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Maria Madalena e as mulheres no cristianismo primitivo

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

FRANCISCA ROSA DA SILVA

MARIA MADALENA E AS MULHERES

NO CRISTIANISMO PRIMITIVO

(2)

FRANCISCA ROSA DA SILVA

MARIA MADALENA E AS MULHERES

NO CRISTIANISMO PRIMITIVO

Dissertação apresentada em cumprimento parcial das exigências do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Religião para a obtenção do título de Mestre.

Área de concentração: Literatura e Religião no Mundo Bíblico.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Garcia.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a DEUS por tudo de bom que Ele me proporciona.

Ao Professor Dr. Paulo Roberto Garcia, pela paciência, respeito, confiança, competência, orientação dedicada e segura com que me encaminhou para a realização deste trabalho.

À Irmã Lúcia Maistro, Inspetora Salesiana, e ao Conselho Inspetorial, que me proporcionaram a oportunidade de estudar e aprofundar a Palavra de Deus e por seu

incentivo e confiança.

À Irmã Sílvia Irene Pela, Diretora e às Irmãs da minha Comunidade do Instituto Madre Mazzarello, que partilharam comigo os momentos de estudo, de descoberta e de aflições,

com paciente fraternidade.

Aos professores da Universidade Metodista de São Paulo pelas lições, seriedade e partilha do conhecimento.

Aos colegas, sempre presentes na partilha e no encorajamento.

A todos os que me ajudaram na busca de materiais, aos funcionários das Bibliotecas pela disponibilidade e atenção, à Irmã Edméa Beatriz Battaglia pela correção deste trabalho.

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é pesquisar a liderança das mulheres no cristianismo primitivo, a partir da figura de Maria Madalena em Jo 20,1-18. A abordagem exegética, bem como a pesquisa sobre a situação das mulheres no primeiro século, aponta: a) as mulheres que seguiam a Jesus faziam parte do grupo dos discípulos, e Maria Madalena tinha uma grande influência entre eles na comunidade; b) ela acompanhou Jesus desde o início do seu ministério na Galiléia, e a sua liderança e autoridade no cristianismo primitivo lhe confere o

status de discípula; c) a perícope estudada tem como contexto um conflito de lideranças

entre três tradições: a joanina, a petrina e a de Maria Madalena. Comparando a perícope joanina com alguns escritos gnósticos percebemos que nesses escritos, a liderança de Maria Madalena é manifestada com maior intensidade e o conflito com Pedro é mais acentuado. Ela é considerada Mestra dos discípulos. A pesquisa não só resgata a figura de uma líder do cristianismo, como também mostra, na exegese, o processo de cooptação da liderança feminina.

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ABSTRACT

The objective of this study is to research women’s leadership in the primitive Christianity, starting from the figure of Mary Magdalene in Jo 20,1-18. The exegetic, view as well as research on women’s situation in the first century, show: a) Women that followed Jesus were part of the disciplesgroup, and Mary Magdalene had strong influence among them in the community; b) she accompanied Jesus since the beginning of his ministry in Galilee, and her leadership and authority in primitive Christianity conferred her the disciple status c) the Pericope that isstudied has as a fundamental concept the conflict of leaderships among three traditions: John’s, the Peter’s and Mary Magdalene’s. Comparing the Pericopes of John with certain Gnostic writings, its noticeable that in these writings Mary Magdalene’s leadership is manifested with stronger intensity, and the conflict with Peter is more accentuated. She is considered the Master of the disciples. The research not only rescues the leader figure of Christianity, but also shows, via the exegesis, the process of the cooptation of women’s leadership.

(6)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 10

I CAPÍTULO A PRESENÇA DAS MULHERES NO CRISTIANISMO PRIMITIVO...13

1 AS MULHERES NO MUNDO GRECO-ROMANO ... ...14

1.1 A Mulher e a Casa no Mundo Greco-Romano ... 15

1.2 A Mulher e a Família no Mundo Greco-Romano... 16

1.3 A Mulher e a Religião no Mundo Greco-Romano ... 17

2 AS MULHERES NO MUNDO JUDAICO-PALESTINENSE ... 18

2.1 A Mulher e a Casa no Mundo Judaico-Palestinense ... 19

2.2 A Mulher e a Família no Mundo Judaico-Palestinense ... 20

2.3 A Mulher e a Religião no Mundo Judaico-Palestinense ... 21

3 AS MULHERES NO CRISTIANISMO PRIMITIVO ... 22

3.1 A Mulher e a Casa no Cristianismo Primitivo ... 27

3.2 A Mulher e a Família no Cristianismo Primitivo ... 27

3.3 A Mulher e a Religião no Cristianismo Primitivo ... 28

4 Conclusão ... 31

II CAPÍTULO - EXEGESE DA PERÍCOPE DE JOÃO 20,1-18 ... 33

1 ESTRUTURA DO EVANGELHO ... 33

1.1 FONTES...34

1.2 COMUNIDADE...36

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1.3.1 As Mulheres na Ida ao Túmulo...37

1.4 AS MULHERES E A RESSURREIÇÃO...39

2 A PERÍCOPE ... 42

2.1 TRADUÇÃO...42

2.2 ESTRUTURA LITERÁRIA DA PERÍCOPE...44

3 ANÁLISE LITERÁRIA DA PERÍCOPE ... 46

3.1 Delimitação Anterior ... 46

3.2 Delimitação Posterior ... 47

3.3 Coesão e Estilo ... 48

3.3.1 A Inserção do Relato de Pedro e o Discípulo Amado...48

3.3.2 Maria Madalena Reaparece no Túmulo... 49

4 JOÃO 20 – UM CONFLITO DE AUTORIDADE...49

4.1 A NOIVA DE CÂNTICO DOS CÂNTICOS...51

4.2 O RECONHECIMENTO PELO OUVIR...53

CONCLUSÃO...54

III CAPÍTULO – COMPARAÇÃO DA FIGURA DE MARIA MADALENA DE JO 20,1-18 COM OUTRAS FONTES NÃO CANÔNICAS...56

1 MARIA MADALENA NO EVANGELHO DE JOÃO ... 57

2 MARIA MADALENA EM JOÃO 20 ... 59

3 MARIA MADALENA NOS ESCRITOS GNÓSTICOS ... 60

3.1 O EVANGELHO DE TOMÉ...61

3.1.1 Maria Madalena no Evangelho de Tomé...63

3.2 O EVANGELHO DE FILIPE...65

(8)

3.3 PISTIS SOPHIA 68

3.4 O EVANGELHO DE MARIA...71

3.4.1 Maria Consoladora e Orientadora dos Discípulos...72

4 MARIA MADALENA NA TRADIÇÃO POSTERIOR ... 77

4.1 DIDASCALIA APOSTOLORUM...77

4.2 HIPÓLITO, BISPO DE ROMA...79

4.3 AGOSTINHO DE HIPONA...80

4.4 RABANUS MARUS...81

4.5 ODO, ABADE DE CLUNY...81

5 A COOPTAÇÃO DA LIDERANÇA DAS MULHERES ... 82

5.1 DESAPARECE A LÍDER E SURGE A PROSTITUTA...84

5.2 PARA O GNOSTICISMO A LÍDER PERMANECE...87

5.3 UM MOMENTO DE TRANSIÇÃO EM JO 20...89

Conclusão...90

6 CONCLUSÃO ... 92

6 ANEXO... 95

(9)

INTRODUÇÃO

Neste trabalho abordamos o papel das mulheres nas primeiras comunidades primitivas, destacando a importância e atuação de Maria Madalena como liderança feminina nessas comunidades e no Evangelho de João.

Segundo relatos dos Atos dos Apóstolos e várias Cartas Paulinas, no cristianismo primitivo, algumas comunidades eram lideradas por mulheres. Os apóstolos, inclusive Paulo, eram animadores itinerantes.

Segundo Arias1, se o Cristianismo tivesse seguido o rumo dos primeiros trinta anos depois da morte de Jesus, provavelmente Maria Madalena seria sua fundadora, pois naquela época, as mulheres tiveram um papel predominante no nascimento das primeiras comunidades que seguiam os ensinamentos de Jesus. Maria Madalena aparece “sempre como a pessoa mais importante tanto nos Evangelhos Canônicos como nos Apócrifos”.

