FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA
CURSO DE MESTRADO EXECUTIVO
o
DEBATE SOBRE REFORMAS E
REGULAÇÃO E O CASO DA ANEEL
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PúBLICA E DE EMPRESAS P ARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQIDSA CURSO DE MESTRADO EXECUTIVO
TÍTULO
o
DEBATE SOBRE REFORMAS E REGULAÇÃO E O CASO DA ANEELDISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA POR: JOFFRE CASTELO BRANCO CAVALCANTE JÚNIOR
E
APROVADO EM 13 / 12 /2002 PELA COMISSÃO EXAMINADORA
CE':-INA
ms
D' ARAUJODOUTORA EM CillNclA POLÍTICA
~iJUEDIGER
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus familiares, pelo apoio incondicional em todas as circunstâncias; aos amigos fiéis e verdadeiros, pela coragem e franqueza nas críticas positivas, e a todas as pessoas que acreditam na honestidade e praticam a seriedade.
Agradeço à minha orientadora, profi Dra. Maria Celina Soares D' Araujo, pelo esforço incansável em me fazer perceber o melhor caminho a seguir e, sobretudo, pela enorme paciência e compreensão durante a realização do trabalho. Agradeço também ao prof. Df. Edson Nunes, pelos comentários e sugestões, importantes no processo de ajustamento de idéias nesse trabalho.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo verificar em que medida a flexibilização da gestão de recursos humanos na agência reguladora do setor elétrico brasileiro é consistente com a independência regulatória, entendida como autonomia de gestão nas dimensões financeira, técnica e de recursos humanos. A independência das agências reguladoras constitui mecanismo contra os efeitos negativos das ações de interesses privados, ou rent-seekers, e o uso político inadequado, gerador de ineficiências econômicas. O trabalho descreve o processo de constituição da diretoria colegiada, o regime e o quadro de pessoal vigente, e analisa o processo de reestruturação do setor elétrico brasileiro, concluindo que a contratação temporária e a tentativa de implementar regime jurídico diferenciado repete os equívocos e disfunções que caracterizaram a burocracia pública desde os anos trinta.
This work aims to verify to wich extent human resources flexibility in regulatory agencies in Brazil is consistent with regulatory independence, required in its tinnancial, technical and personnel dimensions. Regulatory independence provides protection against the negative effects of rent-seeking activities, vested interests and political use of regulatory agencies. The work describes the formation process of the national electricity sector regulatory agency, its labour legal regime, management board and restructuring process of the brazilian electricity industry. It concludes that pre-stablished term hiring and the attempt to modify labour regime sets to repeat bureaucratic disfunctions that has typically characterized brazilian public sector since the thirties.
SUMÁRIO
INTRODUÇAO ... 01
Cap.l ARTICULAÇÃO ESTADO-SOCIEDADE: NOVAS RELAÇÕES ... 04
Cap.2 REFORMAS DO ESTADO NO BRASIL. ... 17
Cap.3 A NOVA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ... 27
Cap.4 NOVO INSTITUCIONALISMO, PUBLIC CHOICE E A NOVA ECONOMIA DAS ORGANIZAÇÕES ... .43
Cap.5 A AUTONOMIA E A INDEPENDÊNCIA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS ... 57
5.1 A Reforma Regulatória ... 57
5.2 As Agências Reguladoras Independentes ... 60
5.3 A Crise do Setor Elétrico no Brasil ... 63
5.4 O Quadro de Pessoal da ANEEL e a Independência Regulatória ... 73
CONCLUSAO ... 82
A REFEREN elAS ... 88
Quadro Comparativo entre as Características do Paradigma Weberiano e o
Paradigma Gerencial ... 39
Quadro de Pessoal da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) ... 77
INTRODUÇÃO
A reforma do Estado passou a figurar como tema central nas agendas de diversos países
ocidentais a partir do final da década de setenta. As discussões acerca da necessidade de reforma
das estruturas governamentais giravam em tomo da crise fiscal e de suas crises conseqüentes: a
crise do Estado do bem-estar social e a do modelo burocrático de administração pública.
O movimento de reforma atingiu particularmente o setor público. A rigidez procedimental
típica do modelo burocrático tomou-se empecilho à capacidade de adaptação, ajuste e reação aos
novos desafios manifestados pelas mudanças políticas, econômicas, sociais e tecnológicas. A
necessidade de responder de maneira ágil e flexível às novas demandas e condições resultou no
estabelecimento de um amplo debate sobre a eficiência e a melhoria da qualidade dos serviços
públicos. Tal debate evoluiu para a consagração de uma série de conceitos que passaram a
denominar-se genericamente administração pública gerencial ou nova administração pública.
A administração pública gerencial compunha princípios relativos à maior flexibilização da
gestão pública, visando a aproximar o governo das demandas mais imediatas e prementes do
cidadão-contribuínte que, segundo os defensores do paradigma emergente, permaneceram
relegados a uma posição de importância secundária no conjunto de prioridades do Estado.
Por outro lado, esse mesmo Estado padecia dos efeitos da crise fiscal. O modelo de
industrialização via substituição de importações, característico do "Estado desenvolvimentistà' ,
entrou em colapso na maioria dos países em desenvolvimento. Fenômeno semelhante ocorreu nos
países industrializados, particularmente no continente europeu. Ali, o ciclo de crescimento
econômico iniciado após o final da Segunda guerra mundial chegava ao fim, derrotado pela crise
No bojo do conjunto de soluções para a crise, tomou-se proeminente o que viria a ser
denominado "Estado regulador' , descentralizado, flexível e caracterizado pela proliferação de
agências reguladoras. As agências reguladoras passaram a ser sinônimo de modernização
administrativa. Copiadas do modelo de comissões reguladoras independentes (independent
regulatory commissions), vigente nos Estados Unidos da América desde o final do século XIX, as
agências reguladoras seriam, conceitualmente, dotadas de autonomia administrativa e revestidas
de maior independência.
Os pressupostos básicos da independência regulatória são a autonomia quanto à gestão de
recursos humanos, independência financeira e decisória em termos de arbitramento de questões
específicas às suas áreas de atuação. A independência das agências reguladoras tomou-se
princípio básico face às ameaças de captura destas por políticos, interesses privados e burocratas,
engajados na busca de vantagens, rendas e privilégios.
O objetivo deste trabalho é verificar em que medida a flexibilização da gestão de recursos
humanos implementada nas agências reguladoras brasileiras é compatível com independência
pretendida para tais entes administrativos.
A experiência acumulada desde o início do processo de industrialização brasileiro no
tocante ao uso clientelístico das autarquias e empresas públicas provoca questionamentos sobre a
factibilidade de agências verdadeiramente autônomas e independentes no contexto público
brasileiro.
Como elemento empírico, foi estudado o processo de reforma do setor elétrico brasileiro e
a criação da Agência Brasileira de Energia Elétrica (ANEEL), com ênfase na formação de seu
quadro funcional. No trabalho, é descrito o processo de escolha de dirigentes da ANEEL e os
modelos tarifários adotados após a privatização do setor. Busca-se demonstrar que o caráter
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em especial no que se refere à formação do quadro da agência e ao controle sobre os atos e
decisões tomadas no âmbito do processo regulatório.
