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Os contratadores dos caminhos do ouro das Minas Gerais: estratégias mercantis, relações de poder, compadrio e sociabilidade(1718-1750)

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OS CONTRATADORES DOS CAMINHOS DO OURO DAS MINAS SETECENTISTAS:

estratégias mercantis, relações de poder, compadrio e sociabilidade (1718-1750)

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OS CONTRATADORES DOS CAMINHOS DO OURO DAS MINAS SETECENTISTAS:

estratégias mercantis, relações de poder, compadrio e sociabilidade (1718-1750)

Sofia Lorena Vargas Antezana

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção da titulação de mestre.

Área de Concentração: História Social

Linha de Pesquisa: História Social da Cultura

Orientadora: Profa. Dra. Júnia Ferreira Furtado

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Sofia Lorena Vargas Antezana, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História e submetida à banca examinadora composta por:

Profa. Dra. Júnia Ferreira Furtado FAFICH / UFMG (Orientadora)

Profa. Dra. Carla Maria Junho Anastásia FAFICH /UFMG

Profa. Dra. Cláudia Maria das Graças Chaves ICHS/ UFOP

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abundantes, e não experimentarem a falta de ordinário [...] permitiu que os contratadores utilizam-se dos mesmos rendimentos para se divertirem em negócios particulares.1

1

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Agradeço a minha mãe, Nancy, pelo constante incentivo, preocupação e zelo

refletidos nas incontáveis entradas no quarto, perguntando, insistentemente:

quieres té? zumo de naranja? o un vaso de leche? Oh!! pobre Lorenita! Mas,

principalmente, por sua força e fé, fundamentais nos momentos em que pensei

desistir, sair correndo... Valeu mamá, esta vitória é nossa! À gorda da Gabi,

pela sua generosidade em compartilhar o computador, ou melhor, por permitir

que eu me apossasse dele e por me socorrer todas as vezes que precisei. Aos

colegas do mestrado, com os quais compartilhei dúvidas, risadas e textos. Um

especial agradecimento às amigas Sabrina e Denise, pelas nossas viagens,

“excursões” aos arquivos e aos saudosos embates teóricos sobre as Minas

setecentistas. Ao amigo Clayton Ribeiro, por ouvir atentamente minhas

divagações sobre o meu objeto de estudo. Valeu, Clayton! Às amigas Cristina e

Márcia, pela hospitalidade ouropretana. Aos funcionários da Biblioteca da

FAFICH e aos competentes e queridos secretários do departamento de história,

Magda e Valteir. Quero ressaltar meus agradecimentos e respeito à minha

orientadora, professora doutora Júnia Ferreira Furtado, por sua ajuda, sabedoria

e enorme erudição, postas a minha pessoa; e por ter-me acolhido nesta jornada.

Muito obrigada, professora! Ao professor Friedrich E. Renger, pela bolsa de

pesquisa do Instituto Estrada Real e pelas valiosas dicas, empréstimos de textos

os quais foram de suma importância. À professora Adalgisa Arantes Campos,

por permitir o acesso ao banco de dados sobre os registros paroquiais da

freguesia do Pilar de Vila Rica. Ao Renato Franco, pelo cruzamento dos dados

expostos neste trabalho e, também, à simpática professora Beatriz Ricardina de

Magalhães, zelosa guardiã dos inventários e testamentos do Banco de Dados da

Comarca do Rio das Velhas. E, por último, e não menos importante, ao querido

Felipe, por ter sido o primeiro em acreditar em mim, quando nem eu mesma

sabia que rumos iria seguir. Efxaristó polí, por teres compartilhado as agruras,

alegrias e conquistas da minha vida acadêmica, desde a época do vestibular,

passando pela graduação e acompanhando meu desespero no bacharelado.

Muito embora distante, torceu e acreditou nesta nova conquista. A todos,

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O presente trabalho tem por objetivo analisar os aspectos sociais e econômicos dos contratadores das entradas para o período compreendido entre 1718 a 1750. À luz das relações de compadrio, amizade, favor e serviço, habilmente tecidas entre os dezesseis contratadores e o Estado português, foi possível identificar a importância econômica e política que os contratos adquiriram na sociedade mineira, a ponto de o governador dom Lourenço de Almeida lançar mão de várias estratégias pessoais para que os mesmos continuassem na Provedoria da Capitania, e não em Lisboa, conforme reivindicação do Conselho Ultramarino. Analisamos, ainda, quais foram os mecanismos usados pelos contratadores, os quais permitiram o acesso ao lucrativo mundo dos contratos. Investigamos também os ganhos materiais e simbólicos provenientes da união entre os homens de negócio e a Coroa portuguesa.

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This Thesis attempts to analyze the socials and economics aspects of the contractors of the entradas between 1718-1750. Analyzing the relationship, friendship, favor and thankfulness terms, deftly made among the sixteen contractors and the Portuguese State, it was possible to identify the economics and politics importance that the contracts acquire in the society mineira, making of the government dom Lourenço de Almeida to work up personal strategy for that of the its continued in the Provedoria of the Capitania, and not in Lisboa, in accordance with solicit of the Conselho Ultramarino. We analyzes still that was the strategies makings towards contractors, they allows the access in the profitable world of the contracts. We check up too the material and symbols profitable derivations of the togetherness between of the men of the business and the Portuguese Crow.

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Figura 1: Guias de recolhimento do ouro ... 52 Figura 2: Imagem atual do registro do Paraibuna... 57

Tabela 1: Participação dos contratos na receita total (1725-1799) ... 77 Tabela 2: Rendimento total que teve a Real Fazenda,

para os anos de 1714 a 1721, sobre os direitos das entradas ... 83

Quadro 1: Relação dos contratos das entradas – valores, contratadores e sócios... 80 Quadro 2: Valores dos contratos das entradas arrematados

(10)

Introdução ... 11

Capítulo 1 – Os caminhos do ouro para as Minas setecentistas... 19

1.1 O Caminho da Bahia... 22

1.2 O Caminho Velho ... 31

1.3 O Caminho Novo ... 35

1.4 As sesmarias ... 43

1.5 Sobre os caminhos e a travessia dos rios ... 45

1.6 Os registros fiscais ... 48

Capítulo 2 – Sobre os contratos ... 59

2.1 Os contratos na historiografia: balanço geral... 59

2.1 Das rendas reais e dos monopólios régios ... 69

2.3 Os contratos: características gerais e fiscais ... 73

2.4 Os contratos das entradas em Minas Gerais: sua origem e administração... 78

Capítulo 3 – Contratadores: senhores de sedutora riqueza e de crescente poder ... 93

3.1 Sobre a sociedade mineira dos setecentos ... 93

3.2 Das relações de sociabilidade e compadrio dos contratadores ... 96

3.3 Dos provimentos de cargos para alguns contratadores ... 102

3.4 Amostragem dos testamentos e inventários... 110

3.5 Das redes mercantis dos contratadores ... 126

Capítulo 4 – Os contratos no período do governador dom Lourenço de Almeida... 133

4.1 O estrategista dom Lourenço de Almeida... 133

4.2 Das alianças de dom Lourenço de Almeida com Sebastião Barbosa Prado e com o provedor da Fazenda, entre outros ... 140

4.3 Das vexações e perseguições de dom Lourenço de Almeida contra Custódio Rabelo Viana ... 151

Considerações finais ... 156

Fontes e bibliografia... 159

Fontes primárias ... 159

Fontes primárias impressas ... 159

Bibliografia geral... 160

(11)

INTRODUÇÃO

Diferentemente dos estudos sobre os contratados das entradas e dos dízimos, que privilegiaram uma análise interpretativa voltada para os aspectos econômicos e tributários, em que, muitas vezes, o “rei atuava como empresário e a corte como uma casa de negócios”,2 o presente estudo privilegiou as relações de sociabilidade, compadrio, amizade e serviço, nas quais estiveram inseridos os dezesseis contratadores das entradas, em Minas Gerais, entre os anos de 1718 e 1750.

Embora o direito das entradas tenha sido criado, em junta de 01 de dezembro de 1710, feita pelo governador Antônio de Albuquerque de Carvalho, como forma de completar as 25 arrobas do quinto do ouro, somente em 23 de agosto de 1718, por ordem do então governador, Conde de Assumar, os primeiros contratos das entradas foram postos em praça pública para fins de arrendamento, data que define o início do marco temporal dessa pesquisa.

A escolha do ano de 1750 como marco temporal final da pesquisa justifica-se em função do falecimento do monarca português dom João V e da ascensão, no governo de dom José I, de Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro marquês de Pombal, ao cargo de ministro. À frente da secretaria das finanças, Pombal realizou reformas econômicas e tributárias, como, por exemplo, a abolição do sistema de capitação pelas Casas de Fundição. Essas mudanças na tributação dos quintos tiveram reflexos na aquisição dos contratos feitos a partir da segunda metade dos setecentos.

