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ARTIGO
ORIGINAL
Medication
use
among
children
0-14
years
old:
population
baseline
study
夽
Maria
J.B.
Cruz
a,∗,
Lays
F.N.
Dourado
a,
Emerson
C.
Bodevan
b,
Renata
A.
Andrade
ae
Delba
F.
Santos
aaFaculdadedeCiênciasBiológicasedaSaúde,UniversidadeFederaldosValesdoJequitinhonhaeMucuri(UFVJM),Diamantina, MG,Brasil
bFaculdadedeCiênciasExataseTecnológicas,UniversidadeFederaldosValesdoJequitinhonhaeMucuri(UFVJM),Diamantina, MG,Brasil
Recebidoem29dejaneirode2014;aceitoem28demarçode2014
KEYWORDS
Children; Adolescent; Druguse; Self-medication; Pharmacoepidemiology; Nursing
Abstract
Objective: Determinetheprevalenceofmedicationuseinchildrenandadolescentsin20
muni-cipalitiesofValedoJequitinhonha,MinasGerais-Brazil,showingthemaingroupsandvariables
thatmayhaveinfluenceduse.
Methods: Descriptivepopulation-based survey sampleof555interviews, selectedby simple
randomclustersamplingof137censustracts.Inclusioncriteriawereage≤14years,mandatory
interviewwiththelegalguardians,andregardlessofhavingreceivedmedications.Regardingthe
usagepattern,participantsweredividedintotwogroups:consumptionandnon-consumption
ofdrugs.Adescriptiveanalysisofthevariablesandtestsofassociationwereperformed.
Results: Theprevalenceofdrugconsumptionwas56.57%,and42.43%showednoconsumption.
Theuseofmedicinalplantswas72.9%fordrugusersand74.3%fornon-users.Thehealth
conditi-onsforconsumptionwerecough,commoncold,flu,nasalcongestionorbronchospasm(49.7%),
fever(5.4%),headache(5.4%),diarrhea, indigestion,andabdominalcolic(6.7%).In casesof
self-medication,30.57%ofthedrugsweregivenbythemother,and69.42%wereprescription
drugs.Self-medicationwasprevalent usingparacetamol(30.2%),dipyrone(20.8%),andcold
medicine(18.8%).Therewasincreaseduseofanalgesics/antipyretics,followedbyrespiratory
medications,systemicantibiotics,histamineH1antagonists,andvitamins/antianemics.
Conclusions: Theprevalenceofdrugsuseinchildrenwashigh,indicatingtheneedfor
formu-latingeducationalprogramsaimingattheawarenessofcaregiversregardingrationaluse.
©2014SociedadeBrasileiradePediatria.PublishedbyElsevierEditoraLtda.Allrightsreserved.
DOIserefereaoartigo:http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2014.03.004
夽 Comocitaresteartigo:CruzMJ,DouradoLF,BodevanEC,AndradeRA,SantosDF.Medicationuseamongchildren0-14yearsold:population
baselinestudy.JPediatr(RioJ).2014;90:608---15.
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:mariaenfermagem@yahoo.com.br(M.J.B.Cruz).
PALAVRAS-CHAVE
Crianc¸as; Adolescentes; Usode
medicamentos; Automedicac¸ão; Farmacoepidemiologia; Enfermagem
Usodemedicamentosentrecrianc¸asde0-14anos:estudodebasepopulacional
Resumo
Objetivo: Determinaraprevalênciadoconsumodemedicamentoemcrianc¸aseadolescentes
de20municípiosdoValedoJequitinhonha,MinasGerais-Brasil,mostrandoosprincipaisgrupos
evariáveisquepossamterinfluenciadoouso.
Métodos: Estudo descritivo tipo inquérito populacional domiciliar, amostra constituída por
555entrevistasselecionadasdemaneiraaleatóriasimplespormeiodeamostragempor
conglo-meradode137setorescensitários.Oscritériosdeinclusãoforamidade≤14anos,entrevista
obrigatória com os responsáveis legais, independente de terem consumido medicamento.
Quanto ao padrãode usoosparticipantes foramdivididos emdoisgrupos consomem enão
consomem medicamentos. Realizada análise descritiva das variáveis e aplicados testes de
associac¸ão.
Resultados: Aprevalênciadeconsumodemedicamentosfoi56,57%eonãoconsumo42,43%.