Para a consecução do trabalho, foram utilizadas fontes bibliográficas relativas ao tema
oriundas da academia e da mídia impressa e eletrônica. O planejamento inicial do trabalho previa
a realização de uma série de entrevistas, no âmbito da ANEEL, com a finalidade de captar "in
locd' elementos do processo decisório potencialmente relevantes como suporte empírico aos
pressupostos teóricos referenciados.
Após contínuas tentativas de agendamento, foi possível estabelecer contato com a
funcionária da agência designada exclusivamente para atender as solicitações de cunho
acadêmico. Os dados disponibilizados, no entanto, mostraram-se superficiais e em sua totalidade
disponíveis em outros meios. Observou-se, destarte, excessivo resguardo quanto ao conhecimento
público de processos internos à agência, contrariando, vale dizer, princípios de transparência
Em meados da década de 1970, a crise econômica deflagrada pela desestabilização dos
preços do petróleo começou a desfazer o que se costumou chamar "os trinta anos gloriosoS" na
Europa, período situado entre o final da segunda guerra mundial e o início da crise, em 1973. O
Estado que começava a entrar em crise tinha três dimensões interligadas. A dimensão econômica,
também denominada Estado Keynesiano, era caracterizada pela intervenção estatal na economia,
tendo como fundamento a garantia de pleno emprego e o investimento em setores considerados
estratégicos. A dimensão social, denominada Estado do Bem-estar social ou "welfare state" , 1inha
como objetivo prover o atendimento de demandas sociais relacionadas à educação, saúde e
previdência social. A dimensão administrativa, denominada "modelo weberiano" , 10mecia a
estrutura organizacional ideal requerida para a aplicação do modelo econômico Keynesiano
(Abrucio, 1996: 07). A crise do Estado contemporâneo inaugurou um importante processo de
mudança nas relações entre o Estado e a sociedade, no qual o primeiro deixou de ser o principal
agente de mudança e a sociedade civil passou a ser um ator mais participante. Segundo Bresser
Pereira (1998 a: 67), no período anterior à formação capitalismo, as esferas pública e privada não
se distinguiam, e a problemática da afirmação do Estado sobre a sociedade ou da sociedade sobre
o Estado não existia. Quando Estado e sociedade passaram a ser instâncias claramente distintas,
surgiu o problema da construção e consolidação do Estado nacional perante uma sociedade
fragmentada e oligárquica.
Antes da afirmação da democracia como base do relacionamento entre o Estado e a
sociedade, o agente de mudança sempre foi uma elite oligárquica de natureza aristocrática ou
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modelo de Estado seguiu-se o aparecimento de duas visões: a pnmeIra baseava-se no ideal
hegeliano de transformar o Estado e sua estrutura nos agentes transformadores da história; a
segunda incluía a burguesia como componente das elites fautoras da mudança. A partir do final
do século XIX e, principalmente, no início do século XX, a democracia estava se transformando
no regime político emergente. As teorias elitistas, sejam aquelas fundamentadas na burguesia e na
aristocrática, ou baseadas na burocracia e no proletariado, abriam espaço para a ascensão e o
fortalecimento do conceito de sociedade civil democrática.
Sociedade civil é o aspecto político da sociedade, forma por meio da qual a sociedade se
estrutura para influenciar a ação do Estado. Entre a sociedade de um lado e o Estado e o mercado,
de outro, temos a sociedade civil. À medida em que avançaram as práticas democráticas em
sistemas econômicos e sociais, a existência de agentes políticos autônomos situados dentro do
Estado passou a perder legitimidade e aceitação. A sociedade estruturada na forma de sociedade
civil passa a ser o ator fundamental que, nas democracias contemporâneas, é o agente promotor
das reformas institucionais do Estado e do mercado (Bresser Pereira, 1998 a: 71).
A sociedade civil é, com relação ao Estado, um fenômeno histórico resultante do processo
de diferenciação social. A sociedade civil é, ainda, resultado de um processo interno de
transformação no qual os agentes individuais que dela participam tendem a tornar-se mais iguais,
conferindo a ela um caráter mais democrático.
Nas democráticas contemporâneas, existe um padrão fundamental de relacionamento
marcado pela ação da sociedade civil sobre o Estado e o mercado. A sociedade civil, situada entre
a sociedade e o Estado, deixa de ser passiva, dominada pelo estado ou mercado, e passa a buscar,
ativamente, reformar ambos. Nas sociedades pré-capitalistas, a classe dominante apoderava-se do
Essa relação mudou radicalmente quando a democracia deixou de ser uma utopia e se
transformou em uma possibilidade (Bresser Pereira, 1998 a : 73).
O surgimento da democracia e o fortalecimento da sociedade civil têm sido os fatores
mais importantes no que se refere à capacidade do Estado em manter certo grau de autonomia no
ambiente econômico e político contemporâneo. Ao longo da última década, diferentes correntes
filosóficas tem questionado a capacidade do Estado em estabelecer políticas de forma autônoma.
Os Estados continuam com ampla capacidade de definir políticas, desde que seus governos sejam
capazes de criar instrumentos de governabilidade e de governança. Governabilidade refere-se
principalmente à legitimidade do governo junto à respectiva sociedade civil, e governança é
relacionada à saúde financeira do estado, à competência de seus entes políticos ~ burocráticos em
tomar decisões estratégicas e à existência de instituições capazes de viabilizar a implantação de
uma administração efetiva e eficiente do Estado. Dito de outra forma, a globalização impõe
limites à capacidade de decisão do Estado-nação em grau variável: limitará tanto menos quanto
maior for sua capacidade interna de governabilidade e governança. A sociedade civil não
substitui o Estado, mas cresce e se fortalece com ele. O Estado forte será aquela dotado de alto
grau de governança e governabilidade democrática (Bresser Pereira, 1998 a: 88).
Offe (1998 : 122) enumera quatro razões pelas quais a democracia passou a figurar como
opção política por um número significativo de países. Em primeiro lugar, a democracia garante,
em princípio, direitos e liberdades e dão ao conflito político um caráter não violento, limitado e
civilizado, assim como características incrementais às mudanças. O potencial dos regimes
democráticos é talvez o atrativo para os povos oriundos dos horrores dos regimes predecessores.
A segunda razão para a ação normativa da forma democrática é seu feito internacional, que data
da famosa formulação de Immanuel Kant em 1795, segundo· a qual democracias não entram em
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à maior possibilidade do progresso social, devido ao pressuposto de que as democracias tendem a
servir aos interesses dos segmentos menos privilegiados da sociedade. A quarta razão tem relação
com a existência da cidadania, na qual um indivíduo emprega suas capacidades cognitivas e
morais para solucionar problemas políticos de forma coletiva e deliberativa. (Offe, 1998: 122).
O crescimento quantitativo das democracias, entretanto, não reflete avanços qualitativos.
Um número significativo de novas democracias parece haver se transformado em meras
democracias eleitorais, delegativas ou subordinadas às elites pouco afeitas ao controle e a
qualquer forma de accountability (Offe, 1998: 123).