A importância das mulheres no nascimento do cristianismo ficou registrado em vários escritos. Celso, escritor pagão do final do século II, zombava do cristianismo porque era uma religião só de mulheres, que atraía gente simples sem cultura, como escravos e crianças. E afirmava ainda que a ressurreição de Jesus na qual se baseava a fé, era uma história inventada por um punhado de mulheres histéricas, entre elas Maria Madalena.2

São Hipólito, um dos comentaristas cristãos, denominava Maria Madalena de “o apóstolo(sic) dos apóstolos”. O abade de Montecasino, Bruno de Asti, vê em Maria

Madalena o símbolo da Igreja dos gentios. Na Igreja oriental ela é considerada como primeiro dos apóstolos e a veneravam como a uma santa.3

Nas cartas Paulinas, que foram escritas antes dos Evangelhos e dos Atos dos Apóstolos, percebe-se que as mulheres exerciam funções semelhantes às dos homens,

1 ARIAS, Juan. Madalena – o último tabu do cristianismo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. p. 71-72. 2 Orígenes.

Contra Celso. São Paulo: Paulus, 2004. p. 181.

3 ARIAS, Juan.

(10)

dirigindo comunidades, sendo diaconisas, missionárias... As primeiras igrejas eram as casas dessas mulheres, conhecidas como igrejas domésticas; ajudavam economicamente os missionários e pregadores, entre eles Paulo. (At 16, 14-15.40; 18, 1-3.18-21; Rm 16, 1-12; Fl 4, 2-3.15;). Segundo Fiorenza4, Paulo afirma que as mulheres trabalharam com ele em pé de igualdade; na comunidade de Filipos, Paulo se preocupa com a autoridade de duas mulheres (Evódia e Síntique) para que não cause danos à missão cristã.

Alguns autores, entre eles Fiorenza5 afirmam que não existiam diferenças nas funções entre homens e mulheres. Tal procedimento começou bem mais tarde. Foi no final do século III, que se firmou o conceito de sucessão apostólica ligada à liderança petrina. Aos poucos, as mulheres foram perdendo espaço para os homens, foram sendo proibidas de presidir à eucaristia, ao batismo e foram sendo relegadas a papéis de “servidoras” dos bispos e presbíteros, como acontece ainda hoje.

Lentamente, a virgindade e o celibato passam a ser considerados como as maiores virtudes; o matrimônio fica em segundo plano. Com isso a mulher vai se distanciando cada vez mais do altar, porque é a representante da Eva pecadora. Desde então, ela passa a ser a grande tentação do pecado para o clero. O sacerdote não pode tocar numa mulher, pois tornar-se-ia impuro.

É evidente que, nesse contexto a memória de Maria Madalena e das mulheres do início do cristianismo desapareceu, e prevaleceu a memória dos apóstolos varões, anulando por completo aquela que é a responsável do anúncio da ressurreição e pelo nascimento do cristianismo. A partir dos achados dos escritos gnósticos, em 1945, Maria Madalena volta timidamente à cena para ocupar o seu lugar dentro da história do cristianismo. O desafio do Cristianismo hoje é de devolver a Maria Madalena e às mulheres, o seu lugar primordial nas origens cristãs.

4 FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher – uma nova hermenêutica. São Paulo: Ed. Paulinas, 1992. p. 202-203.

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I CAPÍTULO — A PRESENÇA DAS MULHERES NO

CRISTIANISMO PRIMITIVO

As mulheres foram um marco no cristianismo primitivo, tornaram-se lideranças reconhecidas e respeitadas nas comunidades. Em uma época em que a mulher não tinha espaço, e não era valorizada, elas atuavam em paridade com os homens. É sabido que um estudo sobre a mulher na sociedade antiga nem sempre é fácil de ser feito. Até porque as fontes históricas que temos sobre esse tema, na maioria contêm um olhar androcêntrico. Dessa forma, é por meio do olhar masculino que o feminino se tornou conhecido. Segundo Theissen,

a essência da linguagem androcêntrica constitui-se em fazer que mulheres não sejam visíveis, de forma que possam ou não ser incluídas em expressões do mundo masculino. Para dificultar ainda mais as coisas, soma-se a isso uma compreensão dos textos androcêntrica, e portanto reducionista, na história da interpretação.6

6 THEISSEN, Gerd & MERZ, Annette.

(13)

Portanto, a nossa abordagem sobre o papel da mulher na sociedade antiga nos mundos greco-romano, judaico-palestino, na épocado nascimento do cristianismo, vem sob uma ótica masculina, mesmo com a contribuição de estudos feitos por mulheres. Porque as fontes são concebidas a partir de um ponto de vista masculino.

1 AS MULHERES NO MUNDO GRECO-ROMANO

Mesmo com um espaço limitado na sociedade, as mulheres participavam da vida econômica e exerciam profissões. As mulheres das classes altas tinham uma certa autonomia em relação às mulheres das classes populares. As idosas, escravas e estrangeiras podiam evoluir livremente na esfera pública. No século I d.C., muitas mulheres tiveram educação esmerada e algumas se tornaram influentes na vida pública. Tinham “uma certa independência financeira, podiam viajar, oferecer e aceitar hospitalidade”, como também administrar um negócio. Moedas encontradas traziam nomes de mulheres nas inscrições, provavelmente elas foram beneméritas e funcionárias públicas; também eram ativas no comércio de artigos de luxo.7

Em Roma as mulheres nobres podiam andar livremente em público, receber formação educativa e associar-se a alguma sociedade de mulheres ou associações de famílias. No entanto, nessas associações, as mulheres aparecem ao lado dos homens, em um número menor. Mulheres ricas eram requisitadas para fundar clubes masculinos. Nos cultos familiares privados, elas aparecem como sacerdotisas ou líderes.8

7 D’ANGELO, Mary Rose. As mulheres em torno de Jesus. In: BURSTEIN, Dan & KEIJZER, Arne J. de. (Orgs). A verdadeira história de Maria Madalena. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. p. 108. TEPEDINO, Ana

M. As Discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 60-65.

8 BRANICK, Vincent.

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Sobre a autonomia das mulheres no mundo greco-romano podemos registrar que

as mulheres romanas, alcançaram em determinado período do império, uma liberdade e autonomia que indignaram historiadores posteriores que viviam em um mundo no qual a mulher havia novamente se submetido ao poder masculino.9

Poderíamos dizer que a mulher romana, conseguiu maior liberdade e emancipação pelo fato de ter participado da vida intelectual, social e religiosa do seu tempo.

Para percebermos essa autonomia da mulher no mundo greco-romano, no mundo judaico-palestinense e no mundo cristão, iremos nos concentrar em três espaços importantes: casa, família e religião.

1.1A MULHER E A CASA NO MUNDO GRECO-ROMANO

No mundo greco-romano as mulheres não eram consideradas cidadãs. Eram “mães, esposas ou filhas de cidadãos”10. O domínio da mulher referia-se ao interior da casa. Uma diferença notável contrastante entre as mulheres gregas e as romanas é que: enquanto as gregas ficavam reclusas em suas residências, as romanas podiam acompanhar os maridos a festas e banquetes11.

9 CUNHA, Elenira Aparecida. Por causa do reino dos céus. Tese de Doutorado. São Paulo: UMESP, 2003. p. 95.

10 ZAIDMANN, Louise Bruit. As Filhas de Pandora: mulheres e rituais nas cidades

. In: DUBY, Georges &

PERROT, Michele (Org.). História das mulheres no ocidente. Vol 1. Porto/São Paulo: Afrontamento/Ebradil,

1993. p. 411-412. 11 POMEROY, Sarah B.

Diosas, rameras, esposas y esclavas: mujeres em la antigüedad clásica. Madrid:

(15)

A casa deve ser o lugar de permanência das mulheres. Os limites dos seus movimentos chegavam até às portas da casa, e às solteiras o limite eram as portas internas. Eram responsáveis pela educação dos filhos e pelo bem estar do marido. Dividiam os trabalhos para os escravos, cuidavam da alimentação e do vestuário. Dentro da casa existiam espaços separados para homens e mulheres. À semelhança das mulheres judias, as que pertenciam às classe mais baixas, tinham mais liberdade em público; porque elas precisavam trabalhar fora de casa para ajudar o marido.12

O oikos, é o seu domínio. As coisas funcionam ao redor da dona da casa e das

mulheres que estão à sua volta: filhas, parentes e servas. As práticas e rituais religiosos são presididos pela mulher, - orações e libações - enquanto o homem oferece o sacrifício. A dona de casa exerce, no interior da sua casa, a autoridade religiosa sobre as outras mulheres.13

1.2 A MULHER E A FAMÍLIA NO MUNDO GRECO-ROMANO

No casamento, a mulher cumpre a função de mãe, mas o título de materfamilias,

é adquirido quando dá filhos legítimos ao seu marido. Este título é de grande dignidade para a esposa. Mesmo se o título não for obtido, o direito romano reconhece a sua autonomia e o seu papel de “cidadã”. Já o pai, obtém o título de paterfamilias diretamente,

por herança do seu pai ou progenitor.14

Segundo as leis romanas, a mulher que enviuvar ou divorciar-se, deve voltar a casar no prazo de seis meses; também deve gerar três filhos, para que o marido possa receber a

12 STEGEMANN, Ekkehard W. & STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianismo. São Paulo/São Leopoldo: Paulus/Sinodal, 2004. p. 416. GIORDANI, Mário Curtis. História da Grécia.

