AVALIAÇÃO
DE
PROGRAMAS
DE
DESENVOLVIMENTO
COMUNITÁRIO:
O CASO DO FUNDEC
DISSERTAÇÃO
APRESENTADA
À
ESCOLA BRASILEIRA DE
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
PARA
A
OBTENÇÃO
DO GRAU
DE
MESTRE
EM
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
WALTER
FACÓ
BEZERRA
AVALIAÇÃO
DE
PROGRAMAS
DE
DESENVOLVIMENTO
COMUNITÁRIO:
O CASO DO FUNDEC
DISSERTAÇÃO
DE
MESTRADO
APRESENTADA
POR
WALTER
FACÓ
BEZERRA
E
APROVADA EM: 25.04.1996
PELA
COMISSÃO
EXAMINADORA
FERNANDO
GUILHERME
TENÒRIO
- Mestre
em
Educação
PAULO.REIS VIEJRA - Doutor em Administração Pública - (PliD)
VALERIA
DE
SOUZA
- Meáré
em
Administração
Pública
199606 757
T/EBAP B574a
Muitos me ajudaram na realização deste trabalho. Gostaria de agradecer
especialmente:
Ao Banco do Brasil, pela oportunidade de realização do Curso;
À Fundação
Banco
do
Brasil
e a seus
funcionários
Romano
e Fabrício,
pelo
apoio nas pesquisas documentais;
Aos funcionários da agência do Banco do Brasil em Itaperuna, Ruy Couto, Fábio
Luiz e José Luís, e em Bom Jesus de Itabapoana, Roberto Zanon, Fernando Vale
e Gutemberg, pela valiosa contribuição no desenvolvimento da pesquisa de
campo;
Aos dirigentes da Associação de Moradores de Boaventura e da Associação de
Desenvolvimento Rural e Urbano de Rosai, por terem me ajudado a desenhar as
linhas básicas da pesquisa;
Ao Professor Tenório, pela orientação segura e objetiva;
Ao
Professor
Paulo
Reis,
pelas
valiosas
sugestões
relacionadas
à condução
das
entrevistas;
À Professora
Valéria,
pelo
permanente
estímulo
para
realização
do trabalho;
Aos professores, colegas e funcionários da EBAP, pelos ensinamentos,
companheirismo e dedicação profissional, essenciais à aprendizagem;
O estudo tem como objetivo elaborar um instrumento de avaliação da
efetividade do FUNDEC - Fundo de Desenvolvimento Comunitário, programa
instituído pelo Banco do Brasil S. A. em 1981, hoje sob a condução da Fundação
Banco do Brasil. Trata-se de pesquisa metodológica, uma vez que pretende
construir um instrumento de captação da realidade.
A estratégia da pesquisa consistiu, basicamente, na elaboração de quesitos
que possibilitassem comprovar ou não o desenvolvimento das comunidades onde o
FUNDEC atua.
O
estudo
considerou
como
mais
importantes
os
atributos
relacionados
à
melhoria das condições de vida das populações atendidas pelo Programa, dando
maior ênfase aos aspectos referentes ao aperfeiçoamento da prática participante.
As dimensões, os indicadores e as variáveis de avaliação foram determinados a
partir de pesquisa exploratória junto a comunidades atendidas pelo Programa.
O instrumento de pesquisa elaborado foi aplicado na comunidade de
The
present
study
aims
to
create
an
evaluation
model
of
Fundo
de
Desenvolvimento
Comunitário
(FUNDEC),
a program
instituted
by
Banco
do
Brasil
S.A.
in 1981
and
administered,
today,
by
Banco
do
Brasil
Foundation.
The
study
can
be
classified
as
an
evaluation
research,
as
it intend
to construct
an
instrument
of
assessing program effectiveness.
Fundamentally,
the
research
was
conducted
in order
to formulate
performance
measures
that
could
confirm
or
not
the
community
development
where
the
FUNDEC
goes,
specially
in the
field
of democratization.
The
most
important
attributes
considered
by
the
study
were
those
related
to
the
quality
of individual
life
of the
population
aided
by
the
Program,
emphasizing
the
aspect
of
citizen participation.
Evaluation's
dimensions,
indicators
and
variables
were
determined
by
using
a participant
observation,
which
characterize
the
study
also as a qualitative methodology.
The
constructed
model
was
appiied
in a small
city
located
in northeast
of
Rio
Lista de Tabelas viii
Relação de Anexos ix
Capítulo
I - INTRODUÇÃO 1
1. Apresentação do Estudo
2. Formulação da Situação-problema
3. Objetivo do Estudo
4. Importância do Tema
5. Alcance do Estudo
6. Definição de Termos e Siglas
7. Plano do Estudo
II - REFERENCIAL TEÓRICO 21
1. Avaliação e Controle no Setor Público
2. Políticas Públicas: Descentralização
3. Participação
4. Desenvolvimento Comunitário Rural e Participação
5. O Banco do Brasil, a FBB e o FUNDEC
6. Avaliação de Programas Sociais
III - METODOLOGIA 82
1. Modelo do Estudo
2. Seleção dos Sujeitos
3. Instrumentação
4. Coleta de Dados
5. Tratamento Estatístico
6. Pressupostos Metodológicos
7. Limitações do Método
IV - RESULTADOS E DISCUSSÃO 106
1. Construção do Modelo de Avaliação
2. Análise do Modelo Construído
3. Análise dos Resultados da Aplicação do Modelo
V - SUMÁRIO, CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 152
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 155
LISTA DE TABELAS
Tabela Página
1. Nível de escolaridade. 132
2. Visão dos respondentes sobre modificações nas
condições pessoais de vida. 135
3. Visão dos respondentes sobre a Associação Comunitária. 136
4. Visão dos respondentes sobre as ações realizadas pelo FUNDEC. 138
5. Visão dos respondentes sobre a responsabilidade comunitária. 140
6. Avaliação dos respondentes sobre os programas básicos do
FUNDEC. 141
Anexo Página
1. Exemplos de depoimentos, classificados segundo as dimensões
e os indicadores de avaliação 160
2. Dados coletados 167
3. Estatísticas básicas 168
4. Cruzamentos de variáveis 169
a) Sexo versus vida-I
b) Sexo versus vida-II
c) Escolaridade versus associado
d) Escolaridade versus conhecimento do estatuto
e) Participação versus conhecimento de atividades
1. Apresentação do Estudo
O presente trabalho insere-se na área de estudo das políticas
sócio-econômicas e possui como temática geral a avaliação de políticas públicas; mais
especificamente, volta-se para avaliação de programas comunitários de
desenvolvimento urbano-rurais.
Comumente esses programas procuram atender as classes menos
favorecidas. A situação de pobreza existente em grande parte das áreas rurais
brasileiras evidencia-se pelo baixo nível de satisfação das necessidades básicas
dos residentes no campo, principalmente as relacionadas com a saúde, a
nutrição e a educação.
As políticas adotadas no período 1960-80 para as regiões mais atrasadas
do país buscaram o fortalecimento dos pequenos e médios produtores por meio
do apoio sistemático de serviços e créditos. Essas políticas, em sua maioria,
foram frustradas, seja em razão da superposição dos interesses dos grandes
proprietários, seja devido às condições do regime repressivo, pouco preocupado
com uma base de sustentação mais ampla. A partir de 1980, observou-se uma
ação mais efetiva do governo no sentido da modernização da atividade agrícola,
sobretudo mediante a adoção de políticas econômicas de incentivo ao uso de
novas tecnologias agrícolas, usualmente provenientes de países mais
afirma que:
"Essa via de modernização da pequena produção estaria de fato
limitada a uma minoria de pequenos produtores, já que, nas condições
atuais da estrutura fundiária, eles ocupam em sua grande maioria
estabelecimentos de menos de 10ha e terras cuja renda diferencial
não viabiliza a utilização de tecnologia moderna." (p. 116-7).
