1950
2014
POPULAÇÃODO RIO 2,3
milhões milhões6,4
PRINCIPAIS PROBLEMAS DA CIDADE
Trânsito e segurança Falta de
água e de saneamento
155 mil DO MARACANÃCAPACIDADE 70 mil
Musical rock’n’roll
DOMINGO
OGLOBO
DOMINGO, 25 DE MAIO DE 2014 ANO LXXXIX - Nº 29.511 Irineu Marinho(1876-1925) (1904-2003)Roberto Marinho RIO DE JANEIRO
oglobo.com.br
SEGUNDO CADERNO REVISTA DA TV
FÁBULA
ONDE
TUDO SE
RECRIA
VICIADOS EM CRAQUE
FA
BIO
SEIX
O
2ª Edição •Preço deste exemplar no RJ, MG e ES:R$ 4 •Os suplementos Morar Bem e Boa Chance circulam apenas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, na Costa Verde, na Região Serrana e na Região dos Lagos (menos Macaé e Rio das Ostras) BOA CHANCE
ARMADILHAS PARA
MICROEMPRESAS
MORAR BEMALUGUEL JÁ TOMA
ATÉ 50% DA RENDA
Ex-agente do DOI, o coronel Riscala Corbaje revela a brutalidade contra presos políticos que passaram pelo quartel da Rua Barão de Mesquita. Era ele que decidia quem ficava no pau de arara, contaCHICOOTAVIO.PÁGINA 10
Confissões
de um
torturador
Requintes de crueldade
Assessor de Geraldo Alckmin, Ricardo Sales diz que governos se tornam reféns da “relação de varejo” com o Legislativo: “Deputado enfia cabo eleitoral dentro do governo”, conta a THIAGOHERDY.PÁGINA 6
A anatomia
do fisiologismo
Meandros do poder
Países divididos
vão às urnas
Eleições pelo mundo
‘Full-Collor’: Sobre o corretor
de verdinhas, ‘aquilo roxo’ diz...
— Respeitem ao menos meus cabelos brancos!
CHICO
A nova invasão russa:
delegação terá 2.500
pessoas na Copa.
PÁGINA 22 COLUNISTAS
ANCELMO GOIS
Família de mulher
arrastada por carro da
PM não foi indenizada.
Cleo Guimarães,
SEGUNDO CADERNO
GENTE BOA
‘Meu pedacinho
de chão’
RAPHAEL
DIAS/DIVUL
GA
ÇÃO
Escolas
sem livros
SOCIEDADE
A Ucrânia, fraturada entre nacionalistas e separatistas; o Egito, rachado entre islamistas e liberais; e a Colômbia, onde paz com as Farc polariza opiniões, elegem novos presidentes entre hoje e terça-feira.PÁGINAS 44 a 46
Depressão
ameaça jovens
PÁGINA 43
Só 35% das escolas têm bi-bliotecas no país, e meta de universalização até 2020 não se cumprirá, di-zem educadores.PÁGINA 41
Foto ‘viva’
Cannes
MUNDOPALMA DE
OURO PARA
A TURQUIA
PÁGINA 47
YVES HERMAN/REUTERS Vencedor.
O diretor Nuri Bilge
Ceylan
Aficionados trocam figurinhas na Rua Uruguaiana, no Centro, numa mobilização inédita em torno do álbum
da Copa, que inclui volta do bafo, cromos superfaturados e etiqueta própria na permuta.
REVISTA O GLOBODescoberta em meio
a mil candidatas, a
curitibana Tacy
de Campos vai
encarnar no palco
a cantora, morta
em 2001.