Ousodeplantasmedicinaisfoide72,9%paraoconsumodemedicamentoe74,3%paraonão
consumo.Assituac¸õesdesaúdeparaoconsumoforamtosse,resfriadocomum,gripe,
conges-tãonasaloubroncospasmo(49,7%);febre(5,4%);cefaléia(5,4%);diarréia,‘‘mádigestão’’e
cólica abdominal(6,7%).Naautomedicac¸ão,30,57%dosmedicamentosforamindicadospela
mãe,e69,42%de prescric¸ões médicas.Destaca-senaautomedicac¸ãoousodeparacetamol
(30,2%),dipirona(20,8%)eantigripais(18,8%).Eummaiorusodeanalgésicos/antipiréticos,
seguidodoaparelhorespiratório,antibióticossistêmicos,antagonistasH1dahistaminae
vita-minas/antianêmicos.
Conclusões: A prevalência do consumo de medicamentos na populac¸ão infantil foi alta,
indicando a necessidade de formulac¸ão de programas educativos visando principalmente à
conscientizac¸ãodoscuidadoressobreousoracional.
©2014SociedadeBrasileiradePediatria.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Todososdireitos
reservados.
Introduc
¸ão
Os principais usuários dos servic¸os de saúde nos países em desenvolvimento são as crianc¸as, e o seu padrão de adoecimento se reflete no consumo de medicamentos.1 Tal consumo, por sua vez, pode ser excessivo por automedicac¸ão,umapráticamuitodifundidanoBrasil, indu-zida pela mídia e realizada sem a indicac¸ão e a receita médica. No Brasil, cerca de 80 milhões de pessoas são adeptasdaautomedicac¸ãoeoriscodessapráticaestá cor-relacionadocomograudeinstruc¸ãoeinformac¸ãosobreos medicamentos,bemcomocomaacessibilidadedosmesmos aosistemadesaúde.2
Nessesentido,algunsautoresrecomendamatenc¸ão espe-cial aos medicamentos utilizados em crianc¸as diante das incertezasquantoàeficáciaeseguranc¸a,devidoàescassez de ensaios clínicos por motivos éticos, legais e econômi-cos,limitandooconhecimentosobreosefeitosdosmesmos noorganismo.3,4Nocasodascrianc¸as,apráticadousode medicamentoé baseada principalmente em estrapolac¸ões e adaptac¸ões do uso em adulto, nas informac¸ões obti-das de raros estudos observacionais e no consenso entre especialistas.5
Ainda que escassos em paísesem desenvolvimento, os estudosdebase populacionalsão necessáriospara avaliar ousodemedicamentosemcrianc¸as.6,7Estudorealizadono Brasil mostra umaprevalência de 56%, o que indica con-sumoelevadonapopulac¸ãoinfantil,apontandoparaouso
expressivodaquelescomrestric¸õesdeindicac¸ãoedefaixa etária,principalmenteparamenoresdedoisanos.8Diante doexposto,érecomendávelaelaborac¸ãodeumalista espe-cíficademedicamentosessenciaissegundoasnecessidades dascrianc¸as,comoobjetivodepromoverousoracional.9
Com o intuitode realizarcontribuic¸õesnestaárea,foi realizadoumestudo epidemiológico debase populacional emcrianc¸asdezeroa14anosresidentesemáreasurbanas doValedoJequitinhonha,situadanaregiãonortedeMinas Gerais,noBrasil.Oobjetivofoiidentificaraprevalênciae opadrãode usoe consumo demedicamento comousem prescric¸ão,mostrandoosprincipaisgruposetiposde medi-camentosempregadosealgumasvariáveisquepossamter influenciadoesseuso.
Métodos
A partir da estimativa de uma proporc¸ão populacio-nalde41,4%deautomedicac¸ãoemcrianc¸a,10 estipulou-se o número calculado para a constituic¸ão da amostra de 672entrevistasdomiciliaresparaaszonasurbanasdecada cidade(erroaceitávelde5%paraumaamostrainfinita).Para estecálculoforamutilizadosnúmerosdocensodemográfico doInstituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE),11 quemostraumtotalaproximadode88.936indivíduoscom idade ≤ 14anos em 20municípios do Consórcio Intermu-nicipaldeSaúdedoAltoJequitinhonha,Diamantina,Minas Gerais.