Para melhor se adequarem às necessidades do homem do campo, as
políticas de governo, direcionadas para o desenvolvimento da atividade rural,
exigem não só um permanente trabalho de pesquisa que identifique as
especificidades das condições locais, mas também um trabalho de educação
-compreendida em sua verdadeira dimensão libertadora, defendida por Paulo
Freire (1982), que não é outra senão a de, "através da problematização do
homem-mundo ou do homem em suas relações com o mundo e com os homens,
possibilitar que estes aprofundem sua tomada de consciência da realidade na
qual e com a qual estão." (p.33).
Numa sociedade democrática são os indivíduos organizados que devem
determinar a abrangência e os limites da atuação do Estado. Uma comunidade
consciente e unida pode melhor reclamar por seus direitos e exigir dos dirigentes
os serviços públicos necessários ao suprimento das carências e dos anseios de
sua coletividade.
Os objetivos de uma administração pública democrática e socialmente
responsável - tais como a obtenção de resultados eficazes no trato da "coisa
pública", a permeabilidade ao controle da sociedade e a melhoria da qualidade
dos serviços prestados - não podem prescindir de um processo de avaliação.
Para Moema Miranda Siqueira (1990) a avaliação deve se fazer presente em todo
instrumento de sobrevivência econômica, para a administração
pública ela é elemento de legitimação e suporte à prestação de contas
de seu caráter político. O cidadão tem direito ao conhecimento das
atividades do Estado e do uso de sua contribuição." (p. 66).
O presente estudo procura analisar o FUNDEC - Fundo de
Desenvolvimento Comunitário, programa instituído pelo Banco do Brasil - BB, em
1981. O FUNDEC - a respeito do qual se discorrerá detalhadamente no capítulo
II - tem o propósito de integrar pequenas comunidades ao processo de
desenvolvimento econômico e social. Valendo-se do envolvimento comunitário e
institucional, visa propiciar a mobilização de pessoas, a realização de
empreendimentos sob a forma de mutirão, a integração de diversos órgãos
públicos e a disseminação do associativismo como causa propulsora do
progresso.
A preocupação que se tem é se o FUNDEC, de fato, estaria contribuindo
para o desenvolvimento comunitário rural ou, mais concretamente, para o
desenvolvimento sócio-econômico das pequenas comunidades onde atua,
especialmente no que se refere à melhoria do padrão de vida da população
residente no campo.
É preciso,
então,
que
se faça
uma
análise
da
validade
do
Programa.
Mas,
que
instrumento
permite
avaliar
o grau
de
efetividade
do
FUNDEC?
É
a essa
Conforme visto na apresentação, o estudo objetiva analisar a efetividade
do FUNDEC, a diferença que o Programa faz, segundo o ponto de vista dos seus
beneficiários.
Para tanto, procurou-se observar, preliminarmente, como se dá o atual
acompanhamento dos planos de desenvolvimento previstos no Programa a ser
examinado (FUNDEC). Em quais níveis esse acompanhamento ocorre? O que
permite averiguar? Tem sido utilizado para iniciar processos de mudanças e
aperfeiçoamentos? Constitui subsídio ao processo de tomada de decisão?
Refere-se à execução das metas programadas e à aplicação dos recursos?
Estende-se ao impacto do Programa na comunidade?
Verificou-se que a gerência do Programa (Fundação Banco do Brasil
-FBB) não se utiliza, até o momento, de um instrumento de avaliação de sua
efetividade. As superintendências e agências do Banco do Brasil
(operacionalizadoras do Programa) realizam apenas um controle formal, muito
mais voltado para o cumprimento do cronograma físico-financeiro dos projetos do
que para as mudanças observadas em razão da implementação do FUNDEC
numa determinada comunidade.
Observa-se que o acompanhamento não se utiliza de um instrumental
apropriado. Na maioria das vezes, a avaliação é confundida com os relatórios de
fiscalizações e vistorias encaminhados à FBB, nos quais são registradas as
irregularidades observadas. A principal informação é quanto a aplicação dos
diversos setores sócio-econômicos das comunidades, o que ocorre, na prática, é
um acompanhamento que se volta, quase que exclusivamente, para a obtenção
de informações sobre os desvios dos empreendimentos, de modo que se possa
adotar medidas corretivas.
A escolha do termo efetividade decorre do fato de que se pretende avaliar
os efeitos e o impacto do FUNDEC, isto é, as mudanças ocorridas em razão da
implementação do Programa junto ao seu grupo-alvo. Sob essa ótica, o estudo da
efetividade mostra-se mais adequado que o da eficiência ou o da eficácia, mesmo
porque a valorização da - percepção dos cidadãos-beneficiários - expressão,
segundo Susana Feichas (1995), proposta por Fernando Guilherme Tenório "no
sentido de incorporar o conceito de cidadania na formulação, implementação e
avaliação de políticas sociais" (p. 165) - é de fundamental importância para que
se possa medir o grau de alcance social dos objetivos do Programa.
É esse
nível
de
avaliação
que
permite
saber
se os
resultados
foram
ou
não
satisfatórios para os seus beneficiários, e, como decorrência, para a Fundação
O estudo visa atender ao seguinte objetivo final: elaborar um instrumento
que permita avaliar a efetividade do FUNDEC, isto é, os reais resultados do
Programa junto às comunidades beneficiárias.
Como objetivos intermediários, foram estipulados os seguintes :
(1) colher informações detalhadas sobre o FUNDEC, especialmente acerca
de suas metas, operacionalização e abrangência;
(2) obter informações, junto a comunidades já assistidas pelo FUNDEC,
sobre os efeitos e impactos do Programa; e
(3) verificar se os efeitos e impactos observados coincidem com os objetivos
definidos para o Programa.
Imagina-se que, alcançados esses objetivos, os administradores do
FUNDEC poderiam dispor de subsídios para tomada de decisões relacionadas
a: a) viabilidade da manutenção do Programa; b) continuidade do investimento
em uma determinada comunidade atendida pelo FUNDEC; e c) necessidade de
modificações em qualquer das fases operacionais ou mesmo nos objetivos do
Programa.
Tomando-se por base que os beneficiários do Programa não devem
apenas participar da formulação e da implementação dos projetos locais, mas
que também devem participar do processo de avaliação, a pesquisa objetiva
o seu agir é no interesse da comunidade assistida.
Conforme visto na seção anterior, o acompanhamento que a FBB faz do
Programa não se configura em uma avaliação de fato. Ao se buscar os reais
resultados alcançados pelo FUNDEC, pretende-se dar à Fundação um retorno
acerca dos efeitos do Programa, contribuindo, desse modo, para a
institucionalização de sua metodologia avaliativa. A pesquisa, portanto, tem por
objetivo elaborar um modelo que contenha indicadores relevantes para a análise
dos resultados do Programa e, experimentalmente, aplicá-lo numa comunidade
selecionada.
A avaliação pode ser vista como um ponto de apoio ao processo de
introduzir medidas corretivas nos rumos do Programa. A coleta e a interpretação
dos dados não visam unicamente à feitura do instrumento de avaliação: devem
proporcionar ao administrador do Programa a tomada de um posicionamento
mais racional.
Buscou-se a avaliação de produto, isto é, aquela que se dirige para os
resultados do Programa e para o seu impacto junto ao público-meta.
