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Relato
de
Caso
Neuroartropatia
de
Charcot:
realinhamento
do
pé
diabético
por
meio
de
osteossíntese
com
parafusos
intramedulares
–
relato
de
caso
夽
Alexandre
Leme
Godoy
dos
Santos
∗,
Rômulo
Ballarin
Albino,
Rafael
Trevisan
Ortiz,
Marcos
Hideyo
Sakaki,
Marcos
de
Andrade
Corsato
e
Tulio
Diniz
Fernandes
InstitutodeOrtopediaeTraumatologia,HospitaldasClínicas,FaculdadedeMedicina,UniversidadedeSãoPaulo(USP),SãoPaulo, SP,Brasil
informações
sobre
o
artigo
Históricodoartigo:
Recebidoem13deagostode2013 Aceitoem15deoutubrode2013
On-lineem25dejunhode2014
Palavras-chave:
Articulac¸ãodeCharcot Artrodese
Diabetes Péplantígrado
r
e
s
u
m
o
Odiabetesmellituséumadoenc¸agravequeafetaumagrandeparceladapopulac¸ão.A neu-roartropatiadeCharcotéumadasgrandescomplicac¸õesquepodemlevaradeformidades osteoarticulares,incapacidadefuncional,úlceraseinfecc¸ãonotornozeloenopé.O reali-nhamentodopépormeiodeartrodesesapresentaelevadoíndicedefalhadoimplantepor causadadescargadepesoemumpéinsensível.Oobjetivodesterelatodecasoé descre-verousobem-sucedidodeosteossínteseintramedularcomparafusosdecompressãopara estabilizac¸ãodopécomdeformidadeempacientediabéticocomneuroartropatia.
©2014SociedadeBrasileiradeOrtopediaeTraumatologia.PublicadoporElsevierEditora Ltda.Todososdireitosreservados.
Charcot
neuroarthropathy:
realignment
of
diabetic
foot
by
means
of
osteosynthesis
using
intramedullary
screws
–
case
report
Keywords:
Charcotjoint Arthrodesis Diabetes Plantigradefoot
a
b
s
t
r
a
c
t
Diabetesmellitusisaseriousdiseasethataffectsalargeportionofthepopulation.Charcot neuroarthropathyisoneofitsmajorcomplicationsandcanleadtoosteoarticular defor-mities,functionalincapacity,ulcersandankleandfootinfections.Realignmentofthefoot bymeansofarthrodesispresentsahighrateofimplantfailureduetoweight-bearingon aninsensitivefoot.Theaimofthisreportwastodescribesuccessfuluseofintramedullary osteosynthesiswithcompressionscrewstostabilizethedeformedfoot,inadiabeticpatient withneuroarthropathy.
©2014SociedadeBrasileiradeOrtopediaeTraumatologia.PublishedbyElsevierEditora Ltda.Allrightsreserved.
夽
TrabalhodesenvolvidonoGrupodeCirurgiadoPéeTornozelo,InstitutodeOrtopediaeTraumatologia,HospitaldasClínicas,Faculdade deMedicina,UniversidadedeSãoPaulo(USP),SãoPaulo,SP,Brasil.
∗ Autorparacorrespondência.
E-mail:alexandrelemegodoy@gmail.com(A.L.G.Santos). http://dx.doi.org/10.1016/j.rbo.2013.10.013
Introduc¸ão
Existemnomundo285milhões dediabéticos,oque repre-senta6,6%dapopulac¸ãoentre20e79anos;desses,até2,5% desenvolvem,emalgumestágiodadoenc¸a,aneuroartropatia deCharcot.1Essacomplicac¸ãoenvolvemaisfrequentemente
omédiopéeresultaemdeformidadesosteoarticulares, signifi-cativaperdafuncional,aumentodoriscodeúlceraseinfecc¸ão local.2
Oprotocolo detratamentoidealcontinuaasertemade debate naliteratura; recentepesquisa na American Ortho-pedic Foot and Ankle Society revela que o tratamento da deformidaderesultantedaneuroartropatiadeCharcotéum dosdoisproblemasmaiscontroversosnaespecialidade.3
A melhor opc¸ão de tratamento ainda é controversa na literatura e motivo de intenso debate nas publicac¸ões da especialidade.4–8
Na opc¸ãopelo tratamento cirúrgico, agrandediscussão éemrelac¸ãoàmelhortécnicapararestabeleceraanatomia dopéplantígradoediminuirarecidivadadeformidade,de úlcerasedeinfecc¸ão.Dessaforma,otipodeimplantepara estabilizac¸ãodaartrodesedascolunasmedialelateraldopé éfatorimportante.
