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Idolatria e Conquista: Estudo do conceito de idolatria na obra de Juan Guinés de Sepúlveda Democrates Alter- Tratado de Lãs Justas Causas de La Guerra contra los índios – e sua controvérsia travada com Frei Bartolomé de Lãs Casas

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

SÃO BERNARDO DO CAMPO / SP.

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

JUAREZ FERREIRA DE JESUS

IDOLATRIA E CONQUISTA:

“Estudo do conceito de

Idolatria

na obra de Juan Ginés de Sepúlveda

Democrates Alter

Tratado de las Justas Causas de la Guerra contra

los Indios

– e sua controvérsia travada com Frei Bartolomé de Las

Casas”.

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JUAREZ FERREIRA DE JESUS

IDOLATRIA E CONQUISTA:

“Estudo do conceito de

Idolatria

na obra de Juan Ginés de Sepúlveda

Democrates Alter

Tratado de las Justas Causas de la Guerra contra

los Indios

– e sua controvérsia travada com Frei Bartolomé de Las

Casas”.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo com vista à obtenção de grau de mestre.

Área de Concentração: Teologia e História

Orientador: Prof. Dr. Etienne Alfred Higuet

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FICHA CATALOGRÁFICA

J499i Jesus, Juarez Ferreira de

Idolatria e conquista : “estudo do conceito de idolatria na obra de Juan Ginés de Sepúlveda Democrates Alter – tratado delas justas causas de la guerra contra los índios e sua controvérsia travada com Frei Bartolomé de Las Casas” / Juarez Ferreira de Jesus -- São Bernardo do Campo, 2010. 146fl.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Programa de Pós Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo

Bibliografia

Orientação de: Etienne Alfred Higuet

1. Índios – América do Sul 2. Evangelização 3. Idolatria 4. Las Casas, Bartolome de, Frei 5. Sepúlveda, Juan Gines de I. Título

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Ao povo sofrido da América Latina

“... Frei Bartolomeu, acreditaste mesmo e apostaste tudo Foi nos homens e nas mulheres Nesta gente morena das Índias Ocidentais, Que os tais adoradores do ouro Vieram escravizar e espancar ‘como quem mata o filho Bem na cara do Pai’ O Pai que está nos céus De olhos carinhosos

Na América [...] Pois a sofrida história das Índias Está escrita com suor, lágrimas e sangue, Vai acabar bem do jeito das parábolas de Jesus,

Virando linda festa de casamento [...] Lá vem a ciranda da América de mãos dadas, As mulheres puxam salmos e canções, A mais não poder, Índios, negros e crioulos, Uns para os outros vão jogando Aquele refrão lindo e perigoso Que o Bispo de Chiapas roubou Dos lábios mesmo de Deus E pôs na boca do povo: A Verdade vos libertará!”

(Louvação ao Frei Bartolomé de Las Casas)

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AGRADECIMENTOS

“Aquele que recebe um benefício não deve jamais esquecê-lo; aquele que o concede não deve jamais lembrá-lo”.

(Pierre Charron)

Ao Deus, Criador e Sustentador da vida que idealizou este projeto e caminhou comigo até ser consolidado. A Ele a minha eterna gratidão.

À minha querida esposa Solange e ao meu filho Igor, que, me deram o seu precioso apoio, carinho e compreensão para a realização deste sonho.

Ao prof. Dr. Etienne Alfred Higuet, meu orientador, que, com paciência e competência, apontou a direção que eu pudesse seguir para chegar ao propósito almejado.

Ao Revmo. Bispo Adriel de Souza Maia, presidente da 3ª Região Eclesiástica da Igreja Metodista, que compreendeu e acreditou na visão de Deus e com a sua obediência a Ele, me proporcionou esta grandiosa conquista.

Ao Rev. Natanael Garcia Marques, que, com amizade e companheirismo me motivou a lutar por esta formação.

À Pastoral Escolar e Universitária que, através de seus/suas agentes, me ajudou quando o desânimo tentou angustiar a minha alma a ponto de me fazer desistir.

À Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, que, sustentou-me fielmente por meio da bolsa de estudos funcional, recurso sem o qual não seria possível este imensurável feito.

Ao prof. Dr. Jorge Luis Rodriguez Gutiérrez, que me inspirou a pesquisar sobre este tema.

Ao prof. Dr. Lauri Emilio Wirth, Pró-Reitor de Pesquisa, prof. Dr. Jung Mo Sung, Coordenador do Curso de Pós Graduação em Ciências da Religião, demais docentes e funcionários/as que atuam eficientemente no referido Programa.

À Igreja Metodista em Jardim Aeroporto, 3ª Região Eclesiástica, com flexibilidade deixou-me à vontade para concretizar este trabalho.

À Revda. Ana Carolina Chizzolini Alves, leitora crítica de meus textos, mas grande incentivadora de suas publicações.

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JESUS, Juarez Ferreira de. Idolatria e Conquista: “Estudo do conceito de Idolatria na obra de Juan Ginés de Sepúlveda Democrates Alter – Tratado de las Justas Causas de la Guerra contra los Indios – e sua controvérsia travada com Frei Bartolomé de Las Casas”. São Bernardo do Campo, 2009. 145 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) — Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2009.

RESUMO

Pouco mais de meio século depois da descoberta do Novo Mundo, em plena Conquista espanhola, ocorreria em Valladolid, nos anos de 1550 e 1551, um evento sem precedentes: um debate público protagonizado por duas notáveis personagens, a saber: o Frei dominicano Bartolomé de Las Casas e Juan Ginés de Sepúlveda. Este debate ficou conhecido na História como a Controvérsia de Valladolid, e teve, como principal objetivo, discutir o modo como deveriam ser tratados os índios do Novo Mundo, quais eram os seus direitos e as suas atribuições. Esta tese discute o contexto em que se deu essa controvérsia, suas personagens e, é claro, ela própria, em seus argumentos, modo de exposição e estrutura constitutiva.

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JESUS, de Ferreira Juarez. Idolatry and Conquer "study of the concept of idolatry at the work of Juan Gines de Sepulveda Democrates Alter – Treaty of the just cause for war against the Indians – and fought with the controversy of Bartolomé de Las Casas." Sao Bernardo do Campo, 2009. 145 f. Thesis (Master of Science in Religion) – Methodist University of São Paulo, São Bernardo do Campo, 2009.

ABSTRACT

Slightly more than half a century after the discovery of the New World, Spanish Conquest in full, would take place in Valladolid in 1550 and 1551, an unprecedented event: a public debate starring two remarkable characters, namely, the Dominican Friar Bartolome de Las Casas and Juan Gines de Sepulveda. This debate is known in history as the Controversy of Valladolid, and had as main objective, to discuss how the Indians of the New World would be treated, what were their rights and their responsibilities. This thesis discusses the context in which this controversy took place, its characters and, of course, itself, in its arguments, exposure mode and constituent structure.

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JESÚS, de Ferreira Juárez. La idolatría y Conquista "un estudio del concepto de idolatría en la obra de Juan Ginés de Sepúlveda Democrates alter – Tratado a respecto de la justa causa para la guerra contra los Indios – y luchó contra la controversia del Bartolomé de Las Casas." Sao Bernardo do Campo, 2009. 145 f. Tesis (Maestría en Ciencias de la Religión) – Universidad Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2009.

RESUMEN

Poco más de medio siglo después del descubrimiento del Nuevo Mundo, en plena Conquista española, ocurrirá en Valladolid, entre los años de 1550 y 1551, un evento sin precedentes: un debate público protagonizado por dos notables personajes, a saber: el Fray dominicano Bartolomé de Las Casas y Juan Ginés de Sepúlveda. Este debate es conocido en la Historia como la Controversia de Valladolid, y tuvo, como principal objetivo, discutir el modo como deberían ser tratados los indios del Nuevo Mundo, cuáles eran sus derechos y sus atribuciones. Esta tesis discute el contexto en que se dio esa controversia, sus personajes y, es claro, sus argumentos, modo de exposición y estructura constitutiva.