Preocupou-se mais com a qualidade do Programa do que com a sua produtividade, ou seja,
voltou-se mais para a satisfação da comunidade do que para o modo de utilizar
os recursos disponíveis; valorizou-se mais a eficácia dos processos do que sua
eficiência, mais o resultado que o esforço.
Diante do atual nível de acompanhamento do FUNDEC, passou-se a
questionar se a Fundação Banco do Brasil estaria plenamente consciente da
utilidade do Programa. Estaria o FUNDEC, de fato, contribuindo para o
melhoria do seu padrão de vida?
O estudo objetiva oferecer um instrumento de avaliação que possa
comprovar a realidade e a veracidade dos benefícios gerados pelo Programa, isto
é, que possa identificar os fatores comprobatórios da melhoria nas condições de
vida das comunidades amparadas pelo FUNDEC, permitindo observar se existe
Atingidos os objetivos do estudo, espera-se fornecer ao Banco do Brasil
-institucionalizador do Programa - e à Fundação Banco do Brasil - gestora dos
recursos financeiros aplicados no FUNDEC - a possibilidade de validar a
filosofia do Programa.
O FUNDEC representa, para o BB e para a FBB, um marco no processo
de desenvolvimento de pequenas localidades urbano-rurais. Como visto, o
Programa fundamenta-se em um trabalho de orientação, motivação e
conscientização das comunidades assistidas, de modo a despertá-las para a
utilização
de
suas
potencialidades
e de
seus
recursos
latentes.
Os moradores dessas comunidades são instados a uma intensa
participação comunitária. Analisam seus problemas, discutem soluções e
participam das ações delineadas. A iniciativa da escolha de determinados
projetos parte dos próprios interessados, o que assegura ao Programa a
desejável legitimidade.
Um estudo que permita averiguar a validade desse Programa, constitui não
apenas para o Banco do Brasil e para a Fundação Banco do Brasil, mas também
para as comunidades beneficiadas, ou a serem beneficiadas, um fator de real
significado. A adequada utilização de métodos avaliativos ajudam os policy
makers a desenharem melhores programas para o futuro, o que gera benefícios
Apenas indícios de efetividade de um programa não são suficientes. Se
houvesse a absoluta certeza de que o FUNDEC atinge plenamente os seus
objetivos não haveria necessidade de sua avaliação. Samuel Hayes (1972) afirma
que não é apenas a obtenção de medidas de resultados e custos que configura o
processo avaliativo. Segundo esse autor,
"A medida, ou seja, os fenômenos concretizados e quantificados
tanto quanto possível, é apenas um estágio da avaliação.
Contrariamente ao dito popular, os fatos, raramente falam por si. Eles
têm de ser interpretados, e a interpretação é o componente que
distingue a avaliação da simples medida". (Introdução).
A relevância social da pesquisa decorre da própria importância do
Programa. De fato, o FUNDEC pretende contribuir para a superação do atual
estágio de qualidade de vida da população residente no meio rural brasileiro,
onde a falta de emprego e de infra-estrutura física tem arrastado grandes
contigentes de migrantes do campo para as cidades, estas também sem a
estrutura adequada para acolher convenientemente aquela mão-de-obra.
Mesmo considerando que grande parte das decisões políticas pouco se
valham de instrumentos ou critérios científicos, não se deve desanimar da luta em
defesa da cientificidade. O burocrata que apenas considera os jogos de interesse
precisam se aperceber dos riscos e das armadilhas decorrentes da adoção de
decisões que tenham respaldo unicamente em critérios de ordem política.
O FUNDEC conta com a presença do seu institucionalizador nas diversas
fases do Programa (análise e constituição da associação, montagem de equipes,
reuniões, elaboração do PDCI), bem como no acompanhamento e na
fiscalização dos projetos. No entanto, não há uma preocupação com a avaliação
propriamente dita. A avaliação, se é que ocorre, prende-se mais à eficiência e" à
eficácia, mas não à efetividade. E é justamente esse último aspecto que o estudo
filosofia. Procura-se, assim, preencher um vazio. Atuar onde o BB e a FBB não
atuam.
A Fundação Banco do Brasil utiliza-se da estrutura do Banco do Brasil na
área de crédito rural para realizar as avaliações do FUNDEC. No entanto, os
métodos e mecanismos utilizados para a fiscalização de operações de créditos,
não são adequados para a avaliação de um programa como o FUNDEC.
As fiscalizações hoje realizadas pela FBB/BB, como visto, procuram
atender mais à execução do cronograma físico-financeiro dos projetos, à vistoria
dos bens adquiridos e das obras realizadas. Como exemplos de itens que são
verificados podem ser citados: cronograma de execução; aplicações dos recursos
liberados, comprovação da aplicação do crédito (exame da escrituração contábil,
notas fiscais, folhas de pagamento e outros documentos), verificação de
cumprimento das obrigações fiscais e trabalhistas; atuação da associação
comunitária (número de sócios, valor das contribuições); desvios ocorridos.
Assim, o acompanhamento realizado pelo Banco do Brasil/Fundação
Banco do Brasil ocorre basicamente durante a execução dos projetos, e a
supervisão realizada prende-se sobretudo à cobrança do cumprimento das
obrigações contratuais. O atual acompanhamento é mais voltado para a obtenção
de informações quantitativas, que estimem o progresso do Programa, do que
para uma análise crítica sobre as repercussões do FUNDEC.
Conforme se verá no capítulo II, o FUNDEC é um programa de grande
alcance, com atuação em todo território nacional. Dessa forma, o tema da
pesquisa afeta substancial parcela da sociedade.
A atividade de pesquisa é passo essencial para que estudos avaliativos
-capaz de sistematizar o jogo dos atores políticos - pode ser um dos caminhos
para a superação dos problemas nacionais. Para o autor:
"A pobreza, a violência, a ruína do sistema educacional, a retomada do
crescimento econômico, todos esses são problemas sabidos. (...) para
enfrentá-los, o que se requer hoje no Brasil é um autoconhecimento
das coletividades estratégicas sobre o seu papel na teia de relações
sociais: conhecimento esse que pode em muito ser propiciado pela
atividade da pesquisa", (p. 9)
Espera-se que o presente trabalho de avaliação acrescente algo de positivo
ao FUNDEC, que seja útil ao administrador do Programa, permitindo-lhe um
posicionamento mais racional na sua condução. Sabe-se que a formulação de
julgamentos é inevitável no processo avaliativo. Mas se tivermos bons dados
sobre os efeitos de um programa, se dispusermos de instrumentos de medida
bem planejados, certamente que estaremos em melhores condições de perceber
as conseqüências de um programa, sem que tenhamos de nos apoiar apenas na
intuição.
Coloque-se a seguinte afirmação de Moema Siqueira (1990):
"A responsabilidade social característica da administração pública
deve impor-lhe, mais do que às organizações privadas, especialmente
em países com escassos recursos como o nosso, compromisso com
resultados eficazes da "coisa pública". Evidentemente, resultados
eficazes na administração pública significam democratizar o acesso em
todos os níveis; ser permeável ao controle da sociedade; melhorar a
qualidade dos serviços prestados e aumentar o grau de resolutividade
dos problemas. Nenhum desses objetivos pode prescindir da
avaliação", (p. 66)
A coordenação do FUNDEC precisa auferir o retorno de sua ação. Mas isso
somente pode concretizar-se na medida em que tenha em mãos a certeza de que
suas ações estão sendo eficazes. Para tanto, a avaliação do Programa é o
5. Alcance do Estudo
Para a consecução dos objetivos propostos, o estudo analisou, in loco,
duas comunidades apoiadas pelo FUNDEC, situadas no estado do Rio de
Janeiro. A escolha dessas comunidades realizou-se em comum acordo com a
Superintendência do Banco do Brasil nesse estado. Subsidiariamente,
procurou-se, no decorrer da pesquisa, colher dados e informações referentes a
comunidades situadas em outras regiões do país.
