•
A FIl.OSOI:IA ACADEMICA.
Estudo Histórico-crítico dO Eilsino de Filosofia
na Ulliversidade Federal do Rio de Janeiro
A FILOSOFIA ACADEMICA
Estudo Hist6rico-crítico do Ensino de Filoso-fia na Universidade Federal do Rio de Janeiro
L--Angela Maria Souza Martins
,seitrição submetida como requi
sito parcial para obtenção do
grau de mestre em Educação.
Rio de Janeiro
Fundação GetGlio Vargas
Instituto de Estudos Avançado$ em Educação
Departamento de 'Filosofia da Educação
I I .'
111
Aos alunos e professores
que, em diferentes momen
tos históricos, lutaram pe
la transformação do ensino
AGRADECIMENTOS
Aos alunos
e
professores da antiga Faculdade Nacional de Filosofia e do atual Instituto de Filosofia e
Ciênci-as Sociais da Universidade Federal do Rio d~ Janeiro, que me
possibilitaram, através de seus depoimentos, a construção da
memória de fatos históricos significativos para a graduação de
Filosofia.
A Olinto Pegoraro e José Sotero Caio. professores do
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Fe
deral do Rio de Janeiro, que contribuiramcom seus depoimen-"
tos e criticas para o desenvolvimcinio deste trabalho.
A Professora Ana Maria Bianch~ni Baeta que me forne
ceu pistas valiosas para a elaboração de um roteiro
utiliza-do nas entrevi~tas com professores e alunos da graduação de
Filosofia.
E a Professora Zilah Xavier de Almeida, orientadora
e amiga, que.trilhoujunto co~igo a ~rdua caminhada de
cons-trução deste trabalho.
. I
. ,
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO •.• , . , . , . . . , . . . 10
1. CONSIDERAÇOES HISTaRICAS SOBRE O ENSINO DE FILOSO
FIA NO BRASIL - DESDE O PERrODO COLONIAL AT~ O S~
CULO XX . . . , •••..•• ~ • t • t • • • • • • 28
1.1. A Importância dos Estudos Especulativos para a
Educação Cat5lica .•.••••.••••.•.•••.••••...• 47
1.2. Por que a Escolha da Doutrina Aristotélico - To
mista ... . . . .. 49
2. O CONTEXTO EDUCACIONAL NA Dl!CADA DE 30 E A CRIA
çÃO DO ENSINO SUPERIOR DE FILOSOFIA .~ ••..••••...• 54
2.1. O Contexto Educacionil ria D€cada de 30 •••••••••. 55
2.1..1 .. A Organização do Ensino Superior e o Estatuto
das Univers iclades ... " ... ., ... 65
2.1.2_ AsPri~eiras Fat~ldades de Filosofia ••••••••• 69
2.2. A Criação da Faculdade Nacional de Filosofia da·
Universidade do Brasil •••••••••••••• ~ •••••••••• 72
2 .. l .. A Graduação de Filosofia. na F.N~F. - Uma Revan cll!.e dos JesuÍtas: .. ~ ... ~ ... .. 78
2:_41· .. A G1TaLduação, de Filosofia na Faculdade Nacional
de. F:i Ioscrfia ... "" . .. .. .. .. .. .. • • .. .. .. .. . .. .. . • .. • .. • .. . ... 82
2 .. 41.1 .. A Propa:sta Pedagógica para o Ensino. Universi
tário de- Fila.sof:ii.a. . . . '!' • . . . 84 . I
3) .. Q MOVIMENTO ESTUDANTIL FACE A REFORMA UNIVERSITit
RI.A •· ... ,· ... 96
· .
4. REPERCUSSOES DA POL!TICA EDUCACIONAL NA GRADUAÇÃO
DE FILOSOF IA NA DI~CADA DE 6 O ••••••••••••••••••••• 115
4.1. O Currículo Mínimo p~ra a Graduação de Fi1oso
fia - Parecer 277 .1 • • • , • t • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 116
4.2. Filosofia: Saber Perenis? ...••••••..•...•..•••. 122
4.3. A Graduação de Filosofia após a Reforma Univer
si t á r 1 a ... t • • • • • • • • • t • • • • • , • • • • • • ~ • • ti • • • • • • • • • 133
s.
CONSIDERAÇOES FINAIS' •..•...••••••.•••.••..•.•••.• 136BIBLIOGRAFIA ... t • • I· • • • ,' • • • • • • , . , • • • • • • • • • • • • • t . • • • • • 145
ANEXOS
...
,....
,..
,..
,...
,.. .
153.. .
RESUMO
A graduação de filosofia no Instituto de Filoso
fia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de
Janeiro caracterizava-se, principalmente nos prim5rdios
da d~cada de 70, por uma orientação tradicional, dogmiti
ca e a-hist5rica, gerando no corpo discente a perplexida
di e o desinteresse pelo curso.
