura 2: Dilema do Prisioneiro. Fonte: PINDYCK & RUBINFELD, 1997, p.455.

Dois prisioneiros foram acusados de colaborar em um crime. Eles estão em celas separados e não podem se comunicar um com o outro. A cada um deles foi pedido que confessasse o crime. Se ambos os prisioneiros confessarem, cada um receberá uma pena de 5 anos de prisão. Se nenhum deles confessar, será difícil obter provas do crime, portanto os prisioneiros teriam sua pena reduzida para apenas 2 anos cada um. Por outro lado, se apenas um dos prisioneiros confessar, o que confessou receberá uma pena de apenas 1 ano, enquanto o outro passará 10 anos na prisão.

A figura acima mostra a chamada “matriz de pay-offs”, isto é, a matriz de

recompensas (positivas e/ou negativas) com a qual ambos os prisioneiros se defrontam para tomar sua decisão de confessar ou não o crime. Como mostra a matriz, todas as recompensas 16 Ver MILINSKI, Manfred, SEMMANN, Dirk & KRAMBECK, Hans-Jürgen. “Reputation helps solve the 'tragedy of the commons'”. In: Nature, n.415, 24/jan/2002. p.424-26.

P ri si on ei ro A Confessa Não confessa

Confessa Não confessa

Prisioneiro B

-5, -5 -1, -10

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possíveis são negativas. Os prisioneiros enfrentam um dilema. Se eles pudessem ambos entrar em um acordo de não confessar, então cada um deles iria para prisão por apenas dois anos. Mas eles não podem conversar entre si, e mesmo que eles pudessem, eles poderiam confiar um no outro? Se um deles não confessar, ele arriscará ser trapaceado por seu antigo comparsa. Afinal, não importa o que o Prisioneiro A faça, o Prisioneiro B leva vantagem confessando, e vice-versa. Portanto, ambos os prisioneiros provavelmente acabam confessando e vão para a prisão por 5 anos cada. (PINDYCK & RUBINFELD, 1997, p.455-6)

O Dilema do Prisioneiro aparece no nosso dia a dia de muitas outras formas. Singer, por exemplo, ilustra uma situação na qual os moradores de uma metrópole como São Paulo enfrentam todos os dias ao saírem de casa para o trabalho. Todos estariam melhor se, no lugar de pegarem seus carros para enfrentar um trânsito intenso, usassem transportes públicos, que trafegariam rapidamente em vias sem carros. Mas não é do interesse individual de ninguém trocar o carro pelo ônibus, pois enquanto a maioria das pessoas continuar utilizando o carro, os ônibus trafegam ainda mais lentos do que os carros, e as pessoas que os pegam demoram mais para chegar em seu trabalho do que se fossem de carro. O dilema enfrentado diariamente por estas pessoas é muito similar ao enfrentado no Dilema do Prisioneiro: não há nenhum interesse de um indivíduo em trocar o carro pelo ônibus enquanto todos os outros (ou a grande maioria) também não o fizer (SINGER, 1999, p.49). A teoria dos jogos também aparece em problemas, digamos, mais políticos, como a corrida armamentista – os EUA não têm incentivo para se desfazer de suas ogivas nucleares enquanto o Irã e a Coréia do Norte continuarem com seus programas nucleares.

Entretanto, na maioria dos casos (inclusive nos dois citados no parágrafo acima), é possível mudar a “matriz de recompensas”. No caso dos ônibus × carros, é possível construir corredores exclusivos para ônibus e, no caso da corrida armamentista, é possível contar com inspeções de armas por um órgão supranacional (ONU) ou, num exemplo mais hipotético, invadir o país e tentar desarmá-lo à força (caso as referidas armas sejam encontradas).