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SUMÁRIO

Introdução... 13

Capítulo 1 Caminhos que levam ao Novo Mundo: uma releitura da conquista espanhola no século XVI... 18

Introdução... 18

1.1 O contexto da conquista espanhola... 20

1.2 “Eurocentrismo” e Descobrimento do Novo Mundo... 22

1.3 Conquista, colonização e os seus pressupostos históricos... 27

1.4 Fim do Velho Mundo e o surgimento do Novo Mundo... 40

1.5 O nascimento de uma Era: a Modernidade e os seus efeitos no Novo Mundo... 44

Conclusão... 46

Capítulo 2 Juan Ginés de Sepúlveda e o uso do conceito de Idolatria em DemocratesAlter e sua aplicação na Conquista do Novo Mundo... 48

Introdução... 48

2.1 Juan Ginés de Sepúlveda... 50

2.2 Democrates Alter ou Tratado de las Justas Causas de la Guerra contra los índios... 53

2.3 Doutrinas e teorias de Juan Ginés de Sepúlveda... 56

2.4 O que propõe o Democrates Alter...... 59

2.5 Conceito de Idolatria no Democrates Alter... 72

2.6 Em que consiste a Idolatria indígena e a sua consequente extirpação... 75

2.7 Deus ou o ouro: ídolos que se irmanam... 78

2.8 Idolatria sob o olhar dos conquistadores espanhóis... 80

2.9 Idolatria sob o olhar da Igreja... 84

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Capítulo 3 Frei Bartolomé de Las Casas e a Controvérsia Pública com Juan Ginés de

Sepúlveda... 91

Introdução... 91

3.1 Frei Bartolomé de Las Casas... 93

3.2 Antecedentes da Controvérsia de Valladolid (1550-1551)... 100

3.3 Metodologia do Debate... 104

3.4 A exposição acusativa de Juan Ginés de Sepúlveda... 105

3.5 Contra- argumentação de Frei Bartolomé de Las Casas... 111

3.6 Em defesa dos índios... 121

3.7 Pela evangelização e não pela guerra... 129

Conclusão... 136

Considerações Finais... 138

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INTRODUÇÃO

No fim do século XV, precisamente em 12 de outubro de 1492, com a chegada dos conquistadores espanhóis, o Novo Mundo, que mais tarde receberia o nome de América, transformou-se em território de atividades mercantilistas de uma gigantesca empresa, a evangelização dos índios. Com essa justificativa, o avanço da conquista e colonização ostentou dimensões ilimitadas. Para isso, foi necessária a utilização de armas, que resultou na instrumentalidade ideológica formalizada pelos argumentos filosóficos, políticos e religiosos.

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A destruição dos templos, deuses e o uso da força seriam traduzidos como punição e justiça. Caso fosse caracterizado qualquer tipo de resistência, os índios deveriam ser condenados à morte. A Idolatria, nos termos definidos pelo humanista, contaminava a fé, os sacramentos, os templos cristãos e as imagens. Essas idéias foram divulgadas por algum tempo na sociedade espanhola a ponto de quase serem editadas oficialmente pela imprensa.

Após obter o conhecimento do Democrates Alter, Frei Bartolomé de Las Casas impediu sua publicação. Lançou mão dos relatórios desfavoráveis elaborados pelas Universidades de Salamanca e Alcalá referentes ao Tratado e atacou seu autor. Sepúlveda reagiu às acusações de Las Casas e desferiu-lhe um contra-golpe conseguindo que o Conselho das Índias retirasse todos os exemplares impressos e manuscritos da obra

Confessionário, de sua autoria. Acusações e informes foram, num fogo cruzado entre os beligerantes, arremessados um contra o outro. O Conselho das Índias decidiu, então, que Sepúlveda e Las Casas fizessem publicamente a exposição de suas idéias contraditórias sobre a conquista e colonização do Novo Mundo.

Convocados pelo rei Carlos V, em 1550, Juan Ginés de Sepúlveda e Frei Bartolomé de Las Casas iniciaram, então, uma exaustiva disputa intelectual que durou vários anos e teve seu auge na Controvérsia de Valladolid, entre 1550 e 1551. Os debatedores apresentaram-se a um júri composto por intelectuais, juízes, teólogos e juristas da época.

Após a Controvérsia de Valladolid, Las Casas continuou a sua oposição a Sepúlveda e à sua obra, escrevendo e publicando textos apologéticos, com o objetivo de conter o avanço de Sepúlveda e evitar que este conseguisse o apoio necessário para que o

Democrates Alter viesse a ser reconhecido e oficializado como manual de guerra. Assim, como consequência da atividade de Las Casas, o Democrates Alter foi censurado.

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Espanha, suas relações políticas com outras nações, o poder e influência da Igreja e da Escolástica. Foram realizadas consultas a obras que relatam acontecimentos significativos dos séculos anteriores, especialmente o século XV. Através dessas fontes, entrelaçadas, comparadas e confrontadas, levantou-se as informações gerais sobre as motivações da conquista e colonização do Novo Mundo bem como sobre as diversas controvérsias voltadas para esse processo e, em especial, sobre a grande Controvérsia de Valladolid ocorrida em 1550-1551, entre Juan Ginés de Sepúlveda e Frei Bartolomé de Las Casas.

Este trabalho qualitativo tem como fontes centrais de investigação dois importantes escritos que tratam diretamente do tema da Idolatria, o Democrates Alter de autoria de Juan Ginés de Sepúlveda e Aqui contiene una disputa compêndio que faz parte dos Tratados de Frei Bartolomé de Las Casas editados em dois tomos, no México, em 1965, pelo Fondo de Cultura Económica. Estas obras consultadas remetem à história, leis, escolástica, teologia e filosofia que fundamentaram o processo da conquista.

A presente pesquisa compreende três capítulos. O capítulo I apresenta uma narrativa da precedência histórica do Descobrimento das Índias Ocidentais em 1492. Essa precedência histórica se fundamenta no momento de crise política e econômica vivida pela Espanha e grosso modo por grande parte da Europa. A ânsia de expandir os domínios do Velho Mundo era um projeto quase generalizado, no entanto, a Espanha é quem protagoniza essa façanha se lançando ao desconhecido. A constatação desse fato ocorre com as viagens do Almirante Cristovão Colombo que desejosamente quer chegar à Índia Oriental e marcá-la como propriedade da Espanha. No topo de sua agenda, além da extensão territorial, se encontra a captação de todas as riquezas possíveis e impossíveis. Entretanto, acessou as Índias Ocidentais onde os espanhóis com o seu “eurocentrismo” imponente instauraram sistemas político, econômico, cultural, administrativo e religioso transportados do seu mundo de origem. Com isto, declarou-se o surgimento do Novo Mundo em contraste com o Velho Mundo.

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mas exerciam uma dominação violenta e irracional. Foi justamente em nome do Deus cristão que se realizou a vitimação dos índios, a eliminação de seus direitos, cultura, religião e a conquista de suas riquezas. Aqui, esse Deus cristão assume a gestão em todos os âmbitos, em favor de “seus filhos”, os espanhóis. Com isso, se deu o controle do imaginário religioso e mitológico indígena.

No capítulo II, o assunto é imenso. Trata inicialmente de uma apresentação da pessoa de Juan Ginés de Sepúlveda e de sua principal obra Democrates Alter. Nela, o intelectual aponta o seu pensamento e doutrinas materializados através de temas e situações ligadas à prática da Idolatria, como antropofagia, culto aos ídolos, paganismo, sacrifícios naturais e humanos (de crianças, por exemplo), ritos cerimoniais aos deuses (denominados “demônios” pelo autor) e outros aspectos. Aborda, ainda, a importância da evangelização dos índios por meio dos pregadores enviados pela Igreja e reafirma, constantemente, a superioridade monárquica e religiosa da nação espanhola sobre os índios. A hegemônica Espanha deveria agir como agente libertadora dos bárbaros infiéis, por ser cristã e era importante dar cabo daquilo que afrontava sua tradição religiosa. O universo divino dos índios foi, então, interpretado como diabólico. O capítulo analisa ainda o conceito de

Idolatria presente no Democrates Alter e suas propostas para combatê-la. Há de se considerar neste conteúdo outro fator importante que se refere ao tipo de lente que os conquistadores e eclesiásticos espanhóis utilizavam para enxergar os indígenas com suas práticas religiosas “estranhas” como um grande obstáculo à implantação de seus interesses. De acordo com os resultados da conquista, não é difícil deduzir que o mundo religioso indígena foi visto pelos espanhóis como um mundo negativo, pagão, satânico e, em última instância, perverso. Ficava estabelecido, então, que a religião indígena era profana, e a dos invasores, divina.