Petrópolis: Vozes, 1992. p. 248.

13 ZAIDMANN, Louise Bruit. As Filhas de Pandora: mulheres e rituais nas cidades

. In: DUBY, Georges &

PERROT, Michele (Org.). História das mulheres no ocidente. Vol 1. Porto/São Paulo: Afrontamento/Ebradil,

1993. p. 452.

14 THOMAS, Yan. A divisão dos sexos no direito romano. In: DUBY, Georges & PERROT, Michele (Org.).

(16)

sua herança. A falta de filhos, permite que a sua herança seja passada para outros membros da família que tenha filhos ou para o Estado.15

A maioria das mulheres ao sair do jugo paterno, gerenciavam elas próprias o seu patrimônio, com exceção do dote, que era gerenciado pelo marido. Podiam dispor da fortuna que herdavam e administrá-la. Possuíam terras, comércios, inclusive empresas de navegação. Exerciam várias profissões como: costureiras, lavadeiras, tecedeiras, parteiras, atrizes, médicas.16

Na classe popular as mulheres, inclusive as escravas, trabalhavam como administradoras; no campo atuavam como diaristas. Nas atividades específicas de homens também se encontram mulheres, como nas minas. Ainda as encontramos no comércio e produção de alimentos, padeiras, vendedoras de perfumes, cabeleireiras, amas, mestras e escrivãs. E havia aquelas que eram obrigadas a ganhar o sustento como prostitutas. Outras trabalhavam com os seus maridos exercendo a mesma profissão.17

No século I, dentro do mundo romano muitas mulheres foram alfabetizadas e algumas exerceram influência na vida pública. Graças à influência de filósofos estóicos e epicureus que incentivavam a educação pública das mulheres e defendiam direitos igualitários entre homem e mulher, na educação e formação cultural.18

As mulheres não tinham influência direta na política, mas sim indireta. Nas famílias ricas que exerciam cargos públicos, as esposas influenciavam os maridos, as mães os seus filhos e outros membros da família. Em uma crítica, Tácito escreve que “as mulheres dos césares (...) eram os verdadeiros(sic) soberanos do império”. Presume-se que essas

15 ROUSSELE, Aline. A política dos corpos: entre procriação e continência em Roma. In: DUBY, Georges & PERROT, Michele (Org.). História das mulheres no ocidente. Vol 1. Porto/São Paulo: Afrontamento/Ebradil,

1993. p. 351.

16 THOMAS, Yan. A divisão dos sexos no direito romano. In: DUBY, Georges & PERROT, Michele (Org.).

História das mulheres no ocidente. Vol 1. Porto/São Paulo: Afrontamento/Ebradil, 1993. p. 185-187.

STEGEMANN, Ekkehard W. & STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianismo. São

Paulo/São Leopoldo: Paulus/Sinodal, 2004. p. 419.

17 STEGEMANN, Ekkehard W. & STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianismo. São Paulo/São Leopoldo: Paulus/Sinodal, 2004. p. 420.

18 TEPEDINO, Ana Maria.

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mulheres fossem conselheiras de seus maridos e filhos, e até participassem de conspirações políticas. Mas esse era um tipo de poder “apenas dos bastidores”, pois nem sequer elas podiam votar. A edificação de estátuas para mulheres em Roma e nas províncias representa uma clara presença delas na esfera pública.19

1.3 A MULHER E A RELIGIÃO NO MUNDO GRECO-ROMANO

Em algumas localidades do mundo grego, as mulheres começaram a ter acesso à educação. Tinham participação na vida religiosa da cidade, mas não podiam participar dos ritos sacrificiais. O rito sacrificial estava ligado à política. E as mulheres eram excluídas da política. Porém, os ritos religiosos associados a nascimento e morte eram presididos pelas mulheres. O sacerdócio feminino era significativo nos cultos gregos e então as mulheres tinham os mesmos direitos dos homens. “A função mais prestigiosa da sacerdotisa, a que faz dela um instrumento direto do deus, é a que a transforma em profetisa”.20

Na religião romana o papel da mulher é de menor importância. O poder religioso era centralizado nas mãos dos homens. Mesmo nas festas em honra das deusas, o ritual era conduzido pelo homem. A exclusão não é absoluta; a exceção era as das Vestais, sacerdotisas públicas, fato raro no mundo sacerdotal romano composto praticamente só de homens. Ainda existiam as sacerdotisas “autônomas”, as matronas, que celebravam cultos antigos e novos.21 Os cultos de origem estrangeira eram considerados impuros pelo homens, então as mulheres podiam presidi-los.

19 STEGEMANN, Ekkehard W. & STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianismo. São Paulo/São Leopoldo: Paulus/Sinodal, 2004. p. 409-411.

20 ZAIDMANN, Louise Bruit. As Filhas de Pandora: mulheres e rituais nas cidades. In: DUBY, Georges & PERROT, Michele (Org.). História das mulheres no ocidente. Vol 1. Porto/São Paulo: Afrontamento/Ebradil,

1993. p. 411-459.

21 SCHEID, John. “Estrangeiras” indispensáveis: papéis religiosos das mulheres em Roma. In: DUBY, Georges & PERROT, Michele (Org.). História das mulheres no ocidente. Vol 1. Porto/São Paulo:

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Conelly,22 apresenta uma pesquisa arqueológica e literária da importância das sacerdotisas no mundo grego, desde o final da Idade do Bronze até o estabelecimento do cristianismo. E se pergunta: “se as mulheres eram excluídas da vida pública, por que suas imagens estavam por toda parte”? As mulheres sacerdotisas eram investidas de autoridade e não se subordinavam ao Estado; pelo contrário, muitas vezes eram executivas indispensáveis na esfera cívica.

2 AS MULHERES NO MUNDO JUDAICO PALESTINENSE

Existem visões contrárias sobre o papel das mulheres no mundo antigo: “os que crêem que elas não tinham poder algum para liderar e eram submissas aos homens; e os que crêem na sua total independência e liderança”. Ambos são pontos de vista extremos, o mais correto é acreditar que as mulheres eram capazes de unir posições de liderança e influência embora com muitos obstáculos.23

A independência e autonomia são limitadas por status social e pertença de classe.

Fiorenza24 cita um exemplo da colônia judaica de Elefantina em que “as mulheres

partilhavam de plena igualdade com os homens”. Como outro exemplo: as princesas selêucidas, a rainha Alexandra que reinou por nove anos.

Conforme afirmamos anteriormente, examinamos comparativamente o papel da mulher no mundo judaico-palestinense dentro da casa, família e religião.

22 CONELLY, Joan Breton. Portrait of a Priestess. Princenton University Press. 2007. 23 THOMPSON, Mary R.

Mary of Magdala: Apostle and leader. New York and Mahwah, N.J.: Paulist Press,

1995. p. 81. STEGEMANN, Ekkehard W. & STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianismo. São Paulo/São Leopoldo: Paulus/Sinodal, 2004. p. 411.

24 FIORENZA, Elisabeth Schüssler.

As origens cristãs a partir da mulher. São Paulo: Ed. Paulinas, 1992. p.

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2.1A MULHER E A CASA NO MUNDO JUDAICO-PALESTINENSE

A mulher dentro de casa significava viver excluída da vida pública. Na casa paterna o lugar das filhas vem sempre depois dos meninos; a formação era limitada: aprendiam trabalhos domésticos, costura, fiação, cuidar dos irmãos menores. Para o pai tinham a obrigação de alimentá-lo, dar-lhe de beber, vesti-lo, cobri-lo, ajudá-lo a entrar e sair de casa; na velhice, lavar-lhe o rosto, as mãos e os pés. Não tinham os mesmos direitos que os irmãos.25 A família judaica é de tradição patriarcal. Tudo é centralizado na figura paterna, ele goza de total autoridade sobre todos da casa. “O marido é o senhor (ba’al) da mulher.”26

As filhas dependiam totalmente do pai, até chegar à idade de se casarem. Até os doze anos a autoridade do pai é soberana. O pai escolhe o futuro cônjuge e a filha não pode recusá-lo, tem ainda autoridade de vendê-la como escrava. Acima dos doze anos ela se torna autônoma; pode casar-se sem o consentimento do pai; porém, o dote que o noivo pagava pertencia ao pai. Com o casamento, o pai transferia a autoridade dele para o cônjuge.27

As mulheres eram proibidas de servir à mesa quando tinham convidados, por medo de que pudessem exercer influência pelo fato de escutar alguma conversa. Esse é um dos motivos delas viverem encerradas no interior da casa, principalmente as solteiras.28

Os deveres de esposa consistiam em atender às necessidades do lar. Cozinhar, lavar, moer, amamentar os filhos, fiar, tecer, arrumar a cama do marido, preparar o banho. Ela era obrigada a obedecer ao marido como seu senhor; essa obediência vinha revestida de poder religioso. A falta de filhos era vista como desonra ou castigo divino. Já o fato de ter filhos, principalmente homens, dava importância para a mulher. Sendo mãe ela era valorizada.29

25 JEREMIAS, Joaquim.

Jerusalém no tempo de Jesus. São Paulo: Ed. Paulinas, 1983. p. 478.