DIVUL
GA
ÇÃO/
MARCOS
HERME
S
CÁSSIA ELLER
AINDA VIVE
Alta da inflação ameaça
diminuir a classe C
Preços elevados retiram R$ 73 bi do potencial de consumo de 108 milhões de brasileiros
Governo rebate, e ministro
diz que IBGE deveria rever
peso dos alimentos no
cálculo dos índices
DESCENDO A LADEIRA
_A inflação, que está em 6,28% nos últi-mos 12 meses, reduziu em R$ 73,4 bi-lhões o potencial de consumo da clas-se C, clas-segundo a consultoria Data Po-pular. Analistas estimam que 10 mi-lhões dos 108 mimi-lhões de brasileiros
da nova classe média podem regredir na pirâmide social num cenário eco-nômico adverso, informaGABRIELA VALENTE. Em entrevista aGERALDA DOCA, o ministro Marcelo Neri, da Se-cretaria de Assuntos Estratégicos,
re-bate as projeções dos economistas e diz que “a classe C é resiliente”.Ele afir-ma que os índices de inflação do IBGE estão superestimados e sugere uma mudança para relativizar o peso dos alimentos.PÁGINAS 33 e 34
Pesquisa da FGV, realizada em seis cidades que receberão a Copa do Mundo, revela insa-tisfação com a qualidade dos serviços públicos. Segurança, saúde e transportes são os mais criticados.PÁGINAS 3 a 5
População quer
serviço melhor
Sessenta e quatro anos após a primeira Copa no país, o Rio de Janeiro é outro. A frota de veículos, por exemplo, saltou de 57,5 mil para 2,5 milhões. PÁGINAS 12 e 18
Uma cidade entre
dois mundiais
FRANCK FIFE/AFP
Prévia da Copa.O espanhol Ramos festeja com o brasileiro Marcelo o terceiro gol da vitória do Real Madrid sobre o Atlético (4 a 1) na final da Liga dos Campeões: 19 estrelas que vêm ao Mundial no Brasil jogaram
Fred: ‘A cura da
ferida de 1950’
Titular de Felipão, o atacante diz que a seleção está pronta para ganhar a Copa em casa e fazer o país esquecer o trau-ma da derrota para o Uru-guai, no Mundial de 50, no Maracanã.PÁGINA 52
Domingo 25.5.2014 O GLOBO
l
3
País
RETRATOS DO BRASIL
_Onde anda a
insatisfação
dos brasileiros
Pesquisa da FGV mostra que renda melhorou,
mas população cobra qualidade dos serviços
FOTOS DE GUITO MORETO
Depois de
caminhar 15
minutos até o
ponto, a diarista
Ana Cristina
Carvalho, que
trabalha na
Freguesia, Zona
Oeste do Rio,
esperou 40
minutos pelo
ônibus que a
leva até
Bonsucesso
Três vezes por semana, a diarista Ana Cristina Carvalho, de 42 anos, sai do trabalho, na Fre-guesia, Zona Oeste do Rio, às 18h30m. É o co-meço de uma jornada que vai durar pelo me-nos três horas até sua casa, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Depois de caminhar 15 minutos até o ponto de ônibus, ela espera mais 40 pelo coletivo da Transcarioca, apesar de a concessionária prometer intervalos me-nores nos horários de pico. A chance de se sen-tar é remota. Sem trânsito, ela chega a Bonsu-cesso, na Zona Norte, em pouco mais de 20 mi-nutos. Poderia ir a pé até a estação de trem por mais um quilômetro, mas recorre a um moto-táxi, insegura com o caminho mal iluminado. Nos trilhos, é mais meia hora sacolejando em vagões lotados. Já na Baixada,
ela toma outro ônibus para chegar em casa. Para passar o tempo, dá uma conferida nas redes sociais pelo smartpho-ne. Cansada, contabiliza R$ 12,80 gastos com transporte só naquele dia, mas comemora com um sorriso largo a chega-da ao lar. Aos poucos ela refor-ma a casa de dois quartos com uma varanda tão grande que deu até para realizar ali a festa de casamento da filha Thais, de 21 anos, no ano passado. A caçula Ana Guiomar, de 15, não desgruda da TV a cabo. Apesar de trabalhar desde os 17, a vida de Ana só deu uma
virada nos últimos três anos, desde que teve a carteira assinada pela patroa. Mas no vaivém para o trabalho, a vida continua dura.
— Em casa, eu me sinto uma rainha. O proble-ma é ter que sair — diz a diarista, que faz bicos na Barra da Tijuca nos outros dois dias úteis que tem livres. O calvário é o mesmo: — Num dia bom, são quatro horas no transporte. O tempo entre uma condução e outra é o que mais cansa. Assim como Ana Cristina, milhares de brasi-leiros nas grandes cidades reconhecem que sua vida pessoal melhorou nos últimos anos com a queda do desemprego e o aumento da renda, mas estão cada vez mais insatisfeitos com a qualidade dos serviços públicos. É o que revela uma pesquisa da Diretoria de Análise de Políti-cas PúbliPolíti-cas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/FGV), obtida pelo GLOBO com exclusi-vidade, e que ouviu 3.600 pessoas entre março e abril enquanto usavam o transporte público em seis regiões metropolitanas cujas capitais vão receber jogos da Copa do Mundo: Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Praticamente três quartos dos
entre-vistados se disseram insatisfeitos ou muito in-satisfeitos com a Segurança Pública, o Trans-porte, a Saúde e a Educação. O combate à crimi-nalidade foi o que recebeu maior reprovação: 80%. Em seguida, vieram a Saúde (79%), o Transporte (73%) e a Educação (67%). Por outro lado, 77% disseram que sua situação econômi-ca pessoal melhorou ou ficou igual nos últimos cinco anos.
