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Uma análise funcional da modalidade epistêmica

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Academic year: 2017

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UMA ANÁLISE FUNCIONAL DA

MODALIDADE EPISTÊMICA

1

Marize Mattos DALL'AGLIO-HATTNHERz

RESUMO: Este tr abalho objetiva analisar os mecanismos segm entais de exp r essão da m odalidade e p ist ê m ica , sustentando a h ip ót ese de que o gr au de com p r om etim en to d o falante pode ser avaliado em cor r esp on d ên cia com o n ível da or ga n iza çã o estr utur al da fr ase em que o m odâlizador at u a. PALAVRAS-CHAVE: Modalidade e p ist ê m ica ; gr a m á t ica fu n cion al; estr utur a em camadas.

1 Introdução

O caráter complexo do processo de m odalização t em levado vár ios pesquisa-dores a considerar que somente uma r epr esentação da estr utur a or acional em ca-madas per m itir ia u m tr atamento adequado para essa categor ia qualificacional.

Hengeveld (1988; 1989) e Dik (1989) propuseram uma estr utur a or acional em camadas que vem sendo adotada por vár ios outros funcionalistas, entre eles, Mackenzie (1992) e Nuyts (1993). Segundo Nuyt s, a idéia por trás de tais represen-t a çõe s é basrepresen-tanrepresen-te simples e m uirepresen-t o anrepresen-tiga;

Ela se r eduz à n ot a çã o p(x) usada na lógica e n a filosofia par a in dicar a r elação en tr e u m a p r op osição (x) e u m a postur a pr oposicion al (p). En t r et an t o, u m a vez q u e n a lín gu a n at u r al exist em diversas categor ias qu âlificacion ais que afetam os estados de coisas, que por sua vez apr esentam r elações bastante com plexas ê m ter m os de escopo m ú t u o, de p r e se n ça ou a u s ê n -cia d e suscetibilidad e de com b in a çã o e d e efeitos s e m â n t ico sr as r ep r esen t ações par a a lin gu a

-gem r equer em camadas m ú lt ip las, (p.956)

Para explicar o compor tamento da categoria qualificacional de modalidade, Hengeveld e Dik sugerem uma r epr esentação em camadas da estr utur a da or ação.

1 Es te artigo é uma versão parcial de minha te se de doutoradozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA A manife stação da m odalidade epist êm ica: um e xe rcício de análise nos discurso s do e x-pre side nte Collor, defendida na FCtTUNESP, e m 1995.

2 Departamento de Le tras Ve rnáculas Instituto de Biodiê ncías, Le tras e Ciê ncias Exatas UNESP 15054000

-São Jo s é do Rio Preto - SP.

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Nessa r epr esentação, duas modalidades relacionadas ao conhecimento são apr e-sentadas: a modalidade objetiva epistêm ica e a modalidade ep istem ológica.

Considerando a inter ação entre evidencialidade e modalidade, procuraremos descrever a modalidade do conhecimento de uma maneira menos fr agmentár ia, como uma categoria ún ica revestida de diferentes funções na sit u ação de in ter a-çã o . Desse modo, pretendemos descrever a r elaa-ção entr e o efeito com unicativo de (des)comprometimento do falante, a explicitação ou ocultação da fonte do conheci-mento e o nível de estr utur ação da frase em que se alojam os modalizador es.

Para análise da m anifestação da modalidade em enunciados efetivos, selecio-namos treze discursos do ex-presidente Fernando Collor de Mello, pr oduzidos, em

sua maior ia, dur ante a fase dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA im peachm ent. Na análise dos enunciados

modaliza-dos, procuramos estabelecer r elações entre as camadas de estr utur ação da frase em que os modalizadores atuam seu escopo e sua fu n ção. Para t an t o, uma rápida expo-sição do modelo de descr ição da estr utur a frasal em camadas faz-se n ecessár ia.

2 A e strutura frasal em camadas e as modalidade s

3

A r epr esentação em camadas da estr utur a da or ação pr oposta por Hengeveld e Dik considera que todo enunciado pode ser analisado em dois n íveis: o r epr esen-tacional e o inter pessoal. No nível r epr esenesen-tacional, u m estado de coisas é descr ito de maneira t a l que o receptor seja capaz de entender a que situação r eal ou hip oté-t ica se faz r efer ência. Nu m nível inoté-ter pessoal, essa sioté-tuação é apresenoté-tada de m a-neir a t a l que o receptor seja capaz de reconhecer a in ten ção com unicativa do fa-lante. Dessa for ma, o nível representacional diz respeito ao evento narrado e o nível inter pessoal, ao evento da fala.

Nessa análise da frase, por tanto, uma pr edicação preenche duas fu n ções dife-r entes. Ela designa u m estado de coisas n u m nível dife-r epdife-r esentacional e dife-repdife-resenta o conteúdo de u m ato de fala n u m nível inter pessoal. Para distin guir esses dois usos da p r ed icação, Hengeveld usa o ter mo predicação para se referir à pr im eir a das

fu n ções e o ter mo proposição par a se referir à segunda fu n ção. A distin ção entr e

essas fun ções ser á bastante útil para a identificação das modalidades, conforme ver emos.

A constr ução de uma estr utur a frasal requer, antes de t u d o, u m predicado

que se aplique a u m certo número de term os, resultando num a predicação. Os pr

e-dicados designam propriedades ou r elações, os termos in d icam as entidades e as p r ed icações designam u m conjunto de estado de coisas (EC). Um EC é algo que pode ocorrer em algum mundo r eal ou imaginár io e, como t a l, pode ser localizado

3 Par te dessa d is cu s s ã o dos modelos funcionalistas de est r u t u r a fr asal de Hen geveld e Dik foi apr esentada sob for m a de co m u n ica çã o or al n o XLIII Sem in ár io do GEL, Ribeir ão Pr eto - SP, em m aio de 1995.

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no tem po e no e sp a ço, pode durar algum tem po e pode ser vist o, ouvido o u mesmo per cebido. As esp ecificações dos ECs, que são realizadas gr am aticalm ente, são chamadas de operadoreszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA {n) de nível 2 e as esp ecificações adicionais lexicalmente

realizadas são chamadas de satélites (a) de nível 2.

Uma p r ed icação pode, ainda, ser constr uída em uma estr utur a de or dem m ais alta, a proposição, que designa u m "conteúdo pr oposicional" ou u m "fato p ossível".

As pr oposições podem ser m otivo de surpresa ou dúvida, podem ser mencionadas ou negadas, rejeitadas e lembradas e podem ser consideradas verdadeiras o u fal-sas. As pr oposições podem , ainda, ser especificadas por operadores e satélites de n ível 3. Finalmente, a pr oposição r evestida de for ça ilocucionár ia con st it u i a clá u

-sula, que corresponde a u m ato de fala especificado pela pr oposição e pelos oper

a-dores e satélites de nível 4.

A cada nível de unidade estr utur al corresponde u m difer ente t ip o de unidade lin gü íst ica. Consideradas como var iáveis, essas unidades lin güísticas se r epr esent a m por diferenesentes sím bolos, conforme o nível esesentr uesentur al a que correspondem. As -sim , a r epr esentação de u m enunciado -simples con tém quatr o var iáveis difer entes, r esultando em expr essões que se referem a diferentes tipos de entidades, como se pode observar no Quadro 1 , adaptado de Hengeveld (1989, p.130):

Quadro 1 - As camadas da estr utur a frasal

F u n ç ã o Ní v e l Un id a d e

e s t r u t u r a l Re fe r ê n cia Va r iá v e l

In t e r p e s s o a l 4 cláu su la ato de fala E

In t e r p e s s o a l cláu su la ato de fala

3 p r op osição fato p ossível X

Re p ie s e n t a cio n a l 2 p r e d ica çã o estado de coisas e

1 pr edicado pr opr iedade/ r elação X

A r epr esentação de u m enunciado, segundo esse modelo, é feita da seguinte maneir a:

( Ei : [ILL (S) (A) ( Xj : [proposição] (X,))] (E,))

(ej: [Predfl (jc1)(xa)...(x11)] (e,))

O nível mais alto está estr utur ado com base em u m esquema ilocucionár io que especifica as r elações entr e u m falante (S), u m ouvin te (A) e a mensagem co-m unicada ou con teúdo (X). O nível co-mais baixo é estr utur ado coco-m base eco-m u co-m es-quema de pr edicado que especifica uma propriedade de u m indivíduo ou um a r ela-çã o entr e vár ios indivíduos (x). A par tir do n ível mais exter no, este esquema in d ica

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que, dentr o de u m ato de fala (E), u m conteúdo pr oposicional (X) é comunicado, fa-zendo-se, dentr o dele, referência a u m estado de coisas (e) do qual p ar t icip am a l-guns indivíduos (x).