Emrelac¸ãoaoÍndicedeDesenvolvimentoHumano(IDH)18 dos municípios estudados, cinco possuem entre 0,558 a 0,582;14entre0,616a0,682;eum0,716,refletindoos indi-cadoresdeeducac¸ão,habitac¸ão,saúde,trabalho,rendae vulnerabilidade.
Os domicílios foram selecionados de maneira aleató-ria simples por meio de amostragem por conglomerado, utilizando-secomounidadedereferência137setores censi-táriosurbanosparaumaamostrade672domicíliosdefinidos peloIBGE(2010).11Todavia,optou-seporsortearummaior número de setores, devido à possibilidade de não se encontraronúmeromínimodeindivíduosestipulados, prin-cipalmente em setores centrais (casa comerciais) e de bairrosantigoscommoradoresidosos.Paracadasetor sor-teadofoiimpressoummapadoIBGE(2010),11permitindoa entrevistadoraencontrá-lonocampoelocomover-senele, seguindoumasistemática pré-estabelecida paraaselec¸ão dosdomicílios.
Os dados foram coletados por quatro entrevistadores treinados em estudo-piloto para a validac¸ão da coleta empregando um questionário estruturado com perguntas abertasefechadas.Nosdomicílioscommaisdeumacrianc¸a, foirealizadoapenasumquestionário,sendooindivíduo sele-cionadoporsorteio,comousodeumatabeladenúmeros aleatórios.
Avariáveldependentefoiconsumo demedicamentose osparticipantesforamdivididosemdoisgruposdeestudo: consome medicamento e não consome medicamento; e também automedicac¸ão, quando o consumo de medica-mento decorreu de orientac¸ão leiga; ou por prescric¸ão médica, quando o consumo de medicamento decorreude consulta e prescric¸ão médica para a afecc¸ão que moti-vouoseuuso.Osmedicamentosutilizadosforamdivididos em grupos e subgrupos de acordo com a última versão daClassificac¸ão Anatômica Terapêutica Química (ATC) da OMS.12 Foramconsideradosdoisgruposdevariáveis explo-ratórias: a sociodemográfica e a da utilizac¸ão de servic¸o de saúde (público ou privado). Como indicadores socioe-conômicosforamconsiderados:asituac¸ãodeocupac¸ãodos responsáveis(empregadooudesempregado/aposentado);a renda familiar em salário mínimo vigente à época; e os critériosdaAssociac¸ãoBrasileiradeEmpresas e Pesquisas (ABEP),consideradoumamedidadepotencialehábitode consumo.13
Paraaanálisedosdados,foiinicialmenterealizadauma análise descritiva da variável dependente e das variáveis exploratórias, sendo posteriormente aplicados testes de associac¸ão(Qui-quadradodePearsoneoexatodeFisher). Asanálisesforamprocessadasutilizandoosprogramas esta-tísticosEpi-Infoversão7.0(CDC/WHO,Atlanta,GE,EUA);R versão2.12.2.14
0 2 4 6 8 10 12 14
Idade (anos)
Consome Não consome
Figura1 Representac¸ãográficadosgruposdecrianc¸ase
ado-lescentes que consumiram medicamento nos últimos 15 dias
préviosàentrevistadomiciliar,deacordocomaidade---
Muni-cípiosdoValedoJequitinhonha(MG),Brasil,2014.
Os dados estão representadossem boxand whiskerplots;em
cadaretângulo(boxplot),aslinhashorizontaisinferiores,
inter-mediáriasesuperioresrepresentamo1◦quartil(percentil25),
mediana (percentil 50) e 3◦ quartil (percentil 75),
respecti-vamente. Os limites inferior e superior das linhas verticais
representam o menor e maior valor observado,
respectiva-mente.p=0,88(provaUdeMann-Whitney).
OprojetodoestudofoiaprovadopeloComitêdeÉticaem PesquisadaUFVJM(parecer044/11). Apopulac¸ão partici-pantefoiinformadadafinalidadedoestudo,sendoassinado otermodeconsentimentopeloresponsável.
Resultados
O estudo incluiu 672 indivíduos, sendo que 117 (17,41%) foram perdas e recusas, resultando em 555 entrevistas. As entrevistas validadas seguiram um padrão similar de distribuic¸ão nos quatro meses de estudo, nos 20 muni-cípios (138,5±34,6 entrevistas/semana). A idade média dos indivíduos que consumiram medicamento foi de dois a sete anos (de38,9%) e sete a14 anos (43,9%)naqueles queutilizarammedicamentossegundoaprescric¸ãomédica eautomedicac¸ão(fig.1).