Apesar desse avanço considerável da democracia em todo o mundo e da sua consolidação
nos países ricos, continuam a existir dentro da sociedade civil "interstícios incivís" , <.bs quais são
mais representativos as máfias de diversos gêneros, os fundamentalismos religiosos e as
resistências locais. Essas sociedades "incivis' interpõem desafios tanto para o Estado quanto para
a sociedade civil. Os desafios do Estado em relação a esses agrupamentos estão relacionados ao
preenchimento das demandas econômicas e sociais das comunidades como forma de deter o
avanço de entes paralelos, cujas ações se operam fora dos parâmetros legais estabelecidos. Para a
sociedade civil o desafio está em apoiar o Estado nesse processo, já que o fortalecimento de um
está fortemente ligado ao fortalecimento do outro.
No Brasil, um dos vetores no qual articulação entre Estado e sociedade se reveste de
importância fundamental é a problemática da concentração de renda, da exclusão social e dos
níveis de pobreza registrados no país. Para a compreensão do problema, entretanto, devem ser
superados os esquemas analíticos e explicativos fundados exclusivamente em pressupostos
ideológicos. Para Bresser Pereira (1998a: 86), "a concentração de renda e a exclusão que vem
ocorrendo neste último quarto de século não são causadas por esses interesses ;; ideologias, mas
relacionadas com a flexibilização do contrato de trabalho e com a privatização de monopólios
naturais, apesar de seu repetido fracasso em lograr estabilidade e desenvolvimento econômico e
da perda de legitimidade política que sofreram nos anos recentes, contribuem para esse processo
de exclusão. Isso tem ocorrido especialmente nos países em desenvolvimento que, mais
suscetíveis à pressão internacional, as aceitam indiscriminadamente, revelando pouca capacidade
de defender seu interesse nacional' (Bresser Pereira, 1998a: 86).
Embora os defensores das políticas denominadas neoliberais continuem a advogar pelo
laissez-faire e a louvar a mão invisível do mercado, orientam-se por paradigmas
neo-institucionalistas ou de "escolha racional' e "teoria dos jogos'. Pressupõem, portanto, o
princípio da agência em relação às instituições e à ordem social e econômica: agir sobre esta
última significa mudar instituições a partir da ação individual de agentes racionais. Duas
questões-chave, uma positiva e outra normativa, estão sendo tratadas no âmbito dessas tradições
de pesquisa política e social. A questão positiva inquire de que forma configurações particulares
de agentes se correlacionam com os resultados particulares de suas ações. A partir desta se
desdobra a questão normativa: que mudanças na configuração dos agentes surtiriam efeitos
superiores no que se refere a critérios de avaliação como sustentabilidade e justiça social? Essa
semelhança básica de abordagem entre grupos intelectuais ideologicamente opostos - neoliberais
e neo-institucionalistas - reflete o domínio crescente das sociedades sobre o seu próprio destino e
o aumenta da sua capacidade de influenciar a própria história. (Bresser Pereira, 1998 a : 88).
As sociedades modernas sofrem crescentemente os constrangimentos decorrentes da
presença de conexões transnacionais, que trazem para o contexto local forças capazes de
sobrepor-se até mesmo aos controles das elites políticas nacionais. Um movimento errado pode
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Diante desse conjunto de capacidades e constrangimentos, outro questionamento torna-se
central: que tipo de instituição deve alicerçar a construção do Estado moderno? Offe (1998 : 128)
afirma que as soluções mais promissoras são impuras, não devendo ser utilizado exclusivamente
nenhum dos três princípios (mercado, Estado e sociedade), mas cada um deverá ter seu papel
assegurado em um arranjo institucional complexo.
Offe aponta seis abordagens patológicas na construção de instituições sociais e políticas,
as quais denomina falácias: a falácia do estatismo excessivo, a falácia da capacidade de governo
"pequena demais' , a falácia da excessiva confiança nos mecanismos de mercado, a falácia da
limitação excessiva das forças de mercado, a falácia do comunitarismo excessivo e, finalmente, a
falácia de negligenciar comunidades e identidade. Sobre a primeira falácia, afirma que os críticos
liberais dos governos grandes merecem o crédito da demonstração de que estatismo excessivo
freqüentemente inculca disposições de dependência, inatividade, rent-seeking, irresponsabilidade
fiscal e corrupção (Offe, 1998: 133).
Sobre a falácia da capacidade de governo pequena demais, afirma que deve-se prestar
atenção à patologias que surgem quando o Estado "desaparece' sob o ataque de forças políticas
libertárias ou sob o impacto de crises fiscais severas. As deficiências na performance dos Estados
estão sendo diagnosticadas hoje com respeito a todos os aspectos já mencionados: proteção
social, lei civil, lei e ordem e poder de extração de receitas. Aparentemente, o Estado moderno
tem sofrido mais da patologia das deficiências do que da patologia da hipertrofia estatal, embora
os liberais de mercado procurem enfatizar a segunda. Talvez o Estado moderno esteja sofrendo
de uma combinação de hipertrofia e desempenho abaixo do necessário (Offe, 1998, pg.135). A
respeito das falácia da excessiva confiança nos mecanismos de mercado, Offe afirma que, exceto
para as categorias de renda muito baixas, a satisfação da vida e a felicidade sentida pelos
subseqüente demanda efetiva que essa renda permite que seja transformada em bens e serviços.
Quanto maiores são as rendas, menos elas são direcionadas para a satisfação de outras
necessidades que não a necessidade de evitar uma perda relativa de renda, necessidade essa
negativa e inteiramente induzida pelo mercado. O mercado premia a eficiência, contanto que as
vantagens competitivas venham como um prêmio por melhores métodos de produção e melhores
produtos, e não como prêmio por melhores métodos de evasão de impostos, de enganar os
consumidores e de reduzir parte dos custos de produção empurrando-os para o orçamento estatal
ou para o público em geral. Mas a eficiência é valorizada exclusivamente em um ambiente onde
os retardatários sejam punidos - em mercados (Offe, 1998: 136).
Uma vez que os mercados sejam deixados a si mesmos, os atores racionais conspirarão no
interesse de aumentar seus lucros individuais. Para escapar à ameaça competitiva posta por outros
participantes do mercado, constituirão cartéis e monopólios, subvertendo, amiúde, o ideal de
"liberdade de escolhà' em cujo nome os mercados são freqüentemente defendidos (Offe, 1998:
136).
Como os mercados são estruturalmente intolerantes a métodos não mercadológicos para
gerar e alocar itens de valor, eles podem causar o que pode ser chamado de "armadilha de baixo
nível' . Países onde formas privadas comerciais de provisão são amplamente considerados como
resposta padrão às condições de necessidade social, e onde qualquer expansão dos orçamentos
estaduais e federal é vista com o alarme costumeiro, são, ao mesmo tempo, aqueles onde
provisões complementares do Estado do Bem-Estar, onde elas existem, são mais facilmente
demolidas. A generalização até certo ponto paradoxal é que, quanto menor o Estado de
Bem-Estar, quanto mais precários e vulneráveis seus arranjos residuais, mais facilmente qualquer
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os grandes estados de bem-estar impedindo revisões e apresentando grande inércia (Offe, 1998:
138).