O modelo de or ganização estr utur al da frase foi pr oposto por Hengeveld para dar conta de toda uma gama de fatos gr amaticais. Assim , nessa estr utur a r epr esen-tacion al do enunciado em camadas, a modalidade é apenas uma das categorias qualificacionais que afetam o EC.

Ad m it in d o, como tantos outr os, que "as diferentes distinções sem ân t icas ge-r almente classificadas sob o nome de 'modalidade' não page-recem ge-repge-resentage-r uma categor ia sem ân t ica ún ica e coer ente", Hengeveld (1988, p.233) se esquiva de apresentar uma definição ger al para essa Gategoria. Inspirado pelas idéias de Lyons (1977, caps. 15 e 16), Hengeveld estabelece distinções entre dois tipos diferentes de modalidade do conhecimento: objetiva epistêm ica e ep istem ológica.

A modalidadezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA objetiva epistêm ica foi definida como "todos aqueles meios

lingüísticos pelos quais o falante pode avaliar a realidade de u m EC em ter mos de seu conhecimento dos ECs p ossíveis" (Hengeveld, 1988, p.233).

A modalidade epistem ológica foi definida como "todos aqueles meios lin

güísti-cos pelos quais o falante pode expressar seu compr ometimento em r elação à verdade da pr oposição" (p.233). Considerando que o gr au de compr ometimento do falante com r elação à verdade do conteúdo da pr edicação que ele apresenta par a ser considerado está dir etamente relacionado à or igem da infor mação contida na p r ed i-ca çã o, Hengeveld subd ivid iu a modalidade epistem ológii-ca em subjetiva (epistêmica

ou boulomaica) e evidenciai (infer encial, citativa ou exper iencial).

A difer ença b ásica entre modalidade subjetiva e modalidade objetiva reside no fato de a or igem de uma pr oposição modalizada subjetivamente não poder ser questionada, uma vez que, ao modalizar subjetivamente uma pr oposição, o falan-te revela-se como a fonfalan-te da infor mação e tam bém como aquele que apresenta u m julgamento sobre a infor mação contida nessa p r ed icação.

Na modalidade subjetiva epistêm ica, o evento é u m constr uto (pensamento,

cr en ça, fantasia) do próprio falante, que é a fonte da infor m ação. Na modalidade

evidenciai, o falante, embora faça u m julgamento sobre a infor mação contida na

pr oposição, pode não se apresentar como a fonte dessa infor m ação. Assim , na m o-dalidade infer encial, o evento é caracterizado como infer ido de uma evid ên cia; na modalidade citativa, o evento é relatado de uma outr a fonte; e, na modalidade expe-r iencial, o evento é caexpe-racteexpe-rizado como expeexpe-rienciado poexpe-r uma fonte.

Lembr ando que o nível interpessoal está relacionado àqueles meios lin güísticos usados pelo falante para evocar u m certo efeito comunicativo no ouvinte e que o nível r epr esentacional está relacionado com aqueles meios lingüísticos usados pelo falante par a fornecer ao ouvinte a descr ição de u m EC, parece-nos indiscutível que, dentr o do quadro das modalidades estabelecido por Hengeveld, a modalidade objetiva ep istêm ica se aloje no nível da pr edicação e a modalidade ep istem ológica, no nível da pr oposição.

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O Quadro 2 resume a tipologia das modalidades do conhecimento apr esenta-da por Hengeveld.

Quadro 2 - As modalidades do conhecimento

Mo dalidade Fu n ç ã o Ní v e l Ex p re s s ã o

Objetiva e pistê mica

Avaliar a realidade de um

estado de coisas Pre dicação

Predicados encaixadores e

operadores

Episte mológica

Expre ssar o

comprometimento do falante com relação à verdade da

proposição

Proposição Predicados encaixadores, operadores e satélites

3 Modalidade e pistê mica e e vide ncialidade

Na tipologia das modalidades proposta por Hengeveld, obserse que os va-lores modais relacionados ao eixo do conhecimento são identificados como duas modalidades difer entes, segundo o nível de estr utur ação da frase em que se inse-r em e segundo a fun ção que desempenham. Painse-ra a identificação dessas m odalida-des, além da fun ção e do nível de estr utur ação da sen t en ça, u m outr o critério é considerado: a fonte da infor mação com base na qual o falante faz sua avaliação.

A con sider ação da m odalização como uma qualificação objetiva ou subjetiva, pr oposta por Lyons (1977), foi retomada por Hengeveld, mas a classificação r esul-tan te ainda é pr oblem ática. A modalidade epistêm ica objetiva foi caracterizada em ter mos da avaliação que o falante faz do estatuto de realidade do EC designado por uma p r ed icação. Para essa avaliação, o falante faz u m cotejo entre o EC designado pela p r ed icação e o conhecimento que ele possui sobre as "situações p ossíveis" ou "estados de m un do" (EM), na den om in ação de Hengeveld. "Se todos os EMs con t i-ver em o EC designado por uma p r ed icação, então o falante ch egar á à con clu são 'cer to' ... Se apenas alguns ECs contiver em o EC que está sendo analisado, então o falante chegar á à conclusão 'possível'" (1988, p.235). Assim , o conhecimento que o fa-lante possui sobre os EMs é o padr ão para sua avaliação.

A modalidade subjetiva epistêm ica foi caracterizada em ter mos do compr o-m etio-m en to do falante coo-m r elação à verdade do conteúdo da p r ed icação que ele apresenta para ser considerado. "Ao modalizar subjetivamente uma p r ed icação, o

falante revela-se como a or igem da infor maçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA e tam bém como aquele que apr

e-senta u m julgamento sobre a infor mação contida nessa p r ed icação."

Que o escopo de cada uma dessas modalidades é difer ente, par ece-nos fora de d úvid a. O próprio Hengeveld se encarrega de propor alguns testes par a mostrar

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essa difer ença. Assim , a modalidade subjetiva, expr essão de atitudes do falante, está localizada fora da pr oposição, r azão pela qual, diz ele, n ão pode ser negada ou questionada. Alé m disso, as sen t en ças modalizadas subjetivamente estão fora do escopo do tem po; embora possam receber uma forma ver bal do passado, essa for ma não faz uma r efer ência tem por al, ela apenas expressa u m gr au menor de com -pr om etim ento por parte do falante.

Hengeveld, entr etanto, pr ocur a atrelar a distin ção entre as modalidades sub-jetiva e obsub-jetiva à classe de palavras que expressa cada uma dessas modalidades, considerando que os advér bios modais sempre dão expr essão à modalidade subje-t iva e os adjesubje-tivos modais, à modalidade objesubje-tiva. Essa mesma opinião foi defen di-da t am bém por Bellert (1977), para quem os advér bios modi-dais qualificam a verdi-dade da pr oposição expressa no enunciado em que eles ocor r em e os adjetivos modais qualificam o estado de coisas referido pelo enunciado, sendo par te da pr oposição expressa pelo enunciado. Lang, em tr abalho de 1979 (apud Nuyt s, 1993), consider a que os adjetivos modais per tencem à pr oposição e fazem r efer ência a u m elemento do mundo (o EC), enquanto os advér bios modais n ão fazem par te do significado pr oposicional mas expressam a atitude do falante em r elação à p r op osição.