— A vida melhorou dentro da casa das pesso-as, mas não do lado de fora. Quando as pessoas falam da sua situação pessoal, dizem que me-lhorou. No entanto, quando se pergunta sobre a prestação de serviços públicos, o nível de des-contentamento é altíssimo. É como se falásse-mos de dois mundos, de uma realidade partida — diz Marco Aurélio Ruediger, diretor do núcleo da FGV que realizou a pesquisa: — Se, por um lado, as políticas públicas dos últimos anos ge-raram uma melhora palpável do bem-estar de camadas significativas da população, por outro lado, têm falhado consistente-mente no provimento de me-lhores serviços. Isso não ne-cessariamente diz respeito a aporte de recursos, mas de gestão dos recursos que já existem.
Os pesquisadores da FGV decidiram entrevistar usuári-os do transporte para medir o grau de insatisfação da popu-lação justamente no que de-sencadeou os protestos de ju-nho de 2013. Os projetos de mobilidade urbana eram as maiores promessas da Copa, mas a sensação nas princi-pais cidades que vão receber os jogos é que muito pouco saiu do papel. Agora, às vésperas do Mundial, greves de ônibus se espalham pelo país e agra-vam as deficiências de um serviço já muito mal avaliado pela população.
Para 65% dos entrevistados, o transporte pú-blico piorou ou ficou igual nos últimos anos. Só 40% acreditam que vai melhorar nos próximos anos. O potencial explosivo dessa péssima ava-liação aparece na opinião de 88% dos entrevis-tados de que haverá novas manifestações, se a questão do transporte não se resolver. No en-tanto, a pesquisa acabou descobrindo que o transporte é apenas a ponta mais visível de uma insatisfação generalizada em relação aos servi-ços públicos mais básicos. Para Ruediger, isso pode explicar o aparente paradoxo das pesqui-sas eleitorais, que apontam ao mesmo tempo um desejo de mudança e de continuidade. De acordo com a última pesquisa do Ibope, nove entre dez eleitores se dizem satisfeitos com a própria vida, mas 65% pedem mudanças.
— Existe uma nova agenda, que governos ou os candidatos ainda não descobriram. As pes-soas não aceitam inflação e nem querem
de-semprego ou o fim dos programas sociais. Não querem mudar isso. Só que a pesquisa mostra que isso já parece consolidado, não acham que há possibilidade de perder. O que elas querem é qualidade nos serviços básicos do Estado e não aguentam mais esperar — afirma o pesquisador.
Na comparação entre as seis regiões metropo-litanas pesquisadas, o Rio de Janeiro foi o estado com maior insatisfação. A Saúde e a Segurança foram reprovadas por 84%. A insatisfação de 77% dos ouvidos com o Transporte só perde pa-ra Bpa-rasília, com 82%. Na Educação, serviço com melhores resultados, o Rio é o que tem o pior: 71% se disseram insatisfeitos. A família da dia-rista Ana Cristina não sente a qualidade de vida limitada apenas pelo transporte ruim. Belford Roxo, onde mora há 20 anos, tornou-se uma ci-dade violenta. Thais, a filha mais velha, fez pré-natal num posto de saúde perto de casa, mas o
seu bebê não consegue atendimento de um pe-diatra na rede pública. O jeito foi gastar com um plano de saúde. De acordo com os dados do úl-timo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), de 2011, o município de Belford Roxo obteve 3,8, abaixo da média fluminense, de 4,8.