Buscou-se, então, identificar como as relações sociais entre os contratadores foram constituídas e a sua aplicação nas arrematações dos contratos. Considerando que eles estiveram inseridos em normas de conduta e sociabilidade típicas do Antigo

2

ELLIS, Myriam. Comerciantes e contratadores do passado colonial. São Paulo. Revista do Instituto de

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Regime, “onde o ato de dar em si honorificava o próprio ofertante”, mas que também a lucratividade e a mercantilização dos contratos interferiam nessa mesma lógica, impondo o lucro e a racionalidade dessas funções3 ao estudo das relações pessoais das quais os contratadores fizeram parte, nos permitiu uma análise interpretativa que está longe de ser esgotada.

Nesse sentido, as cadeias informais de poder e as corporações mercantis que, desde muito cedo, “se organizaram para desfrutar do próspero mercado mineiro, estruturaram-se com base nos laços de hierarquia e submissão que dominaram a sociedade da época”,4 quais sejam: os vínculos de compadrio e as alianças familiares.

Ao dispensar um favor ou uma graça, o ofertante colocava-se numa posição superior à do que recebia, o que lhe conferia magnificência. Por um lado, o recebedor se beneficiava de algum bem de natureza material, em troca de submissão política; por outro, o ato de dar criava vínculos de dependência entre os envolvidos, colocando aquele que recebia a graça em uma posição de subserviência.

Por meio do levantamento, leitura e interpretação de fontes documentais – tais como: testamentos, inventários, assentos de óbito, batismo, cartas patentes, alvarás, solicitações e requerimentos recolhidos em diferentes arquivos –, foi possível identificar mecanismos e estratégias usados pelos contratadores e, dessa maneira, pontuar o envolvimento dos mesmos em outras atividades econômicas, além dos arrendamentos.

A documentação examinada mostrou que, do total dos dezesseis contratadores envolvidos neste contrato para o período citado, cinco eram proprietários de fazendas e

3

FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio: a interiorização da metrópole e do comércio nas Minas setecentistas. São Paulo: Hucitec, 1999. p. 63.

4

FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio. op. cit. p. 59.; HESPANHA, Antonio Manuel;

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imóveis nos centros urbanos de Vila Rica e no Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo. Apenas um contratador aparece como proprietário de loja em Vila Rica. O restante dos contratadores esteve inserido no empréstimo a juros e no aluguel de imóveis urbanos situados em Vila Rica. Um foi dono de lavras minerais, seis receberam cargos patentes e um outro, terras de sesmarias.

Na relação dos inventários encontrados, percebe-se que todos foram homens de grandes cabedais, como foi o caso do capitão-mor, Sebastião Barbosa Prado. Este arrendou o tributo das entradas e dos dízimos em Minas Gerais, para os períodos de 1725 a 1727 e de 1730 a 1733, respectivamente. Em seu inventário, estão listados: escravos, uma fazenda, gados, cavalos, utensílios agrícolas e armazéns destinados ao estoque de produtos agrícolas.

Todos, sem exceção, fizeram parte de alguma irmandade, como a Irmandade de Nossa Senhora do Pilar e de Nossa Senhora da Conceição do Antônio Dias. Um contratador foi enterrado com o hábito da Ordem Terceira de São Francisco, dois receberam o título de maior distinção social e prestígio que podia ser concedido à época, o de Cavalheiro da Ordem de Cristo. Por se tratar de uma sociedade empregada nos valores religiosos, a prática católica foi um elemento de identificação e hábito dos congregados. Os inúmeros ritos católicos, como o casamento, os batizados e sepultamentos, entre outros, foram momentos de socialização e espaços propícios ao estabelecimento, ou mesmo de reforço das alianças sociais, das hierarquias baseadas na amizade ou no puro interesse.

A amizade foi, muitas vezes, “cobrada em troca de serviços ou deferências em situações precisas”.5 Como no caso em que o governador dom Lourenço de Almeida solicitou ao contratador das entradas, Custódio Rabelo Viana, a quantia de “mil oitavas

5

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de ouro [...], segurando-lhe que o assim fizesse, teria nele [em dom Lourenço] um amigo”.6

Dessa maneira, a amizade também foi um dos mecanismos informais de poder, nos quais foram baseadas as relações pessoais ou institucionais que, por sua vez, definiram as normas de condutas presentes tanto na América portuguesa como em Portugal.

Entre as práticas de socialização observadas na documentação estão também as relações de compadrio. “Os laços de compadrio – um dos mecanismos de sociabilidade da época – criavam redes de clientelismo e dependência entre os diferentes segmentos sociais”.7 Tais uniões fizeram parte do universo dos contratadores, na busca de proteção e lucratividade.

Outro expediente comum, por parte dos contratadores, nas arrematações dos contratos, ao longo do período estudado, foi a formação de sociedades temporárias. Estas permitiram aos “homens de negócio” levantar as somas necessárias para a aquisição dos contratos. Dessa forma, alguns contratadores enviaram às Minas seus sócios ou representantes comerciais, como foi o caso do contratador das entradas para os triênios de 1738 a 1741 e de 1745 a 1748, Jorge Pinto de Azevedo. Este tinha como representante, em Vila Rica, seus parentes, Antônio Pinto de Azevedo e Manuel Pinto de Azevedo.

O estabelecimento das relações comerciais assentadas nos laços familiares foi outro elemento presente entre os contratadores. “A relação familiar era o elo mais forte

6

AHU – Brasil/MG. REQUERIMENTO feito pelo comerciante Custódio Rabelo Viana, solicitando justiça nas violências contra ele praticadas. cx: 12. doc: 33.

7

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que existia entre os iguais e sempre foi invocado para ajudar um ao outro, pois não havia maior relação de amizade de que [...] entre as pessoas de uma mesma família”.8

A elite mineira dos setecentos, na qual se inseriam os contratadores das entradas, esteve articulada ao redor das redes de reciprocidade. Essa elite, constituída em sua maioria por homens ligados aos setores políticos e econômicos, conhecia os canais de representação, “os poderes informais”.9 Assim, sempre que necessário, os contratadores recorreram a esses canais, na defesa de seus próprios interesses, os quais, muitas vezes, foram divergentes dos interesses da Coroa.

Antônio Manuel Hespanha, ao analisar o exercício do poder informal, em Portugal, no período moderno, reconheceu as múltiplas teias políticas e econômicas que viabilizaram a ação do Estado lusitano. Assim, as relações sociais assentadas nos critérios da amizade, liberalidade, caridade, magnificência, gratidão foram importantes instrumentos no processo de centralização da monarquia portuguesa, pois criavam vínculos, laços de subordinação entre aqueles que ofertavam uma mercê, uma graça, e os que recebiam o benefício. Essas trocas de favores foram definidas como “redes clientelares”.10

Era freqüente que o prestígio político de uma pessoa estivesse estreitamente ligado à sua capacidade de dispensar benefícios, bem como à sua fiabilidade no modo de retribuição dos benefícios recebidos, [...] o que provocava um contínuo reforço econômico e afetivo dos laços que uniam, no início os atores, numa crescente espiral de poder, subordinada a uma estratégia de ganhos simbólicos.11

8

FURTADO, Júnia Ferreira. Os homens de negócio. op. cit. p. 62.

9

Cf. HESPANHA, Antonio Manuel; XAVIER, Ângela Barreto. As redes clientelares. op. cit.

10

Hespanha chama atenção para o fato de que as redes clientelares não foram as únicas formas de constituição e organização social do Antigo Regime. Para além destas, havia os grupos estatutários entre outros. Sobre o assunto, ver: HESPANHA, Antônio Manuel; XAVIER, Ângela Barreto. As redes clientelares. op. cit.

11

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Na América portuguesa, a oferta de bens econômicos em troca de bens simbólicos foi verificada no cotidiano dos contratadores e foi o meio mais eficaz para concretizar não só intenções políticas individuais, como para estruturar alianças políticas com objetivos mais duráveis.12 Portanto, as “redes clientelares foram fundamentais para a centralização monárquica portuguesa e, em momento posterior, para a consolidação do império transoceânico lusitano”.13

Embora o presente trabalho vise a estabelecer uma melhor compreensão social das estratégias usadas pelos contratadores nas arrematações de seus contratos, fez-se necessário identificar quais eram os caminhos de acesso à capitania mineira. Isso se justifica pelo fato de que foi por intermédio deles que escoaram todos os tipos de cargas rumo ao mercado mineiro. É justamente esse fluxo de manufaturados, porcelanas, tecidos, escravos, iguarias, especiarias, ferramentas, entre tantos outros, que motivou o recolhimento do tributo das entradas que perpassou o século XVIII. Sendo assim, a riqueza desse comércio estimulou o interesse desses homens de negócio em arrendar os contratos de entradas, tema deste estudo.