Outra falácia refere-se à da limitação excessiva das forças de mercado. Quando os
mercados são apropriadamente constrangidos e regulados, tendem a oferecer as melhores
respostas que se esperam deles. Além desse aspecto, os mercados, através da imposição contínua
de sanções positivas e negativas sobre os participantes das transações, fazem as pessoas mais
inteligentes do que elas seriam fora do contexto do mercado. Mas essa proposição deve ser
qualificada, pois se aplica somente se as recompensas positivas e negativas Vêm na forma de
incrementos ou perdas relativamente moderados. Ao contrário, se as recompensas mudam aos
saltos, as pessoas param de aprender e começam a confundir o mercado como uma loteria (Offe,
1998: 139). A quinta falácia, a do comunitarismo excessivo, refere-se ao recrudescimento dos
problemas pertinentes às identidades étnicas, nacionais e religiosas surgidas recentemente em
face da tendência de formação de blocos comunitários, notadamente a experiência européia. As
tensões existentes entre a política de identidade e os princípios igualitários de cidadania podem
ser explicadas pelas dificuldades particulares encontradas pela tentativa de resolução civilizada
dos conflitos de identidade quando comparados com a resolução dos conflitos de classe. A
identidade, ou a identificação apaixonada com alguma comunidade é, quase por definição.,
inalienável e não negociável. Enquanto conflitos de classe são levados a cabo entre atores
coletivos que dependem uns dos outros, e por essa razão carregam algum interesse, ao menos
implícito, no bem-estar dos seus oponentes, os protagonistas dos conflitos de identidade, ao
menos na sua versão mais radical, tendem a retratar não-membros como pessoas cuja ausência de
"nossà' comunidade ou território nacional é uma condição para o preenchimento de aspirações de
Para Abranches (1991: 56), um exame das experiências de revisão da máquina estatal em
países componentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
sobretudo nas décadas de setenta e oitenta, indica que não houve abandono total da lógica própria
das economias mistas - uma combinação de livre-mercado com espaços legítimos para a ação do
Estado como instância reguladora e intervencionista.
O processo de ajustamento macroeconômico nesses países teve como evento deflagrador a
exaustão do "modelo keynesiano" . As soluções keynesianas tornaram-se sem efeito diante da
crise econômica, da ocorrência simultânea de altas taxas inflacionárias e recessão, e da crescente
politização das transações econômicas. A crise fiscal e as distorções gerenciais, administrativas e
políticas nos aparatos de bem-estar social, são apontadas como vetores de mudança em direção a
novos padrões operacionais, sem, contudo, promover o desmonte do conjunto básico de direitos
sociais adquiridos ao longo do século XX.
O Estado é o elemento de conexão mais importante na mediação entre o sistema político e
o mercado. É regulado pelo sistema político e agente ativo da regulação e intervenção no
mercado, e por este influenciado, ao mesmo tempo em que o condiciona, estimula ou íestringe
(Abranches, 1991: 57).
Sua racionalidade, entretanto, leva amiúde a falhas que resultam em concentração
excessiva da atividade econômica, criando rigidezes e privilégios, ocasionando a promoção de
desigualdades e a diminuição da capacidade de combate à pobreza (Abranches, 1991: 58).
Em sistemas marcados pelo cartorialismo do Estado, as redes clientelistas e as estruturas
burocráticas despreparadas e obsoletas ficam encarregadas do provimento de serviços públicos
essenciais e ao atendimento às necessidades básicas da população. As vantagens advindas do
progresso econômico ficam concentradas nos grupos detentores de recursos de poder e pressão.
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cunho assistencial insuficientes para reverter definitivamente as condições de vida. Essas
condições terminam por aprofundar distorções de mercado que contribuem para a expansão do
Estado via criação de pólos de modernidade desvinculados das estruturas burocráticas e
clientelistas (Abranches, 1991: 60).
O equilíbrio entre Estado, mercado e sistema político pressupõe a redução simultânea do
poder do Estado sobre o indivíduo, a ampliação da autonomia da sociedade frente ao Estado e a
criação de condições sociais que permitam coibir o uso arbitrário do poder econômico
(Abranches, 1991 :62).
A capacidade exclusiva de mobilização técnica característica do Estado no passado já não
se apresenta no mundo contemporâneo. Só se equipara à capacidade técnica existente na
sociedade em algumas das suas mais modernas empresas, situadas em uns poucos segmentos da
burocracia. A crise de desempenho da economia iniciada nos anos oitenta tomou evidente a
impossibilidade de crescimento econômico nos mesmos padrões estabelecidos nas duas décadas
anteriores. O crescimento e diversificação da sociedade, que adquiriu maior complexidade e
tomou-se mais desigual, foi acompanhado da ampliação das formas de intervenção por parte do
Estado, resultando na multiplicação e expansão de gastos e crescimento da sua estrutura
administrativa.
Aumento das fontes de gastos, sistemas de incentivo, subsídios, novos órgãos, fundações
e empresas em superposição, são alguns dos exemplos das disfunções características do estado
brasileiro ao longo do período, contribuindo para comprometer a racionalidade da ação do
Estado, e a duplicação e justaposição de competências, aumentando desordenadamente os
quadros públicos (Abranches, 1991: 67).
Abranches (1992: 118), aponta os preconceitos relativos à natureza e aos papéis do estado
sistema político, e das dificuldades de percepção sobre as diferentes lógicas de operação como
mecanismos distributivos, resultando na defesa da "desestatização generalizadà' dos ultraliberais,
nas posturas estadistas extremadas e nos ataques contra as interferências políticas na economia.
A crise gerencial e financeira do setor público no Brasil tem raízes históricas e estruturais
profundas. Desde o início, o processo de desenvolvimento econômico nacional - mediante o uso
da capacidade técnica, evidenciada na formulação de programas de desenvolvimento
bem-sucedidos, particularmente, no pós-guerra - foi capaz de reduzir significativamente os custos da
acumulação de capital, com o recurso a subsídios e incentivos, que asseguraram a formação de
segmentos essenciais do setor empresarial privado. Protegeu setores nascentes da economia e,
posteriormente, praticamente toda a indústria nacional, das pressões competitivas externas com a
concessão de proteções legais e institucionais, especialmente pela constituição de reservas de
mercado, pela imposição de barreiras institucionais à entrada e pela administração das relações
no interior dos oligopólios, mediante a intervenção de órgãos públicos (Abranches, 1992: 131).
Regras e procedimentos rígidos, controle meramente formais e insuficiência orçamentária
tomaram a burocracia pública brasileira um pólo atrasado, sem recursos materiais,
organizacionais e técnicos suficientes para assegurar o exercício de suas funções essenciais. Para
escapar a esse formalismo gerador de ineficiências, promoveu-se a ampliação àesmesurada da
burocracia autonomizada, com a criação de fundações e empresas públicas não produtivas,
provocando descontrole ainda maior (Abranches, 1992: 137).
A estrutura legal e organizacional do estado também dificultava a reciclagem
adequada do pessoal excedente. As disparidades de qualificação e salários e a incongruência
entre os perfis e as habilitações do pessoal recrutado em excesso e as funções tomaram
praticamente impossível essa reciclagem. Tomou-se necessário alterar as regras de pessoal,
15
racionalizar seus quadros, o Estado precisaria, simultaneamente, contratar e demitir (Abranches,
1992: 139).