Considerandoousodemedicac¸õesnosúltimos15dias, a prevalência de consumo foi de 56,57%, não havendo diferenc¸aestatísticasignificativacomparando-seas20 cida-des(testedoQui-quadrado;p=0,5).Quantoaoconsumode plantasmedicinais,entreascrianc¸asqueconsomemenão consomemmedicamentofoide72,9%e 74,3%, respectiva-mente(tabela1).
Tabela1 Distribuic¸ãodevariáveissociodemográficasedeconsumoenãoconsumodemedicamentosnos15 diaspréviosà
entrevistadomiciliar---MunicípiosdoValedoJequitinhonha(MG),Brasil,2014
Consumo Nãoconsumo
Característicasdapopulac¸ão N=314 N=241 Valorp
Faixaetária
<2 17,2 14,9
2-7 38,9 41,1
7-14 43,9 44,0 0,74a
Sexo
Feminino 48,1 46,5
Masculino 51,9 53,5 0,77a
Rendafamiliaremsaláriosmíninos
≤1 43,3 38,2
1-3 37,9 45,2
3-5 9,2 10,8
≥5 9,6 5,8 0,14a
Estadodeocupac¸ãodoresponsável
Empregado 79,6 81,3
Nãoempregado/aposentado 20,4 18,7 0,69a
CritérioBrasildeClassificac¸ãoEconômica(ABEP)
E 1,9 0,8
D 16,2 15,8
C2 30,9 33,2
C1 29,9 27,4
B2 17,2 16,2 0,68b
B1 2,9 5,4
A2 1,0 1,2
Acessoaservic¸osdesaúde
Público 79,9 81,7
Privado 19,7 17,4
Nãorespondeu 0,3 0,8 0,58a
Usodeplantamedicinal
Sim 72,9 74,3
Não 26,8 24,9
Nãorespondeu 0,3 0,8 0,72a
ABEP,Associac¸ãoBrasileiradeEmpresasdePesquisas. a TesteQui-quadrado.
b TesteexatodeFisher.
faixasetárias, sexo,renda familiare acessoa servic¸osde saúde(tabela2).
As principais situac¸õesdesaúdeque motivaramo con-sumoforam:tosse,resfriadocomum,gripe,congestãonasal ou broncoespasmo (49,7%); febre (5,4%); cefaleia (5,4%); diarreia, ‘‘má digestão’’ e cólica abdominal (6,7%). Na automedicac¸ão,30,57%dosmedicamentosforamindicados pelamãe,e69,42%decorreramdautilizac¸ãodeprescric¸ões médicas.
De acordo com a tabela 3, o número de medicamen-tosconsumidosfoiproporcionalmente maiornapopulac¸ão querecebeumedicamentosseguindoaprescric¸ãomédica. Observou-se, também, uma frequência do uso de anal-gésicos/antipiréticos, seguido de aparelho respiratório, antibióticos sistêmicos, antagonistas H1da histamina e, por fim, vitaminas/antianêmicos. O consumo de anal-gésico/antipirético foi mais elevado nos usuários de
automedicac¸ão, enquanto que os demais foram por prescric¸ãomédica.Quantoaosprincípiosativos, destacam--se as altas frequências do uso de paracetamol (30,2%), dipirona(20,8%) e antigripais(18,8%) nosindivíduos auto-medicados, e naqueles seguindo a prescric¸ão médica de antagonista H1dahistamina (31,3%), amoxicilina (21,1%), sulfatoferroso(11,5%)eibuprofeno(9,2%).(tabelas1---3e
fig.1).
Discussão
Tabela2 Distribuic¸ãodasvariáveissociodemográficasedeacessoaservic¸odesaúde,considerandoousodomedicamento
porautomedicac¸ãoeprescric¸ãonosúltimos15diaspréviosàentrevistadomiciliar---MunicípiosdoValedoJequitinhonha(MG),
Brasil,2014
Automedicac¸ão Prescric¸ãomédica
Característicasdapopulac¸ão N=96% N=218% Valorp
Faixaetária
<2 16,7 17,4
2-7 43,7 36,7
7-14 39,6 45,9 0,48a
Sexo
Feminino 44,8 49,5
Masculino 55,2 50,5 0,51a
Rendafamiliaremsaláriosmíninos
≤1 45,9 42,2
1-3 33,3 39,9
3-5 8,3 9,6
≥5 12,5 8,3 0,50a
Estadodeocupac¸ãodoresponsável
Empregado 80,2 79,4
Nãoempregado/aposentado 19,8 20,6 0,98a
CritérioBrasildeClassificac¸ãoEconômica(ABEP)
E 1,0 2,3
D 22,9 13,3
C2 30,2 31,2
C1 28,1 30,7 0,03b
B2 10,4 20,2
B1 6,3 1,4
A2 1,0 0,9
Acessoaservic¸osdesaúde
Público 76,8 81,7
Privado 23,2 18,3 0,41a
ABEP,Associac¸ãoBrasileiradeEmpresasdePesquisas. aTesteQui-quadrado.