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disputa, pois somente assim é razoável pontuar os principais fatores que resultaram nesse embate. A controvérsia seguiu um dos importantes modelos de disputa presentes na Escolástica, ou seja, nesse modelo, quando um tratadista se propunha a provar uma tese, teoria ou pensamento para alcançar reconhecimento público, deveria fazê-lo diante de um jurado especializado e logo após a exposição de sua tese aguardava o veredicto. A controvérsia de Valladolid acontece nesse formato. De um lado, está Juan Ginés de Sepúlveda com suas acusações e, do outro, Frei Bartolomé de Las Casas estabelecendo a sua contraposição, ambos acompanhados pelo já referido júri. Nessa contraposição, está contida uma enfática defesa a favor dos índios. Ele aponta o caminho da evangelização e não da guerra que os conquistadores deveriam seguir para a realização das atividades no Novo Mundo, caminho esse que evitaria violência, escravidão e mortes. O fim da controvérsia é incerto, pois, não se tem informação do veredicto para os debatedores, quem de fato se sagrou vencedor.

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CAPÍTULO I

CAMINHOS QUE LEVAM AO NOVO MUNDO: UMA

RELEITURA DA CONQUISTA ESPANHOLA NO

SÉCULO XVI

INTRODUÇÃO

A proposta deste capítulo é apresentar o contexto dos elementos empregados no processo do descobrimento e a consequente conquista das Índias Ocidentais1 que ocorreu

em 12 de outubro de 1492 pelo Almirante Cristovão Colombo. Ao chegar às novas terras, deduziu que havia acessado às Índias localizadas no continente asiático.

1 Índias ou Índias Ocidentais Meridionais era a designação elaborada por Cristóvão Colombo às regiões descobertas por esse desbravador e assumida pelo Frei Bartolomé de Las Casas. As expressões “índios”,

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O conteúdo constitutivo deste capítulo é marcado pelo registro de alguns acontecimentos ocorridos nos arredores do processo da conquista, especialmente em relação à visão de um mundo totalmente sagrado que os medievais nutriam. Considera-se ainda a transição da economia feudal para uma economia de lucro também conhecida por Capitalismo Comercial.

Para se despontar nesse novo sistema, a Europa marca sua presença de maneira arrojada a ponto de implantar sem precedentes, a sua ideologia, cultura, administração, política e religião. O eurocentrismo toma conta do mundo recém descoberto e colonizado. A sua oficialização acontece quando se realiza de fato a ocupação das terras do Novo Mundo. A conquista e a colonização propriamente ditas ocorreram após exaustivas discussões na Espanha, considerando sua deficiência econômica como resultado do esforço e investimentos na guerra da Reconquista quando essa Espanha ainda se encontrava sob o domínio dos muçulmanos desde o ano 718 da era cristã.

A conquista espanhola do século XVI se estruturou em uma série de elementos políticos, econômicos, filosóficos dentre eles se destacam o uso a espada, a imposição da cruz e a promoção da fome. O emprego desses elementos confirmou e viabilizou as intenções dos espanhóis recém-chegados nas Índias Ocidentais.

As ações dos conquistadores espanhóis também desenvolveram conflitos internos. Os conquistadores, colonizadores e religiosos protago nizaram confrontos que envolviam religião, política e economia. Eram atritos que se originavam na interferência do trabalho de um em relação ao outro. Essas colisões cada vez mais alimentavam o mesmo interesse: a luta pelo poder de exploração das Índias. A medição de força refletia em um único grupo, os indígenas, que evidentemente sofriam com os maus tratos no físico e na alma. De um lado, os conquistadores desejavam sua corporalidade para o trabalho servil na extração das riquezas e de outro, os clérigos queriam suas almas e a sua devoção. Entretanto, deve-se considerar que alguns clérigos ambiciosos e mal intencionados desejavam não somente a alma, mas muito mais os corpos dos índios.

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primeiro. Com tal processo evidenciou-se também nas terras descobertas a inauguração de uma Nova Era, a Modernidade.

A Modernidade teve seus desdobramentos nada pacíficos. Com ela , a exploração, violência, morte, escravidão e o enriquecimento de um grupo seleto. A Modernidade ainda precoce colocou em prática os seus instrumentos para a efetivação da colonização espanhola no Novo Mundo. Um desses instrumentos foi a “guerra justa” para combater a Idolatria que os conquistadores alegavam existir na cultura indígena que se tornaria um grande obstáculo na implantação do cristianismo e do projeto econômico espanhol.

O capítulo encerra com o registro de algumas cons iderações alusivas ao procedimento e métodos utilizados pela Espanha na solidificação de seu projeto expansionista.

1.1 O CONTEXTO DA CONQUISTA ESPANHOLA

É evidente para a historiografia que analisa as motivações da conquista que, a Espanha vivia um momento de incompetência e fragilidade em transformar substancialmente sua economia. Os fatores são diversos, por exemplo, entre os séculos VIII e XI os europeus experimentaram um período de extremo isolamento por se encontrarem sob o governo dos muçulmanos que exerciam o domínio do Mar Mediterrâneo e da Península Ibérica. Somente após sua libertação é que os europeus começaram a se expandir territorial e comercialmente de maneira expressiva. À base de expedições denominadas também de cruzadas2. Era uma época de pobreza, desconhecimento e distanciamento de outras regiões e povos. Pelos mapas elaborados na época, os europeus viam o mundo dividido em dois hemisférios: o norte, que incluía a Europa, Ásia e África e o sul, que

2 As Cruzadas eram guerras movidas pelos cavaleiros medievais contra os muçulmanos, cujo objetivo era a recuperação de locais considerados sagrados pela Igreja Cristã, como por exemplo, Jerusalém. Não somente isto, mas compreendiam a expansão e defesa dos territórios pertencentes à cristandade. VAINFAS, Ronaldo.

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permanecia vazio. Achavam que não havia ninguém lá, pois era considerada uma região não habitável3. Devido a extrema força da religiosidade medieval, os mapas geográficos elaborados nesse período não ofereciam precisão.

Na Idade Média, a cartografia revelava uma realidade espiritual muito mais rica do que a realidade física contingente. O mapa-mundi, característico do período compreendido entre os séculos VIII e XV, revela muito mais o espaço sagrado do que o espaço geográfico. O mapa medieval não é um mapa-instrumento, mas um mapa imagem4.

A Espanha se inseria nesse contexto que não era muito diferente da Inglaterra, França e Portugal, ainda nutridos pelo pensamento medieval. Ela , sob o efeito dos dogmas católicos, os considerava fonte de inspiração.

A partir do século XI e, sobretudo no século XIII, as cidades iniciaram um processo de ressurgimento e consequentemente, o desligamento do sistema feudal. Entra em cena o comércio, a produção do artesanato e é claro, o lucro. A economia feudal que se baseava na exploração da terra e no trabalho servil foi rigorosamente substituída por atividades que ofereciam lucros. O resultado foi o nascimento do capitalismo comercial e com ele a circulação monetária, os bancos, as feiras comerciais, o crédito, a contabilidade e os mercadores. Esta transformação ocorreu quando a Europa se propôs a expandir-se territorialmente para a nobreza feudal e também para a ampliação das terras cristãs, mas que acabou dinamizando o comércio europeu com outros povos5. Com o avanço do comércio, tornou-se indispensável a utilização do ouro, da prata, da moeda metálica e de outros objetos valiosos.

Assim, as chamadas “grandes navegações” do século XV emergiram como um importante elemento de sustentação na renovação da economia européia na Idade Média6.

3 VAINFAS, Ronaldo. América 1492: Encontro ou Desencontro? Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1993, p. 7. 4 BAUMANN, Thereza B. “Imagens do outro mundo: o problema da alteridade na iconografia cristã ocidental”. In: VAINFAS, Ronaldo (Org.) América em tempo de conquista. Rio de Janeiro: Zahar, 1992, p. 62.

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Com elas, os europeus impuseram diante dos outros povos o seu modelo identitário. Era a inserção concreta do eurocentrismo no mundo recém descoberto.

1.2

“EUROCENTRISMO” E DESCOBRIMENTO DO NOVO MUNDO

A Europa se despontava pela sua educação e coragem diante dos povos explorados em outras partes do mundo. Seu espírito se manifestava em suas obras, em sua sabedoria, em seus governos, sua força nas armas, sua conduta no comércio e magnificência em suas cidades7.