Dentre os indicadores que poderiam revelar o grau de efetividade do
Programa, o estudo buscou identificar, fundamentalmente, aqueles que
pudessem traduzir melhorias na qualidade de vida da população.
O estudo entende que a expressão "qualidade de vida", hoje já um tanto
gasta, não se assenta exclusivamente na obtenção de melhores condições de
alimentação, saúde, habitação. Qualidade de vida significa também, e talvez
principalmente, a participação do homem nos destinos de sua comunidade e no
seu próprio destino.
Desse modo, o presente estudo avaliativo cuida tanto do aspecto
quantitativo quanto do qualitativo. No entanto, dá mais ênfase às variáveis
relacionadas aos processos participativos - destinados ao aperfeiçoamento da
vida comunitária - que às variáveis componentes da infra-estrutura econômica e
social (escolas, saúde, abastecimento de água, sistema de esgoto, vias de
transporte e comunicação). Se é verdade que as necessidades básicas do ser
e delas não se possa abrir mão - não é menos verdade que a plena satisfação do
homem somente é conseguida pelo atendimento de necessidades superiores.
Conforme se verá no capítulo seguinte, há vários modelos e enfoques
para o processo avaliativo. O estudo, no entanto, estará restrito à avaliação de
impacto, que se preocupa, como já salientado, com os reais resultados do
Programa junto às comunidades assistidas.
Apesar dos argumentos usualmente utilizados de que no campo social é
extremamente difícil medir variáveis e estabelecer relações com a desejada
exatidão, não se deve descartar o uso de medidas de resultado como forma de
melhor orientar os escassos recursos e de se alcançar maior retorno social.
A pesquisa procura valorizar os trabalhos e as ações da FBB uma vez que,
além dos produtos usuais que o processo avaliativo permite, pretende ir além da
simples comprovação da execução dos projetos conforme o planejado. Trata-se,
repita-se, de uma avaliação do impacto do FUNDEC junto às populações
beneficiárias. Terá , portanto, além do caráter quantitativo, o caráter qualitativo,
na medida em que, em última instância, procurará medir a contribuição do
FUNDEC para o aperfeiçoamento da prática participante e, conseqüentemente,
para o processo de democratização local.
Convém lembrar que a função do avaliador não se restringe a adotar, de
forma sistemática, modelos empacotados de avaliação de programas, mas sim, a
de elaborar modelos específicos a partir das peculiaridades de cada programa,
de modo a atender adequadamente às exigências dos órgãos decisores.
A pesquisa não se constituirá propriamente de um experimento;
configura-se mais como um levantamento (survey), pois visa sobretudo à obtenção de
mudanças planejadas pelos gestores do Programa. A ênfase recairá mais sobre
os indicadores avaliativos do que sobre os descritivos; mais sobre os sociais
subjetivos do que sobre os objetivos.
Godofredo Sandoval (1988; p. 56) lembra que a execução de programas
comporta várias dimensões; desse modo, os responsáveis pela avaliação devem
precisar o que se pretende avaliar. Afirma ser este um ponto fundamental. A
avaliação pode referir-se à estrutura e ao funcionmento de um programa, aos
seus projetos, as suas atividades, aos efeitos e impacto, aos beneficiários ou ao
conjunto desses fatores. Por razões de tempo e de recursos, não é possível tratar
todos os fatores num mesmo nível, com a mesma intensidade e importância.
Em resumo, o estudo busca encontrar uma metodologia de avaliação do
FUNDEC que possa responder a duas questões básicas: O Programa alcançou
6. Definição de Termos e Siglas
Os termos e siglas mais usados no corpo deste trabalho são definidos como
se segue:
Associação. Quando grafado em inicial maiúscula, refere-se à Associação de
Moradores de Boaventura, entidade que representa aquela Comunidade.
Associação Comunitária. Entidade de natureza civil, sem fins lucrativos, que
representa formalmente a comunidade. A associação figura nos contratos e
operações de empréstimos. Caso inexista no local onde o FUNDEC pretenda
atuar, o BB orienta a sua formação.
Cadastramento. Coleta e registro de dados capazes de refletir o estado de
desenvolvimento da localidade, bem como as potencialidades existentes. Permite
ao BB selecionar criteriosamente as comunidades a serem atendidas.
Comunidade. Quando grafado com inicial maiúscula, refere-se à comunidade de
Boaventura.
Coordenador de campo. Funcionário do BB que tem a missão de coordenar as
ações da comunidade com vistas à elaboração do Diagnóstico e do PDCI - Plano
de Desenvolvimento Comunitário Integrado.
Diagnóstico. Identificação e análise dos fatores que condicionam o meio, a
população e seus hábitos, sistemas de produção e infra-estrutura econômica e
Efeito. Os efeitos representam os resultados, observados junto aos beneficiários
diretos do Programa, decorrentes da utilização do produto (metas atingidas). Ex.:
incremento na produção agrícola.
Efetividade. Satisfação das necessidades comunitárias segundo o ponto de vista
dos cidadãos-beneficiários.
Entidades participantes. Associações comunitárias, cooperativas, empresas de
assessoramento técnico e extensão rural, prefeitura e sindicatos são algumas das
entidades que freqüentemente participam dos projetos coordenados pelo
FUNDEC.
Impacto. Representa os resultados finais, considerados no todo, observados no
grupo de beneficiários ou comunidade. Esses resultados decorrem dos efeitos do
Programa e são, portanto, menos imediatos. Ex.: aumento da renda e do
consumo.
Participação comunitária. Processo que leva a comunidade a se tornar seu
próprio agente de mudanças e a evoluir do estado de apatia social para o de
plena atividade, com assunção de direitos e responsabilidades, por meio da
cooperação, do associativismo, da auto-gestão e de outras formas de
participação.
É uma
conquista
da
coletividade
e decorre,
quase
sempre,
de
sua
capacidade criativa.
Plano de Desenvolvimento Comunitário Integrado (PDCI). Instrumento de ação do
FUNDEC, agrupa de modo ordenado ações e recursos que objetivam conduzir a
comunidade ao desenvolvimento econômico e social. Compõe-se de programas
setoriais (voltados fundamentalmente para as áreas de produção e
comunitário) que, por sua vez, desdobram-se em componentes específicos - os
projetos.
Programa. Quando grafado em maiúscula, eqüivale a FUNDEC.
Projeto. Proposta de execução de cada uma das metas específicas que compõem
os programas setoriais do PDCI, compreendendo objetivos, justificativas,
metodologias, período/programação e descrição dos recursos disponíveis à sua
realização. A elaboração dos projetos conta com a participação ativa de
elementos representantes da comunidade.
BB ou Banco. Banco do Brasil S.A.
FBB ou Fundação. Fundação Banco do Brasil.
FUNDEC. Fundo de Desenvolvimento Comunitário.
7. Plano do Estudo
O presente capítulo I discorre sobre os objetivos gerais do trabalho. O
restante do estudo está organizado em mais quatro capítulos.
O capítulo II, composto de seis seções, contém o referencial teórico do
trabalho. A primeira seção - após um ligeiro esboço da participação do Estado na
economia, particularmente nas empresas estatais (caso do Banco do Brasil)
-tece breves linhas sobre o processo avaliativo adotado na administração pública.
