“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
unesp
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ESTILOS PARENTAIS E VIOLÊNCIA: OS MODOS DE TUTELA E A RELAÇÃO COM O COMPORTAMENTO DOS FILHOS NA ESCOLA
PAULA CRUZ GOITEIN RODRIGUES
Orientadora: Profª. Drª. Leila Maria Ferreira Salles
Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em 13 de dezembro de 2013 .
UNESP
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FIHO”
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ESTILOS PARENTAIS E VIOLÊNCIA: OS MODOS DE TUTELA E A RELAÇÃO COM O COMPORTAMENTO DOS FILHOS NA ESCOLA
PAULA CRUZ GOITEIN RODRIGUES
Cruz Goitein Rodrigues. - Rio Claro, 2014 64 f. : il., gráfs., tabs.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro
Orientador: Leila Maria Ferreira Salles
1. Psicologia educacional. 2. Relação do estilo parental. 3. Relações familiares. 4. Violência escolar. 5. Bullying. 6. Práticas educativas parentais. I. Título.
Gostaria de agradecer, primeiramente, à minha família. Meus pais Maria
Rita e Roberto e irmãos Pedro e Gisela, que me deram muito apoio durante
esses anos, sempre usando as palavras certas para me animar e acalmar. Meu
marido Bruno que me ajudou e teve paciência em momentos mais difíceis, com
carinho e atenção. A todos vocês, por sempre se preocuparem e me
incentivarem.
À minha orientadora Leila Salles que deu toda a base para que eu
pudesse escrever meu trabalho e teve muita paciência comigo. Suas correções
e anotações que sempre foram de muita ajuda.
Às minha amigas Izilda, Dayene, Michele, Priscila e Rita que me fizeram
passar por esse caminho de uma maneira mais fácil.
Aos colegas de Mestrado Camila e Luciano, pelas várias discussões e
pelos momentos de descontração.
Aos professores Joyce, Rosa, Luiz Carlos, Raquel, José Aragão e Maria
Aparecida Segatto, pelas discussões em sala de aula que ajudaram muito no
decorrer da construção desse trabalho.
Agradeço a todos, pois vocês fizeram toda a diferença no passar desses
Índice
RESUMO ... i
INTRODUÇÃO ... ii
1. Objetivos ... iv
2. Procedimentos metodológicos ... iv
3. Procedimento de análise dos resultados ... v
CAPÍTULO UM ... 1
VIOLÊNCIA NO ÂMBITO ESCOLAR ... 1
1.1.Definições de violência ... 1
1.2.A Violência no âmbito escolar ... 5
1.3.Violência em escolas brasileiras ... 9
1.4.Bullying: uma forma particular de violência na escola ... 13
CAPÍTULO DOIS ... 22
MODOS DE TUTELA FAMILIAR E AUTORIDADE ... 22
2.1. Tutela Familiar... 22
2.2. Estilos parentais e sua relação com protagonistas de violência na escola e vítimas de bullying ... 26
CAPÍTULO TRÊS ... 33
RELAÇÃO ENTRE OS ESTILOS E PRÁTICAS EDUCATIVAS PARENTAIS COM OS COMPORTAMENTOS DE BULLYING...33
3.1 Os artigos pesquisados ... 33
3.2 Artigos sobre a temática bullying ... 34
3.3 Estilos parentais e a relação com os comportamentos de bullying...44
CAPÍTULO 4 ... 55
CONSIDERAÇÕES FINAIS/CONCLUSÃO ... 55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 57
Índice de Tabelas
Tabela 1 - Descrição dos artigos: bullying ... 34 Tabela 2 – Número de artigos em cada periódico sobre a temática: bullying ... 37 Tabela 3 - Número de artigos em cada periódico sobre a temática: estilos
Estilos parentais e violência: os modos de tutela e a relação
com o comportamento dos filhos na escola
RESUMO
Esse estudo envolve aspectos da violência, tendo como base os
comportamentos das famílias e os estilos com que estas educam seus filhos.
Tem como objetivo levantar na literatura o que se diz a respeito da relação
entre tutela e práticas educativas de jovens agressores ou vítimas de bullying.
Para isso são discutidos os conceitos de violência, a violência nas escolas
brasileiras e um tipo específico de violência: o bullying. É desenvolvida uma
discussão sobre os estilos parentais empregados na educação dos filhos e a
relação dos estilos parentais com o jovem que sofre bullying e o jovem que
pratica violência. No total foram encontrados 46 artigos escritos entre 1999 e
2013, sendo 27 a respeito de bullying e 19 artigos a respeito de estilos
parentais e sua relação com o bullying e com o protagonismo de violência.
Diante dos textos discutidos pode-se perceber que é possível que a prática
parental utilizada pelos pais na educação de seus filhos possa interferir na
maneira como esses se relacionam na escola, mas ainda há necessidade de
mais pesquisas dentro dessa área, buscando conhecer as práticas parentais
relacionadas especificamente com os comportamentos de bullying.
Palavras-Chave: violência, violência escolar, bullying, estilos parentais, práticas
INTRODUÇÃO
O interesse em desenvolver este estudo surge do projeto intitulado
“Violência na escola: as influências do clima organizacional e das relações
familiares” que foi financiado pela FAPESP (Processo n. 07/04102-1) e
desenvolvido por uma equipe de professores com a intenção de investigar a
temática dos jovens e violência. Este projeto da FAPESP teve como um dos
seus interesses investigar a relação que a violência protagonizada por jovens
na escola tem com aspectos da família.
Atualmente, este mesmo grupo de pesquisa, ao qual se integra este
trabalho desenvolve o projeto “Violência de jovens e violência escolar: estudo
sob a ótica do imaginário escolar e da inserção social”. Este projeto, que
também é financiado pela FAPESP (Processo n.2010/09317-9) tem por
objetivos caracterizar os modos de inserção das escolas e dos jovens no
bairro, o imaginário dos jovens sobre a escola, seus projetos de vida e o
imaginário dos educadores sobre o significado da escola para os jovens
visando a prevenção da violência no âmbito escolar. Para tanto busca, entre
outros, mapear as ações das escolas voltadas a sua integração na sociedade e
examinar a relação que as escolas estabelecem com os jovens da comunidade
e suas famílias. Deste modo, a relação escola família permanece ainda como
uma temática de interesse para este grupo de pesquisa.
O estudo sobre escola, família e relações familiares evidenciou que a
família é considerada pelos educadores como a principal causa dos
comportamentos violentos protagonizados pelos jovens (ALMEIDA;
CARDOSO; COSTAC, 2009). A violência dos jovens na escola é explicada por
professores nos estudos financiados pela Fapesp, citados acima a partir dos
modos de organização familiar e as práticas educativas que os pais empregam
na criação dos filhos. Embora os educadores pareçam diferenciar as famílias
pobres entre si, acreditam que há famílias pobres tidas como adequadas e
famílias pobres que são inadequadas para criar seus filhos.
Para os educadores, segundo as pesquisas acima citadas, os jovens
constituem um reflexo da família, e esta, cujo jovem é protagonista de
violência, é tida pelos educadores como desestruturada, pois tem pais
limites. Os professores criticam os modos de imposição de autoridade e com
isso os estilos parentais que os pais empregam com seus filhos. Entende-se
por estilos parentais o conjunto das práticas ou atitudes educativas utilizadas
pelos pais com o objetivo de educar, socializar e controlar o comportamento de
seus filhos (GOMIDE, 2006).
Os docentes e gestores das escolas estudadas dizem que a tutela
familiar exercida pelas famílias dos alunos pode ser diferenciada entre a
permissividade, o autoritarismo, e a negligência, indicando que os estilos
parentais empregados pelos pais dos alunos são criticáveis, seja por serem
autoritários, permissivos ou negligentes.
Essas afirmações estão conforme a literatura, pois vários estudos –
como os de Segond (1992), Hoffman (1994), Kreppner (2000), Cecconello, De
Antoni e Koller (2003), Weber, Prado, Viezzer e Brandenburg (2004) e Gomide
(2006) – indicam que filhos de pais negligentes, permissivos ou autoritários
exibem comportamentos violentos.