— Minha vida melhorou, mas ainda falta mui-to para melhorar por aqui — conclui Ana. l
ALEXANDRERODRIGUES
alexandre.rodrigues@oglobo.com.br
CIBELLEBRITO
cibelle.brito@oglobo.com.br
Ao descer do
trem, Ana teve
que pegar mais
um ônibus: o
trajeto levou
uma hora e dez
minutos. Em
casa, ela
encontrou o
marido, Celso
Pereira, e as
filhas Thais,
com Talita no
colo, e Ana
Guiomar
Ao chegar a
Bonsucesso,
depois de pegar
um mototáxi
para não andar
por um caminho
mal iluminado,
Ana sobe as
escadas da
estação do
trem, que vai
levá-la até
Belford Roxo, na
Baixada, onde
mora
“A vida melhorou
dentro da casa das
pessoas, mas não
do lado de fora”
Marco Aurélio Ruediger
Diretor de Análise de Políticas
Públicas da FGV
A PESQUISA: Foram entrevistados 3.600 usuários de transporte público nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo entre 25 de março a 7 de abril de 2014. A margem de erro é de 5%.
BEM-ESTAR PRIVADO, INSATISFAÇÃO PÚBLICA
O brasileiro reconhece que sua vida inanceira melhorou
nos últimos cinco anos...
...mas está insatisfeito com a qualidade dos serviços públicos.
SEGURANÇA Melhorou muito
4%
Piorou muito
3%
Melhorou
41%
Ficou igual
32%
Piorou
19%
SITUAÇÃO ECONÔMICA
PESSOAL NOS ÚLTIMOS
CINCO ANOS
Melhorar muito
14%
Piorar muito
1%
Melhorar
52%
Ficar igual
19%
Piorar
10%
Não sabe ou não respondeu
4
EXPECTATIVA EM RELAÇÃO
À SITUAÇÃO ECONÔMICA
PESSOAL NOS PRÓXIMOS
CINCO ANOS
Muito insatisfeito ou insatisfeito
Saúde Segurança Transporte Educação
75% 72% 71% 59%
Índice de insatisfação em relação aos serviços públicos nas regiões metropolitanas BELO
HORIZONTE 80% 85% 82% 64% BRASÍLIA
76% 80% 72% 67% PORTO ALEGRE
75% 80% 77% 57% RECIFE
84% 84% 77% 71% RIO DE JANEIRO
78% 80% 69% 68% SÃO PAULO Muito satisfeito, satisfeito, indiferente ou não soube
80%
20%
SAÚDE
79%
21%
TRANSPORTE
73%
27%
EDUCAÇÃO
67%
33%
Fonte: DAPP/FGV
NA WEB
glo.bo/1nBXU3F
Vídeo: a difícil rotina de uma diarista no
Rio
NA WEB
http://bit.ly/1ot4AlX
Veja os resultados da pesquisa por cidade
21H40M
20H
19H25M
4
l
O GLOBOl
País
l
Domingo 25.5.2014MERVAL
PEREIRA
| |
merval@oglobo.com.br
A disrupção do acordo entre os dois principais candidatos oposicionistas abre um novo quadro na campanha eleitoral, com viés de beneficiar a permanência no poder da
presidente Dilma. Mas parece inevitável que o PSB marque um distanciamento crítico do PSDB para se tornar uma alternativa real à polarização entre petistas e tucanos.
Caminhos da oposição
O
brigado por seu acordo político com o grupo da ex-senadora Marina Silva a rever a estra-tégia que havia montado no início da cam-panha, o ex-governador Eduardo Campos vem en-durecendo seu discurso também contra o antigo parceiro Aécio Neves, na esperança de se tornar uma escolha palatável ao eleitor petista que está descrente com a atuação de Dilma ou insatisfeito com os rumos que o partido vem tomando.Campos, com mais propriedade, pois fez parte do grupo lulista até pouco tempo, estaria repetindo a ten-tativa de Serra em 2010 de se apresentar como uma al-ternativa a Dilma contra a qual Lula nada teria. Corre menos risco de ser desautorizado por Lula de público, mas é possível que isso ocorra. Na tentativa de preser-var um acordo para o segundo turno, é possível que Lu-la poupe Campos de sua língua ferina.
Embora não tenha uma performance boa nas pes-quisas até o momento, Campos conta com o voto útil a seu favor dos petistas que temem mais a vitória do PSDB do que a derrota de Dilma para ele, aí incluído até mesmo Lula. Essa mudança na campanha de Cam-pos tem, porém, diversos obstáculos para ser bem-su-cedida, a começar pelo governo de São Paulo, uma das pedras-chave desta disputa.
Abandonando a coligação do governador Geraldo Alckmin, da qual fazia parte há muito, Campos deixará o palanque do PSDB livre para o senador Aécio Neves no maior colégio eleitoral do país, enquanto terá um palanque improvisado e fraco. Foi convencido por Ma-rina de que o desgaste do PSDB depois de 20 anos no poder favorece uma candidatura alternativa.