(31)

parece ser a da cooperação. Para testar esta hipótese, Axelrod17 simulou num computador estratégias sugeridas por diversas pessoas para um jogo com situação similar ao do Dilema do Prisioneiro, mas com 200 repetições – que variava dos extremos de sempre cooperar ou de sempre desertar (não cooperar). A estratégia vencedora era uma estratégia na verdade muito simples, chamada Tit for Tat. Esta estratégia consistia no seguinte: todo encontro com um

novo “prisioneiro” começava com a cooperação. Nas rodadas seguintes, fazia-se exatamente o que o outro prisioneiro havia feito na rodada anterior, isto é, continuava cooperando enquanto o outro prisioneiro cooperava, e passava a desertar assim que o outro prisioneiro desertasse da cooperação. (SINGER, 1999, p.50)

Uma questão relevante, então, seria a de como uma estratégia do tipo Tit for Tat

poderia funcionar, na prática, em uma determinada sociedade. O capital social, como veremos, tem um papel fundamental neste sentido. Comecemos com algumas considerações de Singer:

(…) the only permanent solution is to change the pay-offs so that cheats do not prosper. (…) We need to think about how to set up the conditions in which cooperation thrives. The first problem to

deal with is that of scale. Tit for Tat cannot work in a society of strangers who will never

encounter each other again. No wonder that people living in big cities do not always show the

consideration to each other that is the norm in a rural village in which people have known each

other all their lives. What structures can overcome the anonymity of the huge, highly mobile

societies that have come into existence in this century and show every sign of increasing in size

with the globalization of the world economy?” (SINGER, 1999, p.52)18

Singer faz aí uma ponderação interessante sobre um possível limitador de capital social: a dimensão da sociedade ou do grupo de pessoas que se está levando em consideração. Ainda que seja impossível determinar uma quantidade específica de pessoas, além da qual as relações tenderiam a ser mais “fracas”, mais distantes e menos freqüentes, é certo que a Lei dos Rendimentos Decrescentes, para citar outro termo familiar à Economia, aplica-se no caso do capital social. Ao menos no nível cognitivo, é razoável considerar a hipótese de que quanto maior a quantidade de pessoas envolvidas numa teia de relações, mais fraco seria cada fio desta teia, e menor seria a freqüência em que as mesmas duas pessoas se relacionam,

17 Ver AXELROD, Robert. The Evolution of Cooperation. Nova York: Basic Books, 1984. 18 “(…) a única solução definitiva é mudar os resultados [

pay-offs] de maneira que os trapaceiros não prosperem.

(…) Precisamos pensar em como estabelecer as condições nas quais a cooperação prospera. O primeiro problema a lidar é o de escala. Tit for Tat não funciona numa sociedade de estranhos que nunca irão se encontrar

(32)

dificultando a criação de “reputação” e, com isso, a dificultando a geração de “confiança”, uma das “pedras fundamentais” do capital social.

Claus Offe rebate este raciocínio com dois argumentos. Em primeiro lugar, é preciso considerar, além de elementos “cognitivos” do capital social, também os elementos ditos “estruturais”, quais sejam, as instituições políticas e econômicas existentes naquela sociedade, o conjunto de regras e de mecanismos institucionais-legais, a influência e o poder dos outros dois fundamentos da arquitetura da ordem social (Estado e Mercado), além de outros elementos que também influenciam, quando não em intensidade ainda maior, o desenho da matriz de recompensas. Ou seja, tais fatores também contribuem para uma “conduta esperada” e para a geração de “confiança” – além de intrínseca, isto é, “conheço a reputação daquela pessoa e tenho certa segurança com relação a como ela tenderá a agir comigo em tal situação”, a confiança também pode ter uma origem extrínseca, isto é, “aquela pessoa deverá agir como a regra legal estabelece, e se não agir, tenho confiança nas instituições existentes para coagi-la a agir daquela maneira em tal situação”.