Nos projetos citados anteriormente as famílias dos alunos não foram
investigadas diretamente, pois os estilos parentais foram examinados somente
por meio de questionários aplicados aos alunos. A participação nesses projetos
levantou várias indagações, principalmente no que diz respeito à tutela, aos
modos de imposição de autoridade dos pais e as práticas educativas que
empregam na criação de seus filhos. Indaga-se então se há diferenças na
tutela familiar conforme os jovens sejam protagonistas de violência na escola?
Os estilos parentais e as práticas educativas são distintos nas vítimas de
bullying?
Embora o protagonismo de violência de jovens e as situações de
bullying não possam ser reduzidos aos estilos parentais e práticas educativas,
pois diversos fatores além destes estão presentes, como a marginalização
escolar (CANDAU; LUCINDA; NASCIMENTO, 1999) e as questões de caráter
político (FERNANDEZ-VILLANUEVA; DOMÍNGUEZ; REVILLA; GIMENO,
1998), essas são as visões norteadoras desse projeto.
O interesse central do presente estudo é, então, o de investigar como
foram abordados nos artigos consultados os modos de tutela e as práticas
educativas dos pais e/ou responsáveis tanto quando os jovens são agressores
A importância desse estudo está em conhecer-se algumas das
diferentes práticas parentais e algumas das possíveis consequências do uso
dessas práticas nos comportamentos dos filhos. O conhecimento desses
fatores poderá facilitar futuras discussões entre a escola e a família sobre o
tema da violência, especificamente do bullying, e possibilitar a implementação
de atividades de prevenção desse tipo de violência.
1. Objetivos
O objetivo geral desta pesquisa é:
Levantar na literatura o que se diz a respeito da relação entre tutela e práticas educativas de jovens agressores ou vítimas de bullying
Os objetivos específicos desta pesquisa são:
Mapear os artigos publicados que tenham por tema bullying, estilos parentais e sua relação com o protagonismo de violência.
Analisar estas publicações. 2. Procedimentos metodológicos
Para atingir os objetivos propostos neste estudo foi feito um
levantamento bibliográfico sobre os modos de tutela e a relação com o bullying,
sejam os jovens protagonistas de situações de violência ou vítimas desta
violência.
Para tanto, foi feita uma busca eletrônica de artigos indexados nas
bases de dados SciELO, LILACS e Periódicos CAPES, sendo encontrados
artigos com período entre 1999 e 2013 com as seguintes palavras-chave:
violência, violência escolar, bullying, estilos parentais, tutela familiar, relações
familiares.
Foram escolhidos apenas os artigos de revistas de psicologia e
educação, tais como Diálogo em Educação, Educação e Pesquisa, Estudos de
Psicologia, Psicologia e Sociedade, Psicologia: Teoria e Prática, Revista
outras; pois a intenção era de se estudar tanto o bullying escolar como as
relações dos jovens no ambiente escolar e familiar.
Para o desenvolvimento deste estudo foi feito também um levantamento
bibliográfico acerca dos temas ‘violência’ e ‘violência na escola’, assim como da
relação dos modos de tutela familiar, estilos parentais e sua relação com a
violência de jovens, que contribuísse para a fundamentação e compreensão da
temática, objeto deste estudo. Este levantamento foi feito em livros e artigos
publicados sobre o tema, partindo-se de textos mais gerais sobre bullying, que
discutissem seu conceito e procurando-se nas referências artigos que
estivessem relacionados ao tema.
Após a seleção, os artigos foram categorizados visando detectar, no
conjunto das reportagens selecionadas para análise, os temas, ênfases e
padrões que emergem na leitura do material.
3. Procedimento de análise dos resultados
Essa é uma pesquisa documental, que tem como fonte de dados artigos
publicados em periódicos. Segundo Gil (2002, p. 44), “a pesquisa bibliográfica
é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente
de livros e artigos científicos”.
Ainda de acordo com o autor o objetivo desse tipo de pesquisa é colocar
o pesquisador em contato com o que já se produziu sobre a temática estudada
e permite um aprofundamento teórico sobre esta.
A pesquisa documental, segundo Gil (2002), é fonte rica e estável de
dados. De acordo com Pádua (1997, p.62), “a pesquisa documental é realizada
a partir de documentos contemporâneos ou retrospectos considerados
cientificamente autênticos”.
Quando um pesquisador utiliza documentos em seu estudo, conforme
Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009), faz uso de vários aspectos
metodológicos, usa técnicas para manuseio e análise do documento, segue
etapas e procedimentos, organiza as informações a serem usadas e analisadas
e elabora sínteses.
Para Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009), a análise documental cria
elementos da problemática, os interesses e os conceitos-chave (CELLARD,
2008 apud SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009). Para analisar documentos
faz-se uso da análise de conteúdo que é o “conjunto de técnicas de
investigação utilizadas em ciências humanas onde os elementos fundamentais
são identificados, numerados e categorizados” (APPOLINARIO, 2009 apud
SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009, p. 5). Após o processo de categorização é
feito um aprofundamento em que se examina o material coletado no intuito de
aumentar o conhecimento sobre a temática, buscando ligações entre as
categorias (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009).
Para Bardin (1977), a análise de conteúdo é um conjunto de
instrumentos metodológicos que se aperfeiçoa constantemente em que se
aplicam a discursos diversificados (Bardin, 1977), principalmente na área de
humanas com objetivos bem definidos que servem para decodificação de uma
mensagem no texto. Para isso deve-se tratar a informação a partir de um
roteiro específico iniciando na escolha dos documentos, as hipóteses a serem
seguidas e os objetivos da pesquisa. As técnicas de análise são realizadas
seguindo-se o objetivo da pesquisa e tanto a exploração do material quanto a
interpretação e análise deve seguir um roteiro específico. Na análise dos
resultados deve-se comparar os textos para verificar se existe algo que os
associe e agregue e a teoria deve ser buscada constantemente durante a
análise a ser feita, pois é a teoria que dá embasamento à pesquisa.
4. Estrutura do trabalho
Esse trabalho está dividido em quatro capítulos:
Capítulo 1 – Violência no âmbito escolar.
Nesse capítulo são discutidos: os conceitos de violência e violência
escolar; a questão da violência nas escolas brasileiras, citando alguns
programas de prevenção; e um tipo específico de violência, o bullying,
seu conceito, características, consequências e possíveis formas de se
Capítulo 2 – Modos de tutela familiar e sua relação com os comportamentos de bullying.
Nesse capítulo são discutidos os modos de tutela familiar, seu conceito,
descrição e características; e discute-se a relação dos modos de tutela
familiar com o comportamento de jovens na escola, relacionando-se com
o bullying.
Capitulo 3 – Os artigos pesquisados
Nesse capítulo são discutidos os artigos que foram pesquisados e é feita
análise dos resultados obtidos na pesquisa.
CAPÍTULO UM
VIOLÊNCIA NO ÂMBITO ESCOLAR
Neste capitulo são discutidas, em um primeiro momento, as definições de
violência delineadas na literatura da área. Em seguida trata-se da violência no
âmbito escolar e da violência em escolas brasileiras. A parte final destaca o bullying
como uma forma particular de violência presente na escola.
1.1. Definições de violência
A questão da violência é um tema já antigo e sua veiculação pelos noticiários
é cotidiana. Tem caráter internacional, mas há pontos cruciais nesse fenômeno que
merecem investigação.
Esses pontos, que necessitam conceituação para serem devidamente
estudados, envolvem a ideia de crime e transgressão, abrangendo suas relações
com a racionalidade. As questões históricas precisam estar presentes nessa análise,
pois envolvem situações de natureza social, econômica e política (PINO, 2007).
Além disso, as questões semânticas do tema “violência” carecem de precisão para
uma análise mais devida, pois abrangem variáveis de natureza psicológica, já que a
parte emocional exerce efeitos no imaginário das pessoas.