Dessa maneira, os caminhos setecentistas foram importantes elementos no processo de integração econômica e geográfica dos “sertões” com a região centro-sul da América portuguesa, sobretudo após a descoberta do ouro. Quando o comércio se consolidou, em função da crescente migração, os caminhos foram ganhando importância econômica e política. Por eles, circularam não apenas pessoas, animais e cargas, mas ouro em pó. Por esse motivo, não foram poucas às medidas restritivas lançadas em alvarás e editais, regulamentando os acessos pelos caminhos do ouro.

12

Cf. HESPANHA, Antônio Manuel; XAVIER, Ângela Barreto. A economia do dom, amizade e clientelas na ação política. In: História de Portugal: o Antigo Regime (1620-1807). Direção de José Mattoso. Lisboa: Estampa, 1993. v. 4.

13

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Assim, no primeiro capítulo, foram analisados os caminhos oficias de ligação à capitania de Minas Gerais, bem como a abertura dessas vias, a circulação de pessoas e de mercadorias e as medidas restritivas, por parte das autoridades metropolitanas, que proibiram a abertura de novos caminhos e picadas. Também apontamos os elementos que contribuíram para a inaplicabilidade do veto sobre o tráfego via Caminho da Bahia. Essa foi a rota preferida por aqueles que estiveram envolvidos nos descaminhos e contrabando do ouro.

A documentação encontrada permitiu demarcar com maior precisão o início e o fim da abertura do Caminho Novo. Este, como os demais caminhos, após a descoberta do ouro, sobretudo a partir das décadas de trinta dos setecentos, foi uma importante via de comunicação entre o litoral e as vilas interioranas.

Nesse capítulo, também foram analisadas as concessões de sesmarias, importante instrumento no processo de ocupação do espaço colonial, as quais foram doadas ao contratador Matias Barbosa da Costa, em troca dos bons e serviços prestados a El Rei. Outro item abordado refere-se à manutenção e preservação das rotas, pois disso dependia a sobrevivência dos povos. Por último, foram analisados os registros fiscais – a sua criação, localização e os tipos de registros existentes para a primeira metade dos setecentos.

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Ribeiro e Pedro da Costa Guimarães. Esse litígio foi analisado à luz da interferência de dom Lourenço de Almeida.

No Capítulo 3, descrevemos as relações de compadrio em que os contratadores estiveram envolvidos e o papel que eles exerceram na sociedade mineira, como, por exemplo, a questão da caridade e religiosidade. A fim de identificarmos as relações de compadrio, consultou-se o Banco de Dados da freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto. Identificamos que vários contratadores foram padrinhos dos filhos e escravos de conceituados homens de negócio em Minas Gerais. Sobre a riqueza material dos contratadores, analisamos os inventários localizados no Arquivo Histórico do Museu da Inconfidência de Ouro Preto, os testamentos e inventários disponíveis na Casa Setecentista de Mariana e o Banco de Dados da Comarca do Rio das Velhas, sob guarda da professora Beatriz Ricardina.

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CAPÍTULO 1

OS CAMINHOS DO OURO PARA AS MINAS SETECENTISTAS

Com a descoberta do ouro de aluvião, no final dos seiscentos, na região denominada “Minas Gerais dos Cataguás”14 e, mais tarde, a partir da década de 1720, das minas de diamante, no Serro Frio, inaugurou-se uma nova fase na história colonial da América portuguesa. Os achados auríferos foram responsáveis não apenas pelo deslocamento populacional, sem precedentes, das regiões costeiras em direção ao centro-sul, mas, principalmente, pela mudança do eixo econômico, político e administrativo das áreas açucareiras, notadamente Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, para a região conhecida como os “sertões” da vila de Taubaté, processo consolidado quando da mudança do vice-reinado da Bahia para o Rio de Janeiro, em 1763.15

Assim, a região mineradora tornou-se, ao longo das primeiras décadas dos setecentos, o centro econômico da América portuguesa. A possibilidade de enriquecimento rápido e o espírito de aventura atraíram pessoas de todos os tipos e de diferentes regiões para a capitania. Antonil descreve esse momento, assinalando que, a cada ano, vêm “nas frotas quantidades de portugueses e de estrangeiros para passarem

14

Quando os paulistas descobriram ouro de lavagem nas regiões compreendidas entre as minas do Ribeirão de Ouro Preto, do ribeirão de Nossa Senhora do Carmo e outras, forjou-se a expressão “campos gerais dos Cataguás” ou “minas gerais dos Cataguás”. Boa parte da ocupação do território foi impulsionada pelas descobertas nessa região, seguidas pelas descobertas das Minas do Caeté e, posteriormente, pelas minas do Rio das Velhas. Cf. MAGALHAES, Basílio de. Expansão

geographica do Brasil Colonial. São Paulo: Ed. Nacional, 1935; VASCONCELOS, Diogo de. História antiga de Minas Gerais (1901). 4. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1999; LIMA JÚNIOR,

Augusto de Lima. A capitania das Minas Gerais. 2. ed. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1978.

15

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às Minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil, vão brancos, pardos e pretos, e muitos índios, de que os paulistas se servem”.16

Nesse contexto, três caminhos oficiais passam a dar acesso às Minas Gerais: o Caminho da Bahia, o Caminho Velho de São Paulo e o Caminho Novo do Rio de Janeiro. Por eles, andaram comerciantes, homens em busca de ouro, tropeiros, índios, salteadores e os escravos que, inicialmente, foram os africanos usados no cultivo do açúcar, os quais chegaram pelo porto de Salvador e, posteriormente, pelo Rio de Janeiro. Em princípio, devido às péssimas condições de tráfego, os trajetos eram feitos a pé, sobre os ombros ou nas cabeças de escravos e índios. Conforme apontou Charles Boxer, “passou-se muito tempo antes que mulas, burros e asnos se tornassem comuns como animais de carga”.17 Por essas três vias de acesso, “não só subia muito ouro das lavras sem pagar os direitos de Sua Majestade, e era esta a maior preocupação dos legisladores, como desciam gêneros de comércio, negros, até mesmo lavradores e senhores de engenho, [...] das capitanias do norte”.18

Os caminhos, bem como os rios navegáveis, segundo as ordenações Manuelinas, foram bens patrimoniais, pois assim era estabelecido: o uso “das estradas e ruas públicas, como dos rios, seja igualmente comum a toda gente e a qualquer outra coisa animada, [pois] sempre a propriedade delas fica no Patrimônio Real”.19 Dessa forma, os súditos poderiam utilizar das vias terrestres e fluviais, no interesse e bem

16

SILVA, André Mansuy Diniz. (Org.). Cultura e opulência no Brasil, por suas drogas e minas de André João Antonil. Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações dos descobrimentos

portugueses. Lisboa: [s.n.], 2001. p. 297.

17

BOXER, Charles. A Idade de Ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo: Nacional, 1969. p. 73.

18

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Metais e pedras preciosas. In: História da civilização brasileira: a época colonial. 6. ed. São Paulo: Difel, 1985. p. 279. Tomo I, v. 2.

19

ORDENAÇÕES MANUELINAS. Livro 2. Titulo 15. Ano 1514. Dos direitos reais que a El Rey

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comum dos povos. Logo, sobre eles, recaía o pagamento de taxas com vistas à sua conservação. Tal expediente foi largamente usado na América portuguesa.

Em Minas Gerais, ao longo dos setecentos, coube às câmaras municipais zelar pela boa conservação dos caminhos, como mostra o termo de vereação que fizeram os oficiais de Vila Rica, a saber:

Aos seis dias do mês de fevereiro de 1712 anos nesta Vila Rica de Albuquerque em as casas que ao presente servem de Câmara estando juntos os oficias [...] resolverão a melhor forma que se achava para se reedificarem os caminhos para serventia desta Vila por estarem incapazes para a condução dos mantimentos.20

Vê-se, portanto, que uma das primeiras preocupações dos camaristas foi a melhoria das condições físicas dos caminhos, de suma importância para “o sossego dos povos”.21

Os trabalhos de Waldemar de Almeida Barbosa e Sérgio Buarque de Holanda22 são unânimes em afirmar que a penetração no território mineiro, em busca de metais, pedras preciosas e mão-de-obra indígena, efetuaram-se por meio de trilhas milenares, já de conhecimento e uso das diferentes tribos indígenas. Segundo, Daniel de Carvalho, as primeiras “entradas”, em direção ao interior da América portuguesa, “seguiram os cursos dos rios Jequitinhonha, Caravelas, Doce, Paraíba do Sul, Camanducaia, ou antigas trilhas de índios em constantes migrações”.23 Por conseguinte, as expedições e bandeiras acabaram por descobrir passagens, abriram picadas, as quais foram responsáveis pelo conhecimento geográfico de todo um território ainda a ser colonizado.

