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o inal dos anos 40, dois grandes empresários brasileiros, protagonistas dedesentendimentos diversos, iniciaram uma disputa que iria mudar para sempre o cenário cultural do país – mais especiicamente da paulicéia. Em 1947, Assis Chateaubriand fundou o Museu de Arte de São Paulo-MASP. No ano seguinte, Francisco Matarazzo Sobrinho, conhecido como Ciccillo Matarazzo, fundava o Museu de Arte Moderna de São Paulo-MAM. Além da disputa pelo título de “maior benfeitor das artes plásticas”, os dois disputavam o amor de Yolanda Penteado, que acabou se casando com Ciccillo.
Além do MAM de São Paulo, Ciccillo Matarazzo criou a Bienal de São Paulo, que logo se transformou na segunda bienal de arte mais importante do mundo. O Brasil passava a integrar o circuito das artes plásticas, recebendo os artistas mais expressivos daquela época.
A relação da Bienal com a formação do acervo
A 2ª Bienal de São Paulo, reconhecida internacionalmente, contou com a participação de 33 países e 3.374 obras. A exposição foi montada em dois pavi-lhões no conjunto de prédios projetados por Oscar Niemeyer para o parque do Ibirapuera. O grande destaque daquela edição foi Pablo Picasso, presente com uma exposição de 51 telas representativas de todas as suas fases. Com impacto internacional, essa sala de Picasso acabou tornando a mostra de 1953 conhecida como a “Bienal da Guernica”, em referência ao mais importante trabalho do artista espanhol em exposição no Brasil.
A proposta da bienal nessa fase de maior destaque internacional incluía uma premiação dos melhores trabalhos e artistas. As obras que entravam na disputa do chamado prêmio de aquisição passavam a integrar o acervo do MAM. Dessa forma, o Museu de Arte Moderna passou a receber os melhores trabalhos dos mais
O MUSEU ESCONDIDO
EM BUSCA DE MAIS
ESPAÇO E ATENÇÃO
Com mais de 10 mil trabalhos de artistas como Picasso, Matisse, Miró, Kandinsky, Modigliani, Calder,
Braque, o MAC-USP nunca teve o merecido destaque na mídia ou atenção do público
Por Maria Rita de Carvalho Drummond
ARTES PLÁSTICAS
Com dois endereços, no Ibirapuera e no campus da USP, a aposta é que este ano o museu se transfira para as instalações da antiga sede do DETRAN, na Avenida 23 de Maio
Divulgação
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visita obrigatória nos guias e roteiros de turismo da cidade, sendo um dos ende-reços mais conhecidos do público. No entanto, seu acervo não se compara ao do MAC, que, apesar de ser um museu predominantemente de arte moderna, tem sido enriquecido com aquisições de importantes artistas contemporâneos.
Com uma coleção de aproximada-mente 10 mil obras que incluem traba-lhos de artistas como Picasso, Matisse, Miró, Kandinsky, Modigliani, Calder, Braque, Henry Moore, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Volpi, Manabu Mabe, Antonio Dias, entre tantos ou-tros, o Museu de Arte Contemporânea se transformou no tesouro mais bem escondido da cidade de São Paulo.
Algumas preciosidades do MAC
Em julho de 2006, a Royal Acade-my of Arts, de Londres, organizou uma
retrospectiva das obras de Amedeo Modigliani. Nessa exposição, um dos quadros de maior importância era seu auto-retrato pintado em 1919, uma se-mana antes morte do artista. Essa tela é considerada um marco no gênero au-to-retrato, sendo objeto de análise por estudiosos do mundo todo. O quadro é de uma intensidade emocional im-pactante, uma dolorosa representação de um homem consciente de que sua morte se aproxima. Poucos sabem que essa preciosidade está localizada na ci-dade universitária da USP, integrando o acervo do MAC, sendo constantemente requisitado por museus do mundo todo. Dizem que Ciccillo Matarazzo com-prou o quadro para dar de presente à sua mulher, Yolanda Penteado.
Excluindo o acervo dos museus ita-lianos, o MAC tem um dos mais expres-sivos acervos de obras italianas da
déca-ARTES PLÁSTICAS
Fora da Itália,
o MAC tem um
dos mais expressivos
acervos de obras
italianas da década
de 30 de todo
o mundo
destacados artistas de nossa época. De 1951 até 1962, o MAM era visto como um apêndice da bienal, tendo em vista a importância mundial do evento e do prêmio aquisição para o desenvolvi-mento de seu acervo.