O segundo argumento de Offe é que nada garante a superioridade de comunidades pequenas e homogêneas (que ele denomina comunitarismo excessivo) com relação a grandes

aglomerações heterogêneas como, via de regra, são configuradas as metrópoles. Ao contrário, Offe analisa que comunidades pequenas e altamente homogêneas, quase que constituindo um grupo social ou étnico diferente dos demais, tendem a ser exclusivistas e anti-igualitários, além de mencionar “os padrões freqüentemente autoritários e paternalistas que esses grupos quase tribais tendem a desenvolver” (OFFE, 1999, p.140-41). Sen também vê com ressalvas essas comunidades as quais consideramos ter um capital social denso:

“Community-based ethics, which enhances social solidarity or what is called ‘social capital,’ can have dichotomous features, since a strong sense of group affiliation can have a cementing role within that group, while encouraging rather harsh treatment of non-members, seen as ‘others’ who do not ‘belong’.” (SEN, 2003, p.6)19

Neste sentido, maior densidade populacional e maior heterogeneidade em termos étnicos, culturais etc. não são necessariamente uma desvantagem, como ainda podem apresentar vantagens para a criação de um ambiente próspero para o desenvolvimento da democracia e da confiança entre seus habitantes. Offe também nos lembra que “democracias

(33)

são criadas, tipicamente, como concessão recíproca firmemente estabelecida como segunda opção preferida de todos aqueles que são fracos demais para impor sua opção preferida respectiva (não-democrática).” (OFFE, 1999, p.122), como normalmente é o caso daquelas sociedades onde a heterogeneidade e a diversidade de interesses leva a que não exista uma ou poucas pessoas capazes de falar em nome de todos, e força esta sociedade a criar mecanismos de representação desta mesma diversidade, de maneira a ter todos os interesses possíveis representados de alguma forma (ver citação de Beccaria na página 24).

Mas o desafio de se estimular o Tit for Tat numa metrópole de milhões de

habitantes permanece. Quais os arranjos institucionais que podem superar este desafio? Numa metrópole com mais de dez milhões de habitantes, como São Paulo, é difícil pensar a relação de uma Prefeitura com seus cidadãos em termos de “governo local”, isto é, da instância de governo mais próxima de seus cidadãos. A grande maioria da população ainda se sente muito distante e pouco representada numa cidade com essas dimensões, e nas regiões mais periféricas até mesmo a idéia de um Estado se faz ausente, tal o sentimento de abandono e de predomínio da “lei de Deus” ou da “lei da natureza” (em um sentido hobbesiano) sobre a “lei dos homens”.

A criação de Subprefeituras ou de outras formas mais descentralizadas de governo local (Administrações Regionais, Regiões Administrativas etc.), a instituição de formas participativas de decisão sobre a destinação de parte do Orçamento Público (como o Orçamento Participativo), o estímulo à criação das Associações de Moradores de Bairro etc. são bons exemplos de arranjos institucionais que acentuam o sentimento de inter-relação e de interdependência entre os habitantes de uma determinada região de uma metrópole. As eleições dos subprefeitos, dos representantes do conselho do Orçamento Participativo, dos representantes da Associação dos Moradores do Bairro são importantes para se garantir o respeito e a representação dos diversos interesses envolvidos. Mas as formas mais diretas de participação, como as audiências públicas, os referendos e outras reuniões abertas a todos os habitantes daquela comunidade são também importantes, na medida em que se constituem em oportunidades de sucessivas rodadas deste “jogo cívico”, e portanto de se estabelecer e disseminar reputações, de se estabelecer relações de confiança (garantidos mecanismos mínimos de accountability que permitam sanções no caso de quebra desta confiança) e de se

Imagem

Figura 1: Dimensões do Capital Social
Figura 2: Dilema do Prisioneiro. Fonte: P INDYCK  & R UBINFELD , 1997, p.455.
Figura 3: Rede sem (a) e com (b) closure
Figura 4: Rede envolvendo pais (A, D) e filhos (B, C) sem (a) e com (b) closure intergeracional

Referências

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