20

TERMO DE VEREAÇÃO que se fez e se resolveu o modo que se havia de tomar para se prepararem os caminhos. In: Annaes da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. XLIX, p. 228, ano 1927.

21

TERMO DE VEREAÇÃO. In: Annaes da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, op. cit. p. 228.

22

BARBOSA, Waldemar de. História de Minas Gerais. Belo Horizonte: Ibérica, 1979; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1957.

23

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Dessa forma, quando das descobertas de ouro, entre 1695 e 1696, “os bandeirantes valeram-se das veredas abertas pelos nativos, nas suas andanças pelo sertão”.24 Essas rotas pré-históricas, após séculos de ocupação e conquista pelos europeus, originaram as vias oficiais de acesso ao interior da América portuguesa. Torna-se interessante descrevê-las para compreendermos a importância que as mesmas tiveram no processo de constituição do território e das políticas públicas adotas a posteriori pela Coroa. Iniciemos pelo Caminho da Bahia, de onde partiram as primeiras

“entradas” para o território que, depois, veio a constituir a capitania de Minas.

1.1 O Caminho da Bahia

O Caminho dos Sertões, ou da Bahia, era “geral para todas as povoações da Bahia, Pernambuco e Maranhão assim da costa do mar, como dos recôncavos, e sertões dos seus distritos”.25 Todos os caminhos que vinham do interior da Bahia convergiram para o Rio São Francisco, onde se juntavam no arraial de Matias Cardoso.

Antonil, no ano de 1711, foi o primeiro a registrar o Caminho da Bahia. Segundo ele, o ponto de partida dessa rota era a cidade da Bahia, indo em direção aos Campos Cachoeira; daí à aldeia de Santo Antonio de João Amaro (atual João Amaro), e desse ponto à Tranqueira, onde o caminho se divide. Partindo daí, os viandantes que tomassem à mão direita iam ao encontro dos Currais do Filgueira, localizado às margens do rio das rãs. Deste último ponto, passando pelos currais do Coronel Antonio Vieira Lima, os viajantes rumavam ao arraial de Matias Cardoso.26 Do arraial de Matias

24

BARBOSA, Waldemar de Almeida. História de Minas Gerais. Belo Horizonte: Ibérica, 1979. p. 469. v. 2.

25

INFORMAÇÃO sobre as Minas do Brasil. In: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. 57, p. 173, ano 1955.

26

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Cardoso, localizado às margens do Rio São Francisco, até a Barra do Rio das Velhas, o caminho percorria 54 léguas, e, daí até o arraial do Borba do Campo (hoje a cidade de Sabará),27 onde se localizavam as minas do Rio das Velhas, mais 80 léguas. Nesse percurso, Antonil não menciona a fazenda de Montes Claros, mas descreve os currais do Filgueira, que era como se chamavam as fazendas de gado estabelecidas entre o rio das Contas e o rio das Rãs.28 Uma das características desse caminho, segundo seus escritos, foi a existência de inúmeras fazendas de gado. Por elas, passavam as boiadas que iriam abastecer de carne a população do interior.

Basicamente, essa rota acompanhava, ora mais de perto, ora mais distante, a margem direita desse rio, isto é, o lado baiano. De Tranqueira, pegando à mão esquerda, o viajante que desejasse encurtar a viagem rumo às minas do Sabará tinha a opção de seguir pelo caminho aberto por João Gonçalves do Prado. Essa rota, depois de transpor a nascente do Rio Verde, atingia o arraial de Matias Cardoso; desse ponto, ia-se em direção à Barra do Rio das Velhas, e de lá, até a vila de Sabará, onde, novamente, o Caminho da Bahia apartava-se “em diversos caminhos para todas as minas descobertas, assim para as chamadas gerais, como para as do Serro Frio e para todas as outras de que se tira ouro por entre aquelas dilatadas serras”.29 Pode-se afirmar que o Caminho da Bahia “era na realidade um conjunto de estradas e picadas que, com algumas variações, ligavam Salvador a Vila Rica”.30

BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dos caminhos pré-históricos às rodovias asfaltadas. In:_____

História de Minas Gerais. op. cit. p. 469.

27

Daniel de Carvalho afirma que o arraial de Borba, citado erradamente por Calógeras como sendo atualmente a cidade de Lagoa Santa, na verdade, é a cidade de Sabará. Cf. CARVALHO, Daniel.

Estudos e depoimentos. op. cit.

28

SILVA, André Mansuy Diniz. Cultura e opulência no Brasil. op. cit. p. 297.

29

INFORMAÇÃO sobre as Minas do Brasil. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. 57, p. 174, ano 1955.

30

(24)

Seu percurso apresentava um relevo mais plano, com vegetação mais aberta, fatores geográficos que dificultavam a ação das autoridades no sentido de restringir o contrabando do ouro e dos diamantes. Segundo as observações Saint-Hilaire, os viajantes dessa rota procuravam, sempre que possível, dar preferência a tabuleiros cobertos de capim ou caatingas secas, em detrimento dos alagadiços de espessa vegetação, os quais dificultavam o transporte de cargas rumo às Minas Gerais.

Outro dado importante apontado por esse viajante foi que o Caminho da Bahia cortava importantes regiões de salitre. Segundo ele, o sal produzido não serviu apenas para salitrar o rebanho, mas também para a indústria da pesca. Os peixes, salgados e secos, foram largamente vendidos para os armazéns de São Romão e Barra do Rio das Velhas, principais empórios comercias para Minas, São Paulo e Goiás.31

O Caminho do Sertão foi a via preferencial para o transporte de mercadorias, por ser “muito melhor que o do Rio de Janeiro e o da vila de São Paulo, [pois] é menos dificultoso por ser mais aberto para as boiadas mais abundantes para o sustento e mais acomodadas para as cavalgaduras e para as cargas,”32 e o preferido para os descaminhos do ouro, pois não esbarrava em casa de fundição.33 Esse caminho apresentava, ao longo do seu percurso, atalhos, picadas que dificultavam a ação dos patrulheiros dos caminhos. Dessa maneira, a rota dos sertões “propiciava o contrabando do ouro, a

31

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. São Paulo. Companhia Editora Nacional, 1938. p. 329.

32

SILVA, André Mansuy Diniz. Cultura e opulência no Brasil. op. cit. p. 298.

33

(25)

evasão do fisco, das entradas, dos dízimos e principalmente do gado. Foi o caminho por excelência dos que se enriqueceram nas Minas”.34

Por conseguinte, o contrabando do ouro foi um dos motivos que levou o governador da Repartição Sul, Artur de Sá e Menezes (1698-1702), a limitar o tráfego de pessoas e mercadorias pelo Caminho da Bahia. Assim, em 1701, pelos bandos de 23 e 25 de setembro e de 20 de dezembro, o governador proibiu o abastecimento de gêneros e fazendas com destino às Minas, exceção feita para o gado em pé e a carne seca. Essas medidas foram reforçadas pela Carta Régia, datada em 9 de dezembro de 1702, encaminhada ao governador seguinte, dom Álvaro de Silveira Albuquerque. Essa carta continha o regimento que procurava regulamentar as atividades comerciais daqueles que utilizavam o Caminho da Bahia. Assim, “nenhuma pessoa do distrito da Bahia poderá levar às minas pelo Caminho do Sertão outras fazendas ou gêneros que não sejam gados”.35

Essa medida fez parte da política de tentar submeter Minas Gerais à influência administrativa do Rio de Janeiro. Para tanto, são nomeados alguns funcionários, entre eles, o paulista Borba Gato, cujo objetivo era o confisco das fazendas, tanto de secos quanto de molhados, que vinham da Bahia com destino às Minas. Contudo, essa regulamentação revelou-se inoperante, conforme o seguinte relato:

ultimamente dentro das mesmas minas se fizeram guardas para impedirem as entradas e saídas por este caminho, nomeando-se para este efeito os Paulistas mais poderosos, e de maior nome que se acham nas ditas minas, resolução que a prima face parece única, e eficaz para o intento; porém igualmente se tem experimentado fútil, e de nenhum efeito, por quanto os mesmos guardas

34

DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Nos sertões do rio das Velhas e das Gerais: vida social numa frente de povoamento, 1710-1733. In: FERREIRA, Luís Gomes. Erário Mineral, v. 1, p. 45. (Coleção Mineiriana).