26 MORIN, Émile. Jesus e as estruturas de seu tempo. São Paulo: Ed. Paulinas, 1984. p. 55. 27 JEREMIAS, Joaquim. Jerusalém no tempo de Jesus. São Paulo: Ed. Paulinas, 1983. p. 480. 28 TEPEDINO, Ana Maria.

As discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 79.

29 JEREMIAS, Joaquim.

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2.2A MULHER E A FAMÍLIA NO MUNDO JUDAICO-PALESTINENSE

As mulheres judias viviam sob uma herança patriarcal, em que sofriam opressões da sociedade, com limites sócio-religiosos regulamentados por leis religiosas em que elas eram discriminadas. Não participavam da vida pública; eram mães, esposas, donas de casa. Não podiam se pronunciar publicamente. No templo havia um lugar limitado reservado para elas. Eram separadas por regras de impureza. Dependendo do lugar em que habitavam podiam ter outras possibilidades.30

As regras de decoro proibiam à mulher de encontrar-se sozinha com um homem, não podia cumprimentar nem ser cumprimentada, um homem não podia olhar para uma mulher casada. Aquela que conversasse com uma pessoa na rua ou fosse vista fora de sua casa podia ser repudiada. A moça, antes do casamento, devia preferivelmente manter-se dentro de casa.31

Nas leis judaicas havia algumas brechas. As mulheres podiam testemunhar publicamente; isso contradiz os relatos de ressurreição de que as mulheres não tinham o direito de testemunhar. Elas também tinham direito de posse, e, em caso de separação, tinham direito a uma quantia de dinheiro sobre os bens do marido; os contratos de venda de um imóvel do casal necessitavam da sua assinatura.32

Algumas mulheres judias tinham posses à sua disposição, podiam construir sinagogas, comprar e libertar escravos e ainda exercer a liderança na sinagoga. Mulheres asiáticas que se convertiam ao cristianismo, “devem ter esperado ter a mesma influência na comunidade cristã”; principalmente as mulheres ricas. Mas também as mulheres escravas exerciam funções de “ministros”.

30 GASS, Ildo Bohn. Período grego e vida de Jesus. São Paulo: Cebi/Paulus, 2005. p. 178. JEREMIAS, Joaquim. Jerusalém no tempo de Jesus. São Paulo: Ed. Paulinas, 1983. p. 491-93. STRÖHER, Marga J. “A igreja na cada dela”. São Leopoldo: IEPG, 1996. p. 13. TEPEDINO, Ana M. As Discípulas de Jesus.

Petrópolis: Vozes, 1990. p. 77. 31 JEREMIAS, Joaquim.

Jerusalém no tempo de Jesus. São Paulo: Ed. Paulinas, 1983. p. 476-77.

32 REIMER, Ivone Richter.

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No judaísmo do tempo de Jesus, a mulher em que a família é fiel à lei, não participa da vida pública. Ao sair de casa ela traz a cabeça coberta por um manto para que os traços do seu rosto não sejam reconhecidos. Portanto, em público elas passavam despercebidas. Essas regras eram cumpridas mais no contexto urbano e nas classes abastadas. Porque nos meios populares, a mulher precisava ajudar o marido em sua profissão, inclusive no comércio. Na zona rural as relações são mais livres: a mulher vai à fonte, dedica-se ao trabalho agrícola, comercializa azeitona e outros produtos do campo, serve à mesa. Nada indica que no campo ela mantivesse o hábito de cobrir a cabeça, como na cidade.33

2.3A MULHER E A RELIGIÃO NO MUNDO JUDAICO-PALESTINENSE

No mundo judaico-palestinense a mulher vivia numa sociedade preconceituosa, inclusive por parte da religião. Os comentários bíblicos feitos por rabinos nos livros sagrados são de teor discriminatórios. Um exemplo é a leitura que se faz do livro do Gênesis. O relato de Gn 3 atribui à mulher a responsabilidade de fazer o homem pecar. A imagem que se obtém da mulher nas leis do Antigo Testamento é de uma pessoa que não tem direitos legais. Em tudo se torna inferior ao homem, objeto de subordinação e dependência do pai, irmão ou marido. Era excluída do culto, não era necessário rezar três vezes ao dia, não precisava morar nas cabanas na época das festa das Tendas, nem fazer a peregrinação a Jerusalém nas grandes festas. Não tinha necessidade da participar da festa do Purim, do dia da Reconciliação, nem tocar o shofar no ano novo.34

A mulher sofria discriminação em relação ao homem. Era submetida a todas as proibições da Lei, ao rigor da legislação civil e penal e até mesmo à pena de morte. Enquanto os homens eram obrigados a cumprir alguns mandamentos religiosos, elas eram dispensadas. Não tinham necessidade de aprender a Torá. Era preferível queimar a Torá do

33 JEREMIAS, Joaquim.

Jerusalém no tempo de Jesus. São Paulo: Ed. Paulinas, 1983. p. 473-77. GASS, Ildo

Bohn. Período grego e vida de Jesus. São Paulo: Cebi/Paulus, 2005. p. 178. STEGEMANN, Ekkehard W. &

STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianismo. São Paulo/São Leopoldo: Paulus/Sinodal,

2004. p. 412-418.

34 TEPEDINO, Ana Maria.

(22)

que ensiná-la às mulheres. A escola era reservada para os jovens. No Templo eram excluídas nos dias de sua purificação e após o nascimento de um filho. Se a criança fosse homem, quarenta dias de exclusão; se fosse mulher oitenta dias.35

Porém, existiam lideranças femininas nas comunidades judaicas. Escritos antigos testemunham que na região da Ásia Menor e Egito, havia mulheres como chefes de sinagoga, dirigentes, anciãs e sacerdotisas. Mesmo sob o governo romano, “mulheres se destacaram na vida política, social e religiosa do país”, exercendo funções de magistrado, oficiais e sacerdotisas.36 Infelizmente não sabemos quais foram as influências e o poder que exerceram nas comunidades, já que a história é contada pelos homens.

No mundo judaico palestinense as mulheres são consideradas impuras e não tinham um lugar importante na sinagoga. Jesus, talvez pelo fato de ser da Galiléia, não deu muita importância a essas normas judaicas e “deixou-se cercar e seguir por mulheres, considerando-as iguais aos homens, e restabeleceu sua dignidade perdida devido aos costumes da cultura patriarcal”37.

Segundo Reimer,38 não era necessária a presença de dez homens para iniciar a oração na sinagoga. Era necessária a presença de dez pessoas, incluindo mulheres e crianças. Tudo indica que a comunidade de Lídia (At 16) era um grupo de mulheres reunidas em culto.

35 MORIN, Émile. Jesus e as estruturas de seu tempo. São Paulo: Ed. Paulinas, 1984. p. 56.

36 FIORENZA, Elisabeth Schüssler. As origens cristãs a partir da mulher. São Paulo: Ed. Paulinas, 1992. p. 284-85.

37 TAMEZ, Elsa.

As mulheres no movimento de Jesus, o Cristo. 1ª. Edição, São Leopoldo: Sinodal, 2004.

p.11.