A seção 2 comenta o processo de descentralização de políticas públicas, a 3
trata da participação dos cidadãos nessas políticas e a 4 aborda o
desenvolvimento comunitário sob a ótica da participação, importantes aspectos
em programas como o FUNDEC. O Fundo de Desenvolvimento Comunitário é
apresentado na seção 5. A sexta e última seção revê a literatura sobre a
avaliação de programas sociais.
O capítulo III apresenta a metodologia empregada no estudo e está
composto por sete seções. Nele são vistos, seqüencialmente: a descrição da
estratégia da pesquisa (modelo do estudo); a explicação e a justificativa do tipo
de amostragem empregados (seleção dos sujeitos); a descrição dos instrumentos
de pesquisa utilizados; a forma de aplicação dos instrumentos de pesquisa
(coleta dos dados); o tratamento estatístico adotado; os pressupostos
metodológicos; e, por último, as limitações do método.
Por fim, no capítulo V, são apresentadas as conclusões e as
CAPÍTULO
II - REFERENCIAL
TEÓRICO
1. Avaliação e Controle no Setor Público
Esta seção aborda alguns aspectos da avaliação e do controle na
administração pública. Antes, porém, se discorrerá brevemente sobre o
crescimento do setor estatal brasileiro - particularmente das empresas estatais,
caso do Banco do Brasil S.A.
O pensamento econômico, em sua evolução, tem-se debruçado sobre
questão assaz controversa: a do papel apropriado do Estado na economia. Em
que circunstâncias deve o governo participar ativamente? Quando deixar ao
encargo do setor privado as decisões da área econômica?
Dois renomandos economistas, Adam Smith e John Maynard Keynes,
tiveram posições de certa forma antagônicas acerca desse tema.
A mensagem de Adam Smith - em seu livro An Inquiry into the Nature and
Causes ofthe Wealth of Nations, publicado em 1776 - foi claramente contrária à
intervenção do aparelho estatal na economia. Smith advogava a política do
laissez-faire, isto é, defendia mercados privados livres dos controles
governamentais.
Durante a "Grande Depressão" dos anos 30, Keynes desenvolveu sua
General Theory, livro no qual se contrapôs à política do laissez-faire. Propugnou
uma maior participação do governo, sobretudo na geração de empregos
Da análise dessas duas posições não se chega necessariamente a uma
conclusão definitiva sobre o acerto da maior ou da menor participação do Estado
na economia. A melhor estratégia parece ser a recomendada pela prudência: é
preciso que se estude as condições concretas e históricas de um país para que
se assuma posicionamento mais coerente.
Em sua atuação sobre a vida econômica do país, o Estado pode se afirmar
num contínuo que vai desde a função reguladora até a dimensão empresarial.
Em boa parte de nossa história, nomeadamente a partir do início do processo de
industrialização, o Estado empresário configurou-se como forma predominante.
O estudo da atividade empresarial do Estado deve ser compreendido num
contexto amplo, que considere a atuação da política econômica para o progresso
da acumulação capitalista. De fato, o tardio desenvolvimento industrial do País
exigiu do Estado não só a produção de bens básicos, mas também repasses de
recursos para os setores que demandavam sua produção, o que configurou o
Estado como verdadeira agência de desenvolvimento, reforçadora da
acumulação privada.
Os constrastes entre clássicos e keynesianos condensaram-se na teoria
neoclássica, cujo ponto focai foi nitidamente exposto por Mário Henrique
Simonsem, citado por Braz de Araújo (1977): "a teoria econômica moderna soube
sintetizar as duas correntes situando o pensamento clássico como a
condicionante da estrutura e o keynesiano como da conjuntura", (p. 225)
Ao tratar dos princípios gerais da atividade econômica, a Constituição
Federal de 1988 fundamenta a ordem econômica em dois preceitos basilares:
do regime da livre empresa ou, por outra, do regime capitalista, decorrem os
princípios que orientam o sistema constitucional econômico brasileiro.
No entanto, há limitações à livre iniciativa. A lei formal pode, por exemplo,
coibir a atuação de determinadas atividades econômicas (art. 170, parágrafo
único); permitir a exploração direta de atividade econômica pelo Estado, em
casos de segurança nacional ou em função de relevante interesse coletivo (art.
173); bem como reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos
mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (art.
173, parágrafo 4o.)
Atualmente, a questão não deve ser mais colocada em termos absolutos,
isto é, de completa intervenção ou total não intervenção. O mais sábio parece ser
discutir os limites e a graduação da intervenção que melhor capacite o Estado a
alcançar o seu objetivo maior: a promoção do bem-comum.
Ao abordar o crescimento do setor estatal no Brasil, Espírito Santo (1989)
-ainda que reconhecendo a interdependência das esferas econômica, política e
ideológica - restringe seu estudo ao universo delimitado pelas empresas da
União ligadas diretamente ao campo econômico, âmbito em que se encontram as
grandes empresas estatais e onde estão aplicados grandes volumes de recursos
financeiros.
Exemplificando com trechos de discursos de alguns ex-Presidentes, o autor
mostra a preocupação que sempre houve no País de orientar o setor produtivo do
Estado para atividades essenciais, não havendo, portanto, um projeto político
voltado para a construção de um setor estatal - como campo econômico - nas
O autor argumenta que a intervenção do Estado brasileiro no setor
produtivo não é meramente complementar nem transitória, e que a exata
compreensão do crescimento dessa área deve pautar-se pelo estudo das
características e das exigências do sistema produtivo em cada fase da história
econômica do País.
Defende que a presença do Estado brasileiro no campo econômico é
decorrência das missões que um país de economia periférica como o Brasil teve
de desempenhar em suas diferentes fases do sistema capitalista. Assim, estaria
justificada a atuação do Estado, tanto por meio da intervenção indireta, isto é, no
controle do sistema econômico, quanto na atuação direta, como produtor de bens
e serviços.
Ao discutir o papel desempenhado pelas empresas estatais no processo
de desenvolvimento econômico verificado no período de 1965 a 1985, Paulo
Henrique Rodrigues (1989-90) coloca a questão da forte campanha contrária a
"estatização" da economia brasileira surgida na imprensa nacional a partir de
meados da década de 70.
Segundo o autor, os principais pontos dessa campanha resumem-se nos
seguintes:
a) tentativa de associar o surgimento das estatais aos governos
antidemocráticos;
b) argumentação de que o mau desempenho das estatais dificulta o processo de
desenvolvimento econômico; e
c) tomada de espaços econômicos pelas estatais em prejuízo da iniciativa
O autor demonstra que, na realidade, os argumentos utilizados pela
campanha "antiestatização" não se respaldaram em fatos concretos:
a) as empresas estatais não são fruto do autoritarismo - por duas razões
principais: primeiro, porque os grupos que deram origem a maioria das estatais
foram criados antes da instauração do regime autoritário no país, a partir de 1964
( siderugia e mineração, início dos anos 40; petróleo, nos anos 50; e empresas
de eletricidade, no início da década de 60); segundo, porque no processo de
criação da maioria das "companhia-mãe" houve intensa participação dos mais
diferentes setores da sociedade, principalmente nos casos da Petrobrás e da
Eletrobrás;
b) as estatais não inibiram, mas sim estimularam o recente processo de
desenvolvimento econômico do país. Valendo-se da análise de importantes
indicadores (como, por exemplo, a participação dos investimentos das estatais na
formação bruta de capital fixo do país e a proporção da taxa de crescimento
anual do valor agregado nas indústrias estatais em relação à do setor industrial
como um todo) é possível se constatar que as maiores empresas estatais
cresceram num ritmo mais acentuado do que o da economia em sua totalidade,
sendo possível dizer que essas estatais, na verdade, muito contribuíram para o
acelerado processo de industrialização ocorrido entre 1965 e 1980; e
c) as estatais não competem de forma desigual com o setor privado - há, de fato,
vínculos muito fortes entre as empresas estatais e o setor privado, sendo mais
apropriado dizer que as estatais têm um papel fundamentalmente complementar,
mas não competitivo, ao setor privado. Sem o fornecimento, a baixo custo, a este
último, de insumos essenciais e, ainda, sem a importante demanda por parte das
empresas estatais por diversos setores industriais privados, teria sido muito difícil
Paulo Motta (1980) afirma que do mesmo modo como as empresas estatais
brasileiras foram surgindo, assim também foram sendo instituídos os controles da
administração direta sobre a indireta: de forma fragmentária, bastante variável
-ao sabor de cada situação específica -, sem uniformidade nem direcionamento
central, revelando a falta de uma política geral de controle. O autor observa que,
tanto no controle sobre valores políticos quanto no controle sobre objetivos
organizacionais, verifica-se a predominância dos aspectos formais e processuais,
em prejuízo do controle de objetivos.