O fixadorexterno mostra desvantagens potenciais,com maiorestaxasdeinfecc¸ãosuperficialedenãoconsolidac¸ão.9
Asplacas decompressão dinâmicaou com estabilidade angularapresentamtrês desvantagens:maioragressão aos tecidosmoleseelevadosíndicesdefalhadaosteossíntesee denãoconsolidac¸ão.10
O uso dos parafusos corticais, nesses casos, apresenta como complicac¸ãofrequente a fratura peri-implante, prin-cipalmente porcausa da baixa densidade mineral óssea e do ângulo muito agudo de entrada no osso na região do médiopé.7–10
Osparafusosintramedularesparaestabilizac¸ãodacoluna medial e lateral apresentam-se como opc¸ão promissora para aumentar as taxas de sucesso desse procedimento cirúrgico.2,7,10
Relato
do
caso
Paciente de 35 anos, com diabete pós-gestacional havia 20anos,emusodeinsulina,procurouonossoservic¸o,hádois
Figura1–(A)Aspectoplantardopénoprimeiro
atendimento,(B)aspectoplantardopéapós
desbridamentosseriadoseusodegessodecontatototal.
anos, comhistóriade doredeformidade nopéesquerdoe úlceraplantarnomediopé,comquatromesesdeevoluc¸ão.
No exame inicial, apresentava dor, edema, hiperemia e aumentodetemperaturade4◦Cemcomparac¸ãocomolado contralateralnaregiãodomédiopé,associadosaúlcera super-ficialde2cmdediâmetronafaceplantardomediopé(fig.1A e B).A investigac¸ão da sensibilidade plantar com testedo monofilamentoconstatou neuropatiaperiféricaassociadae oexamevascularconstatoupulsosnormais.Oteste probe-to--boneeranegativo.
Aavaliac¸ãoradiográficainicialrevelavaperdadaanatomia ósseahabitualdomédiopé,comfragmentac¸ãoósseana topo-grafiadaarticulac¸ãotarsometatársica,alterac¸ãodosângulos dotálus-primeirometatarsonasincidênciaanteroposteriore perfilesaliênciaósseaplantarnomediopé(fig.2AeB).
Combasenessesachados,levantou-seahipótesede sín-dromedopédiabéticoassociadaaneuroartropatiadeCharcot, estágioIIdoSistemadeClassificac¸ãodeEichenholtz(tabela1) eúlceracutâneatipo IIpeloSistemadeClassificac¸ão Pedis (perfusion–perfusão; extent–extensão; depth–profundidade; infection–infecc¸ão;esensation–sensibilidade)(tabela2).
Figura2–Investigac¸ãoradiográficainicial.(A)incidênciaanteroposteriordopéesquerdoquemostrafragmentac¸ãoóssea
naregiãotarsometatársica.(B)incidêncialateralquemostraperdadoarcolongitudinalmedialdopécomalterac¸ãodo
Tabela1–Classificac¸ãoEichenholtz.5,6
Estágio Característicasclínicas
0 Apresentac¸ãoinicial Pré-fragmentac¸ão Faseinflamatóriaaguda:péedemaciado,eritematoso,quente
ehiperêmico
I Charcotagudo Fragmentac¸ãoou
desenvolvimento
Fraturaperiarticular,subluxac¸ãodesenvolvimentoarticular, riscodeinstabilidadeedeformidade
II Charcotsubagudo Coalescência Reabsorc¸ãodosdebrisósseos,homeostasedaspartesmoles
III Charcotcrônico Consolidac¸ão
oureparativa
Estabilizac¸ãoósseaoufibrosadareparativadeformidade
Otratamentoinicialfoifeitocomdesbridamentoseriado dostecidosdesvitalizadosdabordadalesãocutâneaacada setediaseprotec¸ãodacargapormeiodousodogessode con-tatototalatéofechamentodalesãocutâneaporseissemanas (fig.1B).
Duranteasegundafasedotratamentofoiplanejadoo rea-linhamentodopé,comrestituic¸ãodas relac¸õesósseas,por meiodeartrodesetriplaestendida,eosteossíntese,comuso deparafusoscanuladosintramedulares.
A cirurgia foi feita com a paciente em decúbito dorsal horizontal.Ométodoanestésicousadofoiaraquianestesia associadaasedac¸ão.
Foiusado garrote pneumático a300 mmHgno membro inferior esquerdo, após esvaziamento venoso com uso de esmarche.
Foramusadasviasdeacessolateralsuprafibulares estendi-dasedeacessomedial.Pelavialateralforamfeitosadissecc¸ão dosubcutâneoeadesinserc¸ãodamusculaturadosmúsculos extensorescurtosparaoacessoeadecorticac¸ãoeo realinha-mentodassuperfíciesarticularessubtalar,calcaneocuboídea e tarsometatársica laterais. Pela via medial foram aborda-dasasarticulac¸õestalonavicular,navicular-cunha mediale cunha-medial-I metatarsal. Após a obtenc¸ão do realinha-mento e da estabilizac¸ão provisória com uso de fios de
Tabela2–Classificac¸ãoPedis
Grau Característicasdalesão
I–Seminfecc¸ão Feridasemsecrec¸ãopurulenta, semsinaisinflamatórios
II–Infecc¸ãoleve Lesãoqueenvolveapenasapeleouo subcutâneocomapresenc¸ade>2sinais: calorlocal,eritema>0,4a2cmaoredor daúlcera,dorlocal,edemalocal, drenagemdepus
III–Infecc¸ãomoderada Eritema>2cm,comumdossinaiscitados ouqueenvolveestruturasmais
profundasdeinfecc¸ãodoqueapeleeo subcutâneo(fasceíte,abcessoprofundo, osteomielite,artrite)
IV–Infecc¸ãograve Qualquerinfecc¸ãodopénapresenc¸ade SIRS(duasdasseguintescondic¸ões: T>38◦Cou<36◦C,FC>90bpm,
FR>20/min,PaCO2<32mmHg, leucócitos>12.000ou<4.000/mm3,10% formasimaturas)
Fonte:Directricespanamericanasparaeltratamientode infecci-onesenúlcerasneuropáticasdelasextremidadesinferiores.Rev PanamInfectol.2011;13(1Supl1):S4.
