R6V. Bras. Cir. Cardiovasc. 7(2):121-126.1992.
Modificação técnica na cirurgia da
estenose aórtica supravalvar
Luiz Carlos Bento de SOUZA*, Paulo CHACCUR*, Jarbas J. DINKHUYSEN*, M. A. FONTES***, Valmir
F. FONTES*,
C~miloABDULMASSIH NETO*, Antoninho S. ARNONI**, Maria Virgínia D. SILVA**, Ieda
B. Jatene BOSISIO***, Paulo P. PAU LI STA**, Adib D. JATENE***
RBCCV 44205-170
SOUZA. L. C. B.; CHACCUR, P.; DINKHUYSEN, J. J.; FONTES, M. A.; FONTES, V . F.; ABDULMASSIH NETO, C.; ARNONI, A. S .; SILVA, M. V. D.; BosíSIO, I. B. J.; PAULISTA, P. P.; JATENE, A . D. -Modificação técnica na cirurgia da estenose aórtica supravalvar. Rev. Bras. Cir. Cardiovasc.,
7(2):121-126,1992.
RESUMO : O tratamento cirúrgico convencional da estenose aórtica supravalvar caracteriza-se pela ampliação de um ou mais seios de Valsalva, utilizando-se retalhos de material protético, com ou sem secção transversal da aorta. Uma possível limitação dos resultados deste procedimento é o fato do endurecimento ou calcificação do enxerto, dificultando o desenvolvimento da raíz da aorta, mormente quando a cirurgia é realizada em criaças. Para evitar essa complicação, desenvolvemos uma modificação técnica que. efetivamente, amplia o diâmetro da raíz da aorta, sem o uso de material protético. aproveitando apenas o tecido sadio da parede da aorta ascendente, para reconstruir e ampliar os seios de Vasalva . Com esta técnica foram operados 4 pacientes com diagnósticos clínico e hemodinâmico de estenose aórtica supravalvar, com os seguintes dados clínicos : idades, 1 ano e 11 meses, 3 anos e 9 meses, 15 e 36 anos, sexo masculino três casos, peso corporal de 10, 12, 27 e 56 kg. Dois pacientes tinham dispnéia, um ' palpitações freqüentes e outro era assintomático. Os gradientes entre a cavidade livre do ventrículo esquerdo e aorta ascendente eram de 50, 70, 100 e 100 mmHg . Os pacientes foram operados com o auxílio da circulação extracorpórea, de hipotermia moderada e emprego de cardioplegia cristalóide . A aorta ascendente foi dissecada em toda sua extensão, preferindo-se canular a artéria femoral para o retorno arterial, a fim de liberar a aorta ascendente para o procedimento. Após transecção total da aorta e ressecção do tecido fibrótico estenosante, foram feitas incisões na borda livre até o fundo dos seios de Valsalva. Foram realizadas incisões longitudinais na porção distal da aorta, nas regiões correspondentes aos postes comissurais da valva aórtica, de tal forma que, durante a reconstrução por sutura direta, um segmento da parede aórtica ficasse ampliando um seio de Valsalva, obtendo -se, assim, uma raíz de aorta de aspecto anatómico e dimensões normais . Todos os casos, tiveram evolução favorável. Atualmente, com um período de pós-operatório de até seis meses, estão assintomáticos
DESCRITORES : estenose aórtica, supravalvar, cirurgia; valva aórtica , cirurgia.
INTRODUÇÃO
A estenose aórtica supravalvar é interpretada como uma obstrução congênita, localizada ou di-fusa , iniciando-se imediatamente acima da valva aórtica e dos óstios coronarianos .
situadas proxlmas à valva aórtica, ela representa,
segundo PETERSON etalii '05,8%, BEUREN etalii 1
3,2% e HANCOCK 6 0,6% dos casos de estenose
aórtica .
Entre as deformidades que produzem
obstácu-lo
à
livre ejeção do ventrículo esquerdo (VE) eA correção cirúrgica dessa lesão foi realizada pela primeira vez em agosto de 1956, por McGOON et a/ii 8 , usando a técnica de alargamento da raíz da
Trabalho realizado do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e no Hospital do Coração da Associação do Santório Sírio . São Paulo . SP, Brasil. Apresentado ao 199 Congresso Nacional de Cirurgia Cardíaca . São Paulo , SP , 7 a 9 de março de 1992 .
* Do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e do Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio .
** Do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.
*** Do Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio
SOUZA,~. C. B.; CHACCUR, P. ; DINKHUYSEN, J . J.; FONTES, M. A.; FONTES, V. F.; ABDULMASSIH NETO, C.; ARNONI, A. S.; SILVA, M. V . D.; BosíSIO, I. B. J.; PAULISTA, P. P. ; JATENE, A. D. - Modificação técnica na cirurgia da estenose aórtica supravalvar . Rev. Bras. Cir. Cardiovasc., 7(2) :121-126,1992.
aorta na região correspondente ao seio não coro-nariano, com material protético .
Posteriormente, em 1977, DOTY et alii 4
cha-maram a atenção para a necessidade de se fazer a aortoplastia estendida, ampliando , também, o seio coronariano direito .
A primeira referência sobre o uso de secção transversal da aorta comJessecção do tecido fibro-so estenosante e reaproximação dos cotos aórticos
foi de HARA et alii 7, em 1962.
Mais recentemente , em 1990, BROM 3 propôs
a secção transversal da aorta, seguida de uma incisão longitudinal desde a borda livre do orifício estenótico até o seio de Valsalva, nos três seios, ampliando -os com retalhos de pericárdio bovino.
Entre nós, MURAD et alii 9 apresentaram seus
re-sultados com essa técnica .
Atualmente, temos uma dupla opção técnica para a cirurgia da estenose aórtica supravalvar, na forma localizada : a primeira representada pela ampliação longitudinal da aorta, em um ou dois seios coronarianos , e a outra após secção trans-versa, ampliação dos seios coronarianos com reta-lhos de pericárdio individualmente seguida de anas-tomose das duas porções da aorta .
A finalidade do presente trabalho é apresentar uma modificação técnica onde, após a secção trans-versal da aorta, os seios de Valsalva são ampliados pela própria parede da aorta ascendente preparada para essa finalidade . Desta forma não teremos ma-terial protético fazendo parte da correção e, por conseguinte, sem eventuais complicações pelo com-portamento desses tecidos, principalmente em cri-anças.
Sob o ponto de vista cirúrgico, existem dois tipos de estenose aórtica supravalvar: a localizada, interessando somente a área acima das válvulas e
LOCA LI ZADA DIFUSA
Fig .1 - Representação esquemática das duas formas da estenose aórtica supravalvar : localizada e difusa.
os óstios coronarianos, e a difusa, englobando aorta ascendente, croça e, eventualmente, os troncos supra-aórticos . Referiremo-nos , no presente traba-lho, ao tratamento cirúrgico da forma localizada (Figura 1).
CAsuíSTICA E MÉTODOS
No período entre de 1991 e março de 1992, foram operados 4 pacientes portadores de estenose aórtica supravalvar.
Três (75%) eram do sexo masculino, com ida-des de 1 ano e 1 meses, 3 anos e 9 meses, 15 anos e 38 anos . O peso corporal foi de 10, 12, 27 e 56 kg . O paciente de 38 anos e, portanto, com maior peso corporal, era do sexo feminino.
Dois pacientes apresentavam dispnéia (GFI-1, GFIII-1) , um tinha palpitações freqüentes e outro era assintomático.
Os 3 pacientes mais jovens apresentavam si-nais da síndrome descrita, primeiramente, por
WI LLlAMS et alii 14 e, posteriormente, por BEUREN
et alii 2, onde aparência facial (elfin face), graus
variáveis de retardo mental, problemas odontoló-gicos e estenoses periféricas em ramos da artéria pulmonar representam as anormalidades mais su-gestivas.
A paciente de 38 anos de idade não mostrava sinais dessa síndrome , parecendo ser um caso da forma esporádica da enfermidade .
Todos os casos apresentavam sopro sistólico em área aórtica, algum aumento da área cardíaca e sobrecarga ventricular esquerda ao eletrocardio-grama.
Os achados anatômicos obtidos pelo ecocardio-g rama foram concordantes com os apresentados P110 estudo hemodinâmico (Figura 2) .
Os gradientes entre a cavidade livre do ventrí-culo esquerdo e a aorta ascendente foram de 50, 70, 100 e 100 mmHg, respectivamente.
Não havia defeitos card íacos associados; so-mente no caso de número 3 (15 anos , masculino) foi encontrada associação de pequeno refluxo aórtico .