O conceito de violência é muitas vezes associado aos conceitos de crime e
agressão, porém são conceitos distintos. Crime é o ato de transgressão da lei penal,
não sendo, necessariamente, um ato violento, como por exemplo, ultrapassar o
limite de velocidade de uma rodovia (PINO, 2007). Alguns atos tidos como não
violentos podem ser a sua mais pura expressão, como a simbólica e a institucional.
Como, segundo dicionários, a violência é vista como a ação que contraria direitos e
justiça, deixa-se de levar em conta que a Justiça e o Direito podem em si conter a
chamada “violência institucional” (PINO, 2007).
O conceito de agressão diz respeito à questão do instinto de sobrevivência,
seja de seres humanos ou de animais. O instinto animal é genético. No homem o
instinto é subordinado “às leis históricas da cultura, que passam a regular seus
homem, portanto, significa suas ações, não existindo a possibilidade de qualificar
seus atos agressivos como os de animais.
Charlot (2002) também distingue a violência da agressão e da agressividade.
Para o autor “a agressividade é uma disposição biopsíquica reacional: a frustração
(...) leva à angústia e à agressividade” (p.435). A agressão, entretanto, é ato que
implica em brutalidade física ou verbal, implica em força e dominação (em todas as
suas formas). O uso da força faz da agressão um tipo de violência.
Mas ainda dentro da agressão há uma diferença entre aquela que usa de
ameaça e aquela que usa de violência. A agressão violenta usa de uma força maior
do que a necessária pelo “prazer em se fazer o mal” (CHARLOT, 2002).
Charlot (2002) distingue a violência (atacar a lei com uso da força, ameaças
provocando lesões, como extorsão, tráfico de drogas), a transgressão
(comportamento contrário a regulamentos, mas não à lei, como falta de respeito, não
fazer as lições escolares) e a incivilidade (sem contradizer regulamentos e lei; ataca
as regras da boa convivência, como insultos, grosserias). Essa distinção evita que
se misture tudo em categoria única, permitindo designar lugares distintos para
tratamento dos fenômenos.
Porém, Charlot (2002) explica que essa distinção hoje já está ultrapassada,
pois a violência, a transgressão e as incivilidades estão misturadas no cotidiano
escolar e a incivilidade, às vezes acumulada, pode ser merecidamente chamada de
violência. Diante disso, Charlot (2002) cita Carra e Sicot (1997) que fizeram uma
pesquisa para definir a violência buscando nos alunos a sua definição. Essa
pesquisa foi feita, pois esses autores acreditam que um pesquisador não tem
legitimidade para estabelecer o que é ou não é violência. Na pesquisa descobriram
que os alunos definem diversas formas de violência tais como: falta de respeito por
parte de professores, desrespeito a pertences, furtos, chantagem, golpes, racismo,
extorsão e agressões diversas (CHARLOT, 2002).
Debarbieux (2002) define a violência de uma maneira mais ampla, ou seja,
inclui atos de delinquência que não são passíveis de punição, como as incivilidades.
Para o autor, a violência deve dizer respeito tanto a incidentes causadores de
estresse quanto a agressões brutais, pois nos dois casos existem vítimas e a voz
delas deve ser ouvida e levada em consideração. Corre-se o risco, nesse tipo de
extrema limitação, por outro lado, também traz problemas, pois a “microviolência”
acaba por ser negligenciada nas análises.
Em termos epistemológicos, a maioria dos autores (DEBARBIEUX, 1998;
GOTTFREDSON, 2001; ROCHÉ, 1996) aceita a definição mais ampla de violência
que inclui desde as agressões brutais até atos de delinquência nem sempre
passíveis de punição, como xingamentos, isolamento social e humilhação. A
questão é como delimitar o assunto para nele pensar. Em que se resumem atitudes
chamadas de violentas? Em incivilidade, xingamentos, linguagem rude,
empurra-empurra, humilhação? É considerado importante levar-se em conta as experiências
de seus protagonistas e de suas vítimas, ou seja, para Debarbieux (2002), deve-se
usar o sujeito psicológico para se definir a violência: isto envolve a violência objetiva,
sentida e temida, ou a maneira como é vista a violência pelos sujeitos
(DEBARBIEUX; BLAYA, 2002).
A violência definida como aquela limitada ao código penal é relacionada às
formas mais brutais da violência (roubo, estupro, homicídio). Isso limita o tema à
temporalidade das legalidades, o que o relativiza demasiadamente. Limitar violência
ao código penal torna tão limitado seu conceito quanto é limitado o próprio código
penal. (DEBARBIEUX; BLAYA 2002).
Para Oliveira e Martins (2007) são criadas confusões em relação à
terminologia utilizada por cientistas sociais, psicólogos, meios de comunicação em
que se explica que o conceito de violência é mais amplo do que o de agressão, que
seria apenas uma de suas formas.
Há psicólogos que não caracterizam a agressão como necessariamente
negativa ou positiva, pois pode significar uma reação para a sobrevivência
(OLIVEIRA; MARTINS, 2007). “Agressivo” pode significar “dinâmico” ou
“competente”, mesmo não se questionando os meios utilizados para atingir
determinadas metas. O individualismo e não a individualidade são estimulados, e
neste caso o “êxito” é conseguido às custas do fracasso alheio. Em lugar de se
procurar as raízes da agressão nos indivíduos, esta é procurada nas circunstâncias
em que vivem.
Três pressupostos para a violência foram listados por Martin-Baró (1997): as
necessário para se compreender em que contexto se produz; a “espiral de violência”
expresso nos matizes de violência social.
Algumas hipóteses sobre a questão da violência do homem e da sua
subjetividade em função da sociedade em que vive, vem se asseverando e
assumindo caráter cada vez mais brutal. A ausência de diálogo para a formação de
uma visão crítica, tanto na família, quanto na escola, tendo do outro lado os meios
de comunicação, que cada vez mais sugerem de forma sensacionalista a
vulgarização de conceitos, transformam o que deveria chocar em entretenimento.
Os questionamentos são cada vez mais raros. As pessoas presenciam,
através dos meios de comunicação, diversas formas de violência, mas essa não é
discutida de maneira crítica, o que torna distante a formação do senso de justiça na
pessoa (OLIVEIRA; MARTINS, 2007).
É muito diversa e complexa a maneira pela qual se perpetram atos de
violência. Oliveira e Martins (2007) optam por se deter na abordagem de violência
considerada maior e mantenedora das demais e, portanto, do mal estar social. Esta
vai muito além da que está presente na instituição familiar, pois está instalada pelo
Estado. Pode ser vista na díade dominação-exploração estabelecida pelas relações
assimétricas baseadas no conceito (tríade) de patriarcado-capitalismo-racismo.
Nessas relações as mulheres e crianças são dadas como inferiores ao homem, o
pobre inferior ao rico e o negro inferior ao branco. Em uma sociedade longe de ser
igualitária, as relações se definem por essa assimetria, onde “o poder de dominar e
explorar define o caráter hierárquico das relações sociais e interpessoais”
(OLIVEIRA; MARTINS, 2007, p. 91).
Azevedo e Guerra (1989) denominam essa rede de poderes como sendo a
“Síndrome do Pequeno Poder”, que é caracterizada por relações assimétricas de
diferença de poder, onde o que vale são os valores baseados no conceito já citado
de patriarcado-capitalismo-racismo, sendo o homem branco e de classe social alta,
detentor do poder. Nesse conceito do pequeno poder, há um aumento da
intolerância que parte do princípio da validade de tais assimetrias e produzem-se os
grupos mais fanáticos que exacerbam tais “valores”, como os “carecas” e
“neonazistas”.
A violência abarca e é abarcada pelas esferas econômica, cultural e política,
para eternizar tais valores. El-Moor e Batista (apud OLIVEIRA; MARTINS, 2007)
citam a inexistência de relação direta entre pobreza/miséria e violência, citando que
as humilhações e discriminações a que estão sujeitas as pessoas transcendem tais
fatos e levam à destruição de sua autoestima. A instigação desenfreada de consumo
tende a acentuar essa tendência. Os anseios das pessoas que procuram caminhos
diversos, inclusive consumo de drogas, em lugar de serem estimulados por questões
de privação material, fazem com que, por estarem alienadas do sistema, passem a
desenvolver anseios de consumo imediatista e individual. O delito,
consequentemente, fala por si e demonstra a precariedade que rege a vida nessa
sociedade.