b TesteexatodeFisher.
utilizadosemoutrosestudosdevidoàheterogeneidade difi-cultama comparac¸ão dos dados, visto que a faixaetária investigadae o período recordatóriotêm grande variac¸ão nos diferentestrabalhos, bem como a origemdo uso dos medicamentos.
Enquanto alguns estudos investigaram o uso de medi-camentos por indicac¸ão médica,3 outros avaliaram o uso porautomedicac¸ão.7,15Algumascaracterísticasdaamostra desteestudoprecisamserlevadasemcontanacomparac¸ão comdadosdaliteratura,umavez queascondic¸ões socio-econômicassãodeterminantesconhecidosdo consumode medicamentos.16,17 Portanto, ao interpretar esses dados, deve-se considerarque a populac¸ão estudada é residente emumagrandeáreageográficadonorte deMinasGerais, poucoheterogênea em termos econômicos, nãoincluindo estratosmaisprivilegiadosdasociedadenoqueserefereà renda,educac¸ãoeacessoaservic¸osdesaúde.
Nopresenteestudo,asvariáveisrelacionadasàs carac-terísticas sociodemográficas e econômicas das crianc¸as e seus responsáveis não apresentaram associac¸ão com o consumodemedicamento,estasprovavelmenteestão asso-ciadasà baixa renda familiar mensal, considerando como
determinante de consumo de medicamento17 quando a renda eraigual ouinferior atrês salários mínimos, e que consumiam 1,3 vezes mais medicamentos do que aquelas com renda igual ouacimade três salários mínimos.Além disso,aamostrafoirestritaàáreaurbanados20municípios queapresentamumbaixoIDH,comrendafamiliaracrescida doprogramaBolsaFamíliadoGovernoFederaleatendidas peloservic¸opúblicodesaúde.18
Tabela3 Principaismedicamentosencontradosnasfarmáciasdomiciliaresdeacordocomosgruposesubgruposdaclassificac¸ão
AnatômicaTerapêuticaQuímica(ATC/OMS)eospadrõesdeusonos15diaspréviosàentrevistadomiciliar---MunicípiosdoVale
doJequitinhonha(MG),Brasil,2014
Automedicac¸ão Prescric¸ãomédica
Medicamento CódigoATC N=96% N=218% Valorpa
Analgésicos/antitérmicos N02 49,0 33,5
Paracetamol 30,2 25,2
Dipirona 20,8 13,3
Ácidoacetilsalicílico 3,1 0,6
Anti-inflamatóriosnãohormonais M01A 10,4 12,4 0,76a
Ibuprofeno 7,3 9,2
Nimesulida 2,1 2,8
Diclofenaco 1,0 0,9
Ac¸ãosobreoaparelhorespiratório R 20,8 22,0 0,93a
Antigripais 18,8 12,4
Berotec 1,0 6,0
B2-agonistaadrenérgico 1,0 5,0
Antibióticosistêmico J01 11,5 30,9 <0,001a
Amoxicilina 7,3 21,1
Bactrim 2,1 2,8
Cefalexina 1,0 5,5
Azitromicina 1,0 2,3
Ac¸ãosobreotratogastrintestinal A 3,1 2,3 0,70b
Antiespasmódico 2,1 1,8
Dimeticona 1,0 0,5
Vitaminas/antianêmicos A11/B03 3,1 11,5 0,03a
Sulfatoferroso 3,1 11,5
Antiparasitários/antielmínticos P01/P02 3,1 5,5 0,57b
Albendazol 2,1 3,7
Mebendazol 1,1 1,8
AntagonistasH1dahistaminaparausosistêmico R06 19,8 31,2 0,052a
a TesteQui-quadrado. b TesteexatodeFisher.