A burocracia autonomizada tomou-se progressivamente responsável por uma considerável
parcela do gasto público. Assim, criou-se uma poderosa inércia orçamentária, pois as dotações
para as fundações e empresa públicas são mais imunes aos cortes e os gastos menos passíveis de
controle. Na verdade, foi na década de setenta que se consolidou a burocracia autonomizada,
quando foram criadas praticamente todas as fundações, mais da metade das empresas públicas
que exercem funções típicas de governo, sem qualquer característica comercial real, e boa parte
das empresas públicas que desempenham funções com elevado índice de subsídio. A drástica
redução desse segmento do sistema estatal transformou-se em condição indispensável à
racionalização do gasto público, à efetiva descentralização da ação governamental, especialmente
para níveis inferiores da estrutura federativa, e á recuperação da burocracia pública (Abranches,
1992: 141).
Para sanar as disfunções da burocracia pública brasileira, seria necessário definir um
conjunto mínimo de critérios para implementação da reforma, entre os quais, desestatização,
desprivatização - no sentido da apropriação ilegal e ilegítima do bem público, especialização
funcional e profissionalização. Apenas a adoção desse conjunto básico de critérios permitiria a
transição do Estado cartorial tradicional para o Estado moderno regulatório.
Para Abranches (1991: 152), a desestatização e a desprivatização, além de reduzirem o
tamanho e os gastos do Estado, permitiriam conferir prioridade às funções públicas essenciais, a
partir da avaliação política e técnica da capacidade comparativa do estado e das necessidades
básicas da população. Com este processo seria possível reduzir significativamente o tamanho da
natureza, exigem formatos organizacionais incompatíveis com a natureza da burocracia pública
tradicional.
A especialização funcional viabilizaria a existência de um pequeno núcleo de agências,
reduzindo ou mesmo eliminando a justaposição de objetivos, funções e competências, que
caracterizariam a administração pública brasileira e as tentativas de reforma que se sucederam ao
CAPÍTULO 2
REFORMAS DO ESTADO NO BRASIL
As experiências de reforma da estrutura do Estado de maior importância no Brasil, até a
década de noventa, foram efetuadas por regimes autoritários. A primeira e mais importante delas
foi implementada pelo presidente de Getulio Vargas e pela ampla coalizão comprometida com
um projeto de modernização formada no seu governo. A segunda, implementada durante o
regime militar, foi introduzida pelo Decreto-lei nO 200, de 1967. Em ambos os casos, o esforço
reformador concentrou-se na dimensão administrativa da reforma do estado, envolvendo aspectos
relativos ao grau de centralização da burocracia, à hierarquia entre as unidades integrantes do
aparelho estatal, à articulação entre as diversas agências do Poder Executivo e à definição dos
órgãos normativos e fiscalizadores (Diniz, 2000: 31). Em 1937, Vargas criou o Departamento de
Administração do Serviço Público (DASP), cujo objetivo principal era implementar novas
diretrizes relativas à reforma da administração pública: estruturar o serviço público segundo as
características do modelo burocrático, supervisionar o serviço público e formar recursos humanos
para ocupar os cargos situados nos mais altos níveis do aparelho do Estado (Martins, 1995: 16).
À época, apenas duas instituições, o Exército brasileiro e o Itamaraty, além do Banco do Brasil,
eram estruturados segundo normas de ingresso, plano de carreira, critérios meritocráticos de
ascensão funcional e alto grau de profissionalização (Martins, 1995: 16). A reforma
implementada pelo governo Vargas, teve como traço distintivo a desconsideração de questões
fundamentais sob regimes democráticos, como a articulação e a independência entre os poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário e a autonomia dos partidos políticos. Apesar desse aspecto, a
reforma representou um corte profundo com o padrão oligárquico característico da República
marcantes eram a capacidade de intervenção na ordem econômica e social e a criação de
empresas no setor de infra-estrutura, delineando a formação do Estado empresário e criando as
bases para o futuro Estado desenvolvimentista (Diniz, 2000: 32).
A reforma administrativa de Vargas teve como parâmetro o modelo racional-legal,
implicando a criação de um órgão central de coordenação e padronização do serviço público, a
introdução de um estatuto do funcionalismo e definição de critérios universalistas de ingresso na
carreira pública.
Outro aspecto importante da reforma administrativa refere-se à incorporação de novos
atores ao sistema político mediante a implantação do modelo corporativo de intermediação de
interesses, opção que significou a integração de organizações patronais e operárias em estrutura
verticalizada e centralizada, diretamente vinculada ao Estado. Essas organizações receberam a
definição de entidades paraestatais e dependiam de recursos oriundos do Estado, razão pela qual
seus membros não imprimiam esforço suficiente para captar os recursos necessários à sua
expansão e sobrevivência.
A reforma teve início com a criação do Conselho Federal do Serviço Público, depois
transformado em Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) (Bresser Pereira,
1998b: 164).
As principais áreas objeto da reforma burocrática foram: a administração de pessoal, com
o sistema meritocrático dando fundamento à reforma; o orçamento e sua concepção como um
plano de administração; a simplificação e padronização da administração de material e a
racionalização de métodos. O DASP manteve também importante papel no estabelecimento de
vários órgãos reguladores. A partir desses órgãos, foi criado um pequeno grupo de empresas de
economia mista, dando origem, assim, ao núcleo estrutural do desenvolvimento econômico e
19
As reformas, contudo, não chegaram a atingir a amplitude pretendida, sendo limitada
pelas pressões clientelistas e pelo viés populista do governo Vargas. A incompletude das
reformas resultou no estabelecimento de um padrão dual de servidores públicos. De um lado, os
altos escalões da Administração Pública, altamente capacitados e referenciados como paradigma
de excelência burocrática. De outro, os escalões inferiores, que mantiveram as características já
existentes, ou seja, baixa capacitação, baixa remuneração e a cristalização dos mecanismos
clientelistas de recrutamento de pessoal vigentes. Como resultado, a burocracia pública brasileira,
excetuando-se o alto escalão, passou a ser acometida das patologias típicas das estruturas
burocráticas dos países subdesenvolvidos (Martins, 1995: 16).
Essa dualidade persistiu ao longo de todo o processo de industrialização nacional e
aprofundou as práticas cartoriais. O Estado cartorial é aquele que, embora tenha a aparência de
organização racional do serviço público, na verdade distribui cargos para a clientela política ou
para indivíduos ligados a dirigentes públicos, em retribuição, na maioria das vezes, à promessa de
votos e apoio político (Jaguaribe, 1998: 215). O desenvolvimento econômico fazia surgir a
necessidade de aquisição de conhecimentos técnicos mais sofisticados. Para responder aos
desafios e demandas subjacentes a este processo criavam-se novos entes públicos. Como afirma
Luciano Martins (1995: 16): "os aparelhos e os quadros do estado seguiram um pl'l.drão de
crescimento por sedimentação de estruturas sobrepostas e diferentes - quase como camadas
geológicas - com padrões decrescentes de eficácia e eficiência dos serviços públicos nas camadas
inferiores ou mais antigas' .