A ausência de exatidão na conceituação do que é violento passa, portanto,
pela própria percepção tanto dos que a praticam quanto dos que são suas vítimas.
Conceitos distintos entre as pessoas podem, dessa forma, confundir os limites dos
atos na sua definição. Nessa pesquisa opta-se por seguir a definição de violência de
Debarbieux e Blaya (2002), onde o conceito de violência não se limita apenas ao
conceito de agressão. Pensaremos no conceito de microviolências, onde a
incivilidade e a intimidação por colegas fazem parte de um conceito mais abrangente
de violência.
1.2. A Violência no âmbito escolar
A violência na escola é uma questão mundialmente discutida, sendo que, nos
anos de 1950 e 1960 foram registradas formas de ação violentas entre alunos,
inclusive de natureza criminal. A violência se faz presente na vida dos indivíduos
precocemente, ocorrendo até entre crianças. Pessoas de fora da escola a invadem
para resolver problemas com alunos, ou participar de brigas dentro da escola
(CHARLOT, 2002).
Apesar de discussões sobre o tema para a criação de políticas que amenizem
a violência escolar, esta continua em ascensão. Diante disso, muitos estudos são
realizados para se elaborar conceitos a respeito da violência escolar, além de buscar
maneiras de se preveni-la.
Existe uma distinção entre violência na escola, violência à escola e violência
seja entre alunos ou entre alguém de fora da escola que entra nesta para resolver
brigas com alunos ou funcionários. A violência à escola é aquela que visa à
instituição e professores e funcionários que representam a escola, como
depredações e agressões ou ofensas aos funcionários. A violência da escola é uma
violência institucional e simbólica. Os alunos sentem-se agredidos na maneira como
são tratados dentro da escola por atos tidos como injustos, forma de composição de
classes, avaliações, entre outros (CHARLOT, 2002).
Foi observada uma relação direta entre ambientes tensos e violência, bem
como entre ambientes controlados (por professores e direção) e violência reduzida.
As fontes dessa tensão são sociais e escolares. A ligação direta da violência à
questão de emprego ou desemprego também deve ser feita com cautela, mesmo
sendo estas situações fontes de tensão. O entendimento dos alunos quanto as
relações entre a escola e o trabalho parece ser a de se conseguir o diploma para
então conseguir um trabalho. Não existe mais uma lógica de aprender para se
conseguir um diploma, porém o diploma também não garante o emprego. O aluno
que se esforça para fazer um trabalho escolar e não consegue a nota esperada,
pois, de acordo com a escola, não foi bom o suficiente, se julga injustiçado. Essa
lógica do pensar do aluno traz frustração e essa frustração pode acarretar
comportamentos violentos. (CHARLOT, 2002).
Por influência da mídia o tema violência escolar parece um tanto exagerado,
pois atribui a videogames e outros atrativos causas possíveis para ela. Casos
esporádicos de episódios violentos são frequentemente generalizados. As
abordagens de “fatores de risco” (como o desemprego na família ou pais separados
sendo causas de comportamentos violentos) podem ser estigmatizantes e, portanto,
perigosas. Famílias de pais solteiros são, por vezes, citadas como possíveis
causadoras de filhos violentos. Mesmo sendo importante considerar fatores
familiares como um dos causadores de problemas à sociedade, é inadequado
considerar apenas problemas em nível individual, culpando uma determinada área
da vida do jovem como sendo o fator que o fez protagonizar violência, sendo
necessário contextualizar “dificuldades cumulativas vividas de forma coletiva na
escola” (DEBARBIEUX; BLAYA, 2002). Portanto, problemas familiares são apenas
uma das possibilidades a serem observadas e discutidas. (DEBARBIEUX; BLAYA,
Há estudos que demonstram o exagero das ocorrências de violência na
escola e também os que consideram que se devam restringir preocupações
excessivas com esquemas de segurança (DEBARBIEUX; BLAYA, 2002;
DEBARBIEUX, 1998), pois a quantidade de crimes que ocorrem dentro da escola é
relativamente baixa.
Há, no entanto, um paradoxo no que se refere a essas quantificações, quando
se pesquisa esses fatos sob o ponto de vista das vítimas. Há mais vítimas do que as
contabilizadas, principalmente pelo fato de outras formas de vitimação ocorrerem
além daquelas previstas pelos códigos legais (DEBARBIEUX; BLAYA, 2002).
Estudos demonstram que a violência é socialmente construída, minimizando-se,
portanto, fatos contundentes que ocorrem ocasionalmente. Porém, a violência nas
escolas evolui lentamente, o que permite que se tenha tempo para criar formas de
contê-la.
Oliveira e Martins (2007) abordam o tema da violência na sociedade
capitalista e na escola, permitindo uma discussão de como é veiculada pelos meios
de comunicação e pela maneira como os professores a enfrentam. Enfoca a
necessidade de comunicação e as dificuldades na construção do indivíduo, em
particular do aluno, principalmente com a falta de clareza de comunicação da escola
e do professor, ensejando a substituição da palavra pela violência. Para Oliveira e
Martins (2007) a violência nas escolas é gerada por um campo de tensão externa,
expõe o professor e o leva frequentemente a se contradizer ao ficar entre o ato de
educar e o de reprimir.
De acordo com os autores (OLIVEIRA; MARTINS, 2007), a violência na
escola é manifestada no comportamento dos alunos e lança professores diante da
confusão de um ensino libertador que seria uma maior capacidade de dialogar e
debater dentro de uma realidade insuportável, na qual os expedientes autoritários
visam à manutenção da “ordem geral”. Regras contendo punições são criadas para
dominar alunos em estado de rebeldia.
Considera-se que a violência na escola envolve atos de vandalismo e
agressões. Começou em grandes municípios indo até os médios mais
recentemente. As facetas da violência são diversas (PORTO e TEIXEIRA apud
OLIVEIRA; MARTINS, 2007) e há professores que imputam trabalhos punitivos sem
professor, impotente para seu papel, vê-se como um domador de feras e acaba
abstendo-se do papel de professor para apenas tentar conter os alunos, atribuindo
os problemas às famílias de onde os alunos provêm. A escola, vista como
representante do Estado em sua função autoritária, desvia-se da sua finalidade de
educar.
A escola, na maioria dos casos, não sabe o que fazer diante deste quadro.
Falar, ouvir, compreender para muitos parece ser mais difícil do que exibir poder de
controle, que parece predominar cada vez mais nesse meio. A educação é baseada
na linguagem e, portanto, o diálogo deve ser constante entre o docente e o discente.
Há, porém línguas diversas dentro do sistema escolar e essa deficiência e
dificuldade de dialogar em linguagem falada e escrita cria mais motivos para
marginalização. A palavra, que deveria fazer parte da prática diária desde a
educação infantil (envolvendo a fala e a escuta) precisa com urgência ser resgatada.
Somente quando o professor tentar, ao invés de tentar dominar a situação, levar em
conta a realidade com toda a dificuldade nela inserida, será possível realizar
proposições e elaborações para que a escola comece a representar outro papel em
que, em lugar de esperar o futuro, se viva o presente por meio de trocas que ele
proporciona (OLIVEIRA; MARTINS, 2007)..
Como se tem a “violência na escola”, também se tem a “violência da escola” e
enquanto esta for a reprodutora da ideologia dominante e das desigualdades sociais,
empareda os professores e alunos em suas normas, regras e leis. Assim, a escola
(sociedade) que ensina e pratica a violência, continuará como representante da
situação, enquanto seu papel deve ser bem diverso desse (OLIVEIRA; MARTINS,
2007).