35

(26)

por si ou por outrem metem por este caminho nas minas os mais importantes comboios, e boiadas em ordem de seus lucros...36

Essa restrição não “passou de uma farsa”,37 pois tanto os fazendeiros como os comerciantes baianos ignoraram as medidas proibitivas. O fornecimento da carne aos núcleos mineradores, proveniente dos currais da Bahia, era uma prática consolidada e costumeira, “a eficácia das leis e sua aplicação eram limitadas pela inovação dos costumes”.38

Logo, tornou-se difícil impedir que os comerciantes volantes – os “homens do caminho” ou viandantes, entre eles, mascates, condutores, comboieiros e os tratantes não trouxessem, em suas carregações, além do gado em pé e da carne seca, uma diversidade de produtos, tais como o açúcar, couro, tabaco e vários escravos.39 Outro motivo que contribuiu para a não aplicação dessa proibição se refere às práticas mercantis, já consolidadas na capitania da Bahia. Segundo, Júnia Ferreira Furtado, ali se encontravam

inúmeros representantes das casas comerciais portuguesas, ou de suas de filiais estabelecidas na Bahia e no Rio de Janeiro, além de vários indivíduos autônomos que acabaram por se envolver em atividades mercantis, aproveitando-se de uma gente sempre carente de produtos da área portuária e dos sertões interiores, onde se criava principalmente o gado.40

Logo, os comerciantes baianos, atraídos “pelos fantásticos negócios que se estavam fazendo com os paulistas, que pagavam altos preços por todos os artigos de

36

INFORMAÇÃO sobre as Minas do Brasil. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. 57, p. 177, ano. 1955.

37

BOXER, Charles. A Idade de Ouro do Brasil. op. cit. p. 67.

38

CAMPOS, Maria Verônica. Governo de mineiros. “De como meter as Minas numa moenda e

beber-lhe o caldo dourado. 1693 a 1737”. 2002. Tese (Doutorado) Departamento de História da Faculdade

de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, USP. São Paulo. p. 23.

39

Para essa diferenciação, ver: FURTADO, Júnia Ferreira. Viandantes e mascates. In: Homens de

negócio. op. cit. p. 260-72.

40

(27)

necessidade”, 41 recusaram-se a cumprir as imposições do governador. Além do que, as condições de acesso pelo Caminho da Bahia eram muito mais favoráveis do que pelo caminho de São Paulo.

Entretanto, um fato que contribuiu sobremaneira para a ineficácia dessas medidas foram os tipos de carregamentos, provenientes do reino, do oriente e da África, que foram escoados pelo Caminho da Bahia. Eram eles, desde “louça da índia, toalhas, roupas, tecidos, bebidas, medicamentos [...] e especialmente os valiosos escravos, [além] das cavalgaduras que vinham dos currais de Pernambuco”. 42 Conforme apontou Júnia Furtado, os viandantes, ao retornarem das Minas, pelo mesmo caminho, “levavam para o porto de Salvador produtos das fazendas da região [...], o couro e o tabaco [...]”. Feito nos sertões da Bahia, o tabaco era “embebido em melaço e envolto em couro para impedir que ressecasse ou perdesse o aroma”.43 Acontece, porém, que esse tabaco foi apreciado pela nobreza africana. Dessa maneira, o fumo feito no recôncavo baiano serviu como moeda de troca na aquisição de escravos oriundos da costa do Benin, os quais foram vendidos pelos comerciantes baianos para os sertões da América portuguesa, via Caminho da Bahia.

As medidas proibitivas também foram aplicadas no sentido de restringir a crescente emigração da população da Bahia aos distritos mineradores. Nesse sentido, o governador geral da Bahia, dom João de Lencastre, em 1702, proclamou um bando informando que somente as pessoas de idoneidade moral teriam permissão para irem às Minas. Para tanto, o governador geral deveria emitir uma espécie de passaporte, mediante o qual seria concedido o acesso às Minas Gerais por esta rota.

41

LIMA JÚNIOR, Augusto de Lima. A capitania das Minas Gerais. op. cit. p. 35.

42

FURTADO, Júnia Ferreira. Teias de negócio. op. cit. p. 5.

43

(28)

A ameaça concreta do contrabando do ouro pela rota da Bahia foi tamanha que o governador do Rio de Janeiro, dom Álvaro da Silveira e Albuquerque, em 1703, encaminhou uma carta ao rei informando:

para a cidade da Bahia vai a maior parte do ouro que se tira das Minas pelas muitas carregações que, tenho noticia, entram daquela cidade, e porque a maior parte das pessoas que desta vão as Minas com suas cargas remetem a maior parte do ouro que tiram para a dita cidade da Bahia, porque lhe pagam lá por maior preço e por ter melhor conta aos moradores pelo negócio que lá fazem com ele e porque lá não pagam quintos...44

Dando prosseguimento à tentativa de “isolar as Minas dos Cataguás de contatos com a Bahia e São Paulo”,45 o governador Artur de Sá e Menezes iniciou, em 1698, a abertura de um novo caminho ligando Minas Gerais diretamente ao Rio de Janeiro, o Caminho Novo do Rio de Janeiro, concluído em 1725. À frente de tal empreendimento esteve o capitão-mor Garcia Rodrigues Paes, que

tem aberto uma picada por ordem do general Artur de Sá e Menezes, do Rio de Janeiro até a Ressaca. [...] A picada foi aberta em ordem a criar gado os interessados moradores do Rio de Janeiro, e para estas minas é muito conveniente, porque até bois mansos os mandam para eles; dizem os homens que tem andado este sertão, que será e é mais fácil conduzir gados dos currais dessa cidade para as minas, que leva-los destas capitanias, o que verificou a experiência nas boiadas dos moradores dessa Bahia que vs. fez conduzir para as ditas minas...46

Pelo exposto, pode-se afirmar que houve intenção, por parte do governador Artur de Sá e Menezes, de fomentar a criação de gado na capitania do Rio de Janeiro. Esta, se fosse bem sucedida, iria fornecer gado para o mercado mineiro. Portanto, a abertura da “picada” que, mais tarde, resultou no Caminho Novo do Rio de Janeiro acabou por aproximar econômica e geograficamente esses dois mercados.

44

CARTA de dom Álvaro da Silveira de Albuquerque ao rei sobre o seqüestro de navios castelhanos, estado da praça do Rio de Janeiro, extravios de ouro e caminho novo para as Minas. Documentos

interessantes para a História de costumes de São Paulo. v. 51, 1930. p. 230.

45

CAMPOS, Maria Verônica. Governo de mineiros. op.cit. p. 59.

46

Revista do Instituto de História e Geografia de São Paulo, v. 5, p. 283, ano 1899-1999. Sobre a

(29)

A reincidência dos bandos editados por Artur de Sá e Menezes, respectivamente em 23, 25 de setembro e 20 de dezembro de 1701, proibindo o comércio pela Bahia, tanto de escravos como de gado, demonstra não apenas que tal proibição era preocupação constante das autoridades, mas, também, que a insistência revela a dificuldade da aplicação.

Medidas repressivas ao contrabando foram reforçadas pela Carta Régia de 7 de fevereiro de 1701, que proibiu a abertura de novos caminhos ou picadas, como o que estava sendo aberto a partir do Espírito Santo, pelo governador e capitão geral da Bahia, João de Lencastre, pois “a construção de uma estrada nova, e – conforme se esperava – mais curta para os campos auríferos, vindos da capitania do Espírito Santo, foi iniciada em 1700, mas o trabalho cessou dois anos depois, por ordem da Coroa”.47

Porém, dois anos mais tarde, foi novamente publicada uma lei, dessa vez, mais enérgica. Esta tentou vetar a qualquer pessoa a abertura de novos caminhos e picas para quaisquer minas. Logo, aqueles que desrespeitassem as ordens sofreriam penas severas. Nesse sentido, o parecer del Rei, de 1703, foi bastante enfático:

Eu El Rei faço saber aos que este meu alvará em forma de lei evitem [...] com que algumas pessoas no estado do Brasil se intrometam a fazer picadas e abrir caminhos para as Minas sem atenderem aos grandes inconvenientes que se podem seguir e devendo eu evita-lo fui servido estabelecer a presente lei pelo qual proíbo de agora em diante abrirem-se novos caminhos ou picadas para quais quer Minas que estiverem já descobertas ou para o futuro se descobrirem tanto que nelas se tiver dado forma de arrecadação da minha Real Fazenda hei por bem toda a pessoa que de qualquer estado e preeminência ou condição que seja, que depois da publicação desta lei não passar mandar abrir caminho ou picada para algumas Minas em que houver forma de arrecadação da minha Real Fazenda incorrerá nas penas que são impostas aos que descaminham.48

A limitação de cota de importação de 200 escravos por ano, os quais poderiam entrar nos núcleos mineradores, pelo porto do Rio de Janeiro, juntamente ao controle da

47

BOXER, Charles. A Idade de Ouro do Brasil. op. cit. p. 66.