Em Minas, acontecerá o contrário, pois, ao romper com Aécio em seu território, abrirá mão de comparti-lhar com ele a provável vitória no segundo maior colé-gio eleitoral do país. A contrapartida do rompimento em Pernambuco não será tão dolorosa para os tucanos, já que o eleitorado do estado não é dos maiores.
O senador Aécio Neves considera que a atitude de ra-dicalizar a campanha também contra o PSDB é um si-nal de desespero do PSB diante do fraco desempenho nas pesquisas. Mas, mesmo os do PSB e da Rede favorá-veis a um acordo no
se-gundo turno entre os dois acham que, no momento, é mais positivo para Campos se distanciar de Aécio e tentar uma marca própria para a campanha. Sobre o assunto, gravei um vídeo para O Globo a Mais, semana passada, onde analisava a nova fa-se da campanha eleitoral, delicada para os candida-tos de oposição, que, jun-tos, já mostram força para levar a eleição para o se-gundo turno, mas, sepa-rados, ainda não têm con-dições de vencer a presi-dente Dilma Rousseff.
Só destruirá as pontes construídas até o mo-mento aquele candidato que se considerar em condições de aglutinar em torno de um projeto político próprio a maioria dos eleitores que querem mudanças; somente Ma-rina Silva teria esse perfil, se fosse a candidata.
Mas ela está levando o ex-governador Eduardo Campos a experimentar
esse caminho solitário que só se tornará eficaz caso ele se transforme em um fenômeno eleitoral, o que é difícil de imaginar. Ou na hipótese de vir a disputar um segundo turno com o candidato tucano Aécio Neves, o que a esta altura parece improvável.
Campos vai ter que equilibrar os próximos passos pa-ra não inviabilizar o apoio do PSDB em um eventual se-gundo turno. O que pode pesar a mão no PSB é a influ-ência de uma esquerda próxima ao petismo, cujo repre-sentante mais influente é o vice-presidente, Roberto Amaral, ex-ministro de Lula, que nunca viu com bons olhos a aproximação com os tucanos.
O senador Aécio Neves vai exercitando um dos dons mais característicos da política mineira, a paci-ência. Não partirá dele qualquer gesto de rompi-mento com Campos, mesmo porque está convenci-do de que quem vai para o segunconvenci-do turno é ele, e precisará do apoio do PSB para derrotar Dilma.l
oglobo.globo.com/blogs/ blogdomerval
1
Parece inevitável que o PSB
marque um distanciamento
crítico do PSDB para se
tornar uma alternativa real
à polarização entre petistas
e tucanos.
2
Na tentativa de preservar
um acordo para o segundo
turno, é possível que Lula
poupe Campos de sua
língua ferina.
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O senador Aécio Neves vai
exercitando um dos dons
mais característicos da
política mineira, a
paciência. Não partirá dele
qualquer gesto de
rompimento com Campos,
mesmo porque está
convencido de que quem
vai para o segundo turno é
ele, e precisará do apoio do
PSB para derrotar Dilma.
U
Os pontos-chave
-BRASÍLIA, RECIFE E RIO-Saúde e Se-gurança são serviços com os quais os brasileiros estão mais descontentes, mas as deficiên-cias deles se misturam com os outros, sobretudo com o trans-porte público. De acordo com a pesquisa da FGV, 72% dos en-trevistados disseram se sentir inseguros como passageiros. Além de riscos como assaltos em ônibus, a frequência do transporte pode expor passa-geiros ao risco em pontos de ônibus por causa de falhas no policiamento. No caso da Saú-de, a má distribuição de unida-des de Saúde, sobretudo nas periferias, é agravada pelo transporte precário.
Entre as seis regiões metro-politanas pesquisadas, a sen-sação de insegurança nos transportes é maior em Belo Horizonte (79%) e em Recife (73%), apesar de a Segurança não ser o serviço mais mal ava-liado na capital mineira, e os assaltos em ônibus estarem em queda na pernambucana.
Segundo o Sindicato de Em-presas de Transporte de Passa-geiros de Pernambuco, câme-ras e a redução do volume de dinheiro nos veículos com a bilhetagem eletrônica reduzi-ram em 27% o número de as-saltos em coletivos no primei-ro trimestre deste ano em rela-ção ao mesmo período do ano passado. Entre 2012 e 2013, os registros caíram de 1.152 para 613, recuo de 43%.