A supremacia européia, isto é, o eurocentrismo revelado por ocasião da descoberta e conquista do Novo Mundo propõe discussões intensas pelo fato de que o descobrimento das terras e dos povos indígenas desse orbe colocou o Velho Mundo diante de uma situação inusitada e, até certo ponto, grave, o reconhecimento do outro que trazia consigo diferenças significativas e estranhas em relação ao homem cristão recém chegado nas novas terras. Para continuar sustentando o seu ego e lidar com esse fator desconhecido, os europeus não encontraram outro caminho senão fingirem deuses e, assim, levar a cabo a animalização e a demonização dos povos nativos8.

7 DUSSEL, Enrique. “A cristandade moderna diante do outro”. In: Concilium Revista Internacional de

Teologia. Petrópolis: Vozes, nº 150, p. 66 [1238], 1979.

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A estranheza dos espanhóis é radical, isto é, extremista. Os indígenas consequentemente renunciaram diante deles a seu sistema de alteridades humanas9, e são levados a recorrer ao único dispositivo acessível: o intercâmbio com os deuses. O Almirante Colombo, como eles, não consegue facilmente vê-los como humanos e iguais aos espanhóis ao mesmo tempo, mas, devido a isso, os trata como animais10. Isto não era novidade para os espanhó is sedentos e famintos de enriquecimento11. Essa postura torna-se acentuada quando se vê os signos visíveis de servidão e de dominação exportados para o Novo Mundo. Não era possível nesse contexto pelo menos a simples suposição da possibilidade de serem todos os homens iguais, talvez sequer conhecessem o sinal de igual.

A descoberta do Novo Mundo foi, na realidade, a partir desse elemento visto e interpretado, um processo de natureza dupla, pois o desvelamento da alteridade ameríndia parece ter implicado na re-construção da identidade cristã ocidental12. Os espanhóis transportaram para as terras recém conquistadas, através do Atlântico não apenas mercadorias, mas também objetos e formas num esforço para produzir, em quantidade, símbolos de dominação cultural13. Com isto, o colonizador podia sobreviver e manter a sua cultura européia em terras distantes.

No processo da conquista, tendo como paradigma as ações e seus consequentes desdobramentos, o “ego” europeu foi o único personagem responsável pelo “en-cobrimento” do indígena no Novo Mundo. Isto indica aquilo que Gutiérrez denomina

racismo e europeucentrismo, ou seja, afirmação da superioridade da raça branca e a cultura ocidental (nós) e desprezo pelo indígena (“estes”). Somente graças ao cheiro

9 Ser outro, colocar-se ou constituir-se como outro. A alteridade é um conceito mais estrito do que diversidade e mais extenso que diferença. Para Aristóteles, a distinção de um gênero em várias espécies na unidade de um gênero implica uma Alteridade inerente ao próprio gênero: isto é, uma Alteridade que diferencia o gênero e o torna intrinsecamente diverso. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 34-35.

10 TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 74. 11 O enriquecimento rápido no Novo Mundo permitiu o surgimento de uma aristocracia que se identificou e reproduziu, à sua maneira, os signos de dominação tipicamente europeus. SILVA, Janice Theodoro da.

Descobrimentos e Colonização. 3. ed. São Paulo: Ática, 1991, p. 12.

12 VAINFAS, Ronaldo. A Heresia dos Índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 23.

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que exala das minas e outras riquezas, estas pobres pessoas tão desvalidas e necessitadas de qualidades naturais podem interessar a supostos evangelizadores14.

Usando as palavras do autor do Parecer de Yucay15, Gutiérrez levanta um dado explicativo desse europeucentrismo – a predestinação, defendida pelos espanhóis. Assim diz o texto:

Mas digo e ouso afirmar que, como seja verdade que em ordem da predestinação, não somente os bens de graça, como graça, caridade e virtudes, são meios de predestinação e salvação dos homens, senão que também os bens temporais, em alguns são meios de predestinação e para salvarem-se e ao revés, a falta deles para condenarem-se, alguns tem que por ocasião das riquezas se salvaram e outros por falta delas se condenaram16.

Para explicar esse europeucentrismo ou eurocentrismo, Dussel utiliza “figuras” abstratas do processo de constituição da subjetividade moderna desse “ego” no período de 1492 a 1636, primeiro momento da constituição histórica da modernidade17.

Dussel se propõe à conceituação do termo “eurocentrismo” a partir da afirmação da Europa como continente hegemônico e do surgimento da Modernidade. Basicamente, o eurocentrismo visa a correlação ao total desprezo pelos outros povos que se mostram diferentes. Quanto a isto, Dussel reproduz as palavras de Hegel, que afirma que o povo europeu tem direito absoluto sobre todos os outros povos por ser portador do espírito neste

14 GUTIÉRREZ, Gustavo. Dios o el oro en las Indias siglo XVI. 2. ed. Lima: Centro de Estudios y Publicaciones (CEP), 1989, p. 114.

15 Escrito anônimo datado de 1571que trata de um testemunho importante das discussões teológico-jurídicas motivadas no Peru pela presença dos espanhóis nas Índias. Esse texto se encontra na Biblioteca Nacional de Madri e foi publicado na (Coleción de documentos para a história da Espanha) com o seguinte título: “Copia de una carta que según una nota se hallaba en el archivo general de Indias, y que hemos rectificado com outra que tenemos a la vista donde se trata el verdadero y legítimo domínio de los Reyes de España sobre o Perú, y se impugna la opinión Del P. Fr. Bartolomé de Las Casas”.

16 GUTIÉRREZ, Gustavo. Dios o el oro en las Indias siglo XVI. 2. ed. Lima: Centro de Estudios y Publicaciones (CEP), 1989, p. 114.

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momento de seu desenvolvimento, diante do qual todo outro-povo não tem direito18. Este

conceito teve o seu reflexo concreto no decorrer do descobrimento das Índias Ocidentais em 1492.

Após conceituar “eurocentrismo”, Dussel explora os mecanismos ideológicos utilizados pelos europeus na efetivação da dominação dos indígenas, demonstração que acontece por meio de figuras históricas teóricas, espaciais, diacrônicas distintas e com sentidos diferentes.

Na sociedade européia, onde a grande maioria da população não sabia ler nem escrever, as pinturas, os desenhos e as imagens constituíam uma grafia capaz de ordenar o mundo que viam e em que viviam. Tal linguagem permitiu uma hierarquização dos símbolos utilizados por outras culturas19. Essas imagens foram institucionalizadas como padrão ético e espiritual não somente pela Igreja, mas por todos os envolvidos na dinâmica da conquista mercantilista. A pertinência desse padrão residia na responsabilidade de avaliar as culturas indígenas recém confrontadas, consideradas muito distantes da concepção religiosa e cultural construída pelo cristianismo.

Refere-se à história de Colombo e de sua invenção em chegar à Índia Oriental. Não conseguiu. Chegou às Índias Ocidentais e acreditou que fosse a realização de seu projeto20. Morreu em 1506 convicto de ter descoberto o caminho pelo Ocidente para a Ásia. Surgiu a partir daí a idéia de “invenção” do “ser asiático” do Novo Mundo. No entanto, o “ser asiático” deste continente só existiu no imaginário daqueles europeus renascentistas21. Assim, Colombo inaugurou a política que deu à Europa uma porta de acesso à Ásia através do Ocidente. De

18 DUSSEL, Enrique. 1492: O Encobrimento do Outro: A Origem do Mito da Modernidade. Petrópolis: Vo zes, 1993, p. 22.

19SILVA, Janice Theodoro da. Descobrimentos e Colonização. 3. ed. São Paulo: Ática, 1991, p. 37-38.

20 Cristóvão Colombo viveu e atuou em um contexto de mundo em que a América, imprevista e imprevisível, era uma mera possibilidade futura, pela qual nem ele nem ninguém possuíam idéia, também não podia tê-la. O projeto que Colombo submeteu aos reis da Espanha não se referia à América nem tão pouco às suas quatro viagens. Pretendia atravessar o Oceano em direção ao Ocidente para alcançar, desde a Espanha, os litorais extremos orientais da Ilha de Terra e unir, assim, a Europa com a Ásia. O’GORMAN, Edmundo. La invención de América. 4. ed. México: FCE, 2006, p. 101-102.

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qualquer forma, a “invenção” de seu momento “asiático” transformou a Europa e o continente ao oeste do Oceano22. O Mediterrâneo sai de cena para ceder lugar ao Oceano Atlântico.

Para transpor-se dessa realidade era necessário ao europeu sonhar, imaginar, criar mitos, repetir incansavelmente lendas e lançar-se na aventura ao totalmente desconhecido.