Em ar tigo que tr ata exclusivamente dos advér bios e adjetivos ep ist êm icos, Nuyts (1993) pr ocur a demonstrar que, contr ar iamente ao que apregoa a liter atur a sobre o assunto, a escolha que o falante faz entre uma con str ução com adjetivo e uma com advér bio não é deter minada por alguma difer ença na sem ân t ica da q u ali-ficação modal mas sim pela con jun ção de tr ês fatores: funcionalidade discur siva, per for matividade e inter ação entre modalidade e evidencialidade.

Ao discutir a r elação entre modalidade e evidencialidade, Nuyts questiona a distin ção entre modalidade objetiva e modalidade subjetiva estabelecida por Lyons (1977) e Hengeveld (1988). Segundo Nuyts (1993, p.946), todo julgam ento m od al está baseado em uma evidên cia; o que pode variar é a qualidade da evid ên cia que se t e m , mas "sem evidên cia, nenhuma avaliação de u m EC é possível - pode-se, en tão, simplesmente dizer que não se sabe" (p.946).

Nuyts considera, por tanto, que a evidencialidade é uma dim ensão sem ân t ica hier ar quicamente superior à modalidade. Desse modo, a fonte da evidên cia passa a ter im por tância fundamental para a distinção entre modalidade subjetiva e objetiva. Se o falante sugere que apenas ele conhece ou teve acesso à evid ên cia a par tir da qual con clui, ele assume uma responsabilidade estr itamente pessoal par a a qu alifi-ca çã o m odal. Por outro lado, se o falante sugere que a evid ên cia é conhecida ou acessível a u m gr upo de pessoas que chegam todas à mesma con clusão e entr e as quais se in clu i, pr ovavelmente, o ouvinte, ele assume uma responsabilidade p a r t i-lhada com todos aqueles que tiver am acesso à evidência a par tir da qu al se estabe-leceu a con clu são. Para fazer uma distinção entre a sua pr oposta e a con ce p çã o tr adicional de subjetividade e objetividade, que julga "provavelmente errada ou ,

pelo menos, equivocada", Nuyts denomina a pr imeir a qualificaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA subjetiva e, a

segunda, intersubjetiva.

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A pr oposta de Nuyts coloca em questão a r elação entre evidencialidade e m o-dalidade. Duas ten d ên cias podem ser distinguidas na consider ação dessa q u est ão. A pr im eir a, que considera os evidenciais como u m tip o de modalizador ep ist êm ico, pode ser representada pelo tr abalho de Palmer (1986, p.151), para quem o ter m o epistêm ico deveria ser aplicado não só aos sistemas modais que envolvem basica-mente as n oções de possibilidade e necessidade, mas a qualquer sistema m od al que in dique o gr au de compr ometimento do falante com r elação ao que ele fala.

Em par ticular , ele deveria incluir evidenciais, tais como rumorzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA [heaisay] ou r elato [report] ou a evidên cia dos sentidos.

Segundo Palmer, uma das formas de o falante indicar o seu (d escom p r om et i-mento com a verdade da pr oposição é a in d icação das evidências por meio das quais ele fez seu julgam ento. Considerando que as evidên cias estão claramente r e-lacionadas ao conhecimento e à cr en ça dos falantes, Palmer considera insensato negar-lhes o rótulo de ep istêm ico.

A segunda tendência, que considera a qualificação evidenciai como determina-dora da qualificação epistêmica, é representada pelo trabalho de Nuyts discutido ante-r ioante-r mente. Paante-ra esse autoante-r, o fato de as categoante-rias de modalidade epistêmica e eviden-cialidade aparecerem fundidas nos trabalhos de Palmer (1986), Hengeveld (1988; 1989) e outros, representa uma etapa já distante, uma vez que essas categorias constituem duas dim ensões sem ân ticas difer entes: i) a qualificação epistêm ica ou a avaliação do falante sobre a pr obabilidade de u m EC; e ii) a qualificação evidenciai ou a ava-liação do falante sobre a natureza ou a qualidade da fonte de sua evid ên cia.

No modelo or acional em camadas, assumir essa p osição im p lica definir o es-copo e a or dem hier ár quica dessas qualificações. Se considerarmos, de acordo com Nuyts (1993), a qualificação evidenciai como hier ar quicamente superior à qualifica-çã o m odal, a distin qualifica-ção entre subjetividade e objetividade (ou inter subjetividade) passa a ser discutida dentr o do domínio evidenciai. Desse modo, aponta Nuyt s, se-r ia desnecessáse-r io postulase-r dois tipos difese-rentes de qualificação ep istêm ica, como foi feito em Hengeveld (1988). Parece-nos, entr etanto, que as análises dos enunciados epistemicamente modalizados feitas por Hengeveld e Nuyt s, ainda que de natur e-zas difer entes, não são excludentes.

A avaliação epistêm ica é feita com base no conjunto de conhecimentos e cr en ças que o falante possui. Ocorre, por ém, que esse conjunto de infor m ações (as evidências) pode ou não ser explicitado pelo falante, segundo as suas in t en ções co-m un icativas.

Como aponta Hoff (apud Dendale & Tasm owski, 1994, p .2 ), os evidenciais ou os "meios de justificação" in d icam que tip o de evidên cia está disponível para assegurar a confiabilidade do enunciado no qual eles estão inser idos. Assim , se o falante escolhe indicar a fonte do saber que seu enunciado tr an sm ite, ele oferece a seu inter locutor a possibilidade de avaliar por si próprio a confiabilidade dessa infor m ação. A avaliação da verdade de uma pr oposição ser á feita, en tão, com diferentes graus de ad esão do falante, segundo as diferentes fontes de infor mação

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apresentadas, que podem ser u m r elato de ter ceir os, uma p er cep ção visu al ou auditiva, uma infer ência ou suposição do próprio falante.

O falante t am bém pode optar por n ão indicar o t ip o de evid ên cia de que d isp õe, se o conhecimento subjacente à sua avaliação for de domínio com um ou , p r in cip al-mente, se ele quiser fazer parecer que é u m conhecimento com par tilhado. Dessa for ma, a qualificação epistêm ica incide n ão sobre uma pr oposição, mas sobre u m EC que é considerado certo ou possível, segundo uma avaliação apresentada como independente da cr ença do falante. Entrecruzando todas essas var iáveis, podemos equacionar a avaliação epistêm ica da seguinte for ma:

EVIDENCIALIDADE

Implícita Explícita

Só do falante

Compar-tilhada

MODALIZAÇÃO EPISTÊMICA

Da predicação Da proposição

Ao abrigarmos os dois tipos de modalidade, propostos por Hengeveld, sob u m mesmo rótulo - modalidade epistêm ica - , estamos adm itin do que ambas as moda-lidades representam formas de o falante comprometer-se com a verdade de seu enunciado (ou descomprometer-se dela), assumindo, com r elação à qualificação modal, uma responsabilidade estr itamente pessoal ou par tilhada.