38 REIMER, Ivone Richter.

(23)

3 AS MULHERES NO CRISTIANISMO PRIMITIVO

“O movimento de Jesus foi de renovação dentro do judaísmo39”. Ele era judeu e

seus seguidores foram judeus e judias do primeiro século. Quando falamos de Jesus e seu movimento é sempre do ponto de vista cristão. Costumamos deixar de lado o fato de que ele era judeu e seus seguidores também. Reconstruir o movimento de Jesus como um movimento judaico não é uma tarefa fácil, especialmente a reconstrução da história das mulheres. “Até o momento não existe uma reconstrução judaica crítica, feminista, do judaísmo do primeiro século”.40

No movimento de Jesus, as pessoas que viviam à margem da sociedade eram acolhidas. O cristianismo se originou dentro do judaísmo da Palestina num contexto greco-romano. São duas culturas de domínio patriarcal em que a mulher tem um papel secundário. “A cultura e ideologia patriarcal greco-romanas marcaram definitivamente o mundo ocidental”41. As primeiras comunidades surgiram em ambiente judaico-palestinense, depois se expandiram para outras regiões no mundo greco-romano. Destaca-se a presença das mulheres no movimento de Jesus como nas comunidades que surgiram.

O movimento de Jesus tinha propostas diferentes das do modelo vigente. Ele traz uma nova forma de relacionamento: trata a mulher “em pé de igualdade”. Depois da ressurreição, essas mulheres vão impulsionar o movimento cristão reunindo-se em suas casas, que ficaram conhecidas como as “igrejas domésticas”. Certamente, as mulheres que se integraram ao grupo de Jesus tinham uma relativa autonomia em relação ao contexto cultural do seu tempo42.

39 THEISSEN, Gerd. Sociologia del movimento de Jesús. Santader: Sal Terrae, 1979. p. 7. FIORENZA, Elisabeth Schüssler. As origens cristãs a partir da mulher. São Paulo: Ed. Paulinas, 1992. p.133.

40 FIORENZA, Elisabeth Schüssler. As origens cristãs a partir da mulher. São Paulo: Ed. Paulinas, 1992. p. 133-136.

41 STRÖHER, Marga J.

“A igreja na cada dela”. São Leopoldo: IEPG, 1996. p. 5.

42 GASS, Ildo Bohn.

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Segundo D’Angelo, embora a cultura e o domínio político dos romanos sejam levados em consideração ao se estudar o papel das mulheres no cristianismo primitivo, “não deveríamos supor que os papéis femininos eram sempre restritos e medíocres”. Apesar dos limites, as mulheres exerciam algum poder e eram modelos exemplares, em quem as mulheres cristãs podiam se inspirar.43

A maioria dos grupos cristãos primitivos se reuniam nas casas. No Novo Testamento há várias passagens que faz referência a comunidades domésticas (Gl 6,10; 1Cor 16,19; Rm 16,5; Cl 4,15; At 16,15). Elas eram a base do movimento cristão. Nas igrejas domésticas, os cristãos se reuniam para o culto, pregação da palavra, partilha da mesa social e eucarística. A igreja doméstica oferecia iguais oportunidades às mulheres, já que elas estavam no espaço em que dominavam. Essas igrejas foram muito importantes no movimento missionário, porque ofereciam espaço e apoio, e onde as mulheres exerciam realmente a sua liderança. Já era costume no mundo greco-romano as mulheres ricas abrirem suas casas para cultos religiosos. As cristãs não eram o único grupo que acolhia a comunidade em suas casas. Também havia cultos domésticos nas comunidades da Diáspora, liderados por mulheres judias.44

Segundo Branick45, quando os evangelhos descrevem as mulheres seguindo Jesus, servindo e ouvindo instruções, parecem refletir as normas daquele tempo. Essa prática não é vista como surpresa ou inovação por parte de Jesus. Uma norma que Jesus pode ter violado deliberadamente é o fato de a mulher conversar com estranhos (Jo 4,7).

Historiadores concordam que o cristianismo era atraente porque na subcultura cristã “as mulheres tinham um status mais elevado do que no mundo greco-romano”. O número

de homens era maior no contexto greco-romano, pela alta mortalidade das mulheres no parto, aborto e pelo infanticídio feminino. Dentro do cristianismo a vida familiar, desenvolvia-se de modo diverso e as mulheres viviam de forma diferente. As mulheres são

43 D’ANGELO, Mary Rose. As mulheres em torno de Jesus. In: BURSTEIN, Dan & KEIJZER, Arne J. de. (Orgs). A verdadeira história de Maria Madalena. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. p. 105.

44 FIORENZA, Elisabeth Schüssler. As origens cristãs a partir da mulher. São Paulo: Ed. Paulinas, 1992. p. 209-212.

45 BRANICK, Vincent.

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maioria na conversão ao cristianismo. Stark, citando Fox, afirma que “a predominância de mulheres nos quadros de filiação das Igrejas era reconhecida como tal por cristãos e pagãos”.46

Predominante eram também as mulheres convertidas que pertenciam ao estrato inferior da sociedade. Havia desde mulheres não-casadas que tinham um pequeno empreendimento até escravas. O grupo mais carente era o das viúvas, que eram assistidas pelas comunidades domésticas. Por sua vez, retribuíam cuidando de órfãos e visitando presos.47

Dentro do cristianismo era proibido o infanticídio e o aborto, com isso houve uma redução da mortalidade feminina provocando um acréscimo de mulheres no “mundo cristão”. Foi por meio das mulheres proeminentes que o cristianismo penetrou nas classes mais altas da sociedade greco-romana, inclusive influenciando os maridos a protegerem a Igreja. Enquanto outras convertiam os próprios maridos à fé cristã. Quando o chefe de família se convertia, conseqüentemente todos os membros da sua casa, incluindo os servos e escravos também se convertiam.48

Entre os cristãos no mundo greco-romano, eram condenados o divórcio, o incesto, a infidelidade conjugal e a poligamia. Os homens cristãos eram incentivados a permanecerem virgens até o casamento, e o sexo praticado fora do casamento era considerado adultério. Entre os pagãos, as viúvas que não contraíssem segundas núpcias no prazo de dois anos, eram multadas. Ao casar-se novamente perdia sua herança para o marido e se tornavam propriedade dele. Já no cristianismo, tinha-se um profundo respeito pelas viúvas e não se encorajava um segundo casamento. Com isso as viúvas ricas continuavam administrando sua herança e as viúvas pobres eram amparadas pelas comunidades e tinham liberdade de escolha para contrair segundas núpcias.49

46Fox 1987, apud STARK, Rodney.

O crescimento do cristianismo. São Paulo: Paulinas, 2006. p. 113.

47 STEGEMANN, Ekkehard W. & STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianismo. São Paulo/São Leopoldo: Paulus/Sinodal, 2004. p. 438.

48 STARK, Rodney.

O crescimento do cristianismo. São Paulo: Paulinas, 2006. p. 114-15.

49 STARK, Rodney.

(26)

A mulher cristã convivia num ambiente de segurança e igualdade matrimonial bem maior do que a mulher pagã. Outro benefício adquirido pela mulher cristã era o poder de escolher com quem contrair matrimônio e numa idade mais avançada. Já que a mulher pagã era forçada a contrair matrimônio na pré-puberdade.50 Esse era um dado importante: o poder de escolher o cônjuge.

Supõe-se que as mulheres alcançaram não só status, mas liderança nas comunidades

primitivas. Paulo reconheceu a liderança das mulheres em várias comunidades. Em Rm 16,1-2, Paulo apresenta e recomenda à comunidade de Roma, a diaconisa Febe. Também enviava saudações às lideranças femininas da comunidade de Roma; agradece a Prisca, por ter se arriscado por ele; pede que saúdem Maria e várias outras mulheres (Rm 16,1-5).

Paulo ainda “afirmava que nas comunidades cristãs não se fazia diferença entre judeu-cristãos e pagão-cristãos, entre homens e mulheres cristãs, e entre cristãos livres e escravos. Todos eram considerados absolutamente iguais.” Paulo era contra qualquer tipo de superioridade ou desigualdade no cristianismo.51

Segundo Stark, 52 existe um “consenso entre os historiadores da Igreja e os estudiosos da Bíblia de que as mulheres detinham posições de honra e autoridade no interior do cristianismo primitivo.” Há evidência de atividades apostólicas de mulheres que seguiam a Jesus, depois da sua morte e ressurreição. Na Homilia nº XXXI de São João Crisóstomo ele fala:

Pois as mulheres daqueles tempos eram mais corajosas que leões, compartilhando com os apóstolos seus labores por amor ao Evangelho.

50 STARK, Rodney. O crescimento do cristianismo. São Paulo: Paulinas, 2006. p. 120.

51 CROSSAN, John Dominic & REED, Jonathan L. Em busca de Paulo. São Paulo: Paulinas, 2007. p. 10;110. 52 Frend 1984, Gryson 1976, Cadoux 1925, apud STARK, Rodney.