Orierita~ão que. segundo os depoimentos de pro
fessores e alunos"de períodos anteriores, não era especí
fica da dê"cada de 70 , mas que perpetuava-se a alguns anos
no curso dessa instituição, "gerando, em alguns momentos
hist5ricos, o conflito entre a proposta oficial do curso
e os anseios e interesses de seu corpo discente.
Considerando a filosofia, não como um discurso
te5rico "perene", "imutivel" e "a-hist5rico", mas como
parte inerente i hist5ria, r~fletindo, assim, suas mudan
ças e contradições, buscam-se através de um estudo h~stó
rico que inicia-se no período colonial e vai até a dé
cada de 60 no século XX - as causas determinantes do
imobilismo, do dogmatismo e da a-historicidade que carac
terizaram a graduação de filosofia da Universidade Pede
ral do Rio de Janeiro. Manteve-se sempre como pano de
fundo dessa trajet5ria hist6rica o conflito entre a pro
posta oficial da graduação de filosofia e os anseios
e
interesses, enfim, a perspectiva dos alunos no que se re
fere ao ensino de filosof"ia. Conflito que evidencia a di
cotomia ser/pensarperp~tuada pelo ensino de filo~ofia no
contexto educacional brasileiro.
, ,
ABSTRACf
The course of philosophyat the Institute of Philosophy
and Social Sciences ofthe Federal University of Rio de Janeiro was
characterized, in the early seventies, mainly by a tradicional, do~
matic and unhistoric approach, giveng origin to bewilderement and
lack of interest for the course among the student body.
This approach, according to the opinion of teachers and
students from former periods, was not peculiar to the seventies, but
remained unchanged for some years of the course at that educational
. ,
establisbment, bringing about, at some historie periods, the conflict
bebveen the oficial position of the course and the wishes and
interests of the students.
Taking the point of view that philosophy is not a theore
tical, "eternal", "innnutable" and unhistoric discourse, but rather
mirrors changes and contradictions, what is sought through a histo
rica! approach -- beginning with the colonial períod through ta the
sixties in the nventieth-century - ís ta fínd the causes that deter
mine such dogmatism, such stanch opposition ta change and to histori
cism which. are the characteristics of th.e course of philosophy at
the Federal University of ,Ria de· Janeiro.
1."h:e backgrnmd that was alw:ays bo:rne in mind was the
historie course' af the conflict betweUl the official praposi tion for
the tearling of philosaphy and tI1:e wishes and interests of students.
, I
tha.tr is;" their perspective for the study af phllosophy.
This conflict rears ot.l1t the díchotomy being/thinking per
pecttlated fuy tb:e approach to tire study af phllasophy within the Bra
zilian educational context.
INTRODUÇÃO.
Este trabalho
é,
em grande parte, fruto de minhasperplexidades, angustias e indagações, ao longo de minha
graduação em filosofia no Ins~ituto de Filosofia e Ciênci
as Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janei
ro (UFRJ), no perIodo de 1971 a 1974. Representa um esfor'
ço no sentido de compreender as diretrizes mais gerais que
vem orientando o·ensino.universitário de filosofia no Bra
sil, fundado no pressuposto de que se faz necessário esse co
nhecimentd para que se. torne possivel a elaboração de uma
outra concepção de ensino de filosofia que venha estimular
o gosto pelos estudos filosôficosna juventude.brasileira.
"
o
tempo tinha parado no Instituto. A maior crí.tica que se fazia era' a partir de um relógio . velho que há ainda hoje no Instituto e que esta va parado. Dizia-se que ele era o sí.mbolo da ca sa ( ... ) uma casa parada sem nenhuma incidênciah " t~ " " ., " ( 1 )
no processo ~s or~co que v~v~amos . . . . . (Olinto Pegoraro)
Um relôgio parado era o símbolo do ensino de filo
sofia no Instituto de Filo~ofia e Ciências Sociais da Uni
versidade Federal do Rio de Janeiro quando ali entrei ao
(1) Entrevista
ã
autora do professor Olinto Pegoraro doInstituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universi
11
se iniciar a década de 70.
O curso estava a margem de qualquer das discus
soes socialmente significativas nos tempos atuais, fosse ~
nível de problemas teórico-filosóficos de interesse mais
geral, ou a nível das questões suscitadas pelo contexto só
cio-político-cultural brasileiro.
