ARTERITE TEMPORAL COM COMPROMETIMENTO
DAS GLÂNDULAS SALIVARES
LINEU C . W E R N E C K * ;
AFFONSO C O E L H O * *
A arterite temporal, descrita por Horton em 1932
1 0, já foi motivo de
numerosos registros na literatura mundial. Esta entidade, que atinge
par-ticularmente indivíduos acima de 50 anos, apresenta, como sintoma principal,
cefaléia localizada. Usualmente é o clínico geral quem faz o primeiro
aten-dimento e, em algumas ocasiões, o paciente é encaminhado a
neurologis-ta
a>
3.
4.
Seu diagnóstico não é puramente acadêmico, mas de real importância
sob o ponto de vista prático, pois trata-se de processo generalizado cuja
evo-lução pode resultar em danos irreparáveis, tais como amaurose, infarto do
miocardio, trombose periférica e nefropatia difusa
n>
1 2>
1 3>
1 4.
Tivemos oportunidade de observar um caso no qual a par de lesões
ar-teriais características, existia comprometimento de glândulas salivares, fato
que não é assinalado na literatura que tivemos a nosso alcance.
O B S E R V A Ç Ã O
PS, 62 anos de idade, sexo masculino, branco, dextro, r e l a t a v a episódios d e cefaléia localizada em u m único lado d a cabeça, que ocorriam por surtos nos últimos 25 anos. Estes episódios se a p r e s e n t a v a m em paroxismos, com dor pulsátil, a c o m -p a n h a d o s de náuseas e vômitos, que d u r a v a m em torno de 4-5 horas. O -paciente utilizou v á r i a s medicações sendo que, nos últimos anos, desistiu de tratamentos, por não surtirem efeito. Desde h á a l g u n s meses, o paciente v e m apresentando a p a t i a , desejo de morrer, desinteresse pelo t r a b a l h o , insônia, diminuição d a libido e deficiên-cias de m e m ó r i a em r e l a ç ã o a fatos recentes. T r i n t a dias antes d a consulta s u r g i r a m dores nas regiões fronto-temporais, pulsáteis, que p e r m a n e c i a m por v á r i a s horas. Quinze dias antes d a consulta, notou d i l a t a c ã o dos vasos temporais superficiais, que se t o r n a r a m dolorosos ao toque e à p a l p a c ã o . H a 7 dias notou a u m e n t o de volume das parótidas sentindo dores nas articulações t e m p o r o - m a n d i b u l a r e s q u a n d o a b r i a a boca ou m a s t i g a v a . N e g a v a episódios de artrite m a s referia dores musculares difusas ocasionais. Exame físico — P r e s s ã o arterial 120x80mm H g ; freqüência c a r d í a c a lOObpm; t e m p e r a t u r a 36.4.°C. P r e s e n ç a de nodulos nas regiões fronto-temporais. A p a l p a ç ã o das artérias temporais superficiais d e s e n c a n d e a v a dor; estas artérias e s t a v a m espessadas e tortuosas, com pulso presente. A s g l á n d u l a s parótidas
e s u b - l i n g u a i s e s t a v a m a u m e n t a d a s de v o l u m e e indolores à p a l p a c ã o . O e x a m e do pescoço, tórax, coração, a b d o m e m , extremidades e articulações foi normal. N o r m a l a a u s c u l t a d a c a b e ç a e do pescoço. Exame neurológico — Idéias despressivas sem sinais sugestivos de demência o r g â n i c a . N e r v o s cranianos normais. F o r ç a m u s c u l a r , tono e coordenação normais. N o r m a i s as sensibilidades dolorosa, táctil, v i b r a t ó r i a , de posição s e g m e n t a r e estereognosia. N i s t a g m o optocinético n o r m a l . M a r c h a n o r m a l . Reflexos profundos normais; ausência de reflexos patológicos. Exames complementares — H e m o g l o b i n a 14,5gr/100ml; hematócrito 45%: 7900 leucocitos por m m3
(eosinófilos
1%, basófilos 2%, linfócitos 10%, monócitos 9%, bastonetes 11%, segmentados 6 7 % ) ; p l a q u e t a s normais. E x a m e p a r c i a l de u r i n a : traeos de proteinas e r a r a s hemácias por campo. N o s a n g u e : creatinina 0,8mg/100ml; u r é i a 32mg/100ml; a m i l a s e 60 unidades Somogyi; V H S 60mm la h o r a e 79mm n a 2.* h o r a ; mucoproteínas l l , 3 1 m g de tirosinayiOOml; proteína C r e a t i v a + + + de precipitado. P e s q u i s a de células L . E . neg a t i v a . R e a ç ã o do latex n e neg a t i v a . Eletroforese: proteínas totais 5,80negr/100ml; a l b ú m i n a 2,45gr/100ml; g l o b u l i n a a l f a 1 0,47 g r / 1 0 0 m l ; g l o b u l i n a a l f a 2 l,08gr/100ml; g l o -b u l i n a -beta 0,88gr/100; g l o -b u l i n a g a m a 0,92gr,/100ml. R a d i o g r a f i a s do crânio e tórax normais. E l e t r o c a r d i o g r a m a n o r m a l . A biopsia d a a r t é r i a temporal superficial esquerda * mostrou tecido m u s c u l a r estriado e conjuntivo fibroso; nas paredes d a a r t é r i a e n a adventicia existiam focos de necrose e infiltrados inflamatorios (linfócitos, histiócitos e plasmócitos) e, ocasionalmente, células gigantes m u l t i n u c l e a d a s . A s lu-zes arteriais freqüentemente e s t a v a m o b l i t e r a d a s por fibrina e elementos figurados. A túnica elástica interna a p r e s e n t a v a - s e espessada, descontínua, ocasionalmente duplicada e e n v o l v i d a pelo processo i n f l a m a t o r i o ( F i g . 1 ) .