É pr eciso, entr etanto, ver ificar como as combinatór ias entr e evidencialidade e modalidade ep istêm ica são efetuadas na língua e quais os efeitos comunicativos resultantes de cada t ip o. É dessa in vest igação que nos ocuparemos a seguir . Para t an t o, considerem-se, in icialm en te, os seguintes exemplos:

(1) "Adotamos r ecentemente medidas de incentivo à s expor tações quezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA devem trazer

novo impulso ao nosso comér cio exter ior ." (D2)

(2) "Ê possível que, em algum outr o governo, os poderes da Rep ú blica tenham

desfrutado de igu al in depen dên cia e liber dade." (D13)

(3) "Creio que compete pr imor dialmente à livr e in iciat iva - n ão ao Estado - criar

r iqueza e dinamizar a economia," (Dl)

(9)

(4)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA "Tenho certeza de que as difer enças de interesse e p er cep ção ... ser ão tr atadas

de forma constr utiva para benefício m ú t u o." (Dl)

Algum as difer enças b ásicas separam esses enunciados em dois gr upos. No pr imeir o gr upo, a possibilidade de ocor r ência de u m EC é descrita como pr ovável (1) ou possível (2), de acordo com o conhecimento que o falante possui sobre sit u a-ções p ossíveis. Embora se possa considerar a possibilidade de enunciados do t ip o de (1) e (2) serem inter pr etados como a expr essão da avaliação subjetiva do falante, é in egável que esses enunciados estão totalmente despidos de marcas de ju lga-m en to. As esp ecificações disponíveis só podelga-m ser gar antidalga-mente a car acte-r ização do estatuto de acte-realidade de u m EC. O falante, ao enunciaacte-r (1) ou (2), optou por não indicar as evidên cias de que dispunha, apresentando a qualificação "pr o-vável" ou "possível" como independente de sua avaliação. Decorre desse distancia-mento do falante uma maior cr edibilidade para a qualificação m odal, No nível da pr oposição, esses enunciados podem ser assim representados:

(V) Poss Pres e,: [pr edicação]4

(2') Pres e,: Pos s íve lA (e,: [predicação])

A qualificação do EC é expressa por u m operador em (1) e por u m pr edicado adjetivai em (2),

Nos enunciados do segundo gr upo, h á a expr essão do compr ometimento do falante com r elação à verdade do conteúdo que ele apresenta para ser considerado. Ao enunciar (3) ou (4), o falante revela que assume seu enunciado, r esponsabilizandose pelo que diz. Diante do que se colocou nos enunciados, a ún ica i n -ter pr etação possível é a de que eles expressam u m julgamento do falante. No nível da p r ed icação, esses enunciados (3) e (4) podem ser assim representados:

(3') Pres [Crer (xi: p l ) (Xj: [proposição])] (4') Pres [Ter certeza (xi: p l ) (Xj: [proposição])]

Nesses dois exemplos, a qualificação modal é expressa por pr edicados ver -bais que t êm como complemento uma pr oposição.

Os diferentes efeitos comunicativos dos enunciados de (1) a (4) não podem ser atr ibuídos apenas ao nível da or ganização estr utur al em que se aloja o m od ali-zador e ao seu con seqüen te escopo. A m odalização de u m enunciado é r esultante da con ju gação de uma sér ie de fatores, dificilm ente d issociáveis, que vão desde a natureza do próprio it em modalizador até a estr utur a sin tática, que engloba, por exemplo, a unipessoalização ou a voz passiva. Sendo assim, optamos por apresen-tar a descr ição dos enunciados epistemieamente modalizados presentes no corpus

em duas etapas de complexidade crescente. Na pr imeir a etapa, limitar -nos-emos a

4 A representação completa da estrutura frasal em camadas, segundo He nge ve ld (1988), já foi apresentada à página 151. Objetivando apenas situar a modalidade e pistê mica ne s s a e strutura, optamos por uma representação simplificada, s ó apresentando as camadas que e stão no e scopo da modalização. Alé m disso, adotamos a proposta notacional de Dik (1989, p.262), que e xclui a re pe tição da variável e spe cificada ao final de cada camada.

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descrever as formas de expr essão da modalidade epistêm ica que ocorreram nos dois níveis de estr utur ação da frase: a p r edicação e a pr oposição. Na segunda, p r o-curaremos relacionar o efeito comunicativo de (des)comprometimento do falante às r elações estr utur ais que se estabelecem nesses enunciados.

4 A manife stação da modalidade e pistê mica:

um e xe rcício de análise

Para analisar a m an ifestação da modalidade ep istêm ica em enunciados efet i-vos, selecionamos treze discursos do ex-presidente Collor, a saber:

15.3.1992 - Discurso de posse (Dl)

14.3.1992 - Discurso em com em or ação aos dois anos de governo (D2) 26.5.1992 - Primeira m anifestação após d en ún cias de Pedro Collor (D3) 27.5.1992 - Segunda m anifestação após den ún cias de Pedro Collor (D4)

1.7.1992 - Terceira m anifestação após d en ún cias de Pedro Collor (D5) 10.7.1992 - Discurso sobre r en egociação da dívida com bancos credores (D6) 17.7.1992 - Discurso sobre reforma fiscal (D7)

6.8.1992 - Discurso pr ofer ido na posse dos novos m inistr os (D8) 21.8.1992 - Discurso sobre a liberdade de impr ensa (D9)

31.8.1992 - Discurso sobre a CPI (DIO)

3.10.1992 - Última m anifestação como pr esidente ( Dll) 22.12.1992 - Exp licações sobre a tr oca de advogados (D 12) 31.12.1992 - Discurso da r enúncia (D13)

Esses textos for am separados em dois subgr upos. O maior deles é composto

pelos discursos pr oduzidos durante a fase dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA im peachm ent (maio a dezembro de

1992), em que o pr esidente se pr onuncia sob for te coação m or al. Como contr apon-t o aos onze discursos que com põem esse subgr upo, selecionamos o discur so de posse (Dl) e o discurso feito na com em or ação dos dois anos de governo Collor (D2), textos em que a imagem do pr esidente não está sendo a m e a ça d a .

4.1 Formas de expressão da modalidade epistêmica

4 .1 .2zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA No nível da predicação

a) A avaliação que o falante faz da realidade do estado de coisas, descr ito pela p r ed icação, é expressa por meios gr amaticais (operadores de p r ed icação):

(5) "Adotamos r ecentemente medidas de incentivo às expor tações que devem trazer novo impulso ao nosso comér cio exter no." (D2)

(6) "tarefa que já foi in iciada, mas que só poder á ser levada a bom ter m o com a par ticipação da classe p olítica." (D2)

b) A avaliação que o falante faz da realidade do estado de coisas, descr ito pela p r ed icação, é expressa por meios lexicais (predicados adjetivais):

(11)

(7) "É possível que, em algum outr o governo, os poderes da Rep ública t en ham desfrutado de igu al in depen dên cia e liber dade." (D13)

(8) "Certo é, por ém , que a vir tude r epublicana, o espírito de cidadania, pr essupõe deter minado clima m or al." (Dl)

4.1.2zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA No nível da proposição

a) O compr ometimento do falante com r elação à verdade da pr oposição é ex-presso por meio de satélites de p r ed icação:

(9) "A inflação nos desorganiza e nos desmoraliza. Ela é, sabidamente, o im posto mais cr u el." (Dl)

(10) "De fato, o dinamismo das novas configur ações econ ôm icas convive ainda com a misér ia e a e st a gn a çã o." (Dl)

b) O compr ometimento do falante com r elação à verdade da pr oposição é ex-presso por meio de predicados encaixadores verbais ( l i e 12), adjetivais (13 e 14) e nominais (15 e 16):

(11) "Creio fir memente, Senhores Senadores e Senhores Deputados, que a dignidade do Governo im p lica essencialmente u m sólido respeito pelos dois outros Poderes da Rep ú b lica." (Dl)

(12) "Sei que não se deixar ão in tim idar pelas m an ifestações organizadas, pelos que pensando servir, desservem ao p a ís ." (DIO)

(13) "Estou cer to, m inistr o Eraldo Tinoco, de que estar á à altur a do grande desafio que t e m pela fr en te." (D8)

(14) "Estou absolutamente seguro de que estamos no r umo cer to." (D4)

(15) "Daí a con vicção de que a economia de mercado é for ma comprovadamente superior de ger ação de r iqueza." (Dl)