A filosofia era apresentada corno um saber marcado
pelo hermetismo. Os ~lunos em geral não chegavam a compr~
ender sequer o mínimo necess~rio sobre aqueles diferentes
sistemas filosóficos que ocupavam o tempo desiinado as au
las. Só muito excepcionalmente era dada aos alunos a
OPO!
tunidad'e' do contato direto com os textos dos próprios filó
sofos. Os recursos'utilizados eram, na,quase totalidade
dos casos, preleções e/ou manuais. Em ambos os casos,' a fi
losofia era apresentada aos alunos corno um conjunto dê res
postas prontas e acabadas. Assim permanecia vedado ao cor
po discente o contato com a constru~ão do arcabouço ieóri
co de cada filó~ofo. Esse contato é fundamental e indispeg
s~vel para que o aluno não só compreenda o processo de cons
trução da reflexão filosófica corno também desenvolva a ca
pacidade de refletir filosoficamente. O saber filosófico ~
presentado apenas através de suas conclusões prontas e ac~
badas, afigurava-se aos alunos corno um conjunto de discur
sos delirantes, ~ que impossibilitava o crescimento do in
teresse pelos estudos filosóficos.
Por outro lado, não se situavam historicamente os
diferentes pensamentos filosóficos; o que contribuia para
. ,
12
-- complexos, áridos, despidos de beleza na forma em que
eram apresentados -- poderiam ser úteis na análise de uma
realidade que os alunos, em geral, sentiam plena de contra
dições, desafios e em constante transformação. A própria
História da Filosofia era apresentada como uma sucessão de
achados geniais dos diversos pensadores ao longo da Histó
ria. Assim tornava-se impossível compreender
a
importânciahistórica das diferentes correntes filosóficas e como re
fletiam e influíam política e culturalme~te nas fases que
correspondiam à sua elaboração.
As disciplinas não se articulavam entre si, cada
uma era uma ilha. _ As informações mi"nistradas na Hi?tória" da
Filosófia não se relacionavam com as que eram expostas na
Teoria do Conhecimento, na~tica, 'o~ na Filosofia Soc~a1 "
e assim por dia,nte. Essa desarticulação entre os conteúdos
programáticos das diversas disciplinas ocasionava uma
visão-das questões filosóficas-não só inconsistente mas também
fragmentada.
Da percepção deste fenômeno resultou o meu inte
resse em observar mais profu~damente a visão crítica dos
alunos sobre essa situação. Essa curiosidade manteve-se tão
constante em mim que, no momento em que passei a cursar o
Mestrado em Educação, decidi fazer do ensino de filosofia
meu objeto de investigação para efeito da dissertação de
mestrado. - I
Esse tema tornou-se tanto mais relevante quando,
passando à condiçã~ de docente em curso de filosofia, vi
13
ra minha prática docente~'
Nessa circunstância, a realidade vivida como aluna
da graduação aparec~u-me como um referencial. Colocou-se p~
ra mim o seguinte dilema: seguir a orientação que vivenciei
como aluna e que coincidia com o que me era dado observar,
i distância, nos diferentes cursos de filosofia ou buscar
alternativas. A segunda opção se me impôs .como uma necessi
dade. Isto porque considerei, desde logo, necessário evitar
repetir aqu8les processo~ que geravam o imobilismo, a inér
cia e o desinteresse no curso de filosofia.
Não havi~ me esque~ido de que no decorrer da déca
da de 70, ~lunos de diferentes turmas demonstravam perplex,i
dade, desestímulo edeiesper~nçaem relação i graduação de
filosofia. Os depoimentos a seguir vem corroborar esta afir
maçao:
t, Não havia p'lanificação gera'l~ os professores
,agiam iso 'ladamen te. Não se exp 'lici tavam os obj etf
vos do curso e~ consequentemente~ das discip'li
naé • •• " (Aluna N. que frequentou o curso de filo
fia do IFCS no período de 1970 a 1971).
" Os es tudos dos fi 'lósofos eram fei tos de manei
ra iso'lada; não havia condições para compreender
a His tória da Fi 'losofia .( ••• ) Não havia en trosa
mento entre as discipZinas ( •.• ) Os professores
eram inseguros~ não conseguiam. mostrar uma visão
de stntese ( •.• ) A· sensação que se tinha nos cor
redores era de um a,emitério - depressão". (aluna
C. que. frequentou o curso de filosofia do IFCS no
pe~íod6 de 1~72 a 1976).
14
a elas nao estava imune o corpo docente. Fato que emerge
dos seguintes depoimentos:
"
Os professores passavam uma certa inércia~ parece que_eles próprios não viam utilidade no ensi no de filosofia. Eles transmitiam desesperança
, ... ) Alguns professores viam a filosofia comowm
lu~ no final do t~nel. Outros estavam perdidos e nao viam perspectiva alguma. Viviam mergulhados
na d~vida" .. (Aluna C. que frequentou o curso de
filosofia do IFCS no período de 1972 a 1976).
". .. Eu acho que a fi loso fiaJ fa lando assim)
vez) aparentemente de modo um pouco radical) significou nada~ a meu ver ( " . ) Porque ela va marginalizada C .•• ) mantida mais por uma
tal
-nao esta lei que a gente poderia dizerJ de inércia. Pela força
de tradiçãoJ alguns professores que amavam u fil~
sofia continuavam a lutar em função desse ideal que eles tinham ( . . . 1 Eu acho que nós não repr~
sentamos coisa nenhuma, Vivemos na penumbra) na catacumba tentando sobreviver apesar de tudo".