A violência na escola apresenta diversos conceitos e diversos tipos de
manifestação. É discutida mundialmente e as formas de enfrentamento também são
diversas. No Brasil também são discutidas as políticas públicas já existentes no
combate a violências, mas também são discutidas novas formas de prevenção e
1.3. Violência em escolas brasileiras
A escola é um ambiente de socialização e convivência entre pessoas de
diferentes classes sociais, culturas e valores. O encontro dessas pessoas pode
ocasionar conflitos e esses conflitos podem se tornar violentos. Nas escolas
brasileiras, por exemplo, os casos de violência têm aumentado. Essa violência pode
ser consequência de diversos fatores internos - tais como o sistema de normas e
regras, o desrespeito entre funcionários e alunos - e externos - como exclusão
social, racial e de gênero (INSTITUTO SOU DA PAZ, 2010).
De acordo com Sposito (2001), a abertura da escola para todas as classes
sociais, mas sem modificação na estrutura escolar que atendesse a todas essas
classes, gerou problemas. O acesso a padrões de consumo de massa trouxe
insatisfações individuais, pois a ninguém estava assegurada uma mobilidade social
ascendente. As práticas violentas – físicas e não físicas – ou incivilidades
tornavam-se cada vez mais comuns.
As incivilidades sinalizaram um conjunto de insatisfações manifestadas pelos
alunos diante de sua experiência escolar, o que acarretou problemas para gerenciar
tais comportamentos no âmbito de uma convivência escolar democrática. Entretanto,
os denominados conflitos entre grupos ou pares de jovens constituíam motivo para
novas pesquisas, pois estavam dissociados dos fenômenos de delinquência e da
criminalidade.
Há necessidade de se atentar para o fato de que não apenas um dos lados do
problema – os alunos – caracterizava o problema da atualidade brasileira. Estudos
demonstram que tem havido incapacidade de se estabelecer práticas apropriadas
para evitar o conflito entre grupos etários, sobretudo por parte das instituições
sociais (SPOSITO, 2001).
Como intervenção, a escola tem feito uso de estratégias repressivas, como
policiamento e instalações de câmeras. Esse tipo de reação não evita que a
violência aconteça e, principalmente, não promove mudanças na forma como as
relações são estabelecidas dentro da escola. Na busca por culpados, a escola culpa
a família que culpa a escola que, ao buscar no policiamento as soluções para o
melhor convivência entre alunos, funcionários e comunidade (INSTITUTO SOU DA
PAZ, 2010).
Abramovay e Rua (2002) discutem que a externalização das causas de
violência é conveniente para o governo e instituições de ensino, a partir do momento
em que isenta a escola da responsabilidade sobre o processo de enfrentamento de
violência.
O Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo -
APEOESP (2007) supõe que a violência dentro da escola pode estar relacionada a
dúvidas quanto à função da escola, ou seja, “o lugar da educação escolar na
atualidade” (p.3). Professores e alunos se desencontram e não sabem responder
“para que serve a escola”. Percebe-se esse “mal-estar” dentro da escola quando
comportamentos antes vistos como normais, ou seja, vistos como brincadeiras entre
os jovens (NASCIMENTO; MENEZES, 2013), são agora vistos como ameaçadores,
tais como discussões e brigas entre os alunos. Esses comportamentos, hoje, não
são mais resolvidos de maneira pedagógica, sendo preciso o uso de mediação da
polícia para a resolução.
Os primeiros relatos de violência na escola vinham sendo feitos desde o início
dos anos 80, a partir de depredações na escola (SPOSITO, 2001; CHRISPINO,
2007; ANTUNES; ZUIN, 2008). Nas interações entre grupos de alunos, os aspectos
de violência começavam a ser observados. A partir de meados da década de 80 e
até os últimos anos da de 90 o assunto começava a ser considerado questão de
segurança. A questão da democratização da cultura nos estabelecimentos escolares
passaria a envolver os critérios em torno do tema da violência (SPOSITO, 2001).
Essa questão é explicada por Chrispino (2007):
Antes, em passado remoto, a escola era procurada por um tipo padrão de
aluno, com expectativas padrões, com passados semelhantes, com sonhos
e limites aproximados. Os grupos eram formados por estudantes de perfis
muito próximos. Com a massificação, trouxemos para o mesmo espaço
alunos com diferentes vivências, com diferentes expectativas, com
diferentes sonhos, com diferentes valores, com diferentes culturas e com
diferentes hábitos [...], mas a escola permaneceu a mesma! Parece óbvio
que este conjunto de diferenças é causador de conflitos que, quando não
trabalhados, provocam uma manifestação violenta. Eis, na nossa avaliação,
Como já foi citado anteriormente, os jovens podem se tornar violentos a partir
de conflitos que existem entre eles e que não são trabalhados de maneira
pedagógica. Para Chrispino (2007), conflito é “toda opinião divergente ou maneira
diferente de ver ou interpretar algum acontecimento. Origina-se da diferença de
interesses e desejos” (p.15). Muitas vezes o conflito só é percebido quando se
manifesta de forma violenta, mas o autor discute que quando se manifesta dessa
forma é porque o conflito já existia e não foi trabalhado. A dificuldade de diálogo, de
comunicação entre as pessoas, também é uma causa de conflito.
Parte-se do pressuposto de que o conflito faz parte das relações interpessoais
e é através dele que o indivíduo percebe no outro uma diferença de opinião, uma
visão diferente de mundo e pode, através do diálogo, da discussão, reconhecer
diferenças e percebê-las como não ameaçadoras (CHRISPINO, 2007).
A partir dessa discussão deve-se refletir sobre novas maneiras de
enfrentamento da violência dentro do contexto escolar. Em pesquisa realizada por
Gonçalves e Sposito (2002), são apresentadas iniciativas de combate à violência
que ocorreram na cidade de São Paulo.
Em São Paulo, na década de 80, iniciaram-se as intervenções partindo da
abertura das escolas nos fins de semana para se promover atividades esportivas e
de lazer. Em algumas escolas o resultado foi tido como positivo, com a diminuição
da violência. Outras escolas apresentaram dificuldade de manter os recursos que
tinham, tais como materiais, pois o uso destes nos fins de semana desgastavam
alguns deles e a reposição era demorada. No final da década de 80, início de 90, as
escolas começaram a pressionar o Estado, pedindo maior segurança. Com isso, o
policiamento nas escolas aumentou e a indisciplina dentro da sala de aula também
começou a ser resolvida com força policial, fazendo-se uso até de boletins de
ocorrência para se tentar diminuir a violência escolar. O clima de desconfiança
dentro do ambiente escolar, com isso, aumentou (GONÇALVES; SPOSITO, 2002).
Na década de 90, foi lançado o projeto “Pela vida, não à violência”, a
formação permanente de profissionais que atuavam nas instâncias intermediárias da
burocracia educacional municipal e o desenvolvimento de ações preventivas contra
a violência foram algumas das atuações desse projeto. Foi proposta a interação dos
jovens com rappers que discutiam racismo e violência. Foi também proposto que as
abertura do espaço escolar para uso da comunidade. Mas apesar de diversos
projetos contra a violência, os resultados não foram imediatos devido à instabilidade
administrativa e à descontinuidade das diretrizes. Algumas escolas conseguiram
manter seus projetos, mas sofreram devido ao fato de constituírem casos isolados e
à falta de apoio de instâncias administrativas (GONÇALVES; SPOSITO, 2002).
Para Chrispino (2007), não existe um modelo de mediação de conflitos que
deva ser seguido por todas as escolas. Deve-se identificar o tipo de conflito existente
em cada escola, e assim fazer um projeto específico para cada uma delas. O autor
cita dez itens que devem fazer parte de uma reflexão em busca do diagnóstico dos
tipos de conflitos dentro da escola. São esses itens: a) caráter da mediação do
conflito: obrigatório ou voluntário; b) alcance da mediação de conflito: todos ou
alguns específicos; c) ênfase da medição de conflito: no produto ou no processo; d)
atores da mediação de conflito: todos os membros da escola, ou apenas alguns; e)
limites da mediação de conflitos: sem limite de idade, séries, turno ou com limite; f)
relação da mediação de conflito com as regras disciplinares; g) relação da mediação
de conflito com a avaliação; h) identificação dos mediadores de conflito: mediação
por pares ou outros mediadores; i) escolha dos mediadores de conflito: ação
institucional ou escolha das partes; j) critério para a seleção dos mediadores de
conflito: desempenho acadêmico ou respeitabilidade entre pares (CHRISPINO,
2007, p. 25).