(16) "Daí a certeza de que, no plano inter nacional, são as economias abertas as mais eficientes e com petitivas." (Dl)

Todas essas possibilidades podem ser assim esquematizadas:

Quadro 3 - Formas de expr essão da modalidade epistêm ica

Fu n ç ã o Ní v e l Tip o Ex p re s s ã o

Expre ssar o estatuto

de realidade de um estado de coisas

Predicação OperadoreszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 712 Auxiliare s modais Expre ssar o estatuto

de realidade de um estado de coisas

Predicação

Predicados

encaixadores

Adjetivos

Expre ssar o compro-metimento do falante

com relação à verdade

da proposição

Proposição

Predicados encaixadores

Adjetivos Expre ssar o

compro-metimento do falante

com relação à verdade

da proposição

Proposição

Predicados encaixadores

Verbos Expre ssar o

compro-metimento do falante

com relação à verdade

da proposição

Proposição

Predicados encaixadores

Nomes Expre ssar o

compro-metimento do falante

com relação à verdade

da proposição

Proposição

Satélites 03 Advérbios

(12)

Comparando-se as formas de expr essão encontradas nozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA corpus com as for

-mas de expr essão previstas pelo modelo de Hengeveld (ver Quadro 2), observa-se que, em p or tuguês, assim como em in glês e espanhol, não ocorre a qualificação da pr oposição por meio de operadores r c3. Parece-nos, entr etanto, que poucas são as lín guas que adm item essa possibilidade. Os únicos exemplos de qualificação m od al da pr oposição feita por meios gr amaticais, que encontramos na bibliogr afia consul-tada, per tencem às línguas hidatsa e tur co (Hengeveld, 1988).

Outro dado que merece discussão é a ocor r ência de pr edicados adjetivais par a expressar tanto a qualificação modal da pr edicação quanto a da p r op osição. A natureza desses adjetivos, entr etanto, é difer ente em cada u m desses empregos. Enquanto os adjetivos que qualificam a pr edicação são sempre avalentes, os ad jet i-vos que qualificam a pr oposição são valenciais, constr uindo-se com u m ar gumento sujeito, fr eqüentemente de pr imeir a pessoa, e u m ar gumento pr oposicional. Obser-va-se, por ém, que uma mesma forma adjetiva pode ser modalizadora da p r ed icação ou da pr oposição, como em (21) e (22), r espectivamente:

(21) "É cer to que a inflação caiu ."

(22) "Estou cer to, m inistr o Eraldo Tinoco, de que estar á à altur a do grande desafio que t e m pela fr ente." (D8)

Num a pr imeir a leitur a, poder íamos pensar que o deter minador da difer ença na qualificação modal entre esses exemplos fosse o uso da forma impessoal em (21) e da pr im eir a pessoa em (22). Obviamente, o uso da pr imeir a pessoa deixa clara a natur eza subjetiva da qualificação ep istêm ica, isto é, evidencia que é o falante quem julga como verdadeira a pr oposição. No entanto, é preciso atentar par a a d i -fer ença de sentido que o adjetivo adquir e nas duas con str uções. Enquanto em (21)

certo é u m adjetivo avalente, correspondendo a infalível, em (22) ele é u m adjetivo

at it u d in al valencial, correspondendo a convicto, adjetivo que se constr ói com u m

ar gumento sujeito de pr imeir a pessoa e u m argumento pr oposicional. Observe-se que t am bém os predicados nominais, que expressam a modalidade ep ist êm ica p r o-posicional, são valenciais. Convicção, certeza e dúvida são valores que im p licam

necessariamente u m julgamento de verdade (julgam a verdade da pr oposição), daí a impossibilidade de se aplicar em a ECs.

Vejamos, en t ão, como as formas de expr essão e os níveis de or gan ização da estr utur a fr asal, descritos aqui, se r elacionam com os diferentes graus de com pr o-m etio-m ento do falante que a o-modalidade epistêo-m ica expressa.

4.2 O (des)comprometimento do falante

Considerando-se as diferentes camadas da or ganização estr utur al da frase, identificam os, em 4 .1 , duas instâncias da modalidade epistêm ica, segundo elas t e -n ham por escopo:

(13)

i) um a p r ed icação na sua fun ção r epr esentacional: o falante se u t iliza de meios lin güíst icos par a fornecer ao ouvinte uma descr ição de u m EC, avaliando o estatuto de realidade desse EC. A p r ed icação apenas d á a descr ição de um a sit u ação exter na a que o falante faz r efer ência como cer ta, pr ovável ou p ossível;

ii) uma pr oposição em sua fun ção inter pessoal: o falante se u t iliza de meios lin güísticos par a expressar sua atitude com r elação ao seu ato de fala.

Desse m odo, ao situar a qualificação epistêm ica no nível da p r ed icação, o falante se fur ta à responsabilidade sobre o valor de verdade de seu enunciado. In ver -samente, ao situar a qualificação epistêm ica n o nível da p r op osição, o falante assu-m e, coassu-m diferentes gr aus de ad esão, seu enunciado.

Observa-se, entr etanto, que mesmo dentr o de u m ú n ico nível de estr utur ação da frase, os efeitos comunicativos podem ser bastante difer entes. Definindo o eixo ep istêm ico como u mzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA continuum entre o certo e o possível, verifica-se que a lín gu a

dispõe de meios para expressar uma gr adação bastante su t il entre esses extr emos. A variedade de formas para expressar u m mesmo valor t am b ém dificulta o estabe-lecimento de graus nítidos dentr o do eixo da possibilidade.

Sendo assim, separamos as ocor r ências dos modalizadores epistêm icos em dois grandes gr upos, segundo o efeito de sentido obtido com seu emprego seja um a in d icação de certeza ou de possibilidade. A passagem de u m gr upo a outr o é feita, entr etanto, sem r up tur a. Entr e o certo e o possível, a ad esão do falante var ia num a pr ogr essão con tín ua.

Considerando os níveis de or gan ização estr utur al da fr ase, podemos

equacionar o entr ecr uzamento dos valores modais de certeza e possibilidade com o com -pr om etim ento do falante da seguinte maneir a:

p É certo que a inflação. É possível que a inflação tenha

R

É certo que a inflação.

caído.

E

CERTO POSSÍVEL

P <

R 0

Tenho certeza de que a inflação caiu. x , Acho que a inflação caiu. COMPROMETIMENTO

DO FALANTE

Segundo o esquema acima, os enunciados modalizados difer enciam-se, no sentido hor izon tal, pela expr essão de graus opostos n o eixo ep ist êm ico. No sentido ver t ical, esses enunciados se op õem funcionalmente: nos dois quadrantes super io-r es, expio-ressam a avaliação de u m EC como ceio-r to ou p ossível e, nos dois quadio-r

(14)

tes infer ior es, expressam a avaliação que o falante faz sobre a verdade de um a p r o-p osição. Con seqü en t em en t e, o eixo ver tical reo-presenta, n um movimento crescente de cima para baixo, o compr ometimento do falante.

Sem desconsiderar os diversos graus de certeza e possibilidade que o eixo epistêm ico abarca, chamaremos os modalizadores que ocor r em nos quadr antes do lado esquerdo do eixo ver tical de "modalizadores do cer to" e, aqueles que ocor r em do lado dir eito, de "modalizadores do p ossível".

Considerando-se, en tão, as formas de expr essão da modalidade descritas no it em 4 .1 e resumidas no Quadro 3, for am levantadas todas as in d icações de possi-bilidade e certeza presentes no cor pus, conforme demonstra a Tabela 1 :

Tabela 1 - Ocor r ência dos modalizadores por discurso

D l D2 D3 D4 D5 D6 D7 D8 D9 DIO D i l D12 D13 Total

Ce rte zas 19

-

-

2 3 1 1 2 3 2 1

-

4 38

Possibilidades 9 8 2 1 3 3 1 1 1 12

-

1 4 46

Total 28 8 2 3 6 4 2 3 4 14 1 1 8 84

Voltar emos a esses númer os depois de analisar, em separado, as duas gr an -des classes de modalizadores epistêm icos aqui identificadas.