O pessoal não qualificado passou a ser desviado para as tarefas costumeiras de
atendimento ao público. Como o crescimento econômico não era suficiente para a criação de
empregos, o aparelho do estado passou a ser usado como bem político, tanto por políticos eleitos
Os altos escalões da burocracia estavam, de alguma fonna, livres da sistemática clientelista
instalada no âmbito do corpo de funcionários públicos menos qualificados. Entretanto, padeciam
das regulamentações burocráticas anacrônicas e da fixação de salários incompatíveis com suas
qualificações. Além disso, as mudanças periódicas do nexo político-administrativo impediam a
continuidade e o estabelecimento de um padrão de internalização do Estado. O alto escalão
burocrático passou a utilizar-se de mecanismos de defesa: criar novos órgãos semi-independentes
da administração direta e indireta - autarquias, empresas públicas - ou manter o monopólio da
infonnação e da competência, o que invariavelmente resultava na criação de feudos. O arcabouço
institucional resultante da refonna empreendida no governo Vargas não foi substancialmente
afetado após o fim do Estado Novo. Centralização do controle burocrático, Executivo forte,
subordinação dos sindicatos ao Ministério do Trabalho, estabelecimento de laços estreitos entre o
Estado e a classe empresarial e a diminuição d papel do legislativo no tocante à fonnulação de
políticas públicas persistiu como padrão de ação do novo regime (Diniz, 2000: 36). Contudo, a
deposição de Vargas, em outubro de 1945, significou a perda de respaldo geral à refonna
burocrática. No regime democrático ora em ascensão, o DASP sofreu corte significativo de suas
atribuições, sobretudo no que se refere às atividades da administração de pessoal a cargo dos
ministérios, tais como nomeações, transferências , promoções, licenças, medidas disciplinares,
etc. A partir daí, a refonna seria conduzida como uma ação governamental rotineira e dotada de
pouca importância, enquanto as práticas clientelistas retomavam terreno no âmbito do estado
brasileiro (Bresser Pereira, 1998b: 166).
Apesar de sua implementação no Brasil não haver sido completa, a refonna burocrática já
apresentava, no início dos anos 1960, sinais claros de que a rigidez que caracterizava o modelo
adotado transfonnara-se em obstáculo ao desenvolvimento econômico do país (Bresser Pereira,
1998b: 167).
~jULIOlt(;A MAHIO HtNHIUUE SIMUN8U
21
Em 1963, o governo João Goulart, por meio de seu Ministro extraordinário para a reforma
administrativa, Amaral Peixoto, deu início a estudos visando a recolocar a reforma burocrática no
caminho traçado anteriormente e a corrigir as distorções que haviam sido criadas no período
posterior ao retomo à democracia. Um dos projetos resultantes dos trabalhos da comissão
encabeçada por Amaral Peixoto estava diretamente ligado à reforma administrativa e
denominava-se "Anteprojeto de Lei Orgânica do Sistema Administrativo Federal' . Esse projeto e
os outros relativos à reforma foram enviados ao Congresso Nacional no início de 1964, não
sendo, contudo, votados e convertidos em lei (Bresser Pereira, 1998b: 168).
Após o golpe militar de 1964, os projetos da comissão Amaral Peixoto ainda tramitavam
no Congresso. Em novembro do mesmo ano foi criada a Comissão Especial de Estudos da
Reforma Administrativa (COMESTRA), presidida pelo então Ministro do Planejamento, Roberto
Campos, e incumbida de analisar os projetos existentes e criar outros com a finalidade de
melhorar a produtividade no setor público (Bresser Pereira, 1998b: 169).
O documento final da comissão transformou-se no Decreto-Lei nO 200, ou lei da Reforma
Administrativa. A nova lei estabelecia como princípios fundamentais da reforma o planejamento
voltado para o desenvolvimento econômico, social e a segurança nacional, a descentralização, a
delegação de competências, a coordenação e o controle (Bresser Pereira, 1998b: 169).
A reforma desenvolvimentista, como passou a ser chamada, teve como traço marcante a
promoção da descentralização no âmbito da Administração Pública indireta. Flmdações de direito
privado, empresas públicas, empresas de economia mista e autarquias receberam grande
autonomia, podendo, inclusive, contratar pessoal pelo regime celetista (Bresser Pereira, 1998b:
170).
O padrão de dualidade no serviço público continuou durante o período autárquico militar,
tennos fossem discutidos e votados no âmbito do Legislativo (Congresso Nacional), ficando, por
essa razão, livre das pressões das bases políticas. A filosofia básica da refonna tinha dois
aspectos essenciais. Primeiro, a instituição de diretrizes nonnativas relativas à existência de um
plano geral de governo, de planos plurianuais, nonnas para a alocação de recursos e programação
prévia de despesas (Martins, 1995: 19). O segundo aspecto referia-se à promoção da
descentralização funcional do aparelho do Estado mediante a delegação de autoridade a órgãos da
administração indireta - autarquias, empresas públicas, fundações, etc. - com os objetivos de
contornar a rigidez estrutural da administração direta e promover a adoção de práticas gerenciais
típicas da esfera empresarial privada no setor paraestatal, confonne explicitado no Art.27 do Dec.
Lei 200.
Os objetivos, entretanto, foram apenas parcialmente atingidos. A criação de órgãos
semi-independentes, empresas públicas e empresas controladas pelo Estado resultou na expansão
desses três níveis da administração pública. De um lado, essa expansão era altamente atrativa
para a burocracia desejosa de livrar-se da rigidez e da compressão salarial resultantes das
regulamentações estabelecidas pelo DASP; de outro, o estímulo à ação orientada para as práticas
gerenciais teve como conseqüência a criação descontrolada de empresas subsidiárias.
Além do relacionamento conflitante entre a administração pública direta e indireta pela
falta de regras institucionais claras, empresas estatais de diversos setores lutavam para aumentar
sua autonomia, seja para poder estabelecer seus objetivos de longo prazo ou promover a
manutenção de privilégios corporativos dentro das estruturas do Estado (Martins, 1995: 21). A
remuneração nas principais empresas estatais cresceu significativamente na década de setenta,
chegando a ultrapassar o nível de remuneração praticado no setor privado. A prática corrente à
época de empregar no setor paraestatal oficiais militares aposentados, ajudou a difundir e
23
Começaram a existir dois tipos de servidores públicos: o burocrata desmotivado, de baixa
qualificação, mal pago e o executivo do setor paraestatal, altamente qualificado e calcado nos
valores da cultura empresarial.
A obstrução dos canais institucionais de representação de interesses promovida pelo
regime autoritário e a autonomia adquirida por alguns órgãos governamentais fez surgir novas
formas de articulação entre a burocracia pública e interesses privados. Grupos de interesses
encetaram relações privilegiadas com setores da administração direta ou empresas estatais. Uma
vez que a intermediação política e a supervisão da sociedade sobre esse tipo de relação foi
suprimido pelo regime, esse padrão de relacionamento possibilitou o estabelecimento de um
tráfego entre interesses públicos e privados, que viria a transformar-se no caldo conformador do
ambiente de corrupção generalizada e captura de setores e recursos do Estado por interesses
privados. Apesar da ênfase moralizadora pretendida pela reforma implementada pelo Decreto-lei
nO 200, o regime militar continuou o processo de transgressões ao sistema meritocrático
observado durante e após o período Vargas. Contratações discricionárias efetuadas em 1961, por
exemplo, foram consideradas válidas pela Constituição de 1967. Servidores da União, estados e
municípios, da administração centralizada ou autárquica que, à data da promulgação contassem
pelo menos cinco anos de serviço público, foram estabilizados.