Na Idade Média ninguém supunha que as navegações ibéricas iriam desembocar no desenvolvimento do capitalismo comercial. Investir nesta empresa era arriscar muito. A existência de riquezas em terras estranhas e inexploradas fazia parte há muito tempo, das histórias medievais contadas pelos viajantes. Havia imprecisão na arte da navegação e os estudos de astronomia não possibilitavam exatidão às viagens. A interpretação profética dos fenômenos da natureza era a única constante, sendo difícil separar as fantasias sobre o oceano23.

A verdade é que a fantasia era inseparável da realidade, pois o homem da Idade Média era um grande sonhador, por um lado, devido às constantes pregações da Igreja que falavam de inferno, purgatório24, reino do Diabo e lugares destinados às almas dos pecadores, por outro, ao imaginário desse homem que criou outra possibilidade, o Paraíso terrestre, lugar reservado para se escapar do inferno. Esse processo de identificação do homem medieval com as representações religiosas era favorecido pelo brilho do ouro25.

Posterior à invenção, este aspecto contempla a definição européia de Modernidade. Ela sugere que Colombo foi “inicialmente” o primeiro; Américo Vespúcio concluiu o tempo de sua constituição: um “Novo Mundo” e desconhecido se abria à Europa26. A Europa

22 DUSSEL, Enrique. 1492: O Encobrimento do Outro: A Origem do Mito da Modernidade. Petrópolis: Vo zes, 1993, p. 31.

23 SILVA, Janice Theodoro da. Descobrimentos e Colonização. 3. ed. São Paulo: Ática, 1991, p. 7, 8.

24 Purgatório foi criado pela Igreja Católica no século XIII para aliviar a tensão que a morte causava nas pessoas. Conforme a Igreja, era um lugar onde as almas pecadoras podiam redimir dos pecados submetendo-se ao sofrimento por algum tempo antes de subir ao Céu ou descer ao inferno. Com o Purgatório, abriu-submetendo-se a chance para a salvação pós-morte depois de algum tempo de sofrimento. VAINFAS, Ronaldo. América 1492: Encontro ou Desencontro? Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1993, p. 9, 80.

25SILVA, Janice Theodoro da. Descobrimentos e Colonização. 3. ed. São Paulo: Ática, 1991, p. 37.

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tornou as outras culturas, mundos, pessoas em objetos: lançado diante de seus olhos. O “coberto” foi “descoberto27.”

Todos esses fatores dinâmicos, portanto, ininterruptos, ainda que em alguns momentos munidos de incertezas e desconfianças, tiveram o único objetivo de desembocar em um grande evento histórico: descobrir, conquistar e colonizar terras desconhecidas.

1.3 CONQUISTA, COLONIZAÇÃO E OS SEUS PRESSUPOSTOS

HISTÓRICOS

Em 1556, as disposições reais proibiram o uso das palavras conquista e

conquistadores, substituindo-as por descobrimento e colonos28. Esta mudança de nomenclatura se fixava em dois aspectos. Primeiro, não era vantajoso à Espanha se vangloriar da conquista e de seus atores. O motivo é que por volta de 1540, o rei Carlos V teria decidido abandonar o Peru, considerando que os soberanos cujos territórios ele acabava de ocupar, eram soberanos legítimos, e que ele se encontrava na posição de usurpador. Mas este boato só se introduziu na Espanha e também na América nos anos de 157029. Segundo, em 1556 foi quase ordenado o fim da conquista. O essencial da América já se encontrava ocupada e inserida no sistema espanhol. A partir desse momento, não há mais nada para conquistar, apenas terras descobertas para colonizar. A pax hispânica triunfa30.

Contudo, não se pode ignorar que de fato houve uma conquista e uma colonização que seguiu o modelo bélico utilizado na reconquista promovida pela Espanha contra os muçulmanos em 718 d. C.

27 DUSSEL, Enrique. 1492: O Encobrimento do Outro: A Origem do Mito da Modernidade. Petrópolis: Vo zes, 1993, p. 36.

28 ROMANO, Ruggiero. Mecanismos da Conquista Colonial. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 56. 29 Ibidem, p. 56.

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A conquista é um processo jurídico-militar, prático, violento que inclui dialeticamente o outro com o “si-mesmo”. O outro, em sua distinção, é negado como Outro e é sujeito, subsumido, alienado a se incorporar à vontade dominadora como coisa, como instrumento, como oprimido, como encomendado, como “assalariado”, ou como africano escravo31.

Na figura da conquista, a principal personalidade e exemplo de violência militar se chama Fernando Cortês. Este assume a vestimenta divina de um deus local (Yucatán-México) para violentar e subjugar o império Asteca levando-o à total ruína.

As primeiras conquistas de terra firme se deram somente a partir de 1509. Para avançar em suas ocupações, os espanhóis organizaram e intensificaram diversas expedições que tinham a finalidade de captar todas as riquezas possíveis oferecidas pelas terras recém descobertas como ouro, prata, pérolas e índios para o trabalho servil. Outras expedições tinham a função de descobrir novas terras32.

Para Bruit, a história da conquista

foi uma história visível da derrota militar dos grandes impérios indígenas. A essa história visível forma parte a evangelização dos índios, a extirpação das

Idolatrias, a dominação e o servilismo dos indígenas. Mas, também a procura do ouro, o enriquecimento rápido e a exploração até a exaustão e a morte desses povos. Enfim, o processo da conquista foi como um vendaval que se abateu impiedosamente sobre os povos pusilânimes, medrosos e pacíficos [...] representa um dos maiores genocídios na história da humanidade [...] foram as guerras, as doenças, os suicídios, os abortos33.

31 Figura da economia colonial latino-americana – que se usava na Andaluzia dos islâmicos. Um certo número de índios era “encomendado” ao conquistador para trabalharem gratuitamente (seja no campo, na busca do ouro nos rios ou na mineração [isto também se chamava mita no Peru]). Esta era uma das diversas maneiras da nova dominação que a modernidade iniciava na Periferia mundial. DUSSEL, Enrique. 1492: O Encobrimento do Outro: A Origem do Mito da Modernidade. Petrópolis: Vo zes, 1993, p. 44.

32 ROMANO, Ruggiero. Mecanismos da Conquista Colonial. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 32.

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A conquista espanhola do século XVI se fez calcada em três elementos básicos: a espada, a cruz e a fome. Por isto, toda uma certa ordem de coisas foi totalmente modificada: os ritmos de trabalho, os tipos de culturas; os tipos de vida34. A nova sociedade nascia desequilibrada, corroída em seus alicerces, e por isso mesmo afogada numa crise. Os índios não perderam sua condição de agentes sociais ativos, capazes de frustrar os valores impostos pelos vencedores35.

No século da conquista, nas sociedades indígenas, o indivíduo não representa em si uma totalidade social, é unicamente o elemento constitutivo de outra totalidade, a coletiva36. Este tipo de harmonização social deixou os espanhóis com o sentimento de inferiores e diferentes. Isto causou uma reação destrutiva. Todorov, a partir da sociedade asteca, exemplifica esta realidade dizendo que

tudo era bem registrado que nenhum detalhe escapava às contas. Havia funcionários para tudo, e até empregados encarregados da limpeza. A ordem era rígida de tal maneira em muitos casos que o respeito em relação ao dever do outro deveria ser observado rigorosamente. Caso algum empregado interferisse no trabalho do outro imediatamente seria demitido37.

A organização familiar é outro aspecto primordial para uma sociedade coesa. O papel desempenhado pela família mostrava que o coletivo era preeminente em relação ao individual. Reciprocamente, o pai e a mãe eram considerados responsáveis pelos erros que o filho cometia. Entre os astecas, a solidariedade na responsabilidade estendia-se até os criados. Mas essa solidariedade não era um valor sobrepujante, pois, mesmo sendo

34 ROMANO, Ruggiero. Mecanismos da Conquista Colonial. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 21.

35 BRUIT, Hector H. “O visível e o invisível na conquista hispânica da América”. In: VAINFAS, Ronaldo (Org.) América em tempo de conquista. Rio de Janeiro: Zahar, 1992, p . 79.

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transindividual, a família ainda não era a sociedade; os laços familiares, na verdade, passavam para o último plano, abaixo das obrigações para com o grupo38.

