R e v ista d a S o c ie d a d e B ra sile ira d e M ed icin a T ro p ica l 2 9 (2 ):1 0 9 -1 15, m a r-a b r, 1996.
M O R B ID A D E H O SP IT A L A R PO R D O E N Ç A D E C H A G A S N O
BR A SIL
Susete Barbosa França e Daisy M aria Xavier de Abreu
A p esq u isa objetivo u ca ra cteriza r a d istribuição e evolução d o n úm ero d e p a c ie n te s in tern a d o s p o r d o en ça d e C hagas no B rasil na últim a década. P ro cu ro u tam bém d iscu tir os lim ites e p o ssib ilid a d e s d a A utoriza ção de Internação H ospitalar(A IH ) na inform açã o epidem iológica. C onstatou-se q ue em nú m eros ab so lu tos e relativos, a s in tern a çõ es p o r trip an osom ía se sã o p o u c o sign ificativas da da a m agnitude da d o en ça no p a is. A m a io r p a rte d a s h o sp ita liza çõ es com este diag nó stico oco rreu em Sã o P aulo (com qu ase m eta d e d os p a c ie n te s interna do s no p a ís), M inas G erais, G oiás e D istrito F ederal. Q uanto à n a tu reza do h osp ita l, verificou -se um au m ento d a im portância d o se to r p ú b lic o e um a gra n d e p a rtic ip a ç ã o d o s ho sp itais un iversitários n as internações p o r esta causa. Em term os d e d e sp e sa s co m esta s h o sp ita liza çõ es, o b serva -se qu e a heg em o nia d o E stad o d e Sã o P aulo é refo rça d a e que o custo m éd io é m uito va riado de aco rd o com a localização e a n atureza d o hospital. O tra ba lh o co n clu iu q u e a utiliza ção m a is ap ro pria da d a fo n te A1H seria no estudo d e d o e n ç a s q u e nã o ap resen ta m um a ga m a m uito variada d e fo r m a s clínicas, sen d o suficien tes a s info rm açõ es d isp o n íveis n o b a n co d e d a d o s SÍN TE SE.
P alavras-ch aves: D o en ça d e C hagas - internações. M orb id a d e hospitalar. In fo rm açã o epidem iológica. A u to riza çã o de Internação H ospitalar.
D entre as doenças endêm icas, a doença de Chagas ocupa um lugar de destaque, seja pelo grau de m orbidade e letalidade, seja pelo alto custo econômico e social que representa. A sua importância como problem a de saúde pública no país deve-se, em prim eiro lugar, à elevada prevalência e à extensão geográfica da doença, que se estim a cobrir um a área de cerca de 3,6 m ilhões de km2, o equivalente a 44,5% do território nacional3 5.
Segundo a Organização M undial de Saúde, a doença de Chagas é endêm ica em 18 estados e 2 .2 2 2 m u n ic íp io s b r a s ile iro s , o n d e v iv em aproxim adam ente 53 milhões de pessoas. A maior parte dos casos está concentrada nos Estados da Bahia, G oiás, M inas G erais e São Paulo5.
O últim o inquérito soro lógico nacional projetava um a prevalência de cerca de 5 milhões de pessoas infectadas no país nas áreas rurais1. Entretanto,
N ú c l e o d e P e s q u is a s e m S a ú d e C o le t iv a e N u tr iç ã o da
U n iv e r s id a d e F e d e r a l d e M in a s G e r a is, B e lo H o r iz o n ie , M G .
P a r ticip o u d a p e s q u is a q u e fu n d a m e n ta e s t e a r lig o , C a r lo s
T a d e u V illa n i M a r q u e s.
E n d e r e ç o p a r a c o r r e s p o n d ê n c i a : S u s e le B . F r a n ç a . N E S C O N /
U F M G . A v . A lfr e d o B a le n a J9 0 - 9 o a n d a r, 3 0 1 3 0 - 1 0 0 B e lo
H o r iz o n te , M G , B ra s il.