(Prof~ssor S. do IFCS da UFRJ).
A f-aI ta de perspectiva e o desalento acompanhavam
todos aqueles que ansiavam por uma graduação de filosofia a
tuante, ou seja, engajada na discussão de temas contcmpor~
neos. As palavras do professor S. do Instituto de Filosofia
e Ci~ncias Sociais da UFRJ espelham c6m clareza o clima vi
vido nessa graduação:
" ... o que est~ ( .•• ) claro na história do Instit~
to de Filosofia e Ciências SociaisJ é que fomos
colocados na marginalidade. ~omos considerados
15
da universidade como algo assim, estrangulado. So brevivemos à maneira vegetativa ( ... ) são quato~
ze anos de históriaJ onde ,realmente o Instituto foi figurativamente denominado pelos próprios ,a lunos de mauso léu., o lugar dos ,mortos".'
Um outro fato bastante significativo para a grad~
açao de filosofia do IFCS da UFRJ, que enquanto aluna pude
tamb~m observar, refere-se ~ predominincia, qua~e que ex
clusiva, de uma determinada linha filosófica naquele curso.
Esse dado é também corroborado pelos depoimentos de alguns
professores do período em questão:
"Predomi,nava no Ins ti tu to uma linha vincu lada a , concepção.tradicional da Igreja católica ( .•• ) o pensamento toínista". (Professor S. do IFCS da UFRJ).
"Nos anos 70 (observava-se) no IFCS a predominâ!!:. aia de um grupo de professores com tendência no tadamente 'esco'lástica C. ",) Então posso dizer., com s~gurança., que prevalecia o pensamento esco lástico ( . . . ) Era uma leituraJ uma repetição da
egcoZ~stica tradicional servindo-se de algum au
tor contemporâneo como Jacques Maritain". (Pr~
feS50r P. do IFCSda UFRJ).
"Havia uma corrente muito ligada ao que se cham~
va., a neo-escol~stica ou a filosofia escol~s·tica.
Logicamente não é uma escolástica medieval., mas senstvel à problemáti~a filosófica contemporânea
( .•. ). (Professor J. do IFCS da UFRJ).
Lamentavelmente, essa sensibilidade a temas con
. ,
1(J
Convivendo harmonicamente com a orientação escolâs
tica encontrávamos, principalmente a partir do meado da dê
cada d~ 70, a corrente fenomenológi·ca. Isto' porque "estavam
sendo· incorporados ao grupo de professores do Insti tuto, pe~
soas que estudaram ( ... } na Universidade de Louvain, onde
predominava a corrente fenomenológica ( •.. ) ·Entãq paralel~
mente
ã
orientação que permanecia através dos professoresantigos, aristotélico-tomistas, houve a introdução de uma
direção fenomenológica" (professor S. do IFCS da UFRJ).
Os professores que fizeram pós-graduação nas uni
versidades eurqpéias introduziram ~o IFCS da UFRJ, basica
mente, duis linhas teóric~s·: a fenómenologia de Husserl·e a
filosofia de Heidegger.
Pude constatar que a. introdução dessa~ duas linhas ,
teóricas não provocou nenhuma transformação significativa
na orientação da graduação de filosofia. Segundo as palavras
do professor S., pelo menos até o final da década de 70, o
curso de filosofia caracterizava-se teoricamente pelo "con
traponto aristotélico-tomista e fenomenologia, surgindo es
poradicamente, algum elemento novo",
Con~rastando com essa predominincia, de acordo com
o depoimento da aluna· C., observa-se que "não s.e mencioilava
qualquer tipo de materialismo". Havia uma proibição, de ce!
ta forma oficial, de se dar, principalmente, o materialismo
de Marx. . )
Na verdade, nosprimórdio~ da década de 70, nao.
era apenas a corrente materialista que estava alijada do
. ,
17
rentes filosóficas do período moderno e contemporâneo, de
reconhecida significação histórica, não eram sequer meneio
nadas,naquela graduação. Durante a minha graduação não tive
oportunidade de qualquer cOntato com inúmeros filósofos im
portantes, como: Spinoza, Hegel, Sartre, Habermas e outros.
A exclusão de diversos pensadores do, currículo da
graduação de filosofia era tanto mais prejudicial na medida
em que não só se desenvolvia uma visão parcial do desenvol
vimento h~stôrico do pensamento filosófico, como também re
forçava uma interpretação estranhamente harmônica, sem des
~ontinuidades, ~ontrádições, e dive~g&ncias mais
das diferentes co'rrentes teóricas.
profundas
Dentro ~es~e contexto, as produções filosóficas a
pareciam como "imutáveis", "perenes" e "a-históricas"~ o t
que, evidentem~nte, contraria o espírito de "cri ticidade'i
'próprio da filosofia. Dessa forma tornava-se impossível co~
preender o real significado da filosofia e do seu ensino.