Entretanto, preocupado com os rumos que o Museu de Arte Moderna tomava, a partir das disputas internas, em 1963 Francisco Matarazzo trans-feriu todo o seu acervo pessoal para o Museu de Arte Contemporânea de São Paulo-MAC. O colecionador acreditava que a Universidade de São Paulo viesse a cuidar das obras que ele colecionara ao longo dos anos. Essa mudança do MAM para o MAC, no entanto, foi traumática. De uma hora para outra, o Museu de Arte Moderna se viu sem acervo e o Museu de Arte Contemporâ-nea se transformava em um dos museus mais importantes da América Latina.
Por estar sob o comando da USP, o MAC passou a ter um caráter fortemente educador, em função de sua direção ser composta por professores universitários concursados. Essa feição do MAC foi muito criticada ao longo dos anos, por ser muito rígida para um museu de sua importância. Fora o trabalho de Walter Zanini, primeiro diretor do MAC, que assumiu o posto pouco antes do golpe militar de 1964 e expôs trabalhos que re-letiam a presença militar no cotidiano – o que gerou problemas com o regime – o museu não costuma gerar polemica ou ocupar muito espaço na mídia.
Apesar de sua história e riqueza, o MAC-USP nunca conseguiu ter o desta-que merecido ou um número de visitan-tes que estivesse à altura da qualidade e importância de seu acervo. A Pinacote-ca de São Paulo, para citar um exemplo, é sempre mencionada como local de
ARTES PLÁSTICAS
Ciccillo Matarazzo
comprou o quadro
de Modigliani para
dar de presenteà
sua mulher, Yolanda
Penteado, a princesinha
da cidade
O MAC mantém um programa, o Viva Arte!, de inclusão socioeducativa e cultural. Organizado pela Divisão Técnico-científica de Educação e Arte do MAC, esse programa tem como meta primordial aproximar do Museu populações socialmente excluídas do uni-verso das Artes Visuais, visando ampliar seu repertório estético-cultural e contribuir para o desenvolvimento de atividades de geração de renda. É destinado ao público de jovens e adultos - com idade aproximada entre 20 e 60 anos - já integrantes de instituições or-ganizadas da sociedade civil, como ONGs, OSCIPs, Associações e Centros Comunitários, entre outras.
Outra interessante proposta do MAC é o “Arte do
século XX/ XXI - Visitando o MAC USP na Web”. Por meio de uma viagem virtual pela coleção do museu, é possível conhecer os artistas-atores e as obras-perso-nagens da arte do século XX e XXI. “Acervo do MAC on line” é parte do projeto Integrado de Pesquisa apoiado pelo CNPq, de natureza multidisciplinar, envolvendo a História da Arte do século XX e XXI, Museologia e Infor-mática, visando de um lado um sistema de bases de dados e de outros hipertextos na internet, dando visibi-lidade às obras da coleção do MAC USP. Para acessar, basta clicar no site Arte do século XX/XXI - Visitando o MAC na Web e divertir-se com o Museu lúdico e a “máquina de barulhar”, entre outras atrações.
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O critério de escolha para a aquisição das obras que compõem a coleção formada por Francisco Matarazzo Sobrinho obedeceu principalmente ao gosto pessoal do cole-cionador e a pesquisa assessorada por ar-tistas e curadores sobre o que havia de mais significativo em termos de arte moderna na época. Dar continuidade ao trabalho inicia-do por Matarazzo não é uma tarefa fácil, principalmente com recursos limitados.
A incorporação de obras relacionadas às novas linguagens e ao uso de novos meios foi a base do crescimento do acervo, nas décadas posteriores à sua fundação. A contemporaneidade foi a marca principal das décadas de 70 a 90, quando as do-ações de obras realizadas pelos próprios artistas foram cruciais para a atualização e ampliação do museu.
Na década de 70 ocorria no MAC a mos-tra Jovem Arte Contemporânea, que reu-nia jovens que pesquisavam e produziam arte contemporânea. A idéia era pôr em foco a arte emergente no Brasil, revelando ou referendando artistas que lançaram o
olhar crítico sobre as novas característi-cas da linguagem artística da época. Os prêmios aquisição que tal mostra realizava possibilitaram uma renovação.