T e le f o n e : ( 0 3 1 ) 2 7 1 - 6 6 6 4 ; F a x : ( 0 3 1 ) 2 2 2 - 0 3 0 0 .
R e c e b id o para p u b lic a ç ã o e m 1 6 /1 2 /9 5 .
presum e-se que a doença tenha se dissem inado no meio urbano em conseqüência dos m ovim entos m igratórios intensificados desde a década de 60 com o desenvolvim ento urbano-industrial do país. Desta forma, estim a-se que 65% da população chagásica brasileira vivam hoje em áreas urbanas2. Só nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo existiriam 500 mil pessoas infectadas4.
A este quadro, agrega-se o fato desta ser uma doença com elevado índice de m orbi-m ortalidade, que atinge concentradam ente um a população na faixa etária de adultos jo v en s, o que representa um alto custo social.
Segundo Dias2, cerca de 20% dos casos no Brasil evoluem para um a cardíopatia crônica de caráter irreversível que leva ao óbito 10 mil pessoas por ano no país. Este autor enfatiza o elevado custo médico e social da doença, estim ando em U S$80 m ilhões po r ano as perdas do Estado som ente em d e s p e s a s m é d ic o - h o s p ita la r e s , b e n e fíc io s previdenciários e anos de vida produtivos, perdidos.
F ra n ça S B , A b re u D M X . M o rb id a d e h o sp ita la r p o r d o e n ç a de C h ag as no B ra sil. R e v ista d a S o c ie d a d e B ra sile ira d e M e d ic in a T ro p ic a l 2 9 :1 0 9 -1 1 5 , m a r-a b r, 1996.
Brasil na úl ti ma década. O trabalho procurou também avaliar os 1 i mites e possi bi 1 idades da A utorização de In te rn a ç ão H o sp ita la r (A IH ) na inform ação e p id e m io ló g ic a , u m a fo n te de p e s q u is a extrem am ente poderosa e muito pouco utilizada com o base de dados para estudos na área.
M A TE R IA L E M ÉTODOS
O estudo baseiou-se nas inform ações oriundas de AIH disponíveis no banco de dados do Sistema Integrado de T ratam ento Estatístico de Séries Estratégicas do D epartam ento de Inform ática do SUS - SIN TESE/D A TA SU S.
A pós a rea liz a çã o de um lev an tam en to bibliográfico sobre aspectos epidem iológicos da doença de Chagas, o trabalho centrou-se na coleta, tratam ento e análise de dados sobre pacientes internados com o diagnóstico de doença de Chagas (CID 086 do grupo tripanosom íase). Os dados referem -se a:
- Brasil, regiões, estados (1984-93) e estados e m unicípios coin m aior núm ero de casos (1991- 93);
- internações na rede hospitalar pública, privada contratada, filantrópica e universitária;
- tem po m édio de perm anência;
- núm ero de óbitos de pacientes internados; - despesas com internação neste grupo de causa.
A pesquisa tam bém discutiu os lim ites e possibilidades de utilização da fonte AIH na inform ação epidem iológica.
Em bora a fonte AIH padeça de problem as referentes à sua própria natureza de sistema de controle e pagam ento de prestação de serviços, ela oferece vantagens que não podem ser desprezadas. A principal pode estar no seu caráter abrangente. A partir de setem bro de 1990, todos os hospitais brasileiros que estão no âm bito do SUS são pagos nesta m odalidade. Isto significa que a partir desta data, os dados contidos em AIH podem ser resgatados por ano, sem estre, bim estre, mês, dia, de todos os hospitais do país (excluindo apenas os que só atendem a pacientes particulares), por região, estado, m unicípio, até um a unidade hospitalar específica.