A força da estrutura dessa sociedade era perceptível por ocasião da própria morte. A morte só é uma catástrofe numa perspectiva estritamente individual, ao passo que, do ponto de vista social, o benefício obtido da submissão à regra do grupo pesava mais do que a perda de um indivíduo. Isto se retratava mais enfaticamente quando os homens condenados ao sacrifício aceitavam seu destino, se não com alegria, pelo menos sem desespero e o mesmo acontecia com os soldados em campo de batalha quando eles diziam que o seu sangue contribuía para manter a sociedade viva39.

A dedução mais óbvia do comportamento dos astecas pode indicar uma realidade histórica curiosa, isto é, o futuro do habitante desse império era definido pelo passado coletivo. Nenhuma pessoa tinha autonomia para construir o seu futuro, mas devia aguardar a revelação deste. Daí o importante papel do calendário, adivinhações e profe cias40.

Outro elemento sustentador das sociedades indígenas e particularmente aqui, astecas e maias, era a educação. Existiam duas espécies de escolas especializadas na formação dos jovens. Essas escolas conservavam como princípio preparar dois tipos de cidadãos: os guerreiros e os sacerdotes, juízes e os dignitários reais. É nessas últimas, chamadas de

calmecac, que dedicava maior atenção ao ensino da interpretação, oratória, retórica e hermenêutica. Os altos dignitários reais eram escolhidos principalmente em função de suas qualidades oratórias. As crônicas indígenas descrevem Montezuma como “um retórico e um orador nato. Quando falava, atraía com suas frases refinadas e seduzia com seus raciocínios profundos; todos ficavam satisfeitos com sua conversa tranqüila”41. Avançando um pouco mais, os antigos maias tinham o seu chefe escolhido através de um procedimento parecido com uma decifração de enigmas. Os candidatos deveriam interpretar certas expressões figuradas chamadas de “linguagem de Zuyua”. Para isto, era necessário que eles detivessem sabedoria. Caso não vencessem a prova eram severamente castigados, enfrentavam a prisão,

38 TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 65. 39 Ib idem, p. 66.

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tinham a ponta da língua cortada, os olhos arrancados e, por fim, enforcados. Porém, uma vez eleito, o chefe era marcado com a inscrição de pictogramas sobre seu corpo: garganta, pé, mão. No Yucatán, os profetas intérpretes exerciam o ofício de tratar e ensinar suas ciências, apontar as calamidades e mostrar a saída para sua superação, pregar nas festas, celebrações, realizar os sacrifícios e ministrar os sacramentos. Eles deviam proporcionar a todos as respostas do demônio. Por estas práticas eram recompensados pela alta estima de toda comunidade e pelos grandes privilégios42.

O Novo Mundo foi a primeira colônia da Europa Moderna. Os Espanhóis seguiram o modelo romano43. Nesse espaço conquistado,

instaura-se a moral dupla do machismo: dominação sexual da mulher índia e respeito puramente aparente pela mulher européia. Dali nasce o filho bastardo (o “mestiço”, o latino americano, fruto do conquistador e a índias) e o crioulo (o branco nascido do mundo colonial de índias) [...] “A colonização” ou o domínio do corpo da mulher índia é parte de uma cultura que se baseia no domínio do corpo do varão índio. Este será explorado principalmente pelo trabalho – uma nova econômica. No tempo da acumulação originária do capitalismo mercantil, a corporalidade índia será imolada e transformada primeiramente em ouro e prata44.

A conquista do Novo Mundo pelos espanhóis, acessando o Caribe em 12 de outubro de 1492, possibilitou à cristandade um leque de novos horizontes. Pela Bula Provisionis Nostrae45 de 15 de maio de 1486 definia-se o modelo de cristandade colonial que a Espanha aplicaria na periferia, isto é, nos territórios conquistados. Desta maneira não é difícil compreender a conquista e “evangelização” dos impérios asteca, maia e inca no período de

42 TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 76. 43As colônias romanas eram as terras e culturas dominadas pelo império que falavam latim e recolhiam tributos para a metrópole. Era uma figura político-econômica. DUSSEL, Enrique. 1492: O Encobrimento do Outro: A Origem do Mito da Modernidade. Petrópolis: Vo zes, 1993, p. 50.

44 Ibidem, p. 52.

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1519 a 1550 quando cerca de 30 a 40 milhões de indígenas impostamente aceitaram o cristianismo sob o domínio da Cristandade46.

A chegada dos doze primeiros missionários franciscanos ao México em 1524 formalizou a que se pode denominar de a “conquista espiritual”. Este processo permaneceu até 1551. Os clérigos europeus enviados ao novo mundo tinham somente o objetivo de pregar o evangelho e implantar a religião cristã, substituindo a cultura religiosa indígena. Para os clérigos, todo mundo religioso e imaginário do indígena era “demoníaco”. Esse mundo era interpretado como o negativo, pagão, satânico e intrinsecamente perverso47. A “conquista” espiritual devia ensinar aos índios os valores doutrinais cristãos, orações, mandamentos e preceitos48.

Na Espanha, este pensamento se tornava tema de debates teológicos e filosóficos, através de plumas brilhantes e polêmicas que viam os índios do Novo Mundo como uma noção e às vezes um objeto bastante abstrato49, enquanto nas Índias, a negociação entre os

encomienderos e os sacerdotes seguia o seu curso normal, a vida dos índios era colocada em jogo. Isto sim era uma realidade extremamente concreta, pois o ouro não tem nada de abstrato e a pessoa do índio não é uma noção50.

Para a realização da missão, os clérigos inicialmente precisaram resolver uma questão paradoxal e que, aceitando ou não, era um grande obstáculo às suas intenções e projetos. Como fazer os indígenas compreenderem e aceitarem que o seu Deus era Um para todos, se parte deles vivia sob escravidão dos outros? Para obter respostas a esta inquirição inquietante, as alternativas teriam que ser pragmáticas. O primeiro passo constaria da redução dos índios por meio da força e, na seqüência, obrigá-los a receberem os sacramentos. Em seguida, a teatralização através de uma espécie de falso “rosto bom da conquista” que maquiaria a existência do verdadeiro “rosto mal”. E finalmente, rebaixar a pregação a uma questão puramente formal e litúrgica, batizar aos índios em massa, fazê-los confessar, casá-los com a

46 DUSSEL, Enrique. “Expansão e crise da cristandade e o momento presente”. In: Concilium – Revista

Internacional de Teologia. Petrópolis: Vozes, nº 164, p. 64 [564], 1981. 47Ibidem,, p. 60.

48Ibidem,p. 63.

49 MIRES, Fernando. La colonización de las almas: misión y conquista em Hispanoamérica. São José: DEI, 1987, p. 133.

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pessoa escolhida por meio da sorte, aplicar-lhes a extrema unção quando estivessem agonizando depois de horas intermináveis de trabalho obrigatório51.

No desenrolar da história nenhuma destas alternativas se efetuou isoladamente, mas foram agregadas de forma complexa e por esta causa não produziram as respostas desejadas pelos religiosos católicos. Ao contrário, a tragédia foi inevitável, pois não era possível pregar o evangelho do Deus Verdadeiro sendo que este era favorável à crucificação dos índios, dilema que só poderia ser resolvido com coerência se houvesse uma ruptura dos vínculos que atrelavam Igreja e Estado, no contexto das Índias, entre clérigos e conquistadores.

Se os missionários assumissem esta posição teriam que aceitar que a atividade missionária não podia ser nem complemento ideológico da conquista, nem uma ideologia de compensação do massacre, nem uma prática puramente espiritual, como é o caso das três alternativas mencionadas anteriormente. Em outras palavras, a opção residia entre ser membro de uma Igreja conquistadora, de uma Igreja universal, de uma Igreja Estatal ou de uma Igreja de Cristo52.

Os clérigos missionários se viram em um grave problema interno e estrutural. Qual caminho seguir para obter uma resposta convincente, adequada e não traumática se, no universo conjuntural da Espanha, a Igreja devia obedecer ao Estado?

A Igreja assegurava o consenso da sociedade civil com respeito ao Estado; o Estado garantia à Igreja sua hegemonia exclusiva no campo religioso dentro das fronteiras da formação social. A estrutura eclesiástica tendia a se ligar com as classes dominantes da totalidade histórica concreta, às vezes, legitimava, justificava a ordem social imperante, às vezes dominante e opressora. Assim legitimará em certa época o sistema feudal e depois o capitalismo colonialista53.