Mesmo assim, cenas de vio-lência são relatadas por quase todos os motoristas ouvidos pelo GLOBO em terminais de integração da Região Metropo-litana. Só dois não haviam pre-senciado alguma cena de vio-lência em coletivos.
— Depois de um assalto, passei dois meses muito assus-tado, desconfiava de todo mundo que entrava no ônibus. Quando estava esquecendo, veio outro — conta o motorista Valério Ângelo de Lima, de 46 anos, há 17 trabalhando em ônibus.
No último, um assaltante en-costou um revólver em seu pescoço e pediu para ele desvi-ar do caminho habitual. De-pois, raspou o caixa do cobra-dor e levou celulares, joias, di-nheiro e objetos pessoais dos passageiros.
— O pior foi para o cobrador, que, além do susto, teve que as-sumir o prejuízo — lembra Lima. Outra violência recorrente em Recife é o vandalismo con-tra ônibus: só no mês de mar-ço, foram 852 ônibus depreda-dos, sendo 676 no carnaval.
Recife é também a cidade com maior insatisfação quanto ao tempo que as pessoas le-vam para chegar ao trabalho: 75%. Mas a insatisfação em to-das as regiões também é alta: 67%. O nível de insatisfação cresce entre quem usa mais do que três conduções. Chega a 79% entre quem pega cinco ou mais conduções por dia. Por outro lado, o transporte é con-siderado caro ou muito caro para 67%. Entre todos os entre-vistados, 33% disseram que o
peso do transporte aumentou nos seus gastos nos últimos cinco anos. Para outros 23%, a parcela de sua renda que vai para o transporte ficou muito maior nesse período.
Para os pesquisadores da FGV, a percepção negativa sobre o transporte é aguçada pelo fato de o cidadão pagar por ele todo dia. Para 65% dos entrevistados, o transporte piorou ou ficou igual nos últimos anos, apesar dos investimentos dos governos. As ações das administrações municipais e estaduais para o te-ma são igualmente reprovadas pelos entrevistados: são boas ou
ótimas para apenas 14%. — Existe a sensação de que o transporte não melhorou nos últimos anos, mas custa cada vez mais caro — diz Marco Au-rélio Ruediger, da FGV.
Para 84% dos entrevistados, uma atuação maior do governo federal poderia melhorar o transporte público, mas a expec-tativa de melhora ainda é mode-rada: apenas 40% são otimistas em relação ao futuro.l
Passageiros se sentem inseguros
no transporte, considerado caro
Pesquisa mostra que há sobreposição das carências dos serviços
ALEXANDRERODRIGUES,
DEMÉTRIOWEBER E
LETÍCIALINS
opais@oglobo.com.br
GIVALDO BARBOSA
Rodoviária. Moradores do entorno de Brasília enfrentam filas e muito trânsito HANS VON MANTEUFFEL
Violência. Motorista de ônibus em Recife, Valério de Lima foi assaltado 2 vezes
A QUALIDADE E O CUSTO
Origem das manifestações, o transporte público é considerado
caro, demorado e inseguro...
...mas ainda há alguma expectativa de que pode melhorar
O TRANSPORTE PÚBLICO
NOS ÚLTIMOS ANOS
Melhorou muito
2%
Piorou muito
8%
Melhorou
32%
Ficou igual
30%
Piorou
27%
Não sabe ou não respondeu
1%
EXPECTATIVA SOBRE O TRANSPORTE NOS PRÓXIMOS ANOS Vai melhorar muito
3%
Vai piorar muito
5%
Vai melhorar
40%
Vai ficar igual
25%
Vai piorar
24%
Não sabe ou não respondeu
4%
SATISFAÇÃO EM RELAÇÃO AO TEMPO GASTO NO TRANSPORTE
Satisfeito
32%
Insatisfeito67%
Não sabe ou não respondeu
1%
Seguro
28%
Inseguro72%
Não sabe ou não respondeu
1%
SEGURANÇA AO UTILIZAR O TRANSPORTE PÚBLICO
PELO VOTO É POSSÍVEL FAZER OS POLÍTICOS LUTAREM PARA MELHORAR O TRANSPORTE PÚBLICO?