Osanalgésicos/antitérmicossãofrequentemente utiliza-dosemcrianc¸as,provavelmentedevidoaofatodeafebre serumamanifestac¸ãocomum,bemcomoàbanalizac¸ãodo empregodessacategoriademedicamentospelavendalivre. Emboramedicamentoscomoparacetamoledipironasejam analgésicose antipiréticosrelativamentesegurosparauso emcrianc¸as,respeitandoasdosesadequadas,ousocrônico eabusivodevesercoibido.21
Oparacetamoleoibuprofenoestãonalistade medica-mentospara infância daOrganizac¸ão Mundialde Saúde.22 A seguranc¸a dadipirona, analgésico/antitérmico debaixo custoe integrantedalistademedicamentos doPrograma FarmáciaPopular,temsidoquestionadaemváriaspartesdo mundo.ResultadosdoLatinstudy,estudodecaso-controle multicêntrico realizado em sete locais do Brasil, dois na ArgentinaeoutronoMéxico,apontamparabaixaincidência de anemia aplástica (1,6 casos por 1 milhão de habitan-tes/ano)eausênciadeassociac¸ãocomdipirona.23
Entre osmedicamentos comac¸ãonotratorespiratório, osmaisutilizadosforamosanti-histamínicos,fármacospara tosseeexpectoranteseaspreparac¸õesnasais.Diversas revi-sõessistemáticastêmreveladoquenãoexistemevidências suficientesdequeestesmedicamentosapresentam benefí-ciosuperioraoplacebonotratamentodesintomasgerados porinfecc¸õesrespiratóriasdasviasáreassuperiores,como
congestãonasalerinorreiaassociadosaresfriadocomum,24 etosseaguda.25
Emboraalgunsdosmedicamentosparaotrato respirató-rio,comodexclorfeniramina,eaassociac¸ãobronfeniramina efenilefrinasejamcontraindicadosparacrianc¸asmenores dedoisanos,verificamosquecercade17,18%dasque usa-ramesses medicamentos estavamnestafaixa etária.8,26,27 Além dos efeitos adversos intrínsecos de cada substância ativa,existem outrosfatores que podemtorná-los poten-cialmente perigosos para esse grupo etário, incluindo a interpretac¸ãoincorretadadoseoudointervaloentredoses, ouso de medidasinadequadas dedosificac¸ão,ou aindaa administrac¸ão simultâneade vários medicamentos,com o intuitodeobtermaioralíviodossintomas.8,22
Destacamosaindaousoexpressivodonimesulidae diclo-fenacoemcrianc¸as commenosdeumanodeidade,faixa etáriaparaoqualomedicamentoécontraindicado.A eficá-ciaeaseguranc¸adestefármacoparausoempediatrianão estãoestabelecidas.8,27
segurose/ou naturaispelos pais,que os administram aos seusfilhoscomousemciênciadomédico.28 Osresultados destetrabalhomostramaimportância deumestudopara compreenderosaspectospsicológicosesocioculturaisque explicamosmotivospelosquaisospaissentem-se estimu-ladosaadotaressesrecursosparaamenizar odesconforto dosseusfilhos.
Os antibióticos representam o segundo subgrupo mais utilizadopelaamostrainvestigada.Emdiversosestudos,1,4 osantibióticos aparecem na lista dos medicamentos mais utilizadosporcrianc¸as,principalmentenaquelescom medi-camentosprescritos.8 Sabe-se que asprincipais infecc¸ões deviasrespiratóriassão asresponsáveisporgrande parte deprescric¸õesambulatoriaisdeantimicrobianos,revelando ousoprevistodeantibióticos.29Dentreosantibióticosmais estudados,aamoxicilinafoiomaisutilizadopelascrianc¸as, resultado similarao verificado poroutros investigadores.8 Aamoxicilinaécitadaemdiretrizesinternacionaiscomo pri-meiraescolhadetratamentoparaasinfecc¸õesmaiscomuns dainfância,comoaotitemédiaaguda,faringoamigdalitee sinusite.1
Todososmedicamentosutilizadosparaotratamentode crianc¸as devem ser submetidos ao processo de licencia-mentoparaasseguraraqualidade,aseguranc¸aeaeficácia nessa faixa etária. Os quatro medicamentos mais usados na amostra analisada (paracetamol, amoxicilina, dipirona eibuprofeno)possuem umaboadocumentac¸ãoparaouso pediátrico,embora aindicac¸ãonãosejarecomendada em algumasfaixasetárias.8,26,27Poroutrolado,os medicamen-tosparaotratorespiratórioapresentampoucasevidências de eficácia, conforme discutido anteriormente. Um dos aspectosmaisimportantesa serconsiderado na avaliac¸ão dasevidências disponíveisem pediatriaé como lidarcom as questões éticas de protec¸ão da crianc¸a na realizac¸ão deensaiosclínicoscontrolados.Pordefinic¸ão,estessempre envolvemalgum grau deriscoque, napediatria,deveser assumidopelospais,frenteapotenciaisbenefíciosquenão serãoimediatamenteusufruídospelosseusprópriosfilhos.