M as, ao se constatar as possibilidades da fonte AIH na informação epidemiológica, deve-se também discutir as dificuldades que podem advir da sua
utilização em pesquisas desta natureza. O principal problem a estaria na confiabilidade destes dados, já que se trata de uma fonte de pagamento de internações ocorridas nos hospitais do âm bito do SUS. Isto é, como a AIH tem estritam ente a função de controle adm inistrativo, para a sua utilização com o fonte de dados de m orbidade hospitalar deve-se esclarecer a sua origem e natureza.
Neste sentido, procurou-se testar a consistência dos dados o b tid o s no S ÍN T E S E atrav és da comparação com as inform ações do “ Sistem a de Recepção de A IH ” disponíveis no Banco de Dados da A IH (B D A IH ), q u e é o rg a n iz a d o p o r procedim entos e não som ente pelo diagnóstico (CID) como é o caso do SÍN TESE.
O BDAIH é alim entado pela mesma fonte prim ária (a AIH), mas perm ite o acesso ao conteúdo de cada AIH individualm ente. Esta característica possibilita acessar uma gam a de inform ações muito m aior que a perm itida pelo SÍN TESE, o que possibilitaria também um aprofundam ento na análise das internações por doença de Chagas no país.
Entretanto, com a desagregação da inform ação, o tam anho dos arquivos gerados torna muito lento o seu processam ento. Desta form a, não foi possível concretizar o levantam ento de toda a série histórica. A alternativa encontrada foi realizar um estudo- piloto limitado à análise de um mês de internações ocorridas no Estado de M inas G erais. Foi escolhido aleatoriam ente o mês de ju n h o de 1993.
RESULTADOS
N o Brasil, entre 1984 e 1993, o núm ero de pacientes internados com o diagnóstico principal de tripanosom íase variou pouco na série histórica, girando em torno de 1.700 pacientes hospitalizados ao ano. Se considerarm os apenas os três últim os anos, quando o pagam ento dos hospitais por AIH passa a abranger toda a rede pública, contratada e conveniada com o SUS, pode-se verificar uma queda linear do núm ero de pacientes chagásicos.
F ra n ça S B , A b re u D M X . M o rb id a d e h o sp ita la r p o r d o e n ç a d e C ha ga s n o B rasil. R e v ista d a S o c ie d a d e B ra sile ira d e M e d ic in a T ro p ic a l 2 9 :1 0 9 -1 1 5 , m a r-a b r, 1996.
Tabela 1 - P acientes intern ad os p o r Iripanosom íase no B ra sil e reg iõ es b rasileira s. 1991-93.
Regiões 1991 % 1992 % 1993 % '
Sudeste 1.423 77,4 1.265 76,4 1.047 72,7
C entro O este 290 15,8 253 15,3 284 19,7
N ordeste 67 3,6 96 5,8 72 5,0
Sul 48 2,6 31 1,9 27 1,9
N orte 10 0,5 11 0,7 11 0,8
Brasil 1.838 100,0 1.656 100,0 1.441 100,0
Fonte: S IN T ESE /D A TA SU S - N ESC O N /U FM G .
Quase todos os pacientes foram internados em hospitais localizados em 12 estados do país. Os estados com m aior núm ero de pacientes internados no período estudado foram São Paulo, M inas Gerais e G oiás, além do D istrito Federal (Tabela 2).
Nestes quatro estados foi hospitalizada a grande m a io ria d o s p a c ie n te s com d ia g n ó stic o de tripanosom íase do país (88% do total em 1993). M as, só São Paulo é responsável por quase metade dos pacientes chagásicos internados no país naquele
a n o .
No Estado de São Paulo, cerca de 70% das internações ocorreram na capital e nos municípios de General Salgado e Ribeirão Preto. Em M inas G erais, Belo H o riz o n te e P atro cín io foram responsáveis po r cerca de 33 % dos pacientes hospitalizados com este diagnóstico (em 1991 respondiam por 58% dos casos). Já em Goiás, em apenas três municípios - A nápolis, Ceres e Inhumas - foram internados 79% dos casos do estado em
1993 (35% só em A nápolis).