Beatriz Wahrlich (1980) segue na mesma linha: o exercício desse controle
não vem produzindo bons resultados, sobretudo em razão da prevalência do
controle legal-formal sobre o controle finalístico, isto é, da constatação de que o
controle se volta mais para os meios do que para o fins.
A autonomia administrativa e financeira concedida às empresas estatais
não as desobrigam de prestar contas de suas atividades, uma vez que os
programas realizados por essas empresas devem integrar-se às demais ações do
governo. No Brasil, sob a denominação de "supervisão ministerial" enquadram-se
as atividades de controle programático, auditoria de desempenho e controle
financeiro, todas de caráter interno.
O controle externo das entidades empresariais do Estado é exercido,
basicamente, pelas duas Casas do Congresso Nacional e pelo Tribunal de
Contas da União, como órgão assessor. Wahrlich (p. 5-37) relaciona essa
fiscalização com a que é exercida pelo Poder Executivo: "Se a administração
descentralizada escapa, no todo ou em parte, ao controle do Poder Executivo,
essa deficiência terá naturalmente reflexos negativos sobre a ação fiscalizadora a
poderes, é apontado como a principal causa da ineficácia do controle pelo
Legislativo.
A autora conclui afirmando que o controle político das empresas públicas,
no Brasil, não satisfaz; mas, na medida em que o processo democrático se
consolide e que o Executivo tenha aperfeiçoado os seus mecanismos de
averiguação, o Poder Legislativo estará melhor capacitado para o exercício de
um controle político eficaz, orientado mais para os resultados do que para meros
formalismos.
A otimização do processo produtivo das empresas estatais deve pautar-se
por uma orientação no sentido do atendimento dos reclamos sociais. Assim, se
faz necessária uma mudança de abordagem no controle das estatais; mudança
que avance do restrito campo financeiro-orçamentario para contemplar também
os aspectos políticos, econômicos e sociais.
Reynaldo Arcírio (s/d) propõe um modelo de avaliação do desempenho das
empresas estatais que trabalhe, basicamente, em duas dimensões:
a) intrínseca - voltado para medidas de eficiência (rentabilidade, grau de
endividamento, produtividade global, etc); e de eficácia (índice de atendimento
da demanda, qualidade dos serviços oferecidos, etc), que correspondem,
respectivamente, as atividades empresariais meio e fim; e
b) extrínseca - que vê o sistema empresarial a partir de seu ambiente. Nessa
dimensão, mede-se, em relação à atividade meio, o estilo da empresa
(comportamento, presença política, etc) e, em relação à atividade fim, o seu grau
Em seu aspecto operacional, o modelo estaria composto por quatro
módulos principais - que se destinam a avaliar o desempenho econômico, os
ganhos de produtividade e o cumprimento do objetivo social e a auscultar a
opinião pública e o mercado alvo - e de um módulo auxiliar, chamado analisador
dinâmico/relativo, útil no processo de tomada de decisão.
Abordando a eficiência, eficácia e efetividade na administração pública,
Motta (s/d), referindo-se a esta última - aspecto da avaliação que o presente
estudo tem como mais relevante - afirma que a avaliação da efetividade é a que
possui as dimensões mais próximas da política pública, uma vez que tal
avaliação considera o dimensionamento do bem-estar da comunidade.
Para o autor, essa avaliação tem as seguintes dimensões básicas:
"(1) adequação, para saber se os resultados satisfazem as
necessidades que deram origem a política; (2) eqüidade, para saber se
a política resultou em uma distribuição mais justa de recursos públicos,
benefícios diversos e de riqueza na sociedade: (3) propriedade
política, para saber se a política pública satisfaz as demandas
2. Políticas Públicas: Descentralização
A administração pública, em sentido amplo e formal, é o conjunto de órgãos,
em cada Poder e em cada nível federativo, instituídos para realizar as atividades
administrativas e alcançar os objetivos do Governo.
0 desenvolvimento nacional, intentado por todos os meios legais de que o
Estado dispõe, é um dos objetivos primordiais do país. Um importante meio para
a concretização do desenvolvimento é o planejamento econômico governamental.
Este, por sua vez, pressupõe um aparelho administrativo moderno e eficiente,
capaz de executar planos geradores do avanço desejado.
Objetivando alcançar essa meta, é que tem surgido, ao longo dos anos,
várias tentativas de reforma do aparelho estatal, com vistas a aumentar sua
racionalidade e a atender às exigências administrativas do desenvolvimento
sócio-econômico.
O federalismo - em suas diferentes concepções - vem sendo, no mundo
contemporâneo, adotado por Estados que vêem na forma federativa a
possibilidade de harmonizar características regionais peculiares numa unidade
nacional. Além disso, o princípio federativo encontra suporte na inclinação, ou
mesmo na necessidade, que possuem os grupos sociais de se unirem.
A questão do federalismo vai além do simples aspecto da repartição de
competências entre os diferentes órgãos territoriais federados. Significa a
possibilidade de convivência entre indivíduos e regiões distintos, de modo que se
A Constituição brasileira, ao prever mais de um nível territorial de poder,
assinala o fundamento jurídico do Estado federal. De fato, o art. 1o. da CF de
1988 assegura a indissolubilidade da Federação, determinando a união dos
Estados, Municípios e do Distrito Federal.
Percebe-se, assim, a existência de uma descentralização política que se
caracteriza, principalmente, pelo poder de elaboração de leis. Na verdade, é essa
a marca diferenciadora entre o Estado simples e o Estado composto, vez que
aquele tem somente uma ordem jurídica válida para todo o território, enquanto
este apresenta diversas ordens jurídicas.
Com efeito, reconhece-se a existência do Estado Federal quando as
coletividades-membros possuem a prerrogativa de elaborar suas próprias
Constituições (dentro dos limites fixados na Lei Maior) e cooperam como
entidades
autônomas
na
construção
da
vontade
nacional.
É , pois,
característica
essencial do regime federativo a faculdade de auto-organização e autogoverno
que têm os Estados-membros.
Uma análise da Constituição de 1988 permite notar uma quebra na
tendência que se observou no decorrer dos últimos anos: o enfraquecimento das
esferas infranacionais de governo e, em contrapartida, o agigantamento do Poder
Central.