Chrispino (2007) adaptou esses itens de Schvarstein (1998) e Chrispino e
Chrispino (2002). Diante desses itens dever-se-á refletir sobre o processo de
mediação, os atores, quais conflitos devem ser mediados, quais os limites da
mediação na escola, a relação da mediação com as regras disciplinares e os
critérios de seleção de mediadores.
A partir de um programa de mediação de conflitos na escola, os alunos se
capacitam na resolução de problemas e isso pode proporcionar uma maior facilidade
em resolverem conflitos dentro de suas casas com seus familiares. Além disso, de
acordo com Chrispino (2007), a capacidade de resolução de conflitos diminui o
estresse dentro da escola e ensina os alunos a respeitarem uns aos outros.
Diante dessa discussão, podemos associar o bullying como sendo um conflito
violência e suas características, autores serão discutidos a seguir, assim como
possíveis maneira de mediá-lo.
1.4. Bullying: uma forma particular de violência na escola
O bullying é um tema que vem sendo discutido em vários países. De acordo
com Freire e Aires (2012), o bullying sempre existiu nas escolas, mas apenas na
década de 70 é que começou a ser estudado na Suécia e Dinamarca, apesar de
ainda não ser denominado bullying. Na década de 80 é que a violência entre pares
tomou nome de bullying pelo estudioso norueguês Dan Olweus (CHALITA, 2007; DI
VIRGILIO; PIRILLO, 2009).
O bullying é um conjunto de comportamentos físicos agressivos (classificados
como diretos) - tais como empurrar, quebrar objetos dos colegas - e psicológicos
(classificados como indiretos) - tais como apelidar, humilhar, isolar, discriminar,
debochar (SMITH, 2002; LOPES NETO; MONTEIRO FILHO; SAAVEDRA, 2003;
ANTUNES; ZUIN, 2007; MAESTRELLI; AMORIM; COPELLI, 2011; SILVA, 2010; DI
VIRGILIO; PIRILLO, 2009; ALMEIDA; CARDOSO; COSTAC, 2009; STEPHAN;
ALMEIDA; SALGADO; SENRA; LOURENÇO, 2013; FRANCISCO; LIBÓRIO, 2009;
SILVA; OLIVEIRA; BANDEIRA; SOUZA, 2012; SHULTZ; DUQUE; SILVA; SOUZA;
ASSINI; CARNEIRO, 2012; OLWEUS, 1993, CUBAS, 2006). Tais comportamentos
são direcionados repetidamente a uma vítima.
Bandeira e Hutz (2010, 2012) complementam dizendo que o bullying pode ser
considerado como uma forma de abuso e há intenção por parte do agressor de
causar dano físico ou moral à vítima, sem ter havido nenhum tipo de provocação por
parte da vítima.
O bullying se caracteriza por insultos, intimidações, ridicularizações mediante
agressões físicas e verbais contra um jovem que não consegue se defender. As
agressões verbais podem ocorrer ao se fazer uso de apelidos, insultos ou
comentários racistas, homofóbicos, ridicularizações quanto a diferenças físicas ou
religiosas, culturais, econômicas e morais (ARAÚJO; COUTINHO; MIRANDA;
SARAIVA, 2012; BANDEIRA; HUTZ, 2010). De acordo com Bandeira e Hutz (2012),
acabam por expressar sua agressividade de maneira mais silenciosa que os
meninos, através do isolamento social e humilhação.
O bullying compreende todas as formas de atitudes agressivas, intencionais
e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou
mais estudantes contra outro, causando dor e angústia e executadas dentro
de uma relação desigual de poder (ABRAPIA, 1997).
Há três características importantes que identificam o bullying: a repetição, o
prejuízo e a desigualdade de poder (ZAINE; REIS; PADOVANI, 2010; FREIRE;
AIRES, 2012).
Também há os tipos de bullying relacional, que afeta os relacionamentos
sociais da vítima através da exclusão desta de grupos; e eletrônico (cyberbullying),
que se caracteriza pelo uso de celulares e da internet para fazer uso dos
comportamentos agressivos contra uma vitima. Devido à internet, o bullying se
propaga para fora da escola, o que ocasiona um sofrimento ainda maior para a
vítima (FREIRE; AIRES, 2012; WENDT; LISBOA, 2013).
Os envolvidos no bullying são divididos entre autores, vítimas, testemunhas e
vítima/agressor. O jovem que pratica a violência é o autor, e usa dessa violência
para vitimar os colegas e liderar um grupo (FREIRE; AIRES, 2012; FANTE, 2005). O
autor tem seus seguidores (testemunhas), que podem participar da violência, ou
simplesmente assistir a vítima sendo agredida (audiência), não tendo uma
participação direta. As testemunhas são uma importante fonte de poder para o autor
da violência devido a essa audiência e ao possível medo de que, se intervirem a
favor da vítima, podem se tornar alvos de bullying (LOPES NETO, 2005; ANTUNES;
ZUIN, 2008; SMITH, 2002; BANDEIRA; HUTZ, 2012; FREIRE; AIRES, 2012; ZAINE;
REIS; PADOVANI, 2010; LISBOA, 2005; CUBAS, 2006). O comportamento passivo
das testemunhas reforça a agressão, pois mostra ao agressor que este não será
impedido de realizar a agressão (BANDEIRA; HUTZ, 2010; MAESTRELLI; AMORIM;
COPELLI, 2011).
A vítima pode ser passiva ou vítima/agressor, ou seja, pode não reagir às
provocações, isolando-se, ou revidar a elas com um comportamento também
agressivo (BANDEIRA; HUTZ, 2010).
A vítima do bullying é submetida a várias ações agressivas e pode sentir-se
Bandeira e Hutz (2010), o aluno alvo de violência na escola pode acabar por sofrer
insônia e dores de cabeça ou abdominais, tanto quanto a diminuição cada vez maior
de sua autoestima, o que torna maior sua vitimização.
A vítima/agressor, de acordo com Bandeira e Hutz (2010) são as que
merecem uma atenção maior, já que apresentam uma autoestima baixa juntamente
com comportamentos agressivos. Podem apresentar insegurança, ansiedade e
depressão. Mas o tipo de agressão utilizado por esse jovem não é o mesmo utilizado
pelos protagonistas de violência. Essa é uma agressão tida como reativa, ou seja,
uma agressão em resposta defensiva a algo que o jovem julga como uma ameaça
ou provocação.
As vítimas/agressores tem uma maior probabilidade de apresentar sérios
problemas de comportamento externalizado e são, em grande frequência,
maltratadas por seus colegas. Experienciam dificuldades com o
comportamento impulsivo, reatividade emocional e hiperatividade.
Diferenciam-se dos alvos típicos por serem impopulares e pelo alto índice
de rejeição entre seus colegas (ROBIN, TOBLINA, SCHWARTZA,
GORMAND e ABOU-EZZEDDINEA apud BANDEIRA; HUTZ, 2010, pp.132).
O bullying é uma forma de violência “mascarada na forma de brincadeira” e
pode acarretar consequências para o desenvolvimento da vítima desse tipo de
violência, tais como a baixa autoestima, ansiedade, medo, evitação escolar,
depressão, sintomas físicos e emocionais, suicídio (REBELO Jr, 2012; BANDEIRA;
HUTZ, 2012; NASCIMENTO; MENEZES, 2013). Para Nascimento e Menezes (2013)
para os jovens, o significado das relações de amizade comprometem o senso crítico
individual diante de situações de desrespeito e humilhação, em prol da manutenção
da relação com o colega.