Figura3–Radioscopiadecontroleintraoperatóriapara checagemdaestabilizac¸ãoprovisória.(A)incidêncialateral, comrestabelecimentodoalinhamentodotáluscomo primeirometatarsoeausênciadasaliênciaósseaplantar. (B)incidênciaanteroposterior,comalinhamentoadequado dotáluscomoprimeirometatarsoedocuboidecomo quartometatarso.
Kirschner,aposic¸ãofoichecadapormeio decontrole radi-oscópico(fig.3AeB).
A osteossíntese definitiva da articulac¸ão subtalar foi feita com um parafuso Accutrak® Plus, da articulac¸ão
calcaneocuboídea-IVmetatarsalcomumparafusoAccutrak®
6/7edaarticulac¸ãotalonavicular-cunhamedial-Imetatarsal comumparafusoAccutrak®6/7.
Apósafixac¸ão,fizemosatenotomiapercutâneados ten-dõesextensorescurtosdosegundoaoquintodedos.
A paciente permaneceu sem carga até 30 dias de pós--operatório.Apósessadata,inicioucargaparcialprogressiva, comusodeórtesesuropodálicaefisioterapiaparatreinode marcha.
Após90diasinicioucargatotal,comusodaórtese,e perma-neceucomaórteseatécompletar120diasdepós-operatório. Com12mesesdepós-operatórioapresenta-sesem quei-xas,deambulasemauxíliodemuletas,comarcolongitudinal medialbemdefinidoealinhamentodoretropé edoantepé preservados(fig.4A,BeC).
Asradiografiasdecontrolecom12mesesdepós-operatório mostramângulotálus-Imetatarsalde6◦edeslocamento dor-salde3mm(fig.5A,BeC).
Discussão
Figura4–Fotosclínicasdopacientequemostramoalinhamentodopécom12mesesdepós-operatório.(A)imagem
posteriordopécomorealinhamentoobtidodoretropé.(B)imagemmedialdopéquemostraaobtenc¸ãodorealinhamento
entreoretropéeomediopé.(C)imagemdaregiãoplantardopéquemostraaobtenc¸ãodeumpéplantígrado.
Figura5–Controleradiográficocom12mesesdepós-operatório.(A)incidêncialateraldopécomevidênciadacorrec¸ãodo
alinhamentodoeixodotáluscomoprimeirometatarso.(B)incidênciaanteroposteriordopéquemostramanutenc¸ãodo
alinhamentodosparafusoseoalinhamentodoeixodotáluscomoprimeirometatarso.(C)incidênciaanteroposterior
dotornozeloqueevidenciaamanutenc¸ãodaarticulac¸ãotibiotalar.
Areconstruc¸ãocirúrgicadocolapsodomediopépretende restabelecerumpéplantígradoesemsaliênciasósseas plan-taresparamelhordistribuic¸ãodapressãoplantareprevenc¸ão derecidivadeúlceras,deinfecc¸ãoedeamputac¸ão.
Arestaurac¸ãodoalinhamentodascolunasmediale late-ral dopé comparafusos intramedularespara otratamento da neuroartropatiade Charcotno mediopé foi descritaem publicac¸õesdesériedecasos.2,3,7–9
Essaopc¸ãodeosteossíntesetemvantagensbiomecânicas, poistemcomoobjetivosaumentarastaxasdeconsolidac¸ão, diminuirosíndicesdedeiscência/infec¸ãoeevitarafalhado materialdeimplante.
Pacientes com neuropatia diabética têm dificuldade de equilíbrioecontroledadescargadepesonosmembros infe-riores;assim,umimplanteintramedularmostra vantagens biomecânicasemrelac¸ãoaosextramedulares.1
Alguns autores defendem o uso de parafusos macic¸os nessatécnicacirúrgica;contudo,oimplanteparafusousado nesterelatodecasoécanulado.
Aindanãoexistemestudoscomparativos invivocomos diferentesimplantesdisponíveis.
Concluímosqueousodeparafusocanuladosemcabec¸aé umprocedimentoviávelparaafixac¸ãointramedularno rea-linhamentodopépara otratamentodaneuroartropatiade Charcot.
Desenhosdetrabalhoscommaiorgraudeevidênciasão necessáriosparadefinic¸ãodeprotocolosdetratamentocom nívelderecomendac¸ãoadequados.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
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a
s
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