A situação de marasmo, o caráter a-históricci e ' o
"monolitismo" da orientação teórico filosófica da g~aduação
de filosofiado'IFCS da UFRJ' suscitaram-me, a princípio, as
seguintes questões: ~orque a filosofia era tratada, nessa
graduação, como um saber "perene", "imutável" e "absoluto" ?
Porque o curso de filosofia se distanciava das quest6Js con
temporâneas' ? Qual seria a origem da a-historicidade e do
)
"monolitismo" teórico-filosófico que orientavam aquela gr!
duação ? Que proposta ~ducacional era aquela que, estranha
mente, destruía o interesse pela filosofia?
. I
18
fundamental para mim, principalmente ao descobrir através
de pesquisa bibliográfica que a situação encontrada na gr~
duação do IFCS, na década de 70, não parecia nova ao ensi
no de filosofia no Brasil, Testemunho deste fato é o depo!
mento do professor Evaristo de Moraes Filho, num trabalho
datado de 1959:
"No que diz respeito ao ensino da filosofia no curso secundárioJ como de resto acontece no pri
prio n{vel superiorJ reveste-se de acentuado cu
nho enciclopédico, Compartilham de seus programas
conte~dos de outras disciplinasJ inclusive dos
antigos programas. de Instrução Moral e C{vica.·. Todos ds temas da filosofia são a{ inclu{dos de
-maneira excessi.vamenteconfusa e sufocante; nao . podendo de modo Çl 19.um despertar a a t'enção e o in - ,
teresse do aluno .••.
.•. Finalmente outra crtticaa fazer a respeito do ensino de filosofia no Brasil reside no exces
80 dedogmatis~o e tradicionalismo que o envolve.
Nada mais perigoso e mortal para o pensamento do que o dogmatismoJ a Cfusência de exame cr{ti'co dos
problemas e de suas soluç5es ••• " (2).
Essa postura tradicional e dogmática predominante
no ensirio de filosof~a provocou, principalmente no IFCS. da
UFRJ, uma série de reações por parte do corpo discénte. Na
própria década de 70, surgiram alguma~ tentativas no senti
do de aI terar a si tuação de imobilismo na qual estavam imer . I
(2) Moraes Filho,Evaristo. O Ensino de Filosofia no Bra
silo Decimilia, Rio de Janeiro, 5. ed., 1959, p. 21 e
19
sos nao s6 o curso de filosofia como tamb~m o de Ciências
Sociais e o de História.
Segundo as palavras do professor P. do IFCS, os , a
lunos demonstravam "insatisfação, basicamente, por duas ra
zoes: primeiro porque o pr6prio programa estab~lecido nao
tinha o alcance que os alunos queriam e depois, por outro
lado, (havia) uma queixa severa quanto à nulidade desse en
sino sobre o processq cultural •.. ",
A partir de '1975, começam a se acirrar os confli
tos entre o que era ministrado oficialmente pelo Instituto
e os anseios dos estudantes', Situação que se agrava em 1976,
quando
6i
alunos das diferentes ireas da IFCS da UFRJ fizeram uma programação extracurricular pa~a a Semana de Calou'
ros, que foi proibida. Nesta semana se discutiria, entre ou
tras coisas, o mercado de trabalho de.professores feimados
em filosofia e história do Brasil. A proibição partiu do d~
partamento de história, e mais espe~ificamente, do
sor Eremildo. Viana.
profe~
Em ~977~ novamente, a Semana de Calouros foi pro!
bida. A proibição partiu do então diretor do Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, professor Gerardo Dantas Bar
reto. Segundo este diretor os alunos queriam "apenas um
pretexto para perturbar as atividades didático-pedagógicas
do Instituto; tendo em vista que não era mais tempo para
festa de calouros" (3).
(3) UFRJ: ~lunos do Instituto de Filosofia denunciam defici
ências. O Globo, Rio de Janeiro, 30 abr., 1977, 19 Cad:.
20
,Essa proibição acirrou os ânimos no Instituto, os
alunos elaboraram urna nota na qual constava urna s~rie de
denúncias sobre as deficiências da instituição. Destas de
núncias seleciono urna a respeito do currículo 'por' consid~'
rã-la significativa na caracterização do imobilismo dos cur
sos do IFCS:
" Curr{culo - observa-se em v6rias ementas das disciplinas um excessivo apelo aos autores 'clás
sicos'~ muitos dos quais nada açrescentam ao a
prendizado~ pelo fato de há muito~ suas teorias
e mitodos terem sido ultrapassados e refutados ; ausência de disciplinas em que se estude e anali se a realidade brasileira~ o que é vital para o entendimento de nossa situaç50 como membros de uma sociedade em transformação " (4). ,
Desta nota consta tamb~m uma'denúncia com relação
i proibiçãó de atividades extraclassei assim corno o nao re
conhecimento da eleição do "Conselho de Representantes'"
feita em sal~ de aula pelos alunos.