51 MIRES, Fernando. La colonización de las almas: misión y conquista em Hispanoamérica. São José: DEI, 1987, p. 133-134.

52 Ibidem, p. 134.

53 DUSSEL, Enrique. “Expansão e crise da cristandade e o momento presente”. In: Concilium – Revista

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Aqui se revela um dado importante para melhor entendimento do porquê dos debates e tratados que defendiam, a rigor, os interesses do Rei e da Espanha e não aos direitos dos índios como pessoas que foram espoliadas em suas próprias terras. Por este motivo, os conflitos e as disputas públicas pró-instalação da conquista inegavelmente tomam formato político.

A conquista mostrou-se um processo de duplo caráter: era estatal em suas formas e privada na prática, isto é, cada conquistador era um missionário e cada missionário devia agir como um conquistador. Deste duplo caráter, surge então uma explicação referente à pressão exercida pela Espanha sobre os religiosos que foram enviados ao Novo Mundo.

Se a conquista podia ser estatal e privada, a Igreja somente podia servir ao Estado. Era esta, por demais, a única forma de manter um contrapeso entre o privado e o estatal; uma Igreja de Estado era a melhor garantia – se não a única – para que a conquista não houvesse sido somente privada54.

Pelo visto, principalmente sob o reinado de Carlos V, a sujeição da Igreja55 ao governo espanhol alcançou proporções extensas a ponto de o Conselho das Índias lhe apoiar inteiramente nos assuntos eclesiásticos inerentes ao Novo Mundo.

À Igreja cabia desempenhar um papel incontestavelmente negativo durante todo o período da “primeira” conquista. Evangelizar as populações indígenas significa de fato – inconscientemente, apesar da melhor das intenções – torná-las ainda mais vulneráveis à agressão geral de que eram objetos [...] Eram essencialmente as ordens dominicana e franciscana que estavam encarregadas dessas conversões...56.

54 MIRES, Fernando. La colonización de las almas: misión y conquista em Hispanoamérica. São José: DEI, 1987, p. 134-135.

55 À guisa de compreensão sobre o significado dessa sujeição, em 1538 o rei Carlos V instaurou o chamado “pase regio”. O Passe real estabelecia que os decretos pontifícios relativos à Igreja espanhola e no Novo Mundo deviam passar previamente pela sua censura. Este Edito foi aperfeiçoado por cada rei frente às tentativas de enfraquecimento por parte de Roma, de modo que, em 1770, já estava em avançada forma que desconhecia em termos absolutos qualquer ingerência de Roma na nomeação da pessoa que seria estabelecida nas Índias Ocidentais . Isto ocorreu com o fim de evitar oposições às leis espanholas que sustentavam as ações dos conquistadores nas terras do Novo Mundo. MIRES, Fernando. La colonización de las almas: misión y conquista em Hispanoamérica. São José: DEI, 1987, p. 135.

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A subserviência da Igreja ao Rei impossibilitava a execução de seus propósitos missionários conforme os pressupostos doutrinários tradicionalmente constituídos. Essa sujeição determinava que a Igreja fosse uma instituição voltada meramente para servir a classe burguesa colonial, postura que esvaziava significativamente a sua autonomia. A pertinência dessa racionalidade política e econômica da monarquia espanhola afetava abruptamente o setor responsável pela operacionalidade eclesiástica – os clérigos, que se viam vocacionados para o trabalho missionário entre os índios, especificamente, no Novo Mundo. Para se ter uma idéia da importância prática dessa situação, o clérigo que recebesse uma nomeação de Roma para o Novo Mundo ou que se candidatasse para o exercício do sacerdócio nessas terras, obrigatoriamente era submetido a um minucioso exame para atestar as qualificações requisitadas pelo Rei. Somente após confirmação de suas condições e se houvesse interesse do governo real, o candidato podia ser encaminhado às Índias Ocidentais. Essa atitude não implicava em organização do sistema administrativo, e sim em controlar o fluxo de religiosos que procuravam se deslocar para as novas terras. A intenção era evitar atritos com os conquistadores que desencadeassem grandes prejuízos aos empreendimentos direcionados ao Novo Mundo. Segundo Ibot León,

O mecanismo regulador do envio às Índias não foi organizado totalmente desde os primeiros tempos, senão que, por Cédulas Reais e outras disposições de poder, se foi articulando a medida que as necessidades e a experiência iam aconselhando novas normas encaminhadas à maior eficácia da obra apostólica. O conjunto de leis relativas às missões gira em torno de vários pontos fundamentais: modo de promover o alistamento dos missionários, garantias sobre sua virtude, idoneidade e vocação, auxílio material aos designados, segurança de que estes vão verdadeiramente onde forem destinados, ordenação das viagens tanto de ida como de regresso, certeza da permanência dos religiosos nas Índias para a adequada continuidade da tarefa missionária e boa administração dos recursos destinados a esses fins, já que era tesouro público o que custeava todos os gastos de transporte de eclesiásticos e de manutenção das missões57.

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Inicialmente a Igreja aceitou estes quesitos na esperança de revertê-los com o tempo. Neste sentido, o rei e as autoridades eclesiásticas intensificaram esforços visando evitar uma luta sem fim entre os dois poderes. Mas esta realidade foi inevitável, especialmente no Novo Mundo.

Com a evolução da conquista, muitos religiosos tiravam grande proveito da escravidão dos índios que atuavam nas minas, nas terras e na extração de pérolas. Esse enriquecimento impedia o regresso dos missionários à Europa. Com o fim de corrigir a situação que, via de regra, desfavorecia a Espanha, novas leis foram decretadas pelo rei Carlos V e aplicadas às Índias para inibirem os abusos econômicos do clero. Algumas dessas leis regiam “que os religiosos não deviam se servir dos índios, e em casos muito necessário s, sejam pagos”; “que os religiosos vagabundos sejam confinados nos mosteiros58”.

Em caso de rebelião contra os seus superiores, os clérigos sofriam retaliações como, por exemplo, não poderiam ser eleitos frades missionários. Era um controle também ideológico59.

Não se sabe se essas leis foram estabelecidas pelo simples fato da ocorrência de denúncias originadas dos conquistadores responsáveis pelo setor militar ou pelo receio da competição e nisto lesados. A existência de religiosos sedentos e detentores de riquezas não foi ignorada. Um exemplo típico é Frei Bartolomé de Las Casas. Ao chegar às Índias recebeu terras, bens e índios para administrar.

Ele se confirma cada vez mais na opção ambivalente que o fez vir para o Novo Mundo: será padre e encomiendero, vai se dedicar à catequese, aos sacramentos, ao culto religioso, empenhando-se ao mesmo tempo em ser bom patrão, administrando bem, tratando bem seus índios escravizados, sem ceder aos exageros daqueles bons frades dominicanos60.

58Recopilación de las leyes de los reinos de Índias. Madrid, 1973, Libro I, Título XVI, Ley XII, folio 62 apud MIRES, Fernando. La colonización de las almas: misión y conquista em Hispanoamérica. São José: DEI, 1987, p. 136.

59 MIRES, Fernando. La colonización de las almas: misión y conquista em Hispanoamérica. São José: DEI, 1987, p. 137.

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O envolvimento dos missionários com as questões materiais nas Índias contrariava a classe dominante colonial, mas pouco podia se fazer para resolver essa problemática. A distância, o tempo, os recursos e outros fatores surgiam como obstáculos pontuais para o controle total da Espanha neste aspecto. Era, com todas as letras, a confrontação dos poderes religiosos e políticos.

Gutiérrez ilustra por meio de uma metáfora como era tratada essa luta desenfreada entre clérigos e conquistadores. A partir do “Parecer de Yucay”61, que denuncia o jogo de poder e a referida confrontação, ele traz à tona a “parábola das duas filhas” que proporciona melhor explicação de como era a mentalidade dos envolvidos nesse dilema :

Deus se comportou com estes gentios miseráveis e conosco, como um pai que possui duas filhas: uma muito branca, muito discreta e cheia de beleza e de graça. A outra muito feia, remelenta, tola e ignorante. Se tiver de casar a primeira não há necessidade de concede-lhe o dote, mas colocá-la no palácio que ali andarão em competição os senhores sobre quem se casará com ela. Á feia, desastrada, incapaz e desagraciada, não basta isto senão dar-lhe grande dote, muitas jóias, roupas luxuosas, suntuosas, caras, e com todas essas coisas Deus ainda lhe ajuda. Sem uma quantidade grandiosa de dote, não há matrimônio para a filha feia e nem segurança para a desventurada62.