48

(30)

imigração de livres e da expulsão de vadios, editado em 1703, completaram o rol dessas medidas restritivas, em sua grande maioria, de difícil aplicação. Dentre os motivos que dificultaram a aplicação das medidas proibitivas destaca-se a dependência da região mineradora em relação às atividades comerciais com a Bahia, muito intensa e diversificada.

Dessa forma, as restrições estabelecidas pelo governador Artur de Sá e Menezes quase nunca foram aplicadas, visto ser a capitania da Bahia a principal abastecedora de gado e escravaria ao mercado mineiro. Na tentativa de diminuir a dependência da área mineradora da importação de gêneros, principalmente a carne, essencial à sobrevivência da população interiorana, esse governador estimulou a ocupação das áreas vizinhas à mineração, destinando-as à criação de gado e distribuindo sesmarias aos súditos, na região compreendida entre a zona da mata e a Serra dos Órgãos.49

Não obstante, o Regimento dos Superintendentes, de 1702, regulamentou as atividades comerciais pelo Caminho dos Sertões, três anos antes da permissão de 1705, a qual liberou a condução de gados por essa via. Nele estipulou que:

nenhuma pessoa do distrito da Bahia poderá levar das minas pelo Caminho do Sertão outras fazendas ou gêneros que não sejam gados, e querendo trazer outras fazendas, as naveguem pela barra do Rio de Janeiro, e as poderão conduzir por Taubaté ou São Paulo, como fazem os mais para que desta sorte se o levarem ouro em pó...50

Podemos afirmar que a maioria das providências no sentido de combater o contrabando revelou-se inútil. Assim, “justamente para tentar impedir esse contrabando

49

Segundo Maria Verônica Campos, o vice-governador geral da Bahia dom João de Lencastre enviou um representante da administração colonial à capitania do Rio de Janeiro e São Paulo, a fim de verificar se os rebanhos de gado eram suficientes para abastecer o mercado mineiro. Em contrapartida, Artur de Sá e Menezes sondou as possibilidades de se efetuar o abastecimento de carne pela Colônia de Sacramento (CAMPOS, 2002, op. cit. p. 60).

50

(31)

[...] surgiram às proibições de novas aberturas. Estas recrudesceram em 1733, quando alvarás e bandos tentaram impedir que se abrissem novas picadas”.51 Tais limitações estiveram presentes durante todo o século XVIII, pois fizeram parte das medidas que visavam “à segurança dos quintos, que é o principal fim porque se pretende vedar algum ou alguns deles [caminhos]”.52

Entretanto, o Caminho da Bahia, muito antes do surgimento e abertura do Caminho Novo do Rio de Janeiro, em 1725, foi a principal rota usada pelos comerciantes e fazendeiros, os quais teceram relações mercantis com Minas Gerais, Portugal e África. Assim, as restrições comerciais foram contrárias aos interesses econômicos dos comerciantes, fazendeiros e potentados locais, os quais se instalaram na região do sertão e no recôncavo baiano.

1.2 O Caminho Velho

Outra rota de acesso à capitania de Minas Gerais foi o “Caminho Velho”, ou “Caminho de São Paulo”, bem mais penoso e acidentado em relação ao da Bahia, uma vez que cortava a Serra do Mar. Segundo, Daniel de Carvalho, até “o raiar do século XVIII só existiu este caminho que deu acesso e comunicação do sul do Brasil com o interior de Minas”.53 Por ele, passaram as riquezas de ouro dos descobertos do sul de Minas e do rio das Mortes. Por essa via transitaram os habitantes de São Paulo e das regiões que hoje compõem o sul de Minas. Porém, esse caminho também serviu aos povos do Rio de Janeiro que se dirigiram às minas dos Cataguás. Assim,

do Rio de Janeiro se fez caminho que se continua da cidade por terra e por mar com poucos dias de viagem até Parati; e deste se entra ao mato e em

51

WALDEMAR, Almeida Barbosa. Dos caminhos pré-históricos às rodovias asfaltadas. op. cit. p. 474.

52

INFORMAÇÃO sobre as Minas do Brasil. In: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. 57, p. 182, ano 195.

53

(32)

cinco dias se chega a encontrar com o referido de São Paulo no lugar chamado Pindamonhangaba e nesta parte juntos estes dois caminhos em um só se continua com vinte dias de viagem ordinária ate chegar as primeiras minas chamadas do Ribeiro das Mortes.54

Essa rota saía do porto de Santos, indo em direção a Parati, passando pelas atuais cidades paulistas de Pindamonhangaba e Guaratinguetá, para daí buscar a Garganta do Embaú, na Serra do Mar. Desse ponto, os viajantes alcançaram o atual sul de Minas Gerais. Por conseguinte, o Caminho Velho foi uma importante via de ligação entre a capitania de São Vicente e as demais vilas paulistas com os primeiros núcleos mineradores.

Um importante relato sobre as trilhas de acesso à capitania de Minas foi analisado pelo geólogo americano Orville Derby. Baseado nos apontamentos deixados por um dos componentes da expedição chefiada por André de Leão, nos seiscentos, Derby concluiu que o ponto de partida dessa expedição foi a Vila de São Paulo, seguindo pelo rio Paraíba do Sul, até alcançarem a zona onde está compreendida a atual cidade de Cachoeira Paulista. Nesse local, a expedição deixou as margens do rio e subiu em direção à serra da Mantiqueira, transpondo-a pela garganta do Embaú, alcançando o sul da futura região mineradora. Segundo Derby, a expedição foi, então, em direção ao norte e passou pelas atuais cidades de Pouso Alto e Baependi. Daí, eles chegaram à zona onde, décadas depois, Fernão Dias fundaria o arraial de Ibituruna, o primeiro da região de Minas. Desse ponto, a expedição seguiu pelo vale do rio Pará, atingindo o rio São Francisco. Portanto, não é equivocada a afirmativa de Derby de que o trajeto percorrido por André de Leão foi o mesmo usado após mais de 70 anos por Fernão Dias. Porém, este, depois de fundar Ibituruna, deslocou-se para o nordeste, em direção à atual cidade de Sabará, às margens do rio das Velhas.

54

(33)

Assim, a trilha que ligou a capitania de São Vicente ao sul da capitania de Minas Gerais fez parte do extenso Caminho Geral do Sertão, em uso desde o início do século XVII. Uma vez construído o Caminho Novo do Rio de Janeiro, essa rota passou a ser conhecida como o “Caminho Velho”. Derby afirmou, ainda, que “este Sertão já era trilhado pelos gentios e que os bandeirantes nesta, como em muitas outras entradas no Sertão [...] apenas seguiram caminhos já existentes, pelo quais comunicavam entre si os índios de diversas tribos ou grupos de uma mesma tribo”.55

Antes da abertura do Caminho Novo, os moradores do Rio de Janeiro que desejassem ir às Minas, a trabalhar ou negociar, deslocavam-se via Caminho Velho, já de todo aberto pelas incursões paulistas. Por essa via, os viandantes gastavam em média 60 a 90 dias de viagem.

Esse percurso apresentava um relevo bastante acidentado, cortando terras misteriosas e sinistras. Talvez por isso, não tenham sido poucos os viandantes que, ao lançarem-se por essa via, deixaram testamentos e missas pagas pela redenção de suas almas. A insegurança das travessias pode ser vista também na viagem marítima, entre os portos da vila de Santos e Parati. Segundo relatos anônimos, eram freqüentes os naufrágios das embarcações, seguidos de ataques piratas que estavam refugiados na baía da Ilha Grande.56

Mesmo com tantas agruras, após as descobertas de ouro de aluvião nas bacias do rio Doce, das Velhas e do rio das Mortes, a rota do Caminho Velho, apesar das dificuldades de sua travessia, foi largamente utilizada por levas de aventureiros em busca do enriquecimento.

55

DERBY, Orville. O roteiro de uma das primeiras bandeiras paulistas. Revista do Instituto Histórico e

Geográfico de São Paulo, v. 4, ano de 1898.

56

(34)

Dessa maneira, pelo Caminho Velho, assim como no Caminho da Bahia, circularam gêneros variados destinados ao mercado mineiro, como toucinho, aguardente, açúcar, artigos importados – sal, azeite, vinagre, vinho e aguardente do Reino –, “além dos bois, cavalos, e dos muares vindos do extremo-sul da América Portuguesa”.57

O fluxo populacional de pessoas que vieram atrás do “sonho dourado” fez com que, ao longo do Caminho Velho, fossem formados os primeiros arraiais da região aurífera, posteriormente erigidos em vilas: Vila Rica, Vila do Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo, Vila Real de Nossa Senhora da Conceição do Sabará, Vila Nova da Rainha e a Vila de São João del Rei. Todas surgidas antes da segunda década dos setecentos.