/ A primeira operação com esta técnica foi
rea-lizada em 01/10/91.
SOUZA, L. C. B.; CHACCUI;l , P.; DINKHUYSEN , J . J. ; FONTES , M. A.; FONTES, V. F.; ABDULMASSIH NETO, C.; ARNONJ,-A. S.; SILVA, M. V . D. ; BOSISIO, I. B. J.; PAULISTA, P. P.; JATENE, A. D. - Modificação técnica na cirurgia da estenose aórtica supravalvar. Rev. Bras. Cir. Cardiovasc., 7(2) :121-126,1992.
Fig . 2 - Ventriculogralia esquerda em OAE dos 4 casos, acompa-nhada das pressões de VE . Ao e gradiente sistólico .
É
dissecada e canulada a artéria femoralco-mum para o retorno arterial, a fim de podermos ter livre a aorta ascendente para o procedimento.
A circulação extracorpórea foi empregada com hipotermia sistêmica de 28°C e indução de car-dioplegia com solução cristalóide fria e hipercalê-mica infundida na raíz da aorta .
A aorta é transeccionada imediatamente acima da área estenótica.
A porção proximal contendo o orifício estenótico impede a visibilização adequada do interior dos seios da Valsalva , pelo que iniciamos uma incisão vertical da borda do orifício em direção ao fundo do se io não coronariano. Isto permite uma boa apresenta-ção para identificaapresenta-ção dos óstios coronarianos. Em seguida, realiza-se uma segunda incisão vertical no seio coronariano direito, que, pela visão do
cirur-gião, deverá passar
à
esquerda do óstio coronarianodireito.
A terceira incisão, praticada no seio coronariano
esquerdo, deve ser conduzida
à
direita do óstiocoronariano, evitando , assim, lesão no tronco da coronária esquerda, que passa posteriormente ao seio de Valsalva (Figura 3).
Na porção distal da aorta previamente dis -secada, são feitas incisões longitudinais, que têm início no local onde os postes comissurais, na porção proximal, se protejam no orifício da aorta distal. A profundidade dessas incisões é a suficiente para transformar o orifício da aorta distal, em uma for-mação com três prolongamentos cuja parte mais proeminente deverá alcançar o fundo da incisão previamente feita no seio de Valsalva correspon-dente (Figura 3) .
Fig . 3 - Incisões feitas nos seios de Valsalva proximalmente e nll aorta distalmente .
Com fio de monofilamento 5-0, processe,-se a sutura da aorta em toda a circunfe rência e que tomará um aspecto sinuoso, subindo ao nível dos postes comissurais e descendo ao fundo dos seios de Valsalva (Figuras 4 e 5) . A eliminação do ar é feita por uma contra-abertura longitudinal na aorta ascendente.
o
tempo de perfusão cardiopulmo nar variou deSOUZA, L. C. B.; CHACCUR , P.; DINKHUYSEN , J. J. ; FONTES , M. A.; FONTES , V. F. ; ABDULMASSIH NETO, C.; ARNONI , A. S.; SILVA, M. V. D. ; BosíSIO, I. B. J. ; PAULISTA, P. P.; JATENE, A. D. - Modificação técnica na cirurgia da estenose aórtica supravalvar. Rev. Bras. Cir. Cardiovasc., 7(2) :121-126, 1992.
Fig . 5 - Aspecto final da sutura, mostrando a linha sinusoidal da anastomose .
50 a 75 minutos, com média de 62,5 minutos. O tempo de pinçamento aórtico variou de 40 a 50 minutos, com média de 44 ,2 minutos.
Todos os pacientes saíram da circulação extra-corpórea em boas condições hemodinâmicas.
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RESULTADOS
Antes do fechamento do tórax, foram medidas as pressões da cavidade livre do ventrículo esquer-do e da aorta ascendente, e os gradientes residuais encontrados foram de 20, 20, 35 e 40 mmHg.
Não houve mortalidade hospitalar.
No primeiro mês de pós-operatório, foram rees-tudados hemodinamicamente 2 pacientes, os que apresentaram os gradientes residuais mais eleva-dos, 35 e 40 mmHg . No reestudo, os gradientes caíram para 10mmHg e zero, respectivamente (Fi-guras 6 e 7).
Esse fato deixa a entender que esses pequenos
gradientes estariam relacionados à hipertrofia da
via de saída do VE, que, com a evolução, têm tendência a regredir.