A atual Carta reforça não só o Estado-membro mas também o Município,
tendo este último, inclusive, consolidado o princípio da autonomia municipal vez
que recebeu, na forma do art. 29, a incubência de auto-reger-se, diferentemente
do que ocorria no regime constitucional anterior em que sua organização era
Lordello de Mello (1988) assinala que o Estado moderno, em função do
imperativo do desenvolvimento econômico e social de sua sociedade, envolve-se
cada vez mais em novos campos de atividade, independentemente da ideologia
política que adote. A crescente complexidade da vida moderna reflete-se
diretamente na esfera dos governos municipais, que passam, como decorrência,
a desempenhar papel cada vez mais relevante, partilhando com o Estado o
complexo processo administrativo e governamental.
Não é sem motivo, pois, que se observa um crescente interesse das
agências internacionais de empréstimos e cooperação técnica - Banco Mundial,
Banco Interamericano de Desenvolvimento, Programa de Desenvolvimento das
Nações Unidas - pelos problemas do governo local, fato que tem contribuído
para que os governos centrais dediquem maior atenção a essa esfera de poder,
especialmente no que diz respeito ao papel a ser desempenhado no processo de
desenvolvimento urbano e rural.
Ao abordar o tema das relações entre os governos municipais e os níveis
superiores de governo, Lordello de Mello (1988) aponta para a crescente
importância da participação comunitária no processo de desenvolvimento social e
econômico:
"Mesmo sob sistemas de governo local altamente descentralizados é
possível a cooperação intergovernamental. Há muitos mecanismos
para facilitar a cooperação e um deles é a mobilização da comunidade,
através de várias formas de participação popular, nos diversos
estágios de planejamento - da concepção dos planos à sua
implementação. As autoridade municipais, mais próximas do povo que
os níveis mais elevados, estão muito mais aptas a mobilizar a
comunidade e suas diversas organizações no sentido de um esforço
conjunto com aqueles níveis." (p. 42-43)
As funções governamentais conferidas ao nível municipal são as que visam
vida em comum se tornaria insuportável. Para que os municípios possam
exercê-las convenientemente, necessário se faz que o governo central controle o ímpeto
pela centralização exagerada, atuando preferentemente em cooperação com o
nível de governo local e não permitindo que este fique alijado da implementação
de projetos e programas dos quais participe.
Como resultado da menor fatia da União no partilhamento das receitas
públicas (a partir da Constituição de 1988), o governo federal, de certa forma, viu
diminuir suas responsabilidades pelo financiamento das políticas públicas para
as esferas estaduais e municipais de governo.
Mais importante, no entanto, que a assunção de responsabilidade pela
elaboração de políticas públicas por estados e municípios (descentralização)
seria a adoção de uma sistemática efetiva de acompanhamento do desempenho,
atuando o governo federal no papel de coordenação e mantendo descentralizado
o planejamento e o processo de tomada de decisões. A União somente interviria
em situações de distorções regionais, incapazes de serem solucionadas
tão-somente pela atuação dos governos estaduais e municipais.
O fortalecimento de estados e municípios, proporcionado pela Constituição
de 1988, representou um importante fator no caminho da democratização
brasileira. A descentralização - e a decorrente concessão de maior autonomia de
decisão às esferas estadual e municipal - permite que o poder político esteja
mais próximo e em contato mais estreito com os cidadãos; como conseqüência, a
participação popular é fortalecida, permitindo vislumbrar maiores chances de
realização e sobrevivência da cidadania.
Qualquer Estado tem como objetivo fundamental a promoção do bem de
luta pelo desenvolvimento, o Estado constitui instrumento essencial de
transformação
sócio-econômica.
É essa
a razão
que
justifica
a sua
existência,
já
que a soberania decorre da vontade livre expressa pelo povo.
A Lei Maior em vigor, ao alinhar os objetivos fundamentais da República
brasileira, assinala, no art. 3o., III, o de "erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais".
É no
federalismo
cooperativo
que
um
país
continental
como
o Brasil,
de
acentuadas diferenças regionais, pode abrir caminho para que a citada norma
programática venha a se efetivar na prática.
Mas as instituições sociais não devem estar ausentes do processo de
transformação social sob pena de padecer frente a um poder Executivo
excessivamente forte.
A participação popular pode caminhar em diferentes linhas: na busca de
uma maior autonomia, permitindo que as comunidades tomem suas próprias
decisões e executem as ações que julguem importantes, em função de suas
necessidades ou em razão da tomada de consciência da população sobre as
suas próprias prioridades; na adoção de formas mais representativas de
organização da sociedade (como, por exemplo, a co-gestão pública, mediante a
formação de conselhos comunitários, ou pela via da formação de mutirões); na
real participação dos próprios beneficiários das políticas assistenciais, intervindo
no planejamento estatal e permitindo que a participação assuma contornos
dinâmicos e não de simples conciliação com o que já foi decidido.
Em estudo sobre o desenvolvimento social da América Latina, Roberto
"Enquanto o aparato estatal e as instâncias de decisão pública
permanecerem fechadas às grandes massas da população, e o
exercício da cidadania política se restringir ao ritual eletivo conduzido
a intervalos regulares de tempo, mais formal que substantiva
continuará sendo a democracia nos países da região. Dessa forma,
uma sociedade só poderá proclamar-se efetivamente democrática e só
poderá materializar um estilo de desenvolvimento que privilegie a
eqüidade na medida que exercite real e cotidianamente esses ideais
através de processos sociais concretos, ou seja, através das
instituições que regulam a vida dos indivíduos." (p. 135)
Norberto Bobbio (1987) caminha na mesma linha:
"A contraposição entre sociedade civil e Estado continua a ser de uso
corrente, sinal de que reflete uma situação real. Embora prescindindo
da consideração de que os dois processos - do Estado que se faz
sociedade e da sociedade que se faz Estado - são contraditórios, pois
a conclusão do primeiro conduziria ao Estado sem sociedade, isto é,
ao Estado totalitário, e a conclusão do segundo à sociedade sem
Estado, isto é, à extinção do Estado, o fato é que eles estão longe de
se concluir e, exatamente, por conviverem não obstante a sua
contraditoriedade, não são suscetíveis de conclusão. Estes dois
processos representam bem as duas figuras do cidadão participante e
do cidadão protegido que estão em conflito entre si às vezes na
mesma pessoa: do cidadão que através da participação ativa exige
sempre maior proteção do Estado e através da exigência de proteção
reforça aquele mesmo Estado do qual gostaria de se assenhorar e
que, ao contrário, acaba por se tornar seu patrão. Sob este aspecto,
sociedade e Estado atuam como dois momentos necessários,
separados mas contíguos, distintos mas interdependentes, do sistema
social em sua complexidade em sua articulação interna." (p. 51-2).