A partir de então, aumentaram as discussões, criou
se um clima tenso e os alunos, em assembl~ia, resolveram
entrar em greve. Em represália, por ordens do diretor do
Instituto foram colocados guardas de vigilância da cidade
universitária na porta do IFCS "para manter a tranquilida
de entre os alunos e professores" (5). Nesse mesmo período
o Instituto foi fechado por 39 dias, sob o pretexto de ne
(4) Idem -' grifo meu.
21
cessãrios reparos e pintura do prédio. Evidenciava-se, por
essa medida, a ~rofundidade do antagonismo verificado entre
a proposta oficial desta instituição e os anseios de seu
corpo discente.
Participante desse processo, para cuja apresent~
çao invoquei os testemunhos referidos, perguntava-me insis
tentemente sobre as suas causas. Porque nos era apresent~
da aquela "filosofia inerte", que se lançava em abstrações
que mais ,pareciam delírios, pela forma com que eram coloca
das ? Seria aquilo a expressão da filosofia ou represent~
ria um desvio, at~ mesmo uma descaracterização do saber fi
losófico'?
Como já foi dito essa situação nao era específica'
da graduação de filosofia do IFCS mas caracterizava.o· ensino
de filosofia no Brasil. Tive por um momento a intenção de
investigar mais'a fundo o ensino de filosofia nas princip~
is faculdades existentes no Rio de Janeiro, o que traiia, ~
videntemente, cOntribuições muito mais expressivas sobre es
sa realidade do que a sua verificação em uma única escola .
Fui obrigada a r~duzir a minha pretensão por razoes de or
dem pritita: a necessidade de elaborar em espaço de tempo
relativamente restrito a dissertação na qual se iIltegraria
o estudo realizado.sobre a nossa realidade presente.
Creio, entretanto, que.a representatividade e a im
portância do IFCS no contexto cultural brasileiro, o tornam
uma amostra significativa ~o que seja o ensino universitá
rio de filosofia no Brasil, em geral, As questões que mais
22
deriam ser resumidas em uma única pergunta. Que se passa, a
final, com a filosofia no Brasil?
A discussão que apresento sobre o assunto é feita
à luz da minha atual visão do que seja o saber filosófico •
Adoto a concepção segundo a qual a filosofia ê um elemento
da superestrutura, e corno esta comporta diferentes ideolog!
as, convivem nela, também, diversas filosofias. Por isso não
faz sentido. falar de "filosofia". A filosofia ê sempre ex
pressão de um determinado contexto social e histórico, paI
te inerente à própria história, refletindo assim, suas mu
danças e contradições.
·No dizer de Marx, devemos considerar que·"a produ
çao de idéias, de concepções, e da con~ci~ncia liga-se, a
princípio, direta e intimamente à atividade material
e
aocomércio dos homens, como uma linguagem da vida real~' Os
conceit6s, o co~êrcio intelectual dos homens, surgem aqui
ainda como emanação direta de seu comportamento materIal. O
mesmo ocorre co~ a produção intelectual, tal como se apr~
senta na linguagem da política, das'leis, da moral, di reli
gião, da metafi~ica, etc., de u~ povo. Os homens ê que sao
os produtbres.de seus conceitos, de suas idéias, etc., mas
os hOj~ens reais, ativos, condicionados p6r uma evolução de
finida de suas forças produtivas e pelas relações correspoQ
dentes a elas, inclusive as formas mais amplas que estas pos
sam tomar. A consci~ncia jamais pode ser outra coisa .
-senao
o Ser consciente e o Ser dos homens é o seu processo de vi
da real" •. (6).
(6) Marx, Karl
&
Engels, Friedrich. A Ideologia Alemã. Trad.. ,
23
Originária de uma prática social real, as conceE.
çoes filosóficas constituem uma forma de consciência soci
aI, e ,como tal não podem ser vistas como portadoras de um
discurso teórico "neutro", "perene" e "imutável". Mesmo
porque, enquanto expressa0 de uma sociedade, as diferentes
filosofias refletem os interesses dos diversos grupos que
compõem uma determinada estrutura social. Concordo com
Gramsci, quando acredito que as filosofias podem
par do prbcesso de hegemonia de uma determinada
partici:.
cla~se,
cumprindo uma tarefa político-pedagógica. Ou seja, atravês
dos valores, normas, idêias veiculadas por uma concepçao
pode-se atingir a coesão por consenso de um deterrninado'g~
po social. Por is~oê que, segundo a perspectiva de "Grams
ci, "não se pode destacar a filosofia' .. da política" (7) • ,
"Tudo ê político, inclusive a filosofia ou as filosofias,
e a única 'filosofia' ê a história em ato, ou seja a
pria vida" '(8) ..