Há grupos que acabam por ser mais vitimados pelo bullying, tais como o dos
obesos, dos homossexuais, os originários de classe econômica baixa, os que
vivenciam a autoestima baixa, aqueles que apresentam dificuldade nas relações
sociais, além das práticas educativas parentais (COSTA; SOUZA; OLIVEIRA, 2012;
SMITH, 2002; BANDEIRA; HUTZ, 2010). Alunos obesos, conforme Pearce, Boegers
e Prinstein (2002) são os alvos mais frequentes de agressão por seus colegas.
Smith (2002) complementa dizendo que crianças com poucos amigos, com
necessidades educacionais especiais ou com uma família excessivamente apegada
Os meninos estão envolvidos no bullying com maior frequência do que as
meninas, mas estas também praticam a violência em forma de exclusão e difamação
(ABRAPIA, 1997). A violência praticada pelos meninos, conforme Silva (2010), é
mais visível devido ao fato de poderem ser mais agressivos na prática de sua
violência, já as meninas praticam a violência em forma de fofocas, intrigas e
isolamento, podendo passar despercebidas.
Em um estudo realizado por Zaine, Reis e Padovani (2010), que buscou
relações entre comportamentos de autores de bullying e comportamentos de jovens
em conflito com a lei, concluiu que ambos os agressores não têm sentimento de
culpa para com suas vítimas, são hostis, apresentam baixa empatia e agem sob
controle de consequências imediatas. Geralmente veem sua agressividade como
algo positivo, sentem prazer e satisfação em dominar e geralmente são bem aceitos
pelos colegas.
Smith (2002) identifica algumas causas para a intimidação entre pares. Para o
autor, as desigualdades de poder estão presentes na escola, e o uso da intimidação
torna-se frequente. A causa da intimidação pode sofrer influência de fatores sociais
e comunitários, assim como de políticas de tolerância com comportamentos
intimidadores e valores éticos dentro da escola. De acordo com Salles et al (2008) a
prática de violência na escola é “moldada por valores, regras e princípios sociais
adotados por diferentes atores”. Os valores sociais estão dentro da escola e, ao não
serem discutidos adequadamente, contribuem para a formação de preconceitos. O
desenvolvimento moral, conforme Vinha e Tognetta (2009), não acontece apenas
dentro da família. A escola também tem participação na formação das crianças, pois
é a partir da experiência social que se aprende a conviver com os grupos.
Ao observar o autor de bullying, verifica-se que este pode não apenas praticar
a violência, mas a praticar devido o fato de estar inserido em um ambiente violento,
ou de desrespeito. O autor, então, reproduz padrões que foram aprendidos em
outros ambientes, sendo possível que a violência e a agressividade sejam as únicas
maneiras que o autor conhece para resolver seus conflitos (SHULTZ; DUQUE;
SILVA; SOUZA; ASSIINI; CARNEIRO, 2012).
Bandeira e Hutz (2012), ao questionarem jovens sobre as possíveis causas
do bullying, identificaram que a maioria dos jovens acredita que o bullying acontece
Lisboa e Caurcel (2007), verificam que o bullying também pode acontecer devido
aos estereótipos e comparações sociais. O fato de o bullying ser tido pela maioria
dos estudantes como sendo uma brincadeira, mostra a naturalização desse tipo de
violência dentro da escola.
Entende-se, conforme pesquisa realizada por Costa, Souza e Oliveira (2012),
que o professor é responsável por desenvolver essa temática em sala de aula,
promovendo ações para discutir a diversidade cultural e amenizar as situações de
bullying dentro do contexto escolar. Entretanto, na pesquisa citada, verificou-se que
o professor tem sido apenas um espectador das situações de bullying. Para
Almeida, Cardoso e Costac (2009), os professores atribuem à família a causa da
violência na escola e como intervenção contra a violência, tentam apenas convencer
os alunos de que é errado, e buscam falar com os pais sobre os filhos que
protagonizam violência.
Diante desse tipo de violência há estudos que discutem as possíveis
consequências a curto e longo prazo que as vítimas podem sofrer. De acordo com
Albuquerque, Williams e D’Affonseca (2013), Di Virgilio e Pirillo (2009) e Fante
(2005), o impacto do assédio na escola pode acarretar consequências em diversas
esferas da vida da vítima de bullying.
Na esfera emocional o bullying pode acarretar problemas sentimentais,
solidão e baixa autoestima. A autoestima (COOPERSMITH, 1989 apud BANDEIRA;
HUTZ, 2010) é a avaliação que o indivíduo faz de si mesmo, sendo que pode se
avaliar com um sentimento de aprovação ou de repulsa de si mesmo. O indivíduo
avalia seu valor, suas habilidades. Em sua pesquisa, Bandeira e Hutz (2010)
discutem que pode haver relação entre o bullying e a baixa autoestima,
principalmente em meninas. De acordo com a pesquisa, há diferença no que se
refere aos fatores que influenciam a autoestima de meninos e meninas. A
autoestima das meninas é mais influenciada pelos relacionamentos que mantém. Já
os meninos são influenciados pela concretização de seus objetivos. Nas meninas
agressoras já apresentam uma autoestima maior.
Na esfera de problemas psiquiátricos, o bullying pode acarretar ansiedade,
ideias suicidas, depressão ou sintomas psicossomáticos, tais como dor de cabeça,
de estômago, problemas de sono, problemas nas relações interpessoais,
Os agressores também podem apresentar consequências tais como
abandono da escola, envolvimento com atos infracionais e uso de drogas (ZAINE;
REIS; PADOVANI, 2010; LOPES NETO; MONTEIRO FILHO; SAAVEDRA, 2003;
SILVA, 2010). Ao se tornarem pessoas mais agressivas, podem acabar por agredir
seus filhos futuramente, o que pode acarretar em mais crianças agressivas (CUBAS,
2006).
Albuquerque, Williams e D’Affonseca (2013) também estudaram o transtorno
de estresse pós-traumático relacionado ao bullying, já que a exposição à violência
pode acarretar esse tipo de trauma. Nesse estudo entende-se trauma como
“fenômeno resultante de dificuldades emocionais, comportamentais, cognitivas e
físicas que são diretamente relacionadas a experiências violentas” (COHEN,
MANNARINO e DEBLINGER apud ALBUQUERQUE; WILLIAMS; D’AFFONSECA,
2013, p.93). Foi discutido que a longo prazo, pessoas que sofreram bullying na
adolescência, podem apresentar sintomatologia traumática semelhante a pessoas
que sofreram abuso infantil. Essas pessoas podem apresentar alto índice de medo,
irritabilidade e ansiedade (CARLISLE; ROFES apud ALBUQUERQUE; WILLIAMS;
D’AFFONSECA, 2013).
Após verificar o conceito de bullying, suas causas e consequências, deve-se
atentar às formas de prevenção desse tipo de violência.
Primeiramente deve-se entender que no fenômeno bullying há uma
complexidade de relações entre vários sistemas, tais como “o alvo, o autor, as
testemunhas, as turmas envolvidas, os professores, a escola, as famílias, a
comunidade, a cultura que estão inseridos, as regras e os valores” (SHULTZ;
DUQUE; SILVA; SOUZA; ASSINI; CARNEIRO, 2012, p. 250).
Freire e Aires (2012) discutem que para uma prevenção ou intervenção eficaz
contra a violência na escola, deve-se primeiramente conhecer a realidade da escola,
não fazendo uso de técnicas prontas, já que cada escola e cada aluno apresentam
uma realidade diferente. Primeiramente deve-se mapear a instituição, conhecendo
como se dão as relações interpessoais e quais as contradições institucionais
existentes (FREIRE; AIRES, 2012; MARINHO-ARAÚJO; ALMEIDA, 2008; SILVA,
2011; FANTE, 2005).
O profissional dentro da escola (professor, psicólogo) deverá promover
“superação de obstáculos e para o estabelecimento de relações sociais mais saudáveis” (MARINHO-ARAÚJO; ALMEIDA, 2008 apud FREIRE; AIRES, 2012,
p.58; STELKO-PEREIRA; WILLIAMS, 2012). Acrescentam ainda a importância do
psicólogo escolar/educacional dentro da instituição para contribuir nas discussões,
assim como promover espaços de reflexão sobre propostas de melhoria na
comunicação entre docentes e discentes e construção de um ambiente de respeito e
confiança.