Foi iniciada a terapêutica com P r e d n i s o n a 4 0 m g / d l a , acido acetilsalicilico e dia-zepínicos. E m 5 dias a cefaléia cessou c o m p l e t a m e n t e e as g l â n d u l a s s a l i v a r e s v o l t a r a m a o n o r m a l , tendo desaparecido as dores nas articulações temporo-mandibuiares. O estado m e n t a l melhorou, desaparecendo a melancolia; o h u m o r melhorou, bem como o apetite. D e s a p a r e c e u a insônia. E m seguimentos ulteriores, o V H S foi p a r a 25mm n a l a h o r a e 60mm na segunda. A s mucoproteínas b a i x a r a m p a r a 9,7 m g tirosina 100ml e a proteína C r e a t i v a tornou-se n e g a t i v a . Os nodulos subcutáneos e vasos entumescidos d e s a p a r e c e r a m , bem como a dor à p a l p a c ã o .
Dois meses após recebemos informações dos f a m i l i a r e s d e q u e o paciente e s t a v a apresentando "certas idéias fixas, pensando que ficaria paralitico", sendo sugerido internamente e m hospital psiquiátrico, o q u e foi recusado. Doze dias a p ó s fomos informados q u e o paciente h a v i a se suicidado por a f o g a m e n t o . N e c r o p s i a não foi r e a l i z a d a .
C O M E N T A R I O S
Em 1932, Horton e c o l .
1 0descreveram a arterite temporal,
correlacio-nando os achados clínicos com os histopato lógicos (inflamação granuloma tosa das
túnicas média e intima, fragmentação da lâmina interna, ocasional presença
de células gigantes e obliteração esparsa do lumem dos vasos). N o
entan-tanto, em outras revisões foi verificado que as células gigantes estavam
ausen-tes, apresentando-se a entidade como uma arterite inespecífica
6.
Além das manifestações citadas por Horton e col., foram sendo relatados
envolvimentos de outras artérias, tais como aorta e seus ramos, coronarias,
ilíacas e renais
X 1>
1 2.
1 3.
1 4.
Recentemente a arterite temporal foi correlacionada com a polimialgia
reumática devido à grande incidência das duas condições no mesmo
indi-víduo
5. A polimialgia reumática é uma entidade que ocorre a partir da
5.* década, caracterizando-se por dores musculares agudas, enrigecimento das
articulações, com dor à mobilização, aumento da velocidade de
eritrossedimen-tação, sendo admitido que a base anatômica da entidade seja constituída por
arterite muscular difusa. Apesar do grande número de casos estudados,
ainda não há conclusão definitiva quanto à etiología da arterite temporal.
No momento ela é considerada doença autoimunitária, sendo comumente
re-lacionada entre as doenças do colágeno
1 5.
Não conseguimos encontrar na literatura referência a envolvimento de
glândulas salivares nesta entidade, como o nosso paciente apresentou. P o
-demos inferir por comparação com as outras doenças do colágeno que estaria
se desenvolvendo uma síndrome de Sjõgreen. N o entanto, a pronta
admi-nistração de corticoesteróides interrompeu a evolução natural.
A partir de 1957, com a introdução terapêutica de A C T H e
corticoeste-róides
3no tratamento da arterite temporal, o curso natural da doença foi
mudado, apesar de ser uma entidade auto-limitada e esta tem sido a sua
terapêutica até os dias atuais.
Não temos condições para avaliar até onde a terapêutica teve implicação
no desenlace fatal do nosso caso. N o entanto, a síndrome depressiva
apa-rentemente faz parte do quadro clínico, sendo que, na maioria das vezes,
precede a sintomatologia dolorosa
2. Esta depressão estava presente no nosso
paciente, evidenciada tanto pelo conteúdo de seus pensamentos, bem como
pelos equivalentes orgânicos da mesma, sendo de estranhar que não tenha
havido melhora do quadro psiquiátrico, como relatam os trabalhos publicados
anteriormente
x>
6. Não encontramos referência na literatura com respeito ao
suicídio.
No Brasil, encontramos relatos em 1949, por Arnaldo Marques e c o l .
7.
A seguir em 1957, Ackerman e col.
8descreveram 5 casos com sintomatologia
típica de arterite temporal, sendo comprovado o diagnóstico mediante biopsia
em dois pacientes. Em 1968 Wolosker e col.
9estudaram outro caso,
apre-sentando revisão bibliográfica.
No presente caso, devem ser realçados o aumento de glândulas salivares
e a severidade da síndrome depressiva que levou o paciente ao suicídio. Estes
fatos não foram assinalados nos trabalhos que pudemos compulsar. Para
concluir, acreditamos que todo paciente com idade superior a 50 anos, cuja
doença inicie com cefaléia ou no qual cefaléias pré-existentes sofram
altera-ções em sua apresentação clínica, justifica investigação no que tange a
doen-ças inflamatorias do colágeno.
R E S U M O
superficial mostrou aspecto típico de arterite, com células gigantes mono¬
nucleadas. A cefalalgia e o aumento de volume das glândulas salivares
re-grediram mediante a administração de corticoesteróides.
S U M M A R Y
Temporal arteritis associated with salivary glands enlargement and
depressive syndrome: a case report
A case of temporal arteritis associated with depressive syndrome and
enlargement of salivary glands is reported. Biopsy of the superficial
tempo-ral artery showed arteritis with multinucleated giant cells. After
corticos-teroid therapy the headache and the enlargement of the salivary gland
improv-ed rapidly.
R E F E R Ê N C I A S
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