Diferentem ente das capitais São Paulo e Belo Horizonte, que registram núm eros significativos de in tern açõ es p o r trip an o so m íase, G oiânia tem
a p re s e n ta d o re d u z id a p a r tic ip a ç ã o n as hospitalizações por esta causa (5,5% do total do estado em 1993).
Outro aspecto a ser considerado, diz respeito à relação entre o total de pacientes internados por tripanosom íase e à p opulação do m unicípio, utilizando como indicador a taxa de internação por 10 mil habitantes.
De acordo com os dados do Censo D em ográfico de 1991, Goiás obtém o índice de 0,48 internações para cada grupo de 10 mil habitantes. Em São P aulo, já aparecem taxas m ais d iscrep an tes. Enquanto a m édia para o estado em 1991 era de 0,29, o m unicípio de General Salgado atinge o ín d ic e de 16 5 ,7 9 p a c ie n te s in te rn a d o s p o r tripanosom íase por 10 mil habitantes. Em M inas Gerais, observa-se tam bém taxas m uito variadas e a média do estado é de 0,3 1.
Quanto à natureza do hospital, as internações por tripanosom íase tenderam , no período estudado, a uma situação de equilíbrio: cerca de 25 % para cada uma das categorias de hospitais (público, universitário, contratado e filantrópico) (Tabela3).
Cham a a atenção, o desem penho dos hospitais
Tabela 2 - P a cientes in ternados p o r tripanosom íase nos estados com m aior núm ero de interna ções p o r esta causa. 1991-93.
Estados Região 1991 % 1992 % 1993 %
São Paulo SE 915 49,8 774 46,7 650 45,1
M inas G erais SE 487 26,5 450 ° 7 2 338 23,5
Goiás CO 193 10,5 187 11,3 179 12,4
Distrito Federal CO 78 4,2 59 3,6 98 6,8
Subtotal 1.673 91,0 1.470 88,8 1.265 87,8
Brasil 1.838 100,0 1.656 100,0 1.441 100,0
F r a n ç a S B , A b r e u D M X . M o r b i d a d e h o s p i t a l a r p o r d o e n ç a d e C h a g a s n o B r a s il. R e v is t a d a S o c i e d a d e B r a s i l e i r a d e M e d i c i n a T r o p i c a l 2 9 : 1 0 9 - 1 1 5 , m a r - a b r , 1 9 9 6 .
T a b e la 3 - P a c ie n te s in te r n a d o s p o r tr ip a n o s o m ía s e s e g u n d o à n a tu r e z a d o h o s p i ta l - B r a s il. 1 9 9 1 - 9 3 .
Natureza do hospital 1991 % 1992 % 1993 %
Contratado 663 36,1 513 31,0 366 25 ,4
Filantrópico 560 30,5 522 31,5 367 25,5
Público 207 11,3 267 16,1 315 21,9
Universitário 488 22,2 354 21,4 393 27,3
Total 1.838 100,0 1.656
100,0
1.441 100,0Fonte: SINTESE/DATASUS - NESCON/UFMG.
universitários, responsáveis em 1993 por apenas 7,1% do total de internações do país e por cerca de 28% das internações por tripanosom íase (Figura
1
).Em São Paulo os hospitais universitários se destacam com quase 46 % das internações em 1993. N este estado, todas as categorias cresceram seu peso no período à custa do setor contratado.
F r a n ç a S B , A b r e u D M X . M o r b id a d e h o s p i t a l a r p o r d o e n ç a d e C h a g a s n o B r a s i l. R e v i s t a d a S o c i e d a d e B r a s i le i r a d e M e d i c in a T r o p i c a l 2 9 : 1 0 9 - 1 1 5 , m a r - a b r , 1 9 9 6 .
DISCUSSÃO
Os dados de AIH disponíveis no SÍNTESE indicam que em núm eros absolutos e relativos as internações por tripanosom íase no Brasil são pouco significativas. C onsiderando que se trata de uma doença grave e endêm ica no país, era de se esperar um núm ero m aior de hospitalizações.