O crescimento do cristianismo. São Paulo:

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Dessa maneira, viajavam com eles e desempenharam todos os outros ministérios”.53

Nas perseguições romanas ao cristianismo percebe-se que as mulheres detinham poder e status nas comunidades cristãs. O número de cristãos martirizados é menor, e a

maioria eram líderes. Enquanto o número de mulheres martirizadas é bem maior. Provavelmente elas eram diaconisas e detentoras de poder social. Sua vida girava em torno da Igreja e nos ofícios eclesiais; exercendo poder dentro da comunidade tinham um status

maior do que as mulheres pagãs.54

Lemos nos evangelhos que as mulheres seguiam e serviam a Jesus desde a Galiléia até Jerusalém. Em momentos importantes como na prisão e crucificação, enquanto os discípulos homens fugiam, elas permaneciam próximas ao mestre. Não o abandonaram nem na hora da morte (Mc 15, 40-41). Na ressurreição, elas são as primeiras testemunhas. Segundo Tamez,55 “no movimento de Jesus, (...) sempre houve mulheres discípulas, apóstolas e missionárias, mas como a linguagem as exclui, às vezes as pessoas pensam que, o movimento era formado somente por homens”. Dentre elas, três são destacadas nominalmente: Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e Salomé. Existe a hipótese de que essas seguidoras de Jesus tenham abandonado suas famílias juntamente com os seus maridos. Maria Madalena é a única a ser associada a um local geográfico. E não é relacionada a nenhum homem. Provavelmente ela fosse solteira. Há a possibilidade dessas mulheres pertencerem à classe inferior da sociedade. Na esfera pública, possivelmente, tivessem fama duvidosa. O fato de participarem de ceias sociais e principalmente pertencerem a um grupo de homens que percorriam a Galiléia, fazia com que parecessem

53 REILY, Duncan Alexander. Ministérios femininos em perspectiva histórica. São Bernardo do Campo: EDITEO, 1997. p. 43.

54 STARK, Rodney. O crescimento do cristianismo. São Paulo: Paulinas, 2006. p. 126.

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mulheres “públicas”. Eram consideradas de má reputação pelo fato de serem autônomas; enquanto outras eram realmente prostitutas.56

Não causa surpresa o fato de serem elas consideradas mulheres de reputação duvidosa, porque, mesmo nos dias de hoje, a impressão seria a mesma. Basta pensar em mulheres abandonando suas famílias para seguirem um homem, que também não era bem visto na sociedade e que tinha fama de beberrão. Com certeza a fama delas não seria das melhores.

Uma vez mais analisamos a presença da mulher na casa, família e religião.

3.1 A MULHER E A CASA NO CRISTIANISMO PRIMITIVO

Nesse novo modelo de comunidade, as mulheres não eram segregadas. A casa era transformada em lugar de culto, um espaço público, onde todos eram acolhidos para praticar a fé cristã. Não existia uma estrutura hierárquica. Certamente a religião das mulheres greco-romanas influenciou o engajamento das mulheres no cristianismo. Só que a religião das mulheres greco-romanas era permitida, enquanto que, o cristianismo entrava em conflito com a cultura patriarcal57.

56 STEGEMANN, Ekkehard W. & STEGEMANN, Wolfgang. História social do protocristianismo. São Paulo/São Leopoldo: Paulus/Sinodal, 2004. p. 425-429. CUNHA, Elenira Aparecida. A genealogia de Jesus em Mateus 1,1-17 e o discipulado de mulheres. Dissertação de Mestrado. São Paulo: UMESP, 1997. p. 102.

57 FIORENZA, Elisabeth Schüssler. As origens cristãs a partir da mulher. São Paulo: Ed. Paulinas, 1992. p. 251. TAMEZ, Elsa. As mulheres no movimento de Jesus, o Cristo. 1ª. Edição, São Leopoldo: Sinodal, 2004.

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3.2 A MULHER E A FAMÍLIA NO CRISTIANISMO PRIMITIVO

No mundo greco-romano a família estava estruturada de forma hierárquica. O pater famílias tinha o poder sobre os membros da família. Não existiam relações de igualdade. As

comunidades cristãs romperam com esse modelo, porque não assumiram a estrutura patriarcal. Pelo contrário, as relações tornaram-se igualitárias entre homens e mulheres. É preciso lembrar que a mulher exercia liderança na comunidade. O fato dessas comunidades não se adequarem ao modelo vigente, fez com que elas se tornassem suspeitas para a sociedade e fossem consideradas subversivas.58

3.3 A MULHER E A RELIGIÃO NO CRISTIANISMO PRIMITIVO

A liderança da mulher na igreja durante o cristianismo primitivo tem sido objeto de diversos estudos, alguns deles apontam que na Palestina existiam comunidades domésticas dirigidas por mulheres como: Tabita em Jope, que é mencionada como discípula do movimento de Jesus e é conhecida por suas boas obras (At 9,36-43); Maria, a mãe de João Marcos, em Jerusalém, em cuja casa a comunidade estava reunida em oração quando Pedro chegou, depois de ter sido libertado da prisão; abrigava pessoas de nações diferentes (At 12,12). É provável que na Galiléia também existissem igrejas-domésticas onde as mulheres assumiam a liderança, já que o grupo que seguia a Jesus deve ter retornado à Galiléia.59

Segundo Fiorenza, temos documentação de duas tradições evangélicas diferentes que falam da importância das mulheres para a expansão do movimento de Jesus a não-israelitas. Elas foram os primeiros não-judeus a se tornarem membros do grupo de Jesus.

58 SCHILLEBEECKX, Edward. Por uma igreja mais humana: identidade cristã dos ministérios. São Paulo: 1989. p. 58-66. FIORENZA, Elisabeth Schüssler. As origens cristãs a partir da mulher. São Paulo: Ed.

Paulinas, 1992. p. 210.

59 ARNS, Dom Paulo Evaristo & GORGULHO, Gilberto & ANDERSON, Ana Flora. Mulheres da bíblia. São Paulo: Paulinas, 2004. p. 179;185-186. TAMEZ, Elsa. As mulheres no movimento de Jesus, o Cristo. 1ª.

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Um exemplo é a mulher siro-fenícia que se torna a “mãe” apostólica de todos os cristãos “gentios”. Mulheres, que provaram da bondade do Deus de Jesus tornaram-se líderes e expandiram o movimento de Jesus na Galiléia, desafiando o “movimento galileu a estender sua comunhão de mesa também às gentias, elas salvaguardaram o discipulado inclusivo de iguais suscitado por Jesus.” 60

Na visão de Reily61, as mulheres já praticavam o “Ide” de Cristo antes dos “Doze”. Há evidências canônicas comprovadas pela tradição, de que as mulheres cristãs participaram efetivamente da obra apostólica, “de testemunhar e plantar igrejas”. Essas mulheres provavelmente batizavam e ministravam a Ceia do Senhor aos fiéis que estavam sob seus cuidados. O fato de Tertuliano proibir à mulher de exercer qualquer função sacerdotal, apresenta evidências de que havia mulheres que ministravam a ceia; se não, por que a proibição?

Existem duas tradições diferentes pré-evangélicas que citam nomes de mulheres discípulas da Galiléia. Há indicações de que Maria Madalena era a líder entre elas, já que seu nome está sempre em primeiro lugar; e também é a mais destacada.62

Os cargos sacerdotais eram hereditários e lucrativos, portanto, mantidos pelas famílias que os ocupavam. Uma parte do sucesso da propagação do cristianismo foi o potencial que oferecia, para as mulheres escravas se tornarem diaconisas. Apesar dessas atitudes liberais não terem sobrevivido na igreja estabelecida, elas foram o marco para o fim da tradição clássica grega.63

Os papéis das mulheres no judaísmo antigo e no cristianismo primitivo foram ignorados ou esquecidos, porque sempre houve preocupação intencional de ocultar a verdade. As recomendações androcêntricas se tornam numerosas a partir do momento em

60 FIORENZA, Elisabeth Schüssler. As origens cristãs a partir da mulher. São Paulo: Ed. Paulinas, 1992. p. 173.

61 REILY, Duncan Alexander.

Ministérios femininos em perspectiva histórica. São Bernardo do Campo:

EDITEO, 1997. p. 80-89.

62 FIORENZA, Elisabeth Schüssler. As origens cristãs a partir da mulher. São Paulo: Ed. Paulinas, 1992. p. 174.

63 CONELLY, Joan Breton.

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que o movimento das mulheres vai se tornando importante dentro da sociedade. Esses textos patriarcais, “são reveladores daquilo que os judeus queriam para as mulheres, o que muitas vezes não corresponde à realidade”.64

Percebemos a presença forte da atuação das mulheres no seguimento a Jesus no momento da crucificação e da ressurreição. Enquanto os discípulos varões desaparecem, elas permanecem fiéis, seguindo o mestre do começo ao fim da sua vida pública, e tornam-se as primeiras testemunhas da ressurreição. Entre elas tornam-se destaca Maria Madalena, cujo nome é citado nas quatro narrativas da ressurreição nos quatro evangelhos. Isso significa que ela era uma forte liderança nas primeiras comunidades cristãs.