Esse padrão clientelista e cartorial viria a institucionalizar-se ao longo das décadas
seguintes. Na década de oitenta, o desgaste administrativo permeou a totalidade da máquina do
Estado. O sistema estatal legado pelo governo Sarney ao governo Collor se caracterizava, na
cúpula, pela multiplicidade de órgãos subordinados ao Presidente da República, totalizando 32
agências, entre as quais 21 Ministérios. O governo Collor não formulou uma proposta sistêmica
de reestruturação do Estado. Manifestou, apenas, a intenção de alcançar determinados objetivos:
ministérios; extinção de autarquias; redução de cerca de 25% do número de servidores federais e
de cerca de um terço dos cargos em comissão; retirada do Estado do setor produtivo, salvo em
casos reputados como de conveniência aos interesses nacionais - mediante a privatização de
empresas públicas; eliminação de privilégios no nível federal - mediante a venda de mansões
ministeriais e da grande maioria da frota de automóveis públicos; adoção de medidas enérgicas
contra a corrupção, falta de exação no cumprimento do dever funcional e a ociosidade (Jaguaribe,
1998 : 221).
A partir de 1995, o governo de Fernando Henrique Cardoso estabeleceu uma estratégia de
reforma da Administração Pública brasileira com a elaboração do Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado. Desenhada com o objetivo de implantar o modelo de administração pública
gerencial, a reforma tinha duas metas, uma de curto prazo, outra de médio prazo. No curto prazo,
facilitar a implementação do ajuste fiscal, sobretudo nos níveis estadual e municipal. No médio
prazo, modernizar e tomar mais eficiente a administração pública, direcionando para o
atendimento ao cidadão.
O ajuste fiscal proposto estava consubstanciado na exoneração de funcionários públicos
por excesso de quadros, na modificação do sistema de aposentadorias e na definição de um teto
de remuneração para os servidores. Para enxugar o excesso de quadros, a proposta de reforma
previa o desenvolvimento de sistemas de exoneração ou incentivos ao desligamento voluntário,
para a qual estava determinada a concessão de indenizações e treinamento de adaptação dos
ex-servidores ao ambiente privado.
A modernização e o aumento da eficiência no setor público seriam buscados mediante o
fortalecimento da administração pública direta - o núcleo estratégico do Estado, e, ao mesmo
tempo, promover a descentralização da administração pública por meio da implantação de
25
estariam dispostos em contratos de gestão. Com isso, pretendia a reforma fortalecer a
competência administrativa do núcleo do governo, e conceder autonomia às agências executivas e
organizações sociais (Bresser Pereira, 1999: 38).
Pela proposta, o Estado seria formado por quatro setores distintos: o núcleo estratégico, o
conjunto de atividades exclusivas, os serviços não-exclusivos e competitivos e o setor de
produção de bens e serviços para o mercado.
O núcleo estratégico seria responsável pela definição de leis e formulação de políticas
públicas, correspondendo aos poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e ao
Presidente da República, tendo seus equivalentes nos níveis estadual e municipal. Os objetivos
desejados para o núcleo estratégico eram o aumento sua efetividade através da implementação de
uma política de profissionalização do serviço público, adotando uma política de carreiras, de
concursos públicos anuais, programas permanentes de educação e introdução de política salarial
condizente com o nível dos profissionais desejados para ocupar os cargos das carreiras em
perspectiva de criação. Esse conjunto de políticas seria estabelecido para dotar o núcleo
estratégico de capacidade gerencial para supervisionar os contratos de gestão com agências
autônomas e organizações sociais (MARE, 1995: 57).
As atividades exclusivas seriam aquelas restritas ao Estado, nas quais este detém o poder
de regulamentar, fiscalizar e fomentar serviços, denominado "poder extroverso do Estadd' . Inclui
as polícias, as forças armadas, os órgãos de fiscalização e regulamentação. Os objetivos para as
atividades exclusivas eram transformar as autarquias e fundações em agências autônomas,
regidas por um contrato de gestão assinado pelo ministério da qual estariam vinculadas. Tais
agências teriam autonomia para administrar recursos humanos, materiais e financeiros
disponibilizados, devendo apresentar atingir os parâmetros mínimos de desempenho segundo
mecanismos de participação popular na formulação e avaliação de políticas públicas e controle
social do processo.
Os serviços competitivos ou não exclusivos seriam aqueles executados pelo Estado em
simultaneidade com organizações públicas não-estatais e privadas não detentoras do poder de
Estado. Fariam parte desse setor hospitais, universidades, centros de pesquisa e instituições de
assistência social. Os principais objetivos delineados para o setor eram a transferência dos
serviços não-exclusivos para o "setor público não estatal', vale dizer, organizações sociais e
organizações não governamentais (ONGs), em um processo denominado "programa de
publicizaçãd' . As organizações receptoras das responsabilidades relativas aos serviços teriam
autorização específica do Legislativo para celebrar contrato de gestão com o Executivo, tendo
direito a receber dotação orçamentária. (MARE, 1995: 58).
O último setor seria caracterizado por atividades econômicas realizadas pelo
aparelho do Estado, no conjunto de empresas de economia mista em operação nas áreas dos
serviços públicos de infra-estrutura ou setores estratégicos. Os objetivos seriam impulsionar o
processo de privatização, reorganizar e fortalecer os órgãos de regulação dos monopólios naturais
a serem privatizados e a adoção de contratos de gestão nas empresas não privatizadas (MARE,
CAPÍTULO 3
A NOVA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Desde a década de trinta, as idéias típicas do paradigma burocrático de que a organização
formal é a principal determinante de eficiência e efetividade, e o exercício unilateral da
autoridade dentro de estruturas hierarquizadas é a receita infalível para bons governos, tem sido
alvo de críticas. Recentemente, um importante desafio conceitual ao paradigma burocrático - o
paradigma gerencial - emergiu no mundo prático, trazendo consigo a noção de que as
organizações governamentais deveriam ser guiadas pelas demandas dos clientes e orientadas para
serviços. Essa reconceptualização da administração pública aparece como tentativa de sanar
questões operacionais, pretendendo transformar suas organizações em prestadoras de serviços
dinâmicas, responsáveis, acessíveis e competitivas. Focar os serviços públicos nos clientes
confere aos administradores a capacidade de imaginar novos conceitos operacionais, geradores de
soluções alternativas para problemas particulares (Barzelay, 1992: 6). Em muitas instâncias, a
gama de alternativas geradas por esse tipo flexibilidade é substancialmente diferente daquelas
geradas pelo raciocínio típico do paradigma burocrático. Historicamente, a ref.Jrma ge;encial é
considerada a segunda grande reforma administrativa operada pelo Estado capitalista. A sua
aplicação pressupõe que a primeira reforma, a burocrática, já se completou ao estabelecer-se e
consolidar-se o serviço público profissional, processo denominado na Grã-Bretanha de Civil
Service Reform (Bresser Pereira, 1998 b: 112). A administração pública gerencial ou new public
management, e as reformas do setor público ligadas a ela são freqüentemente vistas como um
movimento homogêneo e internamente coerente. Entretanto, trata-se de um conjunto de sistemas
alternativos de idéias cujo amálgama é o progressivo afastamento da administração pública
grandes variações em relação a sua aplicação, substância, compreensão, velocidade e ênfase nos
diversos contextos de implementação, em que pese a semelhança de temas e abordagens. Alguns
países adotaram reformas radicais, como a Grã-Bretanha e a Nova Zelândia. Outros preferiram
uma abordagem mais seletiva, como Austrália e países escandinavos, enquanto um terceiro grupo
não mudou significativamente o setor público, como Espanha, Áustria, Itália e Alemanha. As
reformas estruturais foram promovidas por governos de variadas orientações políticas. Em alguns
países, as reformas visaram reduzir o papel e o tamanho do setor público, em outros, eram
percebidas como necessárias para melhorar e defender o setor público e manter a legitimidade do
Estado (Holmes & Shand, 1995: 554). Um dos aspectos mais interessantes desse
desenvolvimento refere-se às diferentes ênfases imprimidas nas reformas em diversos contextos.