A doação da obra Tributo ao Século XXI, de Rauschenberg, feita pelo artista ao MAC em 1994, é um exemplo de como os artistas foram fundamentais para a manu-tenção do trabalho iniciado por Matarazzo. Nos últimos anos o MAC tem recebido, por determinação judicial, a guarda e a admi-nistração provisória de obras de arte. Deve ser lembrado que o MAC recebeu as quase 1500 obras da coleção do Banco Santos, com um significativo conjunto de fotogra-fias contemporâneas. A recente mostra MAC Contemporâneo – Instalações: Acervo MAC USP foi montada com obras doadas, em comodato ou alocadas no museu por determinação judicial, incluindo as obras dos artistas Jesús Rafael Soto, Simon Be-netton, Bernardita Vattier e Yoko Ono.
O Estado, sem recursos para a manu-tenção do museu e para a atualização do acervo, sem dúvida nenhuma precisa da
iniciativa privada. No entanto, o apelo do MAC USP para doações e patrocínios ain-da é muito baixo. Atualmente os grandes colecionadores criam galpões particula-res para exibir suas ricas coleções de arte contemporânea para amigos e familiares. Essa tendência é fortemente reconhecida por diversos marchands, que se trans-formam em verdadeiros curadores de museus particulares. Sem dúvida falta comprometimento com a socialização da arte por parte das autoridades públicas e do próprio colecionador. Recentemente essa discussão veio à tona com a venda da coleção de arte construtiva brasileira do paulista Adolpho Leirner ao Museum of Fine Arts de Houston.
Incentivar mais doações, por parte de artistas e colecionadores, é essencial para que o acervo de arte contemporâ-nea do MAC possa manter-se à altura de sua coleção de arte moderna. Para isso é preciso comprometimento das autorida-des públicas, da iniciativa privada e do próprio público.
O DESAFIO DE MOSTRAR UM ACERVO
A Negra, de T
arsila Amaral, Foto/cortesia MAC USP
ARTES PLÁSTICAS
da de 30 de todo o mundo. Além disso, diversos movimentos estão representa-dos por seus artistas mais importantes. Assim, o modernismo da Escola de Paris está representado em obras de Fernand Léger e de Georges Braque, como a
nos-sa antropofagia está presente com obras de Anita Malfatti e Tarsila do Amaral. O abstracionismo encontra-se muito bem representado na coleção, em diferentes correntes e tendências. Kandinsky é um dos principais destaques, juntamente
com Francis Picabia, Fernand Léger, Alexander Calder, Alberto Magnelli, Hans Hartung e Barbara Hepworth, apenas para citar alguns movimentos importantes presentes no acervo.
Com um acervo avaliado em mais de US$ 350.000.000,00, o Museu de Arte Contemporânea passou a maior parte de sua existência sem condições decentes de oferecer e exibir seu acervo à visitação. Durante décadas a Universi-dade de São Paulo dedicou uma verba orçamentária ínima à manutenção e gestão do MAC. Nem a iniciativa pri-vada se sentia estimulada a patrocinar o museu, em vista da estrutura rígida e fechada adotada pelos docentes da universidade.
Nova sede em 2009
Nos anos 70 e 80, quando o MAC estava provisoriamente instalado no prédio da Fundação Bienal, os quadros estiveram sob risco de incêndio, gotei-ras e oscilações de temperatura. Apesar do descaso, no entanto, a coleção per-maneceu intacta.
Em 1992 o MAC ganhou sua sede de-initiva na cidade universitária da USP. Recentemente o MAC foi reformado e inalmente o prédio recebeu ilumi-nação apropriada, ar-condicionado e sistema de segurança adequado. Não obstante a reforma, a área de seu espa-ço de exposições comporta pouco mais de 500 obras – cerca de 5% do acervo. Os grandes museus costumam ter em exposição permanente pelo menos 20% do total de suas obras. Outro fator pro-blemático é a localização do museu no campus da USP, o que o torna pouco acessível ao público em geral: é de di-fícil acesso, sem as linhas regulares de transporte coletivo.
Em julho de 2007 o governador José Serra assinou o decreto que determina a mudança de endereço do MAC, ofe-recendo infra-estrutura mais adequada e maior visibilidade de seu acervo ao público. A previsão é que em 2009 o museu ocupe as instalações da antiga sede administrativa do DETRAN, no prédio projetado por Oscar Niemeyer, na Avenida 23 de Maio. O público es-pera ansiosamente por 2009 para po-der conhecer tão rico acervo instalado apropriadamente nas dependências do novo MAC.