Em carta datada de 23 de setembro de 1717, dom Pedro de Almeida, futuro Conde de Assumar, informou como era o Caminho Velho, destacando a rota por Sabará, mais cômoda e apta para cavalaria:

pela eminência das montanhas, e espesso dos bosques mui difíceis, no fim desse caminho começam as maiores e mais consideráveis povoações das Minas Gerais como são: Vila Rica de ouro Preto, Vila do Carmo, Rio das Velhas, Sabará, por todas estas paragens se aplana mais o terreno, em uma mais que as outras, e se pode facilmente marchar sem embaraço dos bosques, [...] particularmente para a parte de Sabará, e Rio das Velhas, a onde os caminhos são muito mais tratáveis porque segundo me disseram as estradas oferecem comodidade porque o grande concurso de gente as tem hoje feito mui praticáveis e espaçosas poderem marchar por elas 50 homens de frente, a vista do que se dissolve toda a dúvida que pode haver sobre a capacidade do terreno e, fica claro que não é menos apto nele andar cavalaria que outro qualquer de Portugal [...].58

Essa rota, antes da abertura e conclusão do Caminho Novo, foi a via preferida pelos comerciantes e viandantes que saíam de São Paulo rumo às Minas Gerais. Esse, como os demais caminhos oficiais, devido à insegurança e ao medo que acometia os

57

ROMEIRO, Adriana; BOTELHO, Ângela. DICIONÁRIO HISTÓRICO DAS MINAS GERAIS DO PERÍODO COLONIAL. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 62.

58

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viajantes, ocasionado pela ação dos assaltantes, criminosos e bandoleiros, fez com que, em 1719, o governador dom Pedro de Almeida publicasse uma ordem que proibiu a qualquer negro, “quer pelas vilas, quer pelas estradas, portar armas de fogo, curtas ou compridas, facas, punhais, espadas, porretes e paus ferrados”.59

Outra medida restritiva lançada pelas autoridades foi proibir o consumo de aguardente aos escravos e negros estabelecidos nos engenhos próximos aos caminhos, “pelo dano que se tem seguido aos viandantes nos caminhos e estradas destas Minas, em que se tem experimentado mortes, roubos e ferimentos causados de se vender pólvora e chumbo aos negros quilombolas”.60

Cedo, os povos mineiros sentiram a necessidade de novos caminhos que permitissem, com mais segurança e rapidez, trafegar pelos sertões do “Brasil”. Nesse sentido, o anseio pela abertura dessas rotas foi contrário aos interesses da Coroa, que proibia, de forma despótica, a abertura das mesmas, pois via nessa estratégia uma maneira de se evitar o extravio do ouro e dos diamantes. Porém, a indolência dos povos fez com que novos acessos fossem abertos e conquistados. Tal foi o caso do Caminho Novo do Rio de Janeiro.

1.3 O Caminho Novo

O Caminho Novo do Rio de Janeiro, que foi aberto por Garcia Rodrigues Paes, filho do ilustre bandeirante Fernão Dias Paes Leme, teve como objetivo encurtar a distância da viagem entre a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro aos distritos mineradores. A petição feita pelos habitantes do Rio de Janeiro mostrou que

59

FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes... op. cit. p. 88.

60

ATAS da Câmara Municipal de Vila Rica (1711-1715). In: Annaes da Biblioteca Nacional do Rio de

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há mais de vinte anos que os moradores do Rio de Janeiro procuram conseguir a dita picada que não teve efeito porque se duvidava poder se abrir, pelas dificuldades dos serros. O dito [Garcia Rodrigues Paes] tem recolhido a sua casa e certifica ser [a picada] muito capaz para a condução de gado e cavalgaduras que serão seis dias de jornada do Rio de Janeiro até a Ressaca, e desta até as minas oito.61

Pela provisão de 22 de outubro de 1698, concedida pelo governador da Repartição-Sul, Artur de Sá de Menezes, a Garcia Rodrigues Paes, foi iniciada a abertura do Caminho Novo. Essa concessão se deu em função das andanças de Rodrigues Paes pelos sertões e também como forma de recompensar os serviços realizados pelo seu pai. Dessa maneira as primeiras incursões feitas pela bandeira de Fernão Paes forneceu a Garcia o conhecimento prático acerca do terreno. Assim, este era “habilitado” para tal empreitada:

Oferecendo-se para este negócio [da abertura do Caminho Novo] Garcia Rodrigues Paes pelas noticias que teve deste vosso intento; e por ser pessoa prática nesses sertões quando foi a descobrir as chamadas esmeraldas, e que conseguindo este novo caminho, ficará remediada a esterilidade que ameaça a esta terra a perda dos campos dos [G]oitacazes, e muito facilitado o descobrimento de Sabarabuçu pela grande vizinhança em que fica dessa Praça. E pareceu-me agradecer-vos por esta o que tendes obrado neste particular de que se podem seguir tantas conveniências a meu serviço e a meus vassalos de se abrir este caminho, e espero de vosso zelo façais que se continue de maneira nesta diligencia que se consiga o fim que se pretende dela, de que se podem esperar tantas utilidades como promete atalhar-se as distancias que vai da passagem para estas Serras com o novo caminho que se intenta...62

Entretanto, antes de Garcia Rodrigues assumir a abertura dessa via de comunicação, ela havia sido tentada, sem muito sucesso, por Armador Bueno. Os motivos que levaram Armador a abandonar tal empreitada foram os “grandes interesses que me pedia, [Artur de Sá e Menezes] que o escusei da sobredita diligência: sabido este negócio por Garcia Rodrigues Paes, [...] se me veio oferecer com todo zelo e

61

Revista do Instituto de História e Geografia de São Paulo, v. 5, p. 283, ano 1899-1999.

62

Carta régia datada de 24/05/1698, ao Governador do Rio, Artur de Sá e Menezes, sobre a necessidade e importância de um Caminho Novo entre o Rio de Janeiro e as Minas dos Cataguás e sobre as propostas de Amador Bueno e Garcia Rodrigues Paes para abertura de semelhante comunicação. Documentos relativos ao bandeirismo paulista e questões conexas para o período de 1664 a 1700.

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desinteresse para fazer este [caminho]”.63 A abertura dessa rota pode ser associada a dois fatores, a saber:

aos interesses de se aumentarem os quintos [e também] pela brevidade do caminho, porque por este donde agora se vão aos Cataguás se porá do Rio de Janeiro mais de três meses e de São Paulo é cinqüenta dias, e pelo caminho que se intenta abrir conseguindo-se se porão pouco mais de quinze dias...64

Logo, pretendia-se, por parte da Coroa, um maior controle e normalização na arrecadação dos quintos. Estes foram cobrados desde 1700, porém, a maneira como eles foram arrecadados variou ao longo dos setecentos.

Para Maria Verônica Campos, a construção dessa estrada fez parte da política de submeter as Minas à influência administrativa do Rio de Janeiro, numa tentativa de diminuir e, quiçá, minar o poder dos potentados paulistas ligados aos burocratas baianos comunados com o governador geral da Bahia.65

Esse projeto se efetivou na medida em que a capitania do Rio de Janeiro passou a ocupar e desempenhar uma posição central na articulação econômica e política no Atlântico sul. Tal projeto teve êxito quando ocorreu a mudança da capital do vice-reinado da Bahia para o Rio de Janeiro, em 1763. Entretanto, essa mudança foi gradual e pode ser percebida através dos valores pagos, pelos contratadores, na arrematação do contrato desse Caminho.66

Ao contrário do que afirmou Maria Verônica Campos, de que foi lenta a abertura do Caminho Novo, a provisão concedida pelo governador, em 2 de fevereiro de 1699, mostrou que esta se iniciou já ao final dos seiscentos. Para tal empreendimento, Garcia Rodrigues Paes trouxe em sua companhia,

63

Carta régia datada de 24/05/1698, op. cit. p. 338-39, 1913.

64

Carta régia datada de 24/05/1698, op. cit. p. 338-39, 1913.

65

CAMPOS, Maria Verônica. Governo de mineiros. op.cit.