4.2.1 A m odalidade do certo

As in d icações de que o falante avalia como verdadeiro o conteúdo do

enuncia-do que pr oduz são bastante fr eqüentes em toenuncia-do ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA corpus, correspondendo a 45%

do t ot al de ocor r ências (ver Tabela 1). Observa-se, entr etanto, que n ão h á um a ú n i-ca ocor r ência em que a expr essão de certeza do enunciador in cida sobre uma pr e-d ica çã o:

Tabela 2 - Modalizadores do certo

D l D2 D3 D4 D5 D6 D7 D8 D9 DIO D i l D12 D13 Total

Pre dicação

Proposição 19 2 3 1 1 2 3 2 1 4 38

Total 19 2 3 1 1 2 3 2 1 4 38

Sempre tendo por escopo uma pr oposição, a m odalização do certo foi feit a,

basicamente, de duas maneiras:

i) por u m pr edicador adjetivo ou n om in al indicador de certeza:

(15)

(23) "Tenho certeza de que as difer enças de interesse e p er cep ção ... serão tr atadas de forma constr utiva para benefício m ú t u o." (Dl)

(24) "Estamos certos de que, por esse caminho ... com eçar em os a resgatar a imensa dívida que o Br asil ainda t em para com grande par te de sua gente." (D8)

ii) por u m predicador ver bal ou nom inal indicador de u m saber:

(25) "Sabemos que contamos para isso não só com a com pr eensão mas com o pleno apoio das lider anças sindicais esclarecidas deste p a ís ." (Dl)

(26) "tenho con sciên cia de que aqui t am bém im põe-se a estabilização financeir a." (Dl)

Embora todos esses enunciados in diquem u m for te compr ometimento do fa-lante com r elação à verdade da pr oposição, observa-se que esse compr ometimento é expresso em graus bastante difer entes. Como já apontamos em 4 .1 , ao indicar as evidências subjacentes à qualificação epistêm ica, o falante per mite que o inter locu-tor avalie, por ele próprio, a confiabilidade do enunciado. Assim , os enunciados construídos em pr imeir a pessoa do singular indicam u m forte compr ometimento do falante, uma vez que ele apresenta, como evidência para a qualificação ep ist êm ica, uma infer ência pessoal. Comparem-se, agora, os seguintes pares de ocor r ências:

(27) "Estamos certos de que ... com eçar em os a resgatar a imensa dívida que o Br asil ainda t em para com grande par te de sua gente." (D8)

(28) "Estou certo de que as lider anças políticas compr eender ão as r azões que me levar am a tomar essa in iciat iva." (DIO)

(29) "tenho con sciên cia de que aqui t am bém im p õe-se a estabilização financeir a." (Dl)

(30) "Temos con sciên cia plena do peso desses estados, de suas sem elh an ças conosco." (Dl)

Ao utilizar a pr imeir a pessoa do plur al, Collor busca um a divisão de r espon-sabilidades, apresentando sua certeza e seu saber como compar tilhados. Assim , o

uso de eu e nós se alterna ao longo dos discursos: eu, para o poder ;zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA nós, para o

tr abalho, para a divisão de responsabilidades. Observase ainda que em Dl , discur -so em que ocorre o maior númer o de in dicações da certeza do falante, das 19 ocorr ências de modalizadoocorres do ceocorr to, dez são constocorr uídas em pocorr imeiocorr a pessoa do sin -gular e apenas duas, em pr imeir a pessoa do plur al.

Nas constr uções com predicadores nominais, observou-se u m interessante jogo de ocultação da evidencialidade. Já indicamos em 4.2 que as formas nominais modalizadoras são sempre valenciais, pressupondo, por tanto, a existên cia de u m ar gumento que faz o julgamento expresso pela pr oposição. Para mascarar o fato de que é seu o julgamento que está sendo expresso, Collor om ite a in d icação do possessivo. Desse modo, a r ecuper ação da pr imeir a pessoa só pode ser feita pelas for -mas verbais que antecedem o predicador m od al:

(16)

(31)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA "Entendo assim o Estado, n ão como pr odutor , mas como pr omotor do bem-estar

coletivo. Daí a convicção de que a economia de mercado é for ma compr

ovada-mente superior de ger ação de r iqueza, de desenvolvimento intensivo e susten-t ad o. Daí a certeza de que, no plano inter nacional, são as economias abertas as

mais eficientes e com petitivas." (Dl)

Embor a pouco fr eqüente, a m odalização por meio de locu ções adverbiais é um a outr a for ma utilizada por Collor par a expressar sua certeza, sem explicitar que ela é decorrente de uma infer ência pessoal:

(32) De fato, o dinamismo das novas configur ações econ ôm icas convive ainda com

a misér ia e a e st a gn a çã o." (Dl)

(33) "Um dos maiores obstáculos a isso é sem dúvida o ser viço da dívida nos níveis

em que se encontr a." (Dl)

4.2.2 A m odalidade do possível

Os modalizadores do possível in d icam uma ten tativa do enunciador de d im i-n uir sua respoi-nsabilidade pelo que é d it o. Quai-ndo ii-n cid em sobre uma p r ed icação, in d icam u m duplo distanciamento do enunciador que, além de descrever u m EC como possível, ainda apresenta essa qualificação como independente de sua avalia-çã o. É exatamente nessa situaavalia-ção que ocorrem 72,3% das expr essões de p ossibili-dade encontradas no corpus (ver Tabela 3), feitas por meio de auxiliares modais (31

ocor r ências) e por meio do pr edicador adjetivo possível (duas ocor r ências).

Tabela 3 - Modalizadores do possível

D l D2 D3 D4 D5 D6 D7 D8 D9 DIO D i l D12 D13 Total

Pre dicação 3 7 1 1 2 3 1 1 1 10

--

3 33

Proposição 6 1 1

-

1

-

-

-

-

2 1 1 13

Total 9 8 2 1 3 3 1 1 1 12 - 1 4 46

O ver bo dever, como indicador de pr obabilidade, é o auxiliar mais

emprega-do, combinado com outros modalizadores ou isoladamente:

(34) "A r enovação da equipe m inister ial deve assegurar uma r elação ainda mais fluida

e equilibr ada com o Congresso Nacional." (D2)

(35) "A conquista de cr edibilidade inter nacional deverá colocar-nos entre as nações

que estão definindo os novos par âmetr os de desenvolvimento, que nos deverão guiar no Terceiro Milên io." (D2)

O ver bo poder, embora m uito fr eqüente como modalizador d eôn tico, t e m

em-pr ego r estr ito como indicador de possibilidade, ocorrendo apenas onze vezes:

(17)

(36) "Hoje, qualquer u mzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA pode ser vítima desta irregularidade porque n ão é p ossível

a todos n ós conhecer a natureza espúria de u m cheque." (DIO)

(37) "Na pr imeir a [hipótese, os bancos credores] poderão preferir ter nossa dívida a

jur os de mer cado." (D6)

Com r elação ao emprego desses auxiliar es, não se pode deixar de analisar o valor modal da categoria gr amatical de tem p o. Observe-se, por exemplo, o efeito intensificador que o tempo futur o exerce sobre a n oção de possibilidade expressa pelos verbos dever e poder:

(38) "A conquista de cr edibilidade inter nacional deverá colocar-nos entre as n ações

que estão definindo os novos parâmetros de desenvolvimento, que nos dever ão guiar no Terceiro Milên io." (D2)

(39) "Você , tr abalhador , poderá estarse per guntando, neste m om ento, qual a im por