Em países onde o foco se concentrou em rendimento de produção, como a Grã-Bretanha e a Nova
Zelândia, as reformas significaram importantes progressos. Na Austrália, onde houve uma
concentração relativamente maior nos resultados, houve desenvolvimentos importantes, mas, ao
mesmo tempo, algumas experiências de políticas públicas equivocadas, que resultaram em falhas.
A ênfase em um ou outro aspecto foi influenciada pela maior importância relativa da atividade do
sistema de prestação de serviços no cômputo total das atividades dos governos centrais de alguns
países, como Grã-Bretanha e Nova Zelândia, em contraponto a um sistema federal, como o da
Austrália (Holmes & Shand, 1995: 554).
Os conceitos relativos ao gerencialismo começaram a adquirir importância a partir da
ascensão de governos conservadores na Grã-Bretanha, com Margaret Thatcher, em 1979, e nos
Estados Unidos da América, com Ronald Reagan, em 1980, cujas plataformas eleitorais eram
semelhantes, especialmente no tocante à questão da reforma do Estado. Thatcher conseguiu
empreender uma série de mudanças relativamente bem sucedidas, utilizando-se do epíteto rolling
29
não conseguiu obter, nos Estados Unidos, o mesmo resultado alcançado pela reforma executada
na Grã-Bretanha. A primeira explicação para o relativo fracasso dessa tentativa está na tradição
norte americana de combater a politização na administração pública (Abrúcio, 1997: 33). No
início do século XIX, as cidades dos Estados Unidos cresciam aceleradamente em razão do
grande fluxo de imigrantes atraídos pelas oportunidades oferecidas pela industrialização do país.
O ambiente era propício para a proliferação de políticos habituados a práticas clientelistas e
patrimonialistas.
A transformação veio com a chegada ao poder de um grupo denominado posteriormente
de "movimento progressistà' . Os progressistas organizaram o serviço público estabelecendo a
admissão via concurso público, escala de salários e instrumentos de proteção contra a rotina de
admissões e demissões arbitrárias. (Osborne & Gaebler,1994: 14). Governadores e prefeitos
foram afastados do processo de nomeação para os cargos mais importantes, e os administradores
passaram a ser apontados pela via eleitoral. Tais medidas foram implementadas para evitar que
políticos e burocratas agissem contra o interesse público. Outro fator determinante para o
fracasso da proposta reformadora de Reagan é a descentralização característica do federalismo
americano. O poder local goza de grande autonomia, e os governos estaduais também são
suficientemente fortes para estabelecer um padrão particular de políticas públicas (Abrúcio, 1996:
33).
Identificado pelos preceitos relacionados à redução de custos, aumento da eficiência e da
produtividade no setor público, o gerencialismo ou managerialism, conseguiu aportar, ao longo
do tempo, conceitos também vinculados à descentralização, à qualidade dos serviços públicos e à
avaliação desses serviços pelo cidadão.
tradicional. O primeiro modelo, fortemente influenciado pela busca da eficiência, (The Efficiency
Drive), foi muito influente na primeira metade da década de oitenta, estando atualmente em
franco declínio (Petigrew et al.,1996: 11). Na Inglaterra, as primeiras menções à necessidade de
revisão do tradicional modelo de administração pública burocratizado, denominado whitehall,
foram efetuadas no relatório da Comissão Fulton (1966-1968), que apontou a falta de preparo
gerencial do serviço público britânico, a excessiva hierarquização e insulamento da burocracia
pública em relação aos contribuintes. Nos Estados Unidos, o debate entre public service
orientation e public management orientation já estava presente desde o final do século XIX,
quando Woodrow Wilson escreveu "The study of administration" , que preconizava a separação
entre administração e a política.
O modelo gerencial puro foi implantado nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha sob o
influxo das dificuldades financeiras resultantes da crise fiscal e da crescente ineficiência do
governo no atendimento ao contribuinte. A adoção do modelo gerencial puro significou a busca
da redução de custos e pessoal. Tendo como ponto central a busca da eficiência, o modelo puro
parte do pressuposto de que é preciso modificar as engrenagens do modelo weberiano, definido
pela rigidez e centralização da estrutura organizacional, e pelo predomínio de regulamentos e
procedimentos administrativos, no qual a avaliação de desempenho é uma questão de mera
observância do cumprimento das normas estipuladas. O governo inglês adotou três mecanismos
para definir as responsabilidades das agências governamentais e dos funcionários públicos. A
primeira delas foi a adoção da administração por objetivos, a partir da qual era possível medir os
resultados alcançados e confrontá-los às metas previamente traçadas. Em segundo lugar,
promoveu a descentralização administrativa com o objetivo de aumentar a autonomia das
31
de poder (empowerment), cuja finalidade era prover os funcionários de maior flexibilidade para
criar soluções e resolver problemas (Abrucio, 1996: 20).
Para Ferlie et.al.(1996), os pontos essenciais do modelo puro de administração gerencial
são:
- estrita observância dos controles financeiros;
- fortalecimento da função finanças;
- surgimento de sistemas de informações e custos mais elaborados;
- desregulação (deregulation) do mercado de trabalho;
- erosão de acordos trabalhistas coletivos;
- aumento da rotatividade de profissionais experientes no setor público;
- maiores incentivos para as práticas empreendedoras;
- marginalização de representantes eleitos e sindicalistas;
- processo decisório concentrado em conselhos diretores.
A ênfase demasiada em estratégias de eficiência jogaria para segundo plano valores
pertinentes à ação dos gerentes como a flexibilidade para decidir e inovar, tomando os critérios
de avaliação da eficiência rígidos como no modelo burocrático (Abrucio, 1996: 21). O enfoque
apenas da eficiência governamental traz outro problema: a avaliação da efetividade não recebe a
devida importância. Efetividade é entendida aqui como o grau de atingimento de um resultado
esperado.
Recupera-se o conceito de efetividade, a noção de que o governo deve, acima de tudo,
prestar bons serviços. Trata-se de um princípio de incorporação da ótica da qualidade ao modelo
gerencial. Este conceito também traz à tona o caráter político da prestação de serviços públicos,
já que a avaliação qualitativa dos programas governamentais será efetuada, em 'última análise,