E ntretanto, deve-se considerar que se trata de um a doença crônica que pode levar à internação apenas os casos mais graves e/ou na associação com outras m orbidades. Estim a-se que a evolução da doença para as form as clínicas mais graves ocorra em pequena parcela das pessoas infectadas.
A lém disso, a doença de Chagas é típica das classes m ais desfavorecidas e de origem rural, que têm m enor acesso aos serviços de saúde em geral, e hospitalares, em particular. Esta dificuldade de
acesso geralm ente está relacionada à situação econôm ica do doente ou é devido à localização geográfica do serviço, mas quase sem pre ocorre pela com binação destes dois fatores.
E ntretanto, quando com parados àpopulação de alguns m unicípios estas internações adquirem um a dimensão mais significativa em virtude do pequeno portedo município. Ou seja, em núm eros absolutos, as internações podem ser inexpressivas, mas se com pararm os com a população do m unicípio o quadro se m odifica. Este é o caso, p o r exem plo, de General Salgado (SP) que apresentava em 1991 um a taxa extremamente elevada (166 pacientes internados por tripanosom íase em cada 10 mil habitantes).
No país como u m t o d o , c o n s ta t a - s e u m aum ento
de im portância do setor público e dos hospitais universitários nas internações p o r tr ip a n o s o m ía s e e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , dim inuição de im portância d o s s e to re s c o n tra ta d o e filantrópico. Ao se com parar o padrão de distribuição do c o n ju n to d e to d a s as internações produzidas no país (por todas as causas) com a distribuição das internações de pacientes chagásicos na re d e h o s p ita la r , p o d e -s e o b s e r v a r a p a r tic ip a ç ã o relativam ente elevada dos hospitais universitários neste tipo de causa de internação.
Em 1993, em bora esses hospitais tenham internado apenas 7,1% de todos os pacientes do país, no que se refere aos pacientes chagásicos, nada menos que 27,3% destes foram atendidos em hospitais universitários, indicando ser esta a mais im portante porta de entrada de pacientes chagásicos no sistem a hospitalar.
F ra n ç a S B , A b re u D M X . M o rb id a d e h o sp ita la r p o r d o e n ç a d e C h ag as n o B ra sil. R e v ista d a S o c ie d a d e B ra sileira d e M e d ic in a T ro p ic a l 2 9 :1 0 9 -1 1 5 , m a r-a b r, 1996.
m aio r rig o r no p reen ch im en to dos laudos e prontuários. Ou seja, pacientes portadores de doença de Chagas poderiam estar sendo internados nas outras instituições sem que tenha sido realizado este diagnóstico.
D eve-se considerar tam bém a possibilidade de um direcionam ento específico de pacientes com d iag n ó stico de trip an o so m íase para hospitais universitários em virtude da pesquisa acadêmica, o que poderia ju stificar, pelo menos em parte, o crescim ento apresentado.
O utra questão a ser levantada é a de que o diagnóstico de tripanosom íase m uitas vezes requer procedim entos de alta tecnologia, teoricamente mais acessíveis em hospitais universitários.
Não podem os deixar ainda de considerar a hipótese de que pacientes chagásicos podem se tornar indesejáveis para a rede contratada e mesmo fila n tró p ic a , d ev id o a necessid ad e de longa p e rm an ên cia h o sp ita la r e/o u n ecessid ad e de tratam entos de alto custo e baixa lucratividade e, assim , seriam p reterid o s po r estes setores e transferidos para a rede pública e de hospitais universitários.
Em term os de despesas com esta causa de in te rn a ç ã o , o b s e rv a -s e q u e os v a lo re s são extrem am ente modestos em relação a magnitude da doença. Entretanto, os dados de morbidade hospitalar por doença de Chagas estão muito subestimados, m esmo para a internação com CID tripanosom íase, o que será discutido adiante. Considerando-se as despesas em valores constantes em 1993, era de se esperar que estas acom panhassem de form a mais ou menos equitativa adistribuição dos pacientes. Porém, não é o que ocorre.