Os pacientes evoluem em período pós-operató-rio de um a seis meses, estando todos assinto-máticos.
COMENTÁRIOS
SOUZA, L. C. B.; CHAccu~ , P.; DINKHUYSEN , J. J.; FONTES, M. A.; FONTES, V. F.; ABDULMASSIH NETO, C.; ARNONI, A. S.; SILVA, M. V. D.; BOSISIO, I. B. J.; PAULISTA, P. P.; JATENE, A. D. - Modificação técnica na cirurgia da estenose aórtica supravalvar . Rev. Bras. Cir. Cardiovasc., 7(2):12 1-126, 1992.
vernrlc:Ule,graLma em diástole e sfstole do caso de nO 4. A série horizontal é pré-operatória e a inferior é pás-operatória.
estenosada utilizando material protético, e a res-secção por res-secção transversal da aorta com ampli-ação dos três seios de Valsalva , também com material protético, seguida de reconstrução da aorta por plano de sutura horizontal.
Ainda que os poucos relatos sobre resultados
com esses procedimentos sejam satisfatórios 5.11 . 1 3,
é possível prognosticarem-se alguns problemas na evolução tardia, principalmente quando a cirúrgia é realizada em criança onde o enrijecimento dos te -cidos protéticos empregados pode prejudicar o cres-cimento adequado da raíz da aorta.
Na técnica preconizada por SROM 3 , o volume
de material protético não é pequeno, associado à
sutura da aorta em um único plano, o que poderá provocar graus variáveis de estenose com o cres-cimento .
A proposição destas modificação técnica, por não necessitar de enxertos artificiais e realizar a sutura da aorta seguindo uma linha sinusoidal, evitaria qualquer possibilidade de reestenose na de-pendência dos dois fatores anteriormente citados .
SOUZA, L. C. B. ; CHACCUR, P. ; DINKHUYSEN, J . J .; FONTES, M. A .; FONTES , V. F. ; ABDULMASS IH NETO, C.; ARNONI, A. S.; SILVA, M. V . D.; BosíSIO, I. B. J.; PAULISTA, P. P.; JATENE, A D. - Modificação técnica na cirurgia da estenose aórtica supravalvar. Rev. Bras. Cir. Cardiovasc., 7(2) :121 -126,1992.
RBCCV 4420.5-170.
SOUZA, L. C. B.; CHACCUR, P.; DINKHUYSEN, J. J; FONTES, M. A.; FONTES, V. F.; ABDUL MASSIH NETO, C.; ARNONI, A S.; SILVA, M. V. D.; BosíSIO, I. B. J.; PAULISTA, P. P.; JATENE, A. D. - New tecnical modification for supravalvar aortic stenosis surgical treatment. Rev. Bras. Cir. Cardiovasc.,
7 (2):121-126,1992.
ABSTRACT: The standard surgical treatment of the supravalvar aortic stenosis is characterized by the ampliation of one or more sinus of Valsalva utilizing patch of prosthetic material (Dacron, bovine pericardium) with or without transsection of the aorta. One possible limitation on late results with these procedures is the fact of graft thickening or calcification, difficulting 'the aortic root growing, mainly when the patient is a child . ln order to avoid this complication, we propose a new technical modification that effectivelly incresses the aortic diameter, withoutthe use of prosthetic material, using only the normal ascending aortic wall to reconstruct and enlarge the stenotic area. We performed this procedure in 4 patients with ages ranging from 23 months to 38 years old (m - 14, 5, Y. O ,), weighing from 10. to 56 kg (m - 26,2 kg). The three young patients had sings of Williams syndrome. The gradients between left ventricle and aorta were 50., 70., 1 CC and 1 CC mmHg. Cristaloid cardioplegia was infunded antegrately. The ascending aorta was entirely mobilized. After aortic transsection immediately above the stenotic point, we made vertical incisions from the free edge to the botton ofthe Valsalva sinuses. Sometimes the size and position of the left coronary ostium impedes the incision on the left Valsalva sinus. On the distal aorta we made three longitudinal incisions in the position corresponding to the comissures of the aortic valve. Suturing these two parts we reconstructed the aortic root anatomicaly. The four patients had uneventful hospitalization and were discharged in good cl inical condition . With a follow-up from 1 to 6 months, ali the patients are assymptomatic.
DESCRIPTORS: supravalvar aortic stenosis, surgery; heart valve, aortic, surgery.
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