Segundo os europeus conhecedores desta parábola, Deus havia feito o mesmo com eles. A filha branca representando a Europa era formosa, dotada de muitas qualidades, ciências e discrição. A filha feia representando as Índias, pouco lhe foi necessário para que contraísse matrimônio com os apóstolos por meio de Jesus Cristo pela fé e na aplicação do sacramento do batismo. As Índias eram nações criaturas de Deus, e para sua felicidade, capazes desse matrimônio com Jesus Cristo, mas eram feias, rústicas, tontas, inaptas, mas possuidoras de grande dote. Aqui estão as razões alegadas pelos europeus em relação à cumplicidade dos religiosos com os índios. As minas de ouro como dote compensam o que falta naturalmente nesses índios infiéis, inaptos e bestiais. Assim, Deus lhes deu até montanhas de ouro e prata, terras férteis e deleitosas porque neste cheiro existissem pessoas

61 GUTIÉRREZ, Gustavo. Dios o el oro en las Indias siglo XVI. 2. ed. Lima: Centro de Estudios y Publicaciones (CEP), 1989, p. 55.

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que por Deus quisessem ir até eles pregar o evangelho e transformá-los em esposas de Jesus Cristo. Em uma conexão entre o filosófico e o espiritual, o cheiro do ouro estimula o amor “por Deus” desses singulares missionários evangelizadores e os movem a se dirigirem às terras do Novo Mundo63.

A conquista espiritual do Novo Mundo não tinha outra motivação senão a mesma que os soldados e capitães cultivavam. Nesse momento, era certo que onde as terras eram povoadas de pobres obviamente não havia ouro e nem prata e aí também não havia pregação do evangelho e nem presença dos soldados e capitães. O ouro podia decidir pela salvação ou perdição das pessoas. A constatação básica desse aspecto apontava que as terras mais copiosas de minas e riquezas eram as mais cultivadas pela religião cristã e onde se concentravam as minas mais ricas e produtivas é que havia maior empenho por cultivar a religião64.

No desenrolar dos fatos, ficou comprovado que a missão dos clérigos notoriamente havia chegado a ser concebida como algo separado da conquista, apesar do trabalho dos missionários fosse parte indissociável dela. Desde o início, o pensamento cristão havia-se adaptado muito bem à política expansionista. A teatralidade e a agilidade do cristianismo permitiam uma rápida penetração da doutrina entre os povos vinculados a uma outra estrutura religiosa65. A Igreja concedeu em todos os setores da conquista e colonização o suporte básico em que se acentou as intenções européias no Novo Mundo. No entanto, com o passar do tempo, esse vínculo sustentador entrou em processo de ruptura e declínio para os conquistadores. Através de alguns clérigos, que protestavam contra a forma de dominação dos conquistadores no confronto com os índios, a Igreja promove uma crise nas relações com os espanhóis.

Segundo Dussel, a chegada dos espanhóis ao Novo Mundo foi a experiência primeira do face a face. Pela primeira vez, tiveram que defrontar-se com o índio66. Ele diz que o

63 GUTIÉRREZ, Gustavo. Dios o el oro en las Indias siglo XVI. 2. ed. Lima: Centro de Estudios y Publicaciones (CEP), 1989, p. 113-114.

64 Ibidem, p. 115-116.

65SILVA, Janice Theodoro da. Descobrimentos e Colonização. 3. ed. São Paulo: Ática, 1991, p. 9.

66 DUSSEL, Enrique. “A cristandade moderna diante do outro”. In: Concilium – Revista Internacional de

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“encontro” no contexto de 1492 é “eufemismo” porque oculta a violência e a destruição do mundo do outro, e da outra cultura. Tal situação foi um choque devastador, genocida, absolutamente destruidor do mundo indígena. Esse choque gerou uma nova cultura sincrética, híbrida, cujo sujeito foi uma raça mestiça. Assim, o conceito de “encontro” oculta a dominação do “eu” europeu de seu “mundo”, sobre o “mundo do outro”, do índio67.

Para os espanhóis, “o outro”, o índio, era no português arcaico um rudo:do latim

rudis (sem ter sido trabalhado, bruto, ao natural), do verbo rudo (azurrar, rugir, bramir, gritar). Opõe-se a “erudito” e erudição (aquele que não tem rudezas, brutalidades, incultura). Até os melhores viram no índio um “rudo”, uma “criança”, uma “matéria” educável, evangelizável. A “cristandade” começava sua gloriosa expansão, e as bulas Papais justificavam teologicamente a pilhagem dos povos

indígenas68.

Sendo isto de fato verdade, então, se conclui que não houve “encontro”, e sim total desprezo pelo índio como humano e consequentemente, pelos seus elementos culturais e religiosos como ritos, costumes, deuses e crenças ligados a ele e à sua forma de vida construídos no transcorrer de milhares de anos. Tudo foi anulado.

À guisa de compreensão dessa realidade, os conquistadores veicularam, na conquista e na organização do Novo Mundo, uma gama de princípios, valores, características do mundo europeu da Idade Média. No âmbito econômico, os principais foram o feudalismo e o capitalismo69. Nestes princípios ainda se insere a “Teologia da Dominação” que exprime

teoricamente, em racionalidade teológica, os interesses da classe dominante de uma nação opressora70, a qual também determina e fixa as “fronteiras”. Estes elementos criaram enclaves onde ocorreu o encontro, ou melhor, o confronto entre um sistema de produção baseado na economia natural e um sistema de distribuição comercial baseado em critérios não feudais71.

Em sua essência os espanhóis como sistema moderno transformaram o índio em o “outro como outro” alienado, não gente, não humano, uma exterioridade apenas, destituídos

67 DUSSEL, Enrique. 1492: O Encobrimento do Outro: A Origem do Mito da Modernidade. Petrópolis: Vo zes, 1993, p. 64.

68 DUSSEL, Enrique. “A cristandade moderna diante do outro”. In: Concilium – Revista Internacional de

Teologia. Petrópolis: Vozes, nº 150, p. 58 [1230], 1979.

69 Para se falar em capitalismo no século XVI é necessário, ao menos que haja um mercado generalizado da mão-de-obra fundamentado no salário, aspecto inexistente nesse período e especialmente no contexto da conquista. ROMANO, Ruggiero. Mecanismos da Conquista Colonial. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 60. 70 DUSSEL, Enrique. “A cristandade moderna diante do outro”. In: Concilium – Revista Internacional de

Teologia. Petrópolis: Vozes, nº 150, p. 59 [1231], 1979.

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de totalidade profana. Uma vez ocorrido o arrebatamento da alteridade dos indígenas, os espanhóis com fácil violência os manipulam, controlam, torturam e assassinam em nome da “moderna civilização” e da cristandade. Como objeto indispensável, portanto, a peça chave para o novo sistema, o índio não será apenas considerado “fera”, mas será “mão-de-obra” gratuita de um sistema tributário colonial que contribuirá em boa parte para a acumulação originária do capitalismo europeu desde o século XVI72.

Dessa maneira, a conquista do Novo Mundo deixa registrado um dado paradigmático que marca na memória histórica sua contribuição para a eternização de seus diversos princípios nas terras além mar: o surgimento do Novo Mundo que implacavelmente decretou o fim do Velho Mundo baseado numa cultura medieva l.

1.4 FIM DO VELHO MUNDO E O SURGIMENTO DO NOVO MUNDO

A Idade Média começou com a busca de assimilação da cultura da Antiguidade; é o período que tem inicio no ano de 529 da era cristã e se encerra mil anos mais tarde quando esse processo de assimilação se esgota. Seu marco inicial sugere dois fatos. O primeiro acontece quando o imperador cristão Justiniano decreta o fim da filosofia pagã e o fechamento da academia de filosofia platônica de Atenas que existia e se encontrava em pleno funcionamento com o mesmo nome há nove séculos e o segundo é constituído quando Bento de Núrsia funda o primeiro convento beneditino em Monte Cassino73. A partir desses eventos históricos, dá-se o início de um mundo cristão, e cria-se o principal centro onde a Antiguidade vai ser preservada e traduzida para o mundo medieval. Esse também foi um período de tradução e de alterações geográficas. As guerras no interior do Velho Mundo

72 DUSSEL, Enrique. “A cristandade moderna diante do outro”. In: Concilium – Revista Internacional de

Teologia. Petrópolis: Vozes, nº 150, p. 60 [1232], 1979.

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