Den tro dessa perspectiva, faço Ui 11 estudo históri
co do ensino de filosofia no contexto educacional brasilei
ro, buscando sempre relacion~rr em cada período histórico,
a graduação de filosofia· e os diferentes contextos políti:.
co-educacionaisp
No intuito de compreender, mais profundamente. o
conflito já mencionado entre o corpo discente e a proposta
. I
(7) Gramsci, Antonio. Concepção Dialêtica da História. Trad~'
Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janelro. Civilização Bra sileira, 1978,p,. 15.
24
oficial na graduação de filosofia, recorro tamb~m adepoi
mentos de. alunos e professores que participaram, ria d~cada
de 60, da graduação. de· filosofia do IFCS da UFRJ e da anti
ga Faculdade Nacional de Filosofia. Estes depoimentos, sorna
dos aos que se relacionavam
ã
d~cada de 70, possibilitaramme não apenas construir a memôria de alguns f~tos histôri
c6s, corno tamb~m. colher subsIdios para compreender o con
fronto ideolôgicO entre a orientação do currIculo oficial e
os anseios e interesses ~os alunos no que se refere ao ens!
no de filosofia.
Com os elementos f?rnecidos tanto pela pesquisa bi
bliogrific~
e
documental quanto pelos depoimentos daquelesque vivenciaram, em diversos momentos, o ensino de filoso
fia no IFCS e na antiga Faculdade Nacional de Filosofia, bus
co - sobretudo atrav~s de urna trajetô-ria histôrica que co
meça no presente e vai até o perIodo colonial -- causas po~
síveis do· "dogmatismo" e da "a-hist'oricidade" que caracter!
zam a orientação desse curso •.
As primeiras investigações sobre a questão levaram
me a compreender que os elementos fornecidos pelo presente
não trariam urna resposta satisfatôria
ã
minha questão centraI, ou ·sej a, o "porquê" da predominância da orientação
"dogmática" e "a-histórica" _no ensino. universitário de filo
sofia. Optei assim por um estudo retrospectivo que inicial
mente enfocou a década de 60; retrocedeu a 1930 e recuou, f!
nalm~nte até o período colonial, momento no qual, pelo que
me foi dado percéber, estabeleceram·se as possibilidades hi~
. ,
25
or do ensino de filosofia. Um desenvolvimento no qual medra
mediocremente um pensamento que não passa, em seu conjunto,
de uma·mera caricatura da filosofia. Mediocridade que acar
reta com o passar do tempo, o desprestígio a que foi releg~
do entre nós esse saber.
Na d~cada de 70 e principalmente~ no perrodo que a
precede - a d~cada de 60 ~ situei alguns fatos particul~
res e concretos que geravam o choque entre as visões de
fi-losofia. Nesse período, como se sabe, ho':!ve uma efervescên
cia s6cio-politico-cultural incomum. Irrompeu, na primeira
m~tade da d~cada, uma ampla discussão em torno da reformu1a
ção das diretrizes que orientavam a· educação, e principal:
mente, o ensino uI).iversit~rio. Discussão que frequentou os
diversos cursos superiores e se irtt~nsificou com a peyspeE,
tiva de uma reforma universitária. Com o golpe de Estado e·m
1964, acirrou-se a luta entre os anseios de alunos e profe~
sores e o grupo que estava no poder. Luta que ecoaria de ma
neira expressiva nos diferentes cursos universitários.
As
sim, a graduação de filosofia vivenciou, nesse período. um
. .
momento singular. com o que5ti~na.mento das diretrizes que o
rientavaJlli esse curso. Evidencia-se como nunca. na década de
6Ü'? o confronto ideologico; entre a perspectiva dos alunos e
a orientação oficial do curso de filosofia.
Nesse confronto ideo15gico mostraram-se claros a
permanência e o predomínio de t.tma postura .lteórico-ideolôgi
ca dogmática na orient~ção d.a graduação de filosofia. Mas.
grande parte dos fatos ocorridos na década de 60 no ensino
26
quências do "dogmatismo" e do "tradicionalismo" que se pere
nizavam nesse mesmo ensino.
Por isso retrocedi em direção
ã
dêcada de 30, período no qual foram criadas as ·primeiras faculdades de Filo
sofia. Essa d~ca~a caracterizou-se, como se sabe, por mudan
ças significativas a nível sócio-político-econômico. Nesse
período hou~e um~ redefiniçao do sistema ~ducacional. Rede
finição que se realiza no interior de uma luta ideológicaen
tre as forças conservadoras, representadas pelos educadores
católicos e as fo-rças renovadoras, representadas pelos "Es
colanovistas". No· ·seio dessa luta foram fundadas as primei
ras Faculd~des de Filosofia, inclusive a Faculdade Nacional
. .
de Filosofia, embrião do atual IFCS·. Nesse período
ê
que foram estabelecidas as primeiras diretrizes que n9rtearam a
gradu~ção de· filosofia, e constata~se 6 estreito vínculo eri
tre essa orientaçao e o pensamento católlco tradicional. Co
mo se sabe, a Igreja católica teve um papel preponderantena
orientação do projeto educacibnal no contexto cultural br~
sileiro, contribuindo para o processo de hegemonia cultural
e espiritual.