Sim
54%
Não43%
Não sabe ou não respondeu
2%
Sim
88%
Em parte3%
Não7%
HAVERÁ NOVAS MANIFESTAÇÕES SE A QUESTÃO DO TRANSPORTE NÃO SE RESOLVER?Fonte: DAPP/FGV PREÇO DO TRANSPORTE,CONSIDERANDO SUAS CONDIÇÕES
Muito Caro
23%
44%
Caro Adequado29%
Barato3%
Não sabe ou não respondeu
1%
Para pesquisadores
da FGV, a percepção
negativa sobre o
transporte é
aguçada porque o
cidadão paga por
ele todo dia
RETRATOS DO BRASIL
_
NA WEB glo.bo/1nkvgrV
A demora nos ônibus
em Brasília
Moradores de municípios
vizinhos à capital passam
horas em deslocamentos
-BRASÍLIA-Moradores de municípi-os vizinhmunicípi-os a Brasília, que traba-lham na capital federal, enfren-tam longas filas diariamente para pegar ônibus. São centenas de pessoas que se aglomeram, todo fim de tarde, na rodoviária que tem ao fundo cartões-postais da cidade: a Esplanada dos Ministé-rios e o Congresso Nacional. Nas filas de até uma hora para o em-barque, o que não faltam são re-clamações.
Moradora do Jardim Ingá, um distrito da cidade de Luziânia, a 50 quilômetros da rodoviária central, Eliane Everton, de 44 anos, prepara saladas num res-taurante na Asa Norte. Para vol-tar para casa, primeiro pega um ônibus até a rodoviária, onde chega por volta das 18h15m. Lá, encara a fila e, uma vez no outro ônibus, enfrenta um desloca-mento que pode levar de uma hora e 20 minutos a duas horas. — Só trabalho aqui porque preciso — resume, reclaman-do reclaman-do desgaste diário.
A substituição de empresas e o aumento dos congestiona-mentos provocados por obras, além dos protestos, agravaram o já problemático sistema de transporte coletivo na capital do país. A açougueira Maria Jel-za da Conceição, de 36 anos, é amiga e companheira de fila de Eliane. Ela conta que a vinda para Brasília, toda manhã, pode ser ainda mais difícil. A queixa é a mesma: faltam ônibus.
— Chego atrasada, e o patrão não quer saber se fiquei três ho-ras em pé no “busão”. Quer que eu bata o ponto na hora — diz.l
Poucos ônibus
e muitas filas
na rodoviária
central de Brasília
Domingo 25.5.2014
l
País
l
O GLOBOl
5
Crimes patrimoniais elevam sensação de insegurança
Em Porto Alegre, gaúcho tem carro e casa roubados em menos de 30 dias; governo destaca queda de homicídios
FLAVIOILHA
opais@oglobo.com.br
-PORTO ALEGRE-A pesquisa feita pela Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que a sensação de inse-gurança é maior nas cidades que sofrem mais com crimes patri-moniais do que com homicídi-os. Este é o caso de Porto Alegre (RS), que apontou a Segurança como seu principal problema.
No dia 4 de abril, o publicitário Felipe Mano, de 43 anos, teve seu carro roubado por dois ado-lescentes que o fizeram descer do veículo sob a mira de um
re-vólver. Menos de 30 dias depois, teve a casa assaltada por um grupo que entrou pela janela da cozinha e, sem que ninguém percebesse, levou aparelhos ele-trônicos, dinheiro e documen-tos. Os dois casos foram registra-dos pela polícia, mas Mano nun-ca foi informado sobre as inves-tigações nem recuperou objetos: — Nunca recebi um telefone-ma da polícia. Quando fui regis-trar o segundo assalto, o que vi foi um policial assustado dentro da própria delegacia. Como ci-dadão, mais do que medo, sinto um estado de indignação.
Segundo a Secretaria de Segu-rança Pública do RS, em 2013, 17 carros foram roubados por dia na capital gaúcha. Há dez anos, a média diária não chegava a no-ve. No caso de roubo qualifica-do, categoria em que Mano tam-bém se encaixa, foram 52 casos por dia em Porto Alegre em 2013. Neste ano, em todo o esta-do, já houve 13.372 casos, média de 148 por dia.
— Nunca tive medo de ser as-saltado nem de sair de casa, mas, depois desses episódios, passei a acordar com qualquer barulho e já deixei de ir a festas
porque tinha de largar o carro na rua. Estou muito mais tenso — lamentou o publicitário, que colocou grades nas janelas.