-t ân cia dessa no-tícia que es-tou dando, qual o efei-to que u m acordo -tão difícil e t écn ico, aparentemente distante, pode ter sobre sua vida no dia-a-dia." (D6)

Como aponta Coroa (1985, p.59), os usos modais das formas de futur o "jogam com a vir tualidade iner ente ao vir -a-ser , com a idéia de possível natur al ao próprio fu t u r o". Daí a dificuldade de classificálas como tempo do in dicativo ou como for -ma com valor m od a l.5 Para Mir a Mateus et a l. (1983, p.121), tanto o presente do i n -dicativo quanto o futur o do presente podem ser selecionados pelo falante para ex-pr im ir estados de coisas futur os: o ex-presente é selecionado quando o falante avalia a ocorrência do estado de coisas como altamente pr ovável e o futur o do pr esente, quando ele avalia que a ocor r ência é apenas possível. Op osição maior separa os valores expressos pelo futur o do presente e o futur o do pr etér ito. Utilizado para dar uma infor mação que o falante não assume como sua e para indicar pr obabilidade ou hip ótese, o futur o do pretérito t em , muitas vezes, o seu valor tem por al anulado em favor de u m valor m odal. É o que acontece, por exemplo, em (40) e (41):

(40) "O Presidente da República tem como r esidências oficiais o Palácio da Alvor ada e a Granja do Tor to. Poderia estar morando n u m desses en der eços, com todas

as despesas pagas." (DIO)

(41) "Pensem bem : se eu quisesse morar de gr aça, com tudo pago, estaria mor ando no Palácio da Alvor ada." (D5)

Neste tr abalho, limitamos a análise do valor modal das categorias de modo e tempo apenas aos enunciados em que essas categorias co-ocor r em com itens léxi-cos modalizadores. Assim , não foram analisados os enunciados modalizados un ica-mente pelo modo ou pelo tempo ver bal, como em (41). Entr etanto, r egistr amos que o maior númer o de verbos não modais, flexionados no futur o do pr etér ito, ocorre em DIO, discurso em que Collor abandona a atitude de indifer ença e passa a se

de-5 Ve r, a e s s e respeito, Campos & Rodrigues, 1993, p.4 1 4 -2 3 .

(18)

fender das a cu sa çõe s, negando-as ou atenuando-as. Enquanto em DIO o futur o do pretérito é usado nove vezes, em seis outros discursos (D2, D3, D8, D l l , D12 e D13) não h á uma ú n ica ocor r ência desse tem po.

É t am bém em DIO que ocorre o maior número de modalizadores do possível (ver Tabela 3), em sua maior ia modalizadores da p r ed icação. No nível da p r op osi-çã o, as afir mações de Collor são raramente apresentadas como incer tas ou im p r eci-sas. Excluindo-se u m ún ico caso claro de in d icação de dúvida, feita por meio do verbozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA supor, a incer teza do enunciador é sempre expressa pela qualificação do

enunciado como u m julgamento pessoal:

(42) "Penso que a integr ação é passo obrigatório para a m oder nização de nossas

economias." (Dl)

(43) "Responderei ao que creio, sincer amente, sejam profundas in justiças, p r

é-julga-mentos e posturas nitidamente eleitor ais." (DIO)

Entre os verbos que expressam u m julgamento ou opinião, a escolha de Collor r ecai sempre sobre aqueles que in dicam u m forte compr ometimento com o con t eú -do -do enuncia-do que, embora avalia-do como possível, é posto como bem pr óximo da ver dade. Desse modo, Collor não se utiliza de verbos como im aginar ou achar,

que in d icam u m alto gr au de incer teza do enunciador. Como aponta Rosa (1992, p.60), as expr essões verbais de opinião, entr etanto, nem sempre in cluem a in cer te-za do falante sobre o que diz, uma vez que, "do ponto de vista pr agmático-inter acio-n al, a opiacio-nião expressa uma cr eacio-nça ou saber já pr é-coacio-nfigur ado, que coacio-ntr asta com a expr essão de uma d úvid a". Observe-se que em algumas ocor r ências do verbo crer, a pr oposição encaixada é constr uída com o verbo no tempo presente do in d i-cativo, o que reforça a idéia de que o falante considera o conteúdo da pr oposição como pr óximo à verdade. Comparemse, por exemplo, os diferentes efeitos com u -nicativos que o enunciado (42), comentado anter ior mente, e os enunciados (44) e (45) evidenciam, atentando para o papel do modo da pr oposição encaixada:

(44) "Creio que compete pr imor dialmente à livr e in iciat iva - não ao Estado - criar r iqueza e dinamizar a economia." (Dl)

(45) "Creio fir memente, Senhores Senadores e Senhores Deputados, que a dignidade do governo im p lica essencialmente u m sólido respeito pelos dois outros Poderes da Rep ú b lica." (Dl)

A ocor r ência do advér bio intensificador em (45) t am bém con tr ibui par a d im i-nuir o gr au de incerteza evidenciado pelo verbo crer.

Considerando o esquema utilizado para representar o entrecruzamento do compr ometimento do falante com o nível de at u ação do modalizador , podemos d i-zer que os enunciados em que Collor expressa seus julgamentos pessoais estar iam localizados na extrema esquerda dos quadrantes do possível, numa zona de t r an si-ção entre o possível e o cer to.

Voltemos, agora, ao enunciado constr uído com o verbo supor, mencionado

anter ior mente:

(19)

(46) "Não sei o que querem de m im . Suponho que pr etendam, como já fizer am outras vezes em cir cunstâncias semelhantes, mais do que o poder ." (D13)

A ún ica ocor r ência de verbo de opinião que nitidam ente indica incer teza do falante é antecedida pela t am bém ún ica ocor r ência de u m prefaciador de atenua-ção que, nos termos de Rosa (p.82), nega a com p etên cia epistêm ica do enunciador . Observa-se, t am bém , que a incer teza r ecai sobre a atitude de uma ter ceir a pessoa, os congr essistas. Em nenhum momento o enunciador coloca como incer tas suas atitudes.

O uso que Collor faz dos modalizadores parece-nos bastante clar o. Nas in ter a-ções lin güísticas, afirma Koch (1992, p.29), "temos sempre objetivos, fins a serem atin gidos: há r elações que desejamos estabelecer, efeitos que pretendemos causar, compor tamentos que queremos ver desencadeados, isto é, pretendemos atuar so-bre o(s) outro(s) de determinada maneira, obter dele(s) determinadas r eações". Collor, cioso de sua imagem, busca convencer seu inter locutor de que sabe sobre o que está falando. O uso dos modalizadores do certo é par te de seu esfor ço para fazer seus inter locutor es crerem no que está sendo d it o.

Se considerarmos ainda que toda a in d icação de certeza encontr ada nozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA cor-pus é feita no nível da pr oposição, nível em que o compr ometimento do falante é

maior, facilmente se compr eender á o fato de 46,3% do t ot al de modalizadores do certo ocorrerem no discurso de posse ( Dl) , texto que parece ter sido pr oduzido se-gundo a fórmula "eu sei, eu posso, eu fa ço". Na ver dade, não havia r azões para Collor buscar o descompr ometimento.

Observa-se, entr etanto, que o discurso pr ofer ido na com em or ação de dois anos de governo, ainda que pr oduzido n u m momento político de r azoável

estabili-dade, não tr az nenhuma ocor r ência de modalizadores do cer to. Uma leitur a dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA D2 , mesmo super ficial, revela uma or ganização t em át ica do discurso que desfavorece o

aparecimento da modalidade do cer to. Collor organizou seu discurso em dois m ovi-mentos b á sicos: u m relato pretensamente im par cial das conquistas do governo e as pr ojeções para o futur o. Sendo pretensamente im par cial, seu relato adquir e u m valor de verdade a que não serve o uso de modalizadores do cer to; descrevendo ECs com r ealização futur a, suas pr ojeções, obviamente, só adm item modalizadores do possível.