O Estado de São Paulo sozinho gastou nada m enos que 72,5% do valor total do país, e neste estado foram internados apenas 45 % dos pacientes. Este tam bém é o caso do D istrito Federal, que ficou em 2 o lugar no total de gastos (11,2% ) e em 4 o na distribuição dos pacientes (6,8% ). M inas Gerais, ao contrário, com 23 % do total de chagásicos internados, respondeu por apenas 8 % do total gasto no país. G oiás tam bém internou proporcionalm ente mais e gastou menos: 12,4% dos pacientes contra 4,4% dos gastos.
Esse quadro pode ser explicado pela enorme disparidade do custo médio (despesa/paciente) em cada estado. Nas internações ocorridas em São Paulo e D istrito Federal, o custo médio é muito
mais elevado que em M inas G erais e Goiás. Ao se analisar a despesa por paciente segundo à natureza do hospital, pode-se constatar que em São Paulo as maiores discrepâncias estavam nos hospitais universitários: o custo m édio aí é 10 vezes maior que nos hospitais universitários de G oiás ou 20 vezes mais que nos do D istrito Federal. Já em M inas Gerais são os hospitais contratados que ap resen tam um custo m éd io m u ito elev ad o com parado ao que ocorre nos outros estados, enquanto que no D istrito Federal é o setor público que tem um custo mais alto por paciente em relação aos demais.
Esses dados parecem dem onstrar que existe um a variação m uito grande nos procedim entos m édicos para o tratam ento da doença de Chagas de acordo com o estado e com a natureza do hospital, o que não parece ter uma explicação plausível, a não ser o fato do sistem a perm itir um a gam a de procedim entos muito am pla e de custo muito diferenciado, sem qualquer controle.
Quanto à confiabilidade dos dados de morbidade hospitalar coletados através do SÍN TESE, pode-se o bservar que pelos dados de m ortalidade do M inistério da Saúde, em 1988 ocorreram cerca de 6 mil óbitos em todo o país contendo este registro como causa básica. E bastante im provável que a m aior parte destes óbitos tenha o corrido sem assistência hospitalar, o que indica que m uitos chagásicos são internados com outro diagnóstico ou com diagnóstico correto, porém , não disponível no sistema SÍNTESE (como é o caso da cardiom iopatia chagásica).
Uma das razões para o sub-registro, pode estar no desinteresse e na deficiência da rede hospitalar p ara o estab elecim en to dos d iag n ó stico s. E sintom ático que sejam justam ente os hospitais universitários que apresentem um m aior núm ero de internações por esta causa. Poderia estar ocorrendo não um a m aior afluência de chagásicos nestes hospitais, mas apenas um preenchim ento apropriado do prontuário e da AIH.
Como a AIH é uma fatura em branco que o hospital recebe, há uma tendência ao registro de diagnósticos e procedim entos com valores mais elevados que possibilitem um faturam ento maior para o hospital.
F ra n ça S B , A b re u D M X . M o rb id a d e h o sp ita la r p o r d o e n ç a d e C h a g a s n o B rasil. R e v ista d a S o c ie d a d e B ra sile ira d e M e d ic in a T ro p ic a l 2 9 :1 0 9 -1 1 5 , m a r-a b r, 1996.
de realizar um a estim ativa do núm ero de pacientes c h a g á s ic o s in te r n a d o s c o m d ia g n ó s tic o diferenciados. E ste levantam ento foi realizado levando-se em conta os procedim entos que poderiam incluir chagásicos, considerando as chamadas formas “clínicas” da fase crônica.
Assim , tom ando por base os dados de M inas Gerais no mês de ju n h o de 1993, foram levantados os principais procedim entos relacionados à doença de Chagas, excluindo os 17 casos já relacionados através do CID tripanosom íase.