Ela era de Magdala, uma cidade às margens do Mar da Galiléia, colônia de pescadores, onde a atividade pesqueira é muito importante, com isso o comércio é intenso. Possivelmente ao integrar-se ao movimento de Jesus tenha deixado a sua cidade; tornando-se conhecida como Maria de Magdala.65

Maria Madalena é abordada em alguns estudos como um membro proeminente da Igreja Cristã Primitiva, de modo que seria impossível eliminar o seu nome das narrativas da ressurreição. Sua influência espalhou-se e sua memória permaneceu significante nas narrativas evangélicas canônicas e apócrifas. Sua importância na comunidade cristã primitiva explica a consistência dos escritos evangélicos em incluí-la em todos os discursos da crucificação, dos evangelhos sinóticos, nas narrativas do enterro, e do túmulo vazio.66

64 D’ANGELO, Mary Rose. As mulheres em torno de Jesus. In: BURSTEIN, Dan & KEIJZER, Arne J. de. (Orgs). A verdadeira história de Maria Madalena. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. p. 108. TEPEDINO, Ana

M. As Discípulas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 80.

65 TAMEZ, Elsa. As mulheres no movimento de Jesus, o Cristo. 1ª. Edição, São Leopoldo: Sinodal, 2004. p. 73. ARIAS, Juan. Madalena – o último tabu do cristianismo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. p. 26.

66 THOMPSON, Mary R.

Mary of Magdala: Apostle and leader. New York and Mahwah, N.J.: Paulist Press,

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Também os evangelhos apócrifos do 3º e 4º séculos, os Evangelhos de Tomé, Pistis Sophia, Felipe, o Diálogo do Salvador, Pedro e Maria, mostram evidências de Maria Madalena exercendo um papel de liderança na comunidade primitiva.67

Na cena da crucificação, o nome das mulheres não tinha necessidade de ser mencionados porque eram conhecidas na comunidade. Apenas parentes próximos estavam presentes. Não há indícios de qualquer parentesco entre Maria Madalena e Jesus. Então por que a presença dela na cena? Segundo Thompson68, há três explicações para esse fato:

provavelmente ela era tão importante na comunidade primitiva que era um símbolo de posição e respeito; possivelmente ela era tão importante no tempo de Jesus que sua presença era admitida como certa; provavelmente seria uma memória histórica da presença de Maria na crucificação. Cada uma dessas razões denota o quanto Maria era importante, mesmo no tempo de Jesus ou na época em que os textos estavam sendo escritos.

No último terço do século I,. quando os evangelhos estavam sendo redigidos, o papel de Maria Madalena era tão importante que seu nome ficou registrado na história para sempre. Maria foi o elemento essencial para o anúncio da ressurreição e, dessa forma, a testemunha chave para a narrativa do túmulo vazio. Ela é retratada como aquela que procurou, que chorou, tentou prestar serviços ao corpo morto daquele que ela amava. A única recordação do discípulo homem na crucificação é encontrada no quarto evangelho, e mesmo assim, seu nome não consta na lista daqueles que diziam estar presentes. É a presença forte das mulheres que está nos discursos da crucificação.69

67 ROBINSON, James M. The nag hammadí library in english. San Francisco: Harper & Row, Publishers, 1988.

68 THOMPSON, Mary R. Mary of Magdala: Apostle and leader. New York and Mahwah, N.J.: Paulist Press, 1995. p. 62.

69 THOMPSON, Mary R.

Mary of Magdala: Apostle and leader. New York and Mahwah, N.J.: Paulist Press,

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Conclusão

Vimos que o papel da mulher na antiguidade tinha relevância na casa ou na família. A sua existência se resumia a cuidar dos afazeres domésticos, cuidar do marido, filhos e escravos. Havendo diferenças no comportamento daquelas que habitavam na cidade ou no campo, entre as mulheres das classes superiores e classes inferiores, entre as casadas e as solteiras.

Enquanto umas tinham uma vida permeada de “obrigações” e regras a cumprir, vemos que outras conseguem ter certa autonomia perante a família. Estudaram, tinham profissão e também influência perante seus maridos.

Com o advento do cristianismo as mulheres conseguem uma certa autonomia. Procura-se viver a igualdade entre os sexos. Suas casas se transformam em igrejas domésticas e passam a acolher as pessoas necessitadas, como as viúvas. Elas se tornam líderes nas suas casas e com elas nascem as primeiras comunidades cristãs. A mensagem de Jesus Cristo passa a ser anunciada, pregada por essas mulheres que se tornam mensageiras do Evangelho.

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II CAPÍTULO — A MEMÓRIA DE MARIA MADALENA NA

PERÍCOPE DE JOÃO 20, 1-18

INTRODUÇÃO

Neste capítulo apresentamos a exegese da perícope de Jo 20, 1-18. O tema central é o encontro de Jesus Ressuscitado com Maria Madalena. A narrativa é interrompida por uma inserção do relato do Discípulo Amado e Pedro. O objeto de estudo em nossa perícope é a figura de Maria Madalena na comunidade joanina e o impacto que a inserção do relato do Discípulo Amado e Pedro indo ao sepulcro traz para a imagem e autoridade de Maria Madalena.

1 ESTRUTURA DO EVANGELHO

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seguem logo após os milagres. De 12-20 são as narrativas da Paixão, começando com a unção em Betânia e terminam com a morte, sepultamento e a descoberta do túmulo vazio.

Dentro das narrativas da Paixão o autor incluiu o discurso de despedida(13, 31-17, 26). A estrutura de todo o Evangelho é composta pelo prólogo, pelo testemunho de João Batista e pelo chamado dos discípulos; a conclusão é constituída pelas aparições de Jesus a Maria, a todos os discípulos e a Tomé.

1.1 FONTES

Segundo Bultmann,70 o Evangelho de João foi escrito em etapas, a partir de várias fontes:

-Fonte dos Sinais - Fonte dos Discursos.

A fonte dos discursos apresenta temas correlatos ao pensamento gnóstico. Uma das características que aproxima esses discursos do pensamento gnóstico é o dualismo. Outro tema que aproxima o Evangelho de João ao movimento gnóstico é a liderança de Tomé, Maria Madalena e Felipe. Esses temas que apontam a presença do pensamento gnóstico no Evangelho de João foram reconhecidos por Bultmann. Esse Evangelho foi importante no desenvolvimento inicial de uma compreensão gnóstica dos ditos de Jesus e da espiritualização dos sacramentos.71

Na mesma linha Dodd, assim como Theissen,72 propõem que o Evangelho de João seja classificado como Gnóstico73. O gnosticismo é considerado um movimento religioso,

70 BULTMANN, Rudolf

. The gospel of John: a commentary. Oxford: Basil Blackwell, 1971. p. 683.

71 A crítica hoje reconhece que Bultmann projetou o gnosticismo posterior em João, porém nos interessa os sinais que esses conceitos posteriores já apareciam no Evangelho.

72 DODD, Charles H.

A interpretação do quarto evangelho. São Paulo: Paulus, Teológica, 2003. p.137-145.

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mais antigo que o cristianismo, sendo desde o início de caráter sincretista, que adotou as idéias cristãs quando estas se tornaram conhecidas. Dentro do Evangelho encontramos os dualismos como influências gnósticas (luz e trevas, bem e mal, eu sou o caminho, água viva...). Considera que no Novo Testamento não existe nenhum livro semelhante ao Evangelho de João e que este evangelho coloca a Igreja sob a liderança dos doze apóstolos. A fonte de João difere das narrativas pascais da tradição sinótica, pois ele mostra apenas uma mulher, Maria Madalena. Isso mostra que os Evangelhos Sinóticos não serviram de fonte para João. Originalmente a história é independente, mesmo se a fontetivesse unida à narrativa da paixão.

Fonte dos Sinais – ela é designada assim por causa do termo sinal (semeia) usado

para milagres no Evangelho de João. Histórias que foram tiradas dessa fonte: Jo 2,1-11; 4,46-54; 5,1-9; 6,1-21; 9,1-7; 11,1-44 concluindo em 20,30-31. Ela é uma fonte de propaganda helenística em que Jesus é exaltado como homem divino.74

Na opinião de Ashton,75 João tinha fonte própria. Há quatro tipos de tradições da Páscoa. Duas delas envolvem a presença de Jesus Ressuscitado, as outras duas, não. O próprio Marcos confina os pares (reconhecimento, cenas da missão; túmulo vazio/mensagem angelical). Mateus adiciona a cena da missão; ambos os outros evangelistas têm todas as outras partes. Nas histórias de João, há um número intrigante de semelhanças, explicadas de modo amplo, nos discursos sinóticos. Nos Evangelhos Sinóticos, o túmulo vazio e a mensagem dos anjos são tradições que foram encontradas juntas. João toma-as à parte. Em seu primeiro episódio, a mensagem angelical é substituída por uma fonte aparentemente tirada de Lucas e João a usa como base para a sua própria história.