Nos discursos produzidos após as den ún cias de Pedro Collor, t am bém é pos-sível encontrar alguma regularidade no uso dos modalizadores. D3 , D4 e D5 foram pr oduzidos com a mesma intenção de esclarecer a p op u lação. D3 e D4 , entr etanto, for am pr oduzidos imediatamente após a divulgação das d en ú n cias, quando boa par te da população ainda não conhecia completamente o teor das a cu sa çõe s. As-sim , Collor se lim it a a declarar a falsidade dessas acu sações e a listar as ações que deter minou para punir os culpados, entre os quais, cer tamente, ele não se in clu i. Em D5 Collor apresenta uma lista de "fatos" que compr ovar iam sua in ocên cia. Im

(20)

buído do "dever mor al de mostrar a ver dade", Collor se utiliza pr edominantemente de modalizadores deônticos nesses três discursos.

Em D6 e D7, Collor pr ocur a ignorar a crise instaur ada, pr oduzindo discursos que se aproximam de D2, na ar gumentação: após o relato de vitórias recentes, Collor acena com u m futur o promissor. Novamente, os modalizadores do possível são mais fr eqüentes.

D8 e D9 se apr oximam pelo fato de ter em sido pr oduzidos visando às soleni-dades em que ser iam pr ofer idos. Têm , por tanto, uma t em át ica bem definida e se car acter izam pela impessoalidade. Nesse contexto, os modalizadores do cer to são mais fr eqüentes que os modalizadores do possível, embora ocorram em pequeno núm er o.

Em DIO, como já apontamos, h á uma nítida pr edom inância dos modalizadores do possível (85,7%). Comentando cada uma das a cu sa çõe s, Collor inter cala relatos em pr imeir a pessoa com a expr essão de seu julgamento sobre os fatos relatados e sobre as atitudes da CPI. Assim , avalia como possível o compr ometimento decisivo dos destinos do p aís, o fato de qualquer pessoa vir a ser vítima das contas-fantas-mas, o insensato pedido de impedimento do presidente etc. Assim como em D2, a possibilidade de ocor r ência dos ECs é descr ita como independente do julgam ento do falante, ou seja, no nível da p r ed icação.

Finalmente, os discursos D l l , D12 e D13 com põem u m gr upo em que, nova-mente, a ar gum en tação é baseada em modalizadores d eôn ticos, com poucas ocor-r ências de modalizadoocor-res ep istêm icos. Obseocor-rva-se que, entocor-re os poucos modaliza-dores utilizados nesses discursos, a maior par te tr az a certeza de que o enunciador t em de ter sido injustiçado.

Apr esentando todas as ocor r ências de modalizadores, segundo o esquema for mulado à p ágin a 162, obteremos o seguinte r esultado:

0 3 3

CERT O P OSSÍVEL

38

S f

13

COMP ROMETIMENTO

DO FALAN T E

É interessante observar que os usos mais fr eqüentes r epr esentam uma soma-tória de elementos que pr omovem o mesmo efeito de sentido: no nível da p r op osi-çã o , nível em que o compr ometimento do falante é maior , a modalidade mais fr

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quente é a modalidade do cer to, que, por sua vez, t am bém in dica um a maior ade-são do falante; no nível da p r ed icação, nível em que h á u m menor com p r om etimento do falante, a modalidade do possível é a mais fr eqüente, indicando uma d u -pla ten tativa de dim inuição de responsabilidade.

5 Conclusão

Sendo veiculadoras das atitudes do falante com r elação ao que é d it o, as m o-dalidades pedem uma abordagem teór ica que considere a lín gua em uso. Assim , foi com a op ção pelo funcionalismo que buscamos analisar os efeitos com un icati-vos das expr essões modalizadoras epistêm icas na inter ação ver bal.

Para essa análise, consideramos a or ganização sim ultânea da sen t en ça como mensagem e como evento de in ter ação, segundo o modelo de or ganização estr utu-r al da futu-rase putu-r oposto poutu-r Hengeveld (1988; 1989) e Dik (1989). A utilização desse modelo per m itiu-nos identificar diferentes in stân cias da m od alização, bem como as diversas qualificações que atuam em cada uma das camadas da estr utur a fr asal.

Ad m it in d o, como Nuyts (1993), que a modalidade epistêm ica está dentr o do âmbito de in cidên cia da evidencialidade, foi possível descrever a modalidade epis-t êm ica de uma forma menos fr agmenepis-tár ia: a modalidade episepis-têm ica pode ser glo-balmente considerada como a expr essão de uma avaliação feita pelo falante com base no conjunto de conhecimentos e cr en ças que esse falante possui.

Embora seja uma categoria individualizada, a modalidade ep istêm ica se r e-veste de diferentes funções na situação de inter ação. Ao qualificar epistemicamen-te umazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA proposição, o falante não só a avalia como certa ou possível, mas t am bém

se posiciona com r elação a essa avaliação. Nesse caso, é a fun ção interpessoal da

frase que está sendo encar ecida. Ao qualificar epistemicamente u m EC, o falante descreve esse EC como certo ou possível, sem contudo, manifestar sua p osição com r elação a essa avaliação. E, nesse caso, é a fun ção representacional da frase

que está sendo encar ecida.

Essa dupla função da modalidade epistêm ica, entr etanto, não a descar acter i-za como uma categor ia ú n ica . Por essa r azão, assumindo uma p osição contr ár ia à de Hengeveld (1988; 1989), de Dik (1989) e de Palmer (1986), optamos por conside-rar cada uma dessas fun ções como subtipos da modalidade ep istêm ica e n ão como modalidades difer entes.

A existên cia de uma cor r espondência entre o gr au de compr ometimento do

falante e o nível em que atua o modalizador, hipótese centr al deste tr abalho, p ôd e

ser comprovada ao longo do exer cício de análise dos discursos do ex-pr esidente Collor .

Quando situa a qualificação epistêm ica no nível da p r ed icação, o falante des-creve a possibilidade de ocor r ência de u m EC sem a in d icação das evidên cias,

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apresentando a qualificação como independente da sua avaliação. Dessa for ma, não h á nenhuma m anifestação do compr ometimento do falante com a verdade de seu enunciado. Quando situa a qualificação epistêm ica no nível da pr oposição, o falante revela que assume seu enunciado, responsabilizando-se pelo que d iz. Nesse caso, o compr ometimento do falante é expresso em diferentes graus, segundo as diferentes evidên cias apresentadas.

Em resumo, considerando as funções (representacional e interpessoal) da lin -guagem, verificamos que:

i) por meio da m odalização epistêm ica o falante avalia como certa ou possível a realidade de u m EC ou a veracidade de uma pr oposição;

ii) essa avaliação pode ser feita segundo u m conhecimento que só o falante t em ou de u m conhecimento que é comum, ou seja, segundo u m saber que é pessoal ou par tilhado;

iii) segundo as in ten ções comunicativas do falante, ele pode escolher explicitar ou não a fonte do seu saber;

iv) o gr au de compr ometimento do falante pode ser avaliado em cor r espondência com o nível da or ganização estr utur al da frase em que atua o modalizador .

DALL'AGLIO-HATTNHER, M. M. A functional analisys of epistemic modality.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Alfa (Sâo Paulo), v.40, p.151-173, 1996.

• ABSTRACT: The aim of t his essay is t o analyze t he non-prosodic m echanism s used t o express t he

epist em ic m odalit y, proposing t he hypot hesis t hat t he speaker's degree ofzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA commitment can be

assessed in relat ion t o t he level of structural organiz at ion of t he clause in w hich t he m odal elem ent s operat e.

• KEYWORDS: Epist em ic m odalit y; funct ional gram m ar; layered structure.

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Tabela 1 - Ocor r ência dos modalizadores por  discurso
Tabela 3 - Modalizadores do possível

Referências

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