O secretário de Segurança Pública, Airton Michels, mini-mizou as ocorrências, desta-cando que, no primeiro tri-mestre do ano, houve redução de 4% no índice de roubo de veículos e que 60% dos carros roubados ou furtados foram recuperados. Segundo ele, mais de 70% dos homicídios são resolvidos no RS, prova de um estado “muito eficiente”.
Samira Bueno, diretora do
Fó-rum Nacional de Segurança Pú-blica, interpreta o fenômeno. Diz que a sensação de insegu-rança é um fenômeno crescente, mesmo nas cidades em que o índice de homicídios cai.
— O que assusta mais são os crimes de patrimônio, que dão a ideia de que podem aconte-cer com qualquer pessoa. Ou-tra coisa é o descrédito em re-lação à polícia, que é a parte mais visível do problema. Se-gundo uma pesquisa do Fó-rum, a confiança do brasileiro na polícia caiu de 38,5% para 29,9% só entre 2012 e 2013.l
RETRATOS DO BRASIL
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Hospitais têm
problemas, e
pacientes enfrentam
longas filas
EZEQUIEL FAGUNDES
Paciência.Cláudia esperou duas horas por atendimento para o filho Wuarley
-BELO HORIZONTE E SÃO PAULO- En-quanto a Segurança é a princi-pal insatisfação nas outras regi-ões metropolitanas pesquisa-das pela FGV, em Belo Horizon-te o maior problema dos mora-dores que precisam contar com os serviços públicos está na Saúde. Dos entrevistados na ca-pital mineira e cidades vizinhas, 75% reprovaram a Saúde. Já a
Segurança provoca a insatisfa-ção de 72%. O Hospital Júlia Ku-bitschek, um dos mais impor-tantes de Minas, é um exemplo da má gestão na saúde. Dois anos depois de ter passado por uma grande fiscalização do Mi-nistério Público, o hospital ada possui enfermarias e alas in-teiras desativadas, e equipa-mentos abandonados, além de áreas sucateadas e com falta de higiene.
Na semana passada, O GLO-BO visitou a maternidade do hospital, que tem uma ala fe-chada por causa de infiltra-ções. Sete leitos estão inutiliza-dos. Na área lacrada, o cheiro de mofo é insuportável, princi-palmente no banheiro, onde a luz não acende mais.
Em outro ponto da materni-dade, um contraste: é possível ver camas novas empilhadas no canto de um corredor.
No Júlia Kubitschek, há locais em flagrante desleixo. É o caso da antiga lavanderia. Escondido do público, o local virou ponto de lanche e descanso de funcio-nários. Armários enferrujados, goteira, banheiro sem higiene, mau cheiro, piso estragado e mobiliário caindo aos pedaços compõem o ambiente. No se-gundo andar, duas outras alas estão fechadas.
No Hospital João Paulo II, re-ferência em pediatria na capi-tal, os pacientes enfrentam longas filas, problemas estru-turais e falta de equipamentos. Moradora do Aglomerado
Santa Lúcia, Cláudia Moura, 30 anos, ficou mais de duas horas esperando atendimento para o filho, Wuarley de Oliveira, de 8, com vômito e febre. Funcioná-rios relataram que a direção do hospital cortou o horário de al-moço para tentar dar conta da demanda. O hospital virou um canteiro de obras. O barulho das serras elétricas e o pó gera-do pela obra trazem transtorno para funcionários e pacientes. Enquanto a ampliação do pré-dio novo anda a passos lentos, a reforma da parte antiga se-quer foi licitada.
Em São Paulo, o resultado da pesquisa da FGV surpreendeu ao colocar o Transporte em terceiro lugar no ranking de queixas dos entrevistados. O sistema de
ôni-bus, trens e metrô foi considera-do insatisfatório por 69%, o me-lhor índice entre as seis regiões metropolitanas pesquisadas.
— O transporte melhorou, tem mais opções que facilitam, tem mais linhas, mas é uma in-cógnita. Você tem a opção de
sair mais cedo e chegar mais ce-do ou sair no horário e correr o risco de chegar atrasado. Já teve dia que eu nem consegui chegar ao trabalho — diz o estudante de Engenharia Leandro Antônio da Silva, de 30 anos, morador da Zona Leste de São Paulo.l
Em Belo Horizonte, Saúde é o que mais desagrada
EZEQUIELFAGUNDES E
JULIANNAGRANJEIA
opais@oglobo.com.br