Discute-se também a construção de regras de convivência juntamente com os
alunos, para que estes se vejam valorizados na escola e sintam-se participantes
desse processo (ORTEGA e DEL REY apud FREIRE; AIRES, 2012). Para Silva
(2011), evitar punições é fundamental, procurando-se em seu lugar dialogar para
diminuição da agressividade.
Pérez, Astudillo, Varela e Lecannelier (2013) discutem alguns modelos
efetivos de prevenção e intervenção contra o bullying existentes na Inglaterra,
Espanha e Chile, entre outros. Esses modelos apresentaram diminuição do bullying
na escola, diminuição da agressão dos alunos e aumento das denúncias por
agressão quando esta ocorre. Esses programas envolvem a participação de alunos,
professores, família e comunidade e visam não só a diminuição do bullying, mas
também o de promover uma melhora nas relações interpessoais, como um fator de
proteção frente à violência escolar (ORTEGA; DEL REY; MORA-MERCHÁN apud
PÉREZ; ASTUDILLO; VARELA; LECANNELIER, 2013).
Os programas devem, de acordo com esses autores, promover um clima
social escolar positivo, implementar a empatia, o desenvolvimento de competências
sociais, a promoção de condutas pró-sociais e o aprendizado de resolução e
mediação de conflitos (SILVA, 2011).
Chrispino e Santos (2011) discutem políticas de ensino para a prevenção da
violência e exemplificam técnicas de ensino para contribuir com a diminuição da
violência.
Buscamos modelar uma política de ensino que apresente um conjunto de
atividades para a escola e para a sala de aula e que podem contribuir para
o entendimento dos conflitos, para a resolução destes, para transposição
das ideias de mediação de conflitos variados para o espaço social mais
Os autores citados apresentam alguns pontos interessantes sobre os
enfoques curriculares, que são atividades dentro da sala de aula usadas com o
objetivo de desenvolver habilidades que permitem mudança de comportamento dos
estudantes no que se refere a conflitos.
Chrispino e Santos (2011) comentam que trabalhar a violência dentro da sala
de aula pode ultrapassar o simples ensinamento de técnicas de mediação,
“transpondo rumo a uma “cultura de mediação de conflitos” (p.64). Os autores
ressaltam que na sala de aula deve-se ensinar a teoria, mas deve-se também
praticar a mediação, através do ensino de discussão, reflexão e mediação de
conflitos, como forma de diminuir a violência escolar. Sugerem ações como a
controvérsia controlada, o uso de dilemas sociais e a dramatização.
De acordo com os autores, na controvérsia controlada será colocado em
pauta um determinado assunto controverso e através da discussão e reflexão os
alunos irão debater o assunto, discutindo a opinião de cada um, tentando chegar a
um consenso. No uso de dilemas são expostos casos e os alunos são obrigados a
escolher opções embaraçosas de resolução do problema e devem justificar e discutir
seus motivos. Na dramatização os alunos devem se colocar no lugar do outro em
uma determinada situação que será exposta para tentar “compreender suas
posições, argumentos e sentimentos e adotar perspectivas sociais a partir da
representação dos distintos papéis do jogo” (CHRISPINO; SANTOS, 2011, p.74).
A escola precisa atentar para a qualidade das relações interpessoais que ela
própria promove para que os alunos construam formas assertivas de resolução de
conflitos, sensibilizem-se moralmente e possam desenvolver sentimentos de
amizade, empatia e solidariedade. Dessa forma, em ações cooperativas a redução
de atitudes de bullying é esperada. Para desenvolver projetos antibullying é
necessário envolver toda a comunidade educativa – orientadores, professores,
diretores, alunos, pais, inspetores (FRICK e MENIN, 2011). Dessa forma cabe à
escola refletir sobre tais temas, além dos conteúdos escolares propriamente ditos,
de modo a criar mecanismos eficazes para remover esse problema de conflito entre
pares (FRICK; MENIN; TOGNETTA, 2013).
Essas atividades são apenas alguns exemplos de possíveis maneiras de se
prevenir e intervir contra a violência na escola, mais especificamente em relação ao
mais discussões e reflexões em cada escola para se trabalhar as formas de
prevenção e enfrentamento ao bullying, analisando a realidade de cada unidade e
da comunidade que a frequenta.
Conclui-se, primeiramente, que a definição de violência difere entre as
pessoas e que, para um trabalho de reduzi-la, deve-se abrir espaço de discussão
dentro da escola. Professores, alunos, família e comunidade devem entender que a
violência pode ser dividida em diversas esferas. Pode ser definida apenas visando o
código penal ou pode ser pensada de uma maneira mais ampla, incluindo as
incivilidades entre os alunos, muitas vezes vistas como sendo uma brincadeira entre
eles. A partir dessa discussão é que se pode refletir sobre algumas causas da
violência, como o preconceito e os estereótipos sociais existentes durante toda a
construção do sujeito. Na tentativa de reduzi-la através de punição, restrição e
opressão, a escola acaba por frustrar os alunos, que podem se tornar mais
violentos. Fazendo uso da reflexão, da discussão, da palavra, é que a violência
começará a ser trabalhada e reduzida.
Até quanto ao bullying, que é um tipo específico de violência e é visto pelos
professores, familiares e alguns alunos como sendo uma brincadeira, a melhor
maneira de reduzi-lo é a partir da reflexão sobre os motivos que levam os autores a
agirem com agressividade contra as vítimas. Mas a reflexão deve ser feita visando
não apenas os indivíduos envolvidos no bullying, pois a família, os funcionários e
professores da escola, os alunos que não estão envolvidos com esse tipo de
violência e a comunidade também devem participar do processo de discussão,
reflexão e redução da violência na escola.
No próximo capítulo serão abordados alguns dos modos de tutela
empregados pelos pais na educação dos filhos e algumas das possíveis
CAPÍTULO DOIS
MODOS DE TUTELA FAMILIAR E AUTORIDADE
Nesse capítulo são discutidos os diferentes tipos de tutela familiar ou modos
de imposição de disciplina presentes em cada um deles e sua relação com
protagonismo de violência na escola, em especial o bullying .
2.1. Tutela Familiar
Relações familiares constituem área de pesquisa da psicologia nas últimas
décadas, principalmente quando relacionadas a práticas educativas dos pais para
orientarem o comportamento dos filhos, o que se convencionou chamar de Estilo
Parental (GOMIDE; SALVO; PINHEIRO; SABBAG, 2005).
Alguns estudos (BAUMERIND, 1971; CECCONELLO; DE ANTONI; KOLLER,
2003; WEBER; PRADO; VIEZZER; BRANDENBURG, 2004) procuram examinar os
estilos parentais utilizados pelos pais na educação de seus filhos. Os estilos
parentais são, de modo geral, classificados como democráticos (autoritativos),
autoritários, permissivos e/ou negligentes dependendo das formas utilizadas pelos
pais para a imposição de disciplina e controle.
Para caracterizar os estilos parentais, deve-se verificar o grau de coesão e
conflito familiar, a organização do cotidiano, o incentivo à autonomia e as formas de
se exercer controle (SALLES, 2009). Constata-se que os estilos parentais
classificados como democráticos associados a um alto grau de coesão familiar
favorecem a adaptação pessoal e social do adolescente. O respeito, o apoio, a
tolerância e a aceitação do filho pelos pais aliado a um controle moderado de seu
comportamento contribuem para uma melhor auto aceitação e autoconceito dos
adolescentes e jovens (BAUMERIND, 1971; CECCONELLO; DE ANTONI; KOLLER,
2003; WEBER; PRADO; VIEZZER; BRANDENBURG, 2004).
Hoffman (1994) define duas categorias de estratégias educativas: indutiva e
coercitiva. As estratégias indutivas são um meio de controle mais indireto, que
enfatizam as consequências negativas do dano causado aos outros. Os pais, ao
educarem a criança, explicam as regras, os princípios e os valores, fazem
advertências morais, apelam para o amor que a criança sente por eles e direcionam