Apesardosbenefíciosqueaindústriafarmacêutica pro-porcionanodesenvolvimentodemedicamentoparaadultos, éimportanteenfatizarqueamotivac¸ãoeconômicanãose destacaparaodeusopediátrico.Oreduzidomercadodos medicamentos em Pediatria, comparativamente a outros gruposetários,comoosadultoseosidosos,alémdas dificul-dadesinerentesàrealizac¸ãodeensaiosclínicosemcrianc¸as, tornaodesenvolvimentodestespoucoatrativoparaa indús-triafarmacêutica.30Noentanto,comopropostoporCoelho etal.,aadoc¸ãodeumalistaespecíficademedicamentos essenciaispoderáfazer parte de umapolítica abrangente paraestimular o desenvolvimentoe produc¸ão de medica-mentosparaascrianc¸asnopaís.9
Algumaslimitac¸õesdopresenteestudo devemser con-sideradas.O inquéritodomiciliar está sujeitoa viesespor partedosentrevistadoresedosentrevistados,osquaisnem sempre são passíveis de controle. O período em que foi realizada a coleta de dados,abril a julho de 2013, coin-cidiucomaestac¸ãoinvernonaregião,quandoaumentoua incidênciadeviroseseinfecc¸õesrespiratórias,podendoter contribuídoparaoconsumomaiselevadodealgumasclasses terapêuticascomo,porexemplo,analgésicos,antitérmicos, antibióticos, antitussígenos, expectorantes, mucolíticos e antiasmáticos.26
Napresente pesquisa, para padronizac¸ão dacoleta de dados,foramadotadosalgunsprocedimentospara minimi-zar o viés de memória, incluindo o período recordatório de 15dias paraavaliar autilizac¸ão demedicamentos nas crianc¸asesolicitac¸ãodaapresentac¸ãodaembalageme/ou receitadosmedicamentosconsumidos.
Aprevalênciaencontradanopresenteestudocorrobora osresultados daliteratura,queindicam consumo elevado demedicamentosnapopulac¸ãoinfantil.Éimportante tam-bémcompreenderqueoconsumodemedicamentoparece estarcondicionadoàbaixarenda,comacessogarantidopelo poderpúblico.
Alémdisso, ascrianc¸as dezeroa14anos deidade,de modogeral,estãoemumafasedavidaem queos proble-masdesaúdequejustifiquemoempregodemedicamentos devemconsiderarasrestric¸õesdeindicac¸ãoefaixaetária. Ousodemedicamentos,alémdeserumindicadorde pro-blemasdesaúde,refletetambémasdesigualdadessociais, deficiênciasequalidadesdosistemadesaúde,aregulac¸ão demedicamentosdopaís,aeducac¸ãomédica,hábitos cul-turais,composic¸ãodomercadofarmacêutico,entreoutros fatores.
Arealidadeepidemiológicadoconsumode medicamen-tos deveser consideradapelos profissionais e gestores de saúde para aformulac¸ão de programas educativos. Neste sentido,oprocessodetrabalhodaenfermageminiciacoma prescric¸ãodemedicamentosnaatenc¸ãoprimária,podendo envolver estudos de farmacoepidemiologia e farmacovi-gilância para conhecer o perfil de consumo, produzindo conhecimentos que possibilitam intervenc¸õesque visam à promoc¸ãodousoracionaldemedicamentos.
Financiamento
Fundac¸ãodeAmparoàPesquisadoEstadodeMinasGerais (FAPEMG-Processon◦CDS-APQ-02522-11).
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
Agradecimentos
Aos entrevistadores (Alex, Lays e Guilherme), àsfamílias entrevistadaseàProfa.Dra.Delba.
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