66

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alguns homens brancos pagos para este efeito, a sua custa e mais de quarenta negros no que fez considerável gasto, [...] pedindo ele para este serviço não queira mais prêmio que os moradores desta cidade e sesmeiros que haviam de ter datas nos ditos campos se comprometesse entre si, e lhe fizessem dez mil cruzados para o sustento da gente e escravos que levava em sua companhia...67

Para dar prosseguimento a suas intenções, Artur de Sá e Menezes convocou os homens nobres e mercadores do Rio de Janeiro, “dizendo-lhes as grandes conveniências que todos podiam lograr abrindo-se o dito caminho”. A quantia de dez mil cruzados, solicitada por Garcia Rodrigues aos homens de negócio do Rio, para a ajuda de custo da referida construção, teve como objetivo o “mantimento dos escravos e mais gente que levava”.68 Mesmo perante as dificuldades financeiras, como a fuga de alguns escravos e morte de outros, Garcia conseguiu abrir a picada, da Borda do Campo até o rio Paraíba. Este trecho estava concluído em 1705, como indica o documento:

Garcia Rodrigues Paes anda acabando de por o seu caminho capaz de começar-se a fazer jornada para as Minas por ele e me [as]segura que em muito breve tempo o terá findo, porque até a Paraíba esta já com estrada larga e duas roças feitas, e que só estava acabando outra que é só a de que se necessitava, e como chegou este aviso ao tempo em que se havia de dar princípio ao que intentava fazer Felix Guimarães, como já fiz presente a V. Majestade o mandei suspender por se assentar não convir ao serviço de V. Majestade haver dois caminhos, maiormente tendo-se por infalível que o mais útil era o de Garcia Rodrigues Paes.69

O próprio Garcia Rodrigues adquiriu duas roças ao longo do Caminho Novo – uma às margens do rio Paraibuna e outra na Borda do Campo (atual Antônio Carlos). Por conseguinte, o Caminho Novo partiu das sesmarias e roças de Borba do Campo. Daí penetrou em algumas matas, atravessou a Mantiqueira na garganta de João Aires, passou em João Gomes (atual Santos Dumont), Chapéu d´Uvas (antiga freguesia de

67

Provisão de Artur de Sá e Menezes, datada em 2 de outubro de 1699, concedendo a Garcia Rodrigues Paes o uso exclusivo, por dois anos, do caminho por este aberto entre o Rio de Janeiro e os Campos Gerais. Documentos relativos ao bandeirismo paulista e questões conexas para o período de 1664 a 1000. Revista do Instituto Histórico c Geográfico de São Paulo, v. 18, p. 389, ano 1913.

68

Provisão de Artur de Sá e Menezes, datada em 2 de outubro de 1699. op. cit. p. 390.

69

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Nossa Senhora da Assunção de Engenho do Mato, hoje distrito de Paulo Lima), passando pelas atuais cidades da Zona da Mata mineira, quais sejam: Juiz de Fora, Matias Barbosa, Simão Perreira, Três Irmãos, até atingir o rio Paraibuna e o rio Paraíba. Nesse ponto, o caminho aberto por ele bifurcava-se. Um ramo seguia para a Barra do Piraí, que descia a serra do Mar; o outro buscava o vale do Piabanha, indo em direção ao alto do córrego Seco (hoje a cidade de Petrópolis) para, daí, descer a serra da Estrela. Basicamente, o caminho aberto por Garcia Rodrigues varou as matas da serra do Mar até Paraíba do Sul e, depois, pelo vale do Paraibuna, até o alto da serra da Mantiqueira.70

Conclui-se que, desde o ano de 1705, a picada do Caminho Novo, para pedestres, estava aberta, e não demorou muito o alargamento dessa via, o que possibilitou a passagem de animais de carga. A fim de tornar o caminho freqüentável, foi de suma importância a existência de pousos que fornecessem mantimentos e descansos para os viajantes. O próprio Garcia Rodrigues Paes informou ao rei a necessidade de se plantarem roças.

Na obra do caminho [novo] assisti até de presente desde o primeiro de junho de 1704 que sai das minas, e tenho de todo aberto, mas não se pode ainda cursar por falta de mantimentos. Vou agora plantar as roças, e da Páscoa por diante se pode andar por ele...71

Não há dúvidas de que, em 1705, a picada do Caminho Novo já estava de todo aberta, “porém menos freqüentado, por ser muito escabroso e deserto”.72 No início, esse caminho apresentava o grave inconveniente de não possuir, ao longo de seu percurso, a mesma infra-estrutura de hospedagem e alimentação que o Caminho Velho e o da

70

CARVALHO, Daniel de. Estudos e depoimentos. op.cit. p. 48-9.

71

Carta de Garcia Rodrigues Paes a dom Pedro II; Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1705, AHU – Rio de Janeiro, n. 3095. In: SILVA, André Mansuy Diniz. op. cit. p. 424.

72

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Bahia. Nas primeiras décadas dos setecentos, o Caminho Novo também oferecia menos “segurança” na condução de cargas e no trânsito de pessoas e, por isso, inicialmente, foi menos usado pelos comerciantes.

A falta de segurança era tal que, em 1710, os homens de negócio da cidade do Rio de Janeiro enviaram ao governador da capitania um requerimento solicitando a autorização para continuarem utilizando o Caminho Velho.73 A solicitação foi concedida, sob a condição de que isso se desse apenas temporariamente, e de que o ouro extraído das Minas Gerais continuasse a circular unicamente pelo Caminho Novo, onde havia sido instalado o registro no Rio Paraíba.

A localização desse registro, às margens do rio Paraíba, foi bastante estratégica. Serviu como fortificação para os soldados e ainda para o recolhimento dos tributos pagos na travessia do rio, como também dos impostos sobre as cargas secas e molhados que adentravam a capitania. Nas palavras do governador dom Pedro de Almeida, esse registro foi importante para se alcançar o território. Assim, ele determinou

tomar nesta cidade informação de todas as pessoas que nelas achei mais praticáveis no caminho das Minas e também de alguns engenhos que vieram do sitio da Paraíba, e pelo que disseram uns e outros de que o dito sitio é o mais apto para nele fabricar uma importante chave para as Minas, pois sendo todas as terras que há no Rio de Janeiro, até aquela paragem quase impenetráveis pela densidade dos matos, que as cobrem fica sendo a dita passagem a menos dificultosa e como tal foi buscado por Garcia Rodrigues Paes, no descobrimento que fez do caminho das Minas para se comunicar com o Rio de Janeiro, e oferece comodidade para nela [...] se possa fazer um recinto em que se possam recolher-se soldados...74

Em 1725, uma variante do Caminho Novo foi aberta entre a cidade do Rio de Janeiro e o rio Paraíba do Sul. Esta ficou conhecida como a variante do Proença, já que foi aberta pelo sargento-mor Bernardo Soares de Proença. Ela encurtou a viagem, do

73

APM. SC 05. Requerimento feito pelos homens de negócio do Rio de Janeiro solicitando permissão para usar o Caminho Velho de São Paulo.

74

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litoral para as Minas, em cerca de 5 dias em relação ao caminho original, uma vez que seu percurso cruzou terrenos mais planos. O ponto de partida desse caminho foi a serra da Estrela, subindo o curso do rio Inhomerim, até alcançar o córrego Seco. Descia pelo rio Piabanha até as roças de Manuel Correia. Nesse ponto, deixava o Piabanha, na altura da atual povoação Pedro do Rio, atravessava o arroio das Pedras e seguia por Fagundes, Cebola, Pedro Moreira, indo até encontrar com o Caminho de Garcia Rodrigues Paes, nas margens do rio Paraíba.75

Como bem lembrou Augusto de Lima Júnior, essa variante, assim como outros tantos caminhos setecentistas, foi responsável pelo surgimento de importantes arraiais e núcleos urbanos mineradores, em sua grande maioria, “resultantes de pontos de pouso dos peregrinos que iam para as Minas, dos ranchos de tropeiros e das estalagens”.76

Podemos afirmar que a conclusão do Caminho Novo foi relativamente rápida, o que demorou foi torná-lo trafegável e apto para o deslocamento das tropas de muares, das cavalgaduras e dos comboios de escravos. A partir de 1725, com a abertura do “Proença”, o Caminho Novo passou a ter maiores proporções no fluxo de pessoas e mercadorias. Nesse sentido, engana-se Augusto de Lima Júnior ao afirmar que “mal começava Garcia Rodrigues a abrir as picadas que tomaram o nome de Caminho Novo, e logo começou o trânsito delas dia e noite”.77

Como mercê pela abertura do Caminho Novo, Garcia Rodrigues recebeu datas e sesmarias ao longo do seu trajeto. Como era costume, passou também a ter direito sob as cobranças das passagens dos rios Paraibuna e Paraíba. No sentido de regulamentar a concessão de sesmarias, foi nomeado, pela Coroa, um oficial responsável pela

75

CARVALHO, Daniel de. Estudos e depoimentos. op.cit. p. 43.

76

LIMA JÚNIOR, Augusto de Lima. A capitania das Minas Gerais. op. cit. p. 20.

77

Imagem

Figura 1: Guias informando o ouro a ser transportado
Figura 2: Imagem atual do registro do Paraibuna
Tabela 1: Participação dos contratos na receita total (1725-1799)
Tabela 2: Rendimento total que teve a Real Fazenda,  para os anos de 1714 a 1721, sobre os direitos das entradas

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