Herbert de Souza (1991), depois de reafirmar a importância dos
mecanismos de participação popular na formulação e execução das políticas
públicas, declara:
"A esfera pública, comum a todos, constitui a esfera do
equacionamento da pluralidade de interesses em torno da luta pela
afirmação de direitos. E as entidades privadas têm que se submeter a
um conjunto de regras que, sem prejuízo da diversidade de perfis,
ajudem a dar visibilidade às suas ações e a aferir o seu grau de
interesse social. O que eqüivale dizer, que elas se tornem públicas,
Quanto ao conceito de local que, no caso do nosso sistema federativo,
coincide com o nível municipal, Tânia Fischer (1992) assim o entende:
"Aos estudos relacionais que situam o local como um dos níveis de
poder, agregam-se aqueles onde o local se afirma como um objeto de
estudo pela sua especificidade - uma história própria, um conjunto de
relações sociais delimitadas, um espaço de memória, de formação de
identidades e de práticas políticas específicas." (p. 108)
Lordello de Mello (1988) assim coloca a questão da participação do
município no processo de desenvolvimento:
"A participação do governo municipal na promoção do
desenvolvimento econômico e social vem sendo usada há longo tempo
como um componente estratégico das políticas de desenvolvimento
nacional pelos países desenvolvidos, que identificaram e utilizaram o
potencial de descentralização e as instuições de governo local para a
promoção do bem-estar da sociedade." (p. 45)
E adiante:
"Esse potencial mal foi descoberto e explorado pela maior parte
dos países em desenvolvimento. No entanto, onde quer que isso tenha
acontecido, os resultados podem ser tão significativos quanto os que
foram ou estão sendo conseguidos presentemente nas sociedades
avançadas. Na verdade, podem acelerar o processo de
desenvolvimento, engajando a comunidade em um amplo leque de
planos, projetos e programas essencialmente desenvolvimentistas e
levando o governo central a confiar mais mas administrações
municipais e, portanto, a atribuir-lhes funções mais importantes e
maiores recursos financeiros, assim estimulando também a
descentralização. Os excelentes resultados de muitas experiências em
diversos países indicam um futuro promissor para o envolvimento
direto dos governos locais no processo de desenvolvimento, coisa que
não deveria constituir monopólio dos níveis superiores de governo, já
que, em muitos casos, é no nível municipal que está o conhecimento
das reais necessidades da comunidade, assim como a adequada
escala política para a tomada de medidas estreitamente relacionadas
com os interesses cotidianos da população." (p. 45-6)
Observa-se, de fato, uma maior presença da política local, siginificando
No âmbito interno, vê-se que a política desenvolvida nas comunidades, bairros e
municípios disputa cada vez mais espaços com a política regional e nacional,
num esforço de reversão da situação de hegemonia do nacional sobre o local, da
subordinação das organizações e movimentos sociais às estruturas federais de
poder, fortalecedoras do Estado nacional.
Herbert de Souza (1991) entende que a municipalização, embora não
seja condição exclusiva, é essencial para que ocorra a democratização do
Estado:
"Os princípios constitucionais de descentralização
político-administrativa e de participação popular combinam-se, no âmbito
municipal, com a urgência da conversão do atual padrão administrativo
(centralizado, vertical, setorial) em um tipo de estrutura
(descentralizada, desconcentrada, territorial, horizontal) que contribua
para fortalecer os poderes locais. E isso remete ao desafio da
municipalização." (p.32).
Ou seja, a redemocratização nos daria apenas a possibilidade do exercício
dos direitos de cidadania, mas não a garantia de uma efetiva participação na
administração pública. Onde poderiam, nesse caso, ser os cidadãos bem
representados? Onde poderiam ser respeitados e melhor exercidos os seus
direitos? Entende o citado autor que os munícipios são o palco onde se trava a
luta social e política por intermédio da qual se torna possível a participação dos
cidadãos nas decisões, de modo a formar a base democrática e popular do
Estado. E acrescenta:
"Não se trata de prefeiturizar. Ou seja, a pretexto de descentralizar,
transferir toda a responsabilidade quanto à gestão de equipamentos e
serviços federais e estaduais instalados nos municípios para as
Prefeituras sob a égide, porém, dos interesse políticos gestados
naquelas esferas, perpetuando-se a prática da barganha entre poderes
e verbas. (...) Trata-se, pois, de fortalecer os municípios para a
gestão autônoma das políticas sociais, subordinadas às prioridades e
Defende o autor que, por estar mais próxima dos cidadãos, os efeitos da
mobilização da população podem ser percebidos mais efetivos e em menor
tempo.
Sérgio Abranches (1989), por sua vez, alerta para os riscos do processo de
descentralização. Afirma que uma política social coerente e eficaz depende de
real articulação com a política econômica, ou seja, a política econômica
socialmente orientada não pode prescindir do crescimento. Acrescenta o autor:
"A descentralização, embora desejável e até indispensável, comporta
riscos bastante altos. Todo processo de descentralização de que se
tem conhecimento enfrentou sérios obstáculos exatamente no plano
gerencial, seja na formulação de projetos e programas, seja na
composição de orçamentos e cronogramas, seja na sua
implementação e na gestão dos recursos. A incapacidade de antecipar
problemas desta natureza impede a adoção de medidas preventivas,
voltadas para o adequado aparelhamento das unidades que passariam
a responsabilizar-se pelos programas a serem descentralizados.
Torna-se inevitável a discrepância entre os resultados esperados e
aqueles efetivamente obtidos. A produtividade e eficácia dos
programas é comprometida, e eleva-se a parcela socialmente negativa
dos gastos", (p. 28)
De qualquer forma, o processo de democratização decorre, em boa parte,
da insatisfação dos cidadãos em verem os recursos de sua comunidade serem
geridos sem a sua participação, bem como da manifestação da sociedade civil
em lutar pelos recursos que julga ter direito. A possibilidade de acesso ao poder
público para a reivindicação de soluções para as suas necessidades é o
sustentáculo da democratização. E esse é o momento oportuno.
Como afirma Jorge Vianna Monteiro (1986), em estudo sobre as dimensões
do setor público, o cidadão-eleitor não deve ser necessariamente visto como um
ser passivo; a ação política do cidadão, sua iniciativa, pode ser decisiva na
esperar pela oferta de políticas (de dentro para fora do Governo), devem também
considerar o lado da demanda das políticas públicas (visão da política de fora
para dentro do Governo).
Pease e Mujica (1992), ao se referirem à democracia participativa,
apresentam entendimento análogo:
"Esta exige, como questão preliminar, a afirmação da democracia
representativa em toda a sociedade. (...). Supõe, ademais, a abertura
de canais diretos ao cidadão, não só em termos individuais mas
também em termos comunitários ou associativos. Exige, ainda,
transparência no processo político; e requer um tecido social
consistente, uma sociedade civil forte, cujas instituições logrem
penetrar no âmbito estatal com suas iniciativas, seus questionamentos
3. Participação
Nesta seção pretende-se passar em revista as posições de alguns autores
sobre o tema participação. Não se tem a intenção de rever aqui toda a discussão
sobre os mecanismos, a ideologia ou os fundamentos da participação popular na
gestão da "coisa pública". A onda associativa que se vem observando a partir dos
anos 70 - da qual decorreu a estruturação das chamadas comunidades - é fato
inquestionável,
é um
dado
da
realidade.
É
sobre
essa
realidade
que
se
busca
trabalhar, sem maiores preocupações com a validade dos pressupostos que a
embasam. Embora o estudo não se ocupe de uma pesquisa inquisitiva, mas sim
metodológica, a abordagem desse aspecto é relevante para o trabalho.
Curtis Ventriss (1985) - ao demonstrar que a participação ocorre no interior
de um universo político cheio de pressões no qual as forças econômicas e sociais
muitas vezes deturpam o seu significado e a sua prática - relaciona o tema com o
poder político e a sua legitimidade:
"O verdadeiro fundamento da participação é tão importante, e tão
largamente comentado, que está intrinsecamente relacionado com
muitos outros temas essenciais. Os cidadãos lidam com o significado
de considerações normativas e práticas, tais como: virtude cívica,
justiça social, cidadania, conflito e cooperação social, teoria
democrática, comunidade, interesse público, e assim por diante. A
participação também desperta o mais importante assunto de todos: o
poder político e a legitimidade do poder que, em determinado
momento, esteja predominando na sociedade." (p. 433)
Luiz Alberto Bahia (1994), alertando para a situação de desigualdade
social, propõe a descentralização do poder político:
"Não é preciso dizer que a igualdade existe como direito e a
desigualdade como realidade. O direito permanecerá distante da