D e im e d ia to , p o d e -s e c o n s ta ta r u m a subestim ação da ordem de 65 % com a inclusão de mais 11 pacientes com o diagnóstico “cardiomiopatia na d o e n ç a de C h a g a s ” . A lém d e ste s, se c o n s id e r a r m o s q u e p e lo m en o s 2 5 % d o s procedim entos de instalação de marçapasso cardíaco (em especial, diagnosticados com o CID bloqueio atrioventricular com pleto - BVA) são de pacientes c h a g á s ic o s , e s te p e r c e n tu a l a u m e n ta significativam ente. Se incluirm os também o mesmo percentual para os pacientes onde foram realizados tratam ento cirúrgico do m egaesôfago, pode-se estim ar o total de pacientes chagásicos internados com outros diagnósticos, com o m ostra a Tabela 4.
T abela 4 - E stim a ti va d o nüm ero d e p a c ie n te s ch a gá sico s in terna do s com o u tro s dia g n ó stico s M in as G erais -ju n h o /1 9 9 3,
CID C ardiom iopatia da doença de Chagas 11 casos
C ID 's relacionados aos procedim entos de instalação de m arçapasso cardíaco e
troca de g erad o r de estím ulos 35 casos
C ID 's relacionados ao procedim ento de
tratam ento cirúrgico do m egaesôfago 4 casos
Total 50 casos
Fonte: B D A 1H/DA TASU S
N este sentido, pode-se concluir que o número real (aproximado) de pacientes chagásicos internados seria 67, um núm ero três vezes m aior que o apurado no CID tripanosom íase.
Estes dados dem onstram as dificuldades de se trabalhar com os dados oriundos de A IH . E possível a sua utilização na inform ação epidem iológica, mas, para tanto, é necessário um a série de cuidados no levantam ento dos dados sem esquecer as lim itações desta fonte decorrentes de sua natureza contábil, já discutidas anteriorm ente.
A utilização mais apropriada da fonte AIH seria para o levantam ento de doenças que não apresentem uma gam a m uito variada de form as clínicas, o que tornaria o seu estudo mais sim plificado, sendo suficiente as inform ações disponíveis no banco de dados SÍNTESE.
SU M M A RY
The aim o f this resea rch w as to d e sc rib e th e d elivery a n d evolution o f C hagas d isea se w ith in-patients in B razil du rin g th e last decade. It a lso a ttem p ted to d isc u ss the lim its a n d p o s s ib ilitie s o f In te rn a l H o sp ita liza tio n A u th o riza tio n (AIH ) as a s o u r c e o f e p id em io lo g ist inform ation. From 1984 to 1993, the n u m b e r o f in p a tie n ts d ia g n o sed with “tr ip a n o ss o m ia se " w as a bo u t
1 .7 0 0 yea rly, d eclin in g in a b so lu te n u m b e rs d u rin g the entire h isto ric series. The m ajo rity c o n cen tra tio n o f in p a tie n ts occurin g in this stud y w as re c o rd e d in São P aulo, G oiás, M in as G erais a n d D istrito F ederal. The p u b lic se c to r im portance in c re a se d a n d the university hospitals im p ro ved their p a rticip a tio n w ith in-patients with “tripa no ssom ia se C on cerning ho sp itals exp en ses f o r in-patients, th is stu d y h a s o b se r v e d th a t a h eg em o n y in Sã o P auto w as stren gthen ed. The avera g e c o st w as varied: in São Paulo a n d D istrito F ederal, the avera g e cost w as m uch h ig h er than tha t o f M in a s G erais a n d Goiás. F inally, this stu d y c o n c lu d e d th a t the m ost su itable u sefulness o f the A IH fo r m s w o uld b e fo r d isea se su rv e y s tha t ha ven 't b een p re s e n te d to m a n y clin ics, f o r w hich th e S 1 N T E S E files w ould be suffcient.
K ey-w o rd s: C h a g a s ’ d ise a se - in-patients. H ospital m orbity. E pidem iology data. In tern a l H ospitalization Authorization.
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