73 O termo Gnosticismo veio do grego gnosis que significa conhecimento. Os gnósticos acreditam que as pessoas não pertencem originalmente a esse mundo de matéria. O mundo em si mesmo, a partir da criação, estava incompleto, e as pessoas poderiam escapar dessa armadilha e voltar para o lar celestial e reunir-se com Deus para a felicidade eterna. (...). CHO, Eunhae. Mary Magdalene & The Gospel of Mary. Disponível em:

http://www.zum.de/whkmla/sp/sp7and8.html, Acesso em: 20 de Setembro de 2007. p. 29

74 KOESTER, Helmut. Introdução ao novo testamento – História e literatura do cristianismo primitivo.São Paulo: Paulus, 2005. Vol 2. p 201.

75 ASHTON, John.

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João reduziu a figura das mulheres por uma única figura: Maria Madalena. E acrescenta um outro “ator”: o discípulo amado. É o único Evangelista a escrever a história do túmulo vazio sem uma explicação. Considera-se que essa tradição teve origem no cristianismo como uma resposta para a acusação de que não houve a Ressurreição. Mas, de acordo com os Sinóticos, a crença na ressurreição é uma resposta não para a idéia do túmulo vazio, mas para a mensagem do anjo: “Ele não está aqui, Ele ressuscitou”. Todos os Evangelhos concordam com o conteúdo dessa mensagem.76

Conclusão

Este evangelho começou a ser escrito por volta dos anos 80, época em que a comunidade estava passando por dificuldades com a expulsão da sinagoga. As suas narrativas têm como base a fonte dos sinais unida às narrativas da paixão. Foi escrito por camadas, a partir do que estava acontecendo na comunidade.

1.2 A COMUNIDADE

O Evangelho de João é produção de uma tradição especial que está localizada na Síria, mas que também teve um desenvolvimento em outras comunidades independentes da Síria. Deve ter havido contato com círculos petrinos da Síria. Percebem-se semelhanças com os Evangelhos Sinóticos só no final destes. Ele deve ter sido levado da Síria para o Egito no começo do século II onde se tornou popular. A tradição de que João pertence a Éfeso é tardia. Policarpo e Pápias de Hierápolis (1ª metade do século II) desconhecem esse evangelho.77

76 ASHTON, John. Understanding the fourth gospel. Oxford, Clarendon Press. 1993. p. 505.

77 KOESTER, Helmut. Introdução ao novo testamento – História e literatura do cristianismo primitivo. p. 203-204. THEISSEN, Gerd & MERZ, Annette. O Jesus histórico – um manual. São Paulo: Loyola, 2002. p.

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O grupo da comunidade de João faz parte do judaísmo heterodoxo, que existia em tensão até a destruição do Templo no ano 70 d.C. Esse fato causou um desequilíbrio na heterodoxia judaica: diversos grupos entram em conflito. Entre eles, o grupo da sinagoga e o das casas cristãs. Esse conflito gera uma divisão dentro da comunidade joanina. De acordo com Wenham,78 a Igreja Cristã surgiu do Judaísmo, - estava em conflito com os judeus da sinagoga - os cristãos afirmavam ser sucessores de Israel, e para a sinagoga, a Igreja parecia estar fazendo proselitismo para adquirir novos membros. Era esse o contexto conflituoso em que o Evangelho de João estava sendo escrito.

1.3JOÃO 20

Abordaremos a presença das mulheres na comunidade joanina.

1.3.1 As Mulheres na Ida ao Túmulo

As histórias de João 20 nos falam sobre as origens da autoridade cristã. Falam-nos de poder e liderança nas primeiras comunidades; principalmente sobre líderes específicos em competição dentro desses grupos. Na opinião de Fiorenza,79 na comunidade do Discípulo Amado, a autoridade de Maria Madalena precisava de oposição assim como a de

Existe uma relação entre o círculo joanino e Éfeso. Nesta região há uma identificação do discípulo amado, autor do Evangelho de João, com João o autor do Apocalipse. Wengst aponta as zonas meridionais do reino de Agripa II para a localização do evangelho de João. Cita os seguintes pontos:

“El lenguaje de la comunidad es el griego; la comunidad está compuesta de una mayoría judeocristiana; vive em um entorno étnico mixto, pero dominado por judíos; el judaísmo aparece incluso investido de poder autoritativo; la comunidad está expuesta a las medidas represivas de um judaísmo que se consolido después del año 70 bajo la dirección farisea, excluyendo a todas las otras corrientes y ejerciendo su influjo desde el nuevo centro de Yabné sobre Palestina y las regiones próximas”. Essas regiões abarcam os territórios de Gamala, Gaulanítide, Batanea e Traconítide, que formam o reino de Agripa.

78 David, Wenham, A Historical View of John's Gospel. Themelios 23.2 (February 1998): 5-21. 79 FIORENZA, Elisabeth Schüssler.

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Pedro ou Tomé. Não se pode dizer se o Discípulo Amado representa uma pessoa individual ou um modo diferente de liderança.

Para Léon-Dufour,80 o relato joanino situa-se no fim de uma tradição acerca dos acontecimentos do túmulo vazio. Esta tradição reconhece a memória da visita das mulheres, que encontraram o sepulcro aberto e vazio. Como naquela época, o testemunho das mulheres não tinha validade jurídica, foi acrescentada a visita dos discípulos ao túmulo, para verificar a veracidade das palavras das mulheres (Lc 24, 12.24). Duvidamos da tese de que a presença dos discípulos nas narrativas das aparições às mulheres, fosse para convalidar o testemunho delas. Continuamos reforçando a idéia de que existe um conflito de lideranças entre eles, em que a presença da liderança masculina se sobressaísse em relação à liderança feminina. O grupo das mulheres tinha influência na comunidade tanto que, as narrativas da ressurreição são tradição de mulheres.

Defendemos a presença de outras mulheres, Brown81 citando Bernard, questiona a ida de Maria Madalena ainda de madrugada ao sepulcro. Não era aconselhável uma mulher sair sozinha, muito menos sendo ainda escuro, num local onde se faziam execuções públicas e fora dos muros da cidade. Nesta linha de raciocínio, provavelmente Maria Madalena está acompanhada pelas outras mulheres. O evangelista não explica o motivo da ida de Maria ao sepulcro. Marcos e Lucas dizem que as mulheres tinham comprado perfumes e que iam ungir o corpo de Jesus. Mateus diz que a intenção das mulheres era inspecionar o túmulo. No Evangelho de Pedro, 50, as mulheres iam chorar e lamentar-se

pelo defunto querido. Em Mateus são duas mulheres, em Marcos três e em Lucas são três junto com “outras mulheres”. No Evangelho de Pedro, 51, Maria levou consigo umas

amigas. Sempre lembrando que em todas as aparições de Jesus para as mulheres, o nome de Maria Madalena está sempre em primeiro lugar.

80 LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do evangelho segundo João IV. Petrópolis: Loyola, 1998. p. 144-145. 81 BROWN, Raymond Edward.

El evangelio segun Juan. Madri: Ediciones Cristiandad, 1979. Vol. II. p.

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Brown82 conclui que, na tradição sinótica, as mulheres iam ungir o cadáver de Jesus; então há de supor que a omissão deste detalhe por parte de João é proposital. Por isso ele introduziu a unção do cadáver de Jesus antes da sepultura.

Conclusão

O fato dela aparecer sozinha é um contraponto entre a autoridade de Pedro e do Discípulo Amado. Pelas nossas pesquisas, Maria Madalena foi uma liderança apostólica no início do cristianismo, e na comunidade joanina ela tem um papel de destaque. Maria é a mulher que disputa liderança com Pedro. Nos séculos III e IV, ainda se discutia sobre a autoridade de Pedro e de Maria Madalena.

1.4 AS MULHERES E A RESSURREIÇÃO

A presença das mulheres no sepulcro é um tema controverso. A presença e o número das mulheres no sepulcro bem como o papel que elas desempenham nos relatos, provocam divisões diferenciadas entre os pesquisadores. Isso veremos a seguir.

82 BROWN, Raymond Edward.

Referências

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