Ess~s fatos vieram reforçar a minha crença de que,
na verdade, a compreensão das diretrizes que orientavam o
ensino de filosofia no Brasil não seria possível sem uma in
cursa0 histórica at~ o periodo colonial, no qual o ensino
de filosofia foi introduzido·, atravês da proposta político.
pedagógica da Igreja.
Assim, este tr~balho compoe-se de quatro capítulos
27
graduação de filosofia -- o período colonial, a década de
30 e a década de 60.
Nas considerações finais busco interpretar e exp.li
citar,
i
luz da perspectiva marxista e gramsciana~ as diretrizes teórico-ideológicas que orientaram, ao longo dos sé
culos, o ensino de filosofia no Brasil. Dessa forma, proc,!!
ro explicitar o "dogmatismo" e a "a-historicidade" que sem
pre o caracterizaram! aprofundando a dicotomia ser e pensar,
CAPfTULO I
CONSIDERAÇOES 11ISTdRlCAS SOBRE O ENSINO DE FILOSOFIA
NO BRASIL - DESDE O PERfoDO COLONIAL ATÉ O S~CULO XX
A história do ensino de filosofia no Brasil vincu
la-se profundame'nte ao desenvolvimento da proposta polític~
pedagôgica da Igreja. Desde o século XVI, a filosofia é en
sinada nos colégios e seminários católicos. Mesmo porque "a
{grej a foi aúnic'a educadora do século XVIII, representada
por todas as organi~aç5esreligiosas do clero Secular e do
clero Regular 'que possuÍam casa no 'Brasil" (9).
Por isso, para a compreensão do que ve.m sendo o en
sino de filosofia no Brasil faz"':se necessária uma anális.e·,
ainda que breve, do projeto político-pedagógico da Igreja
no Brasil, dos seus primórdios, no 'século XVI, at~ ~ início
do século XX.
O c~tolicismo que participou do processo de coloni
zaçao do Brasil·foi o catolicismo da Contra-Reforma. Naqu~
le momento (século XVI) era necessária a confirmação da au
toridade da Igreja, abalada com o movimento reformista que
grassava a Europa, dividindo os cristãos em católicos e pr~
testantes. A Igreja católica precisava revitalizar a sua
d6utrina, moralizar o seu clero e confirmar as suas tradi.
(9) Leite, Serafim, S.L História da Companhia de Jesus no
29
çoes
(10).
Segundo a int~ipretação da Igreja, os movimentosreformistas dos s~culos.XV e XVI 'na Europa mergulharam o
. .
mundo na anarquia e· na desordem. Por isso fazia-se necessa
..
rio restaurar a harmonia, a unidade e a universalidade do
cristianismo.
No s~culo XVI, com a expansão' colonialista, as' no
vas descobertas ,científicas.e o surgimento de novas conceE.
ç6es filos5fic~s, como o racionalismo cartesiano, a Igrej~
v~. abalada a sua he~~monia polrti~a e espiritual. O homem,
impregnado pelo antropocentrismo, afastava-se de Deus, a sua
vida pautava-se em bases na.turalistas e mat~rialistas. A in
telig~ncia. guiava-se por razões "meramente humanas sem aten
der
ã
hierarqu'ia das coisas'~ (lI} •.Filosoficamente os s~culos XVI e XVII caracteriza
vam-se pela, descoberta cartesiana do '-'cogi to" enquanto fun
' .
-damento ie5rico que validava todo e qualquer conhecimento
humano. A verdade fundamentava-se
no
"cogito", na razao humana, rompendo com a autoridade escolástica. Assim "a razao
promovida pelo pr5prio homem em valor absoluto se fez Gnica
luz da sociedad~, única mediadora entre os homens e Deus
destronando ·a realeza social de Jesus Cristo" (12) ~ Cai' o
teocentrismo, o tentro do universo passa a ser o homem, que
descobre o poder de domina~ e controlar a natureza atrav~s
de sua razao.
(10)
Hoornaert, Eduardo. História da Igreja no Brasil. Pe. tr5polis, yozes, 1977. t. 11.
(lI} C~ry, C~rlos R. J~mil. Ideologia e Educação Brasileira.
Sao Paulo. Cortez
&
Moraes, 1978. p. 29.30
Dentro desse contexto, a Igreja busca revita1izar
a sua doutrina, funda n,?vas ordens, entre elas a Companhia
de JesusJ em 1539, apregoa a volta i tradição e aos. dogmas
do catolicismo, amplia os horizontes de sua atuação com a
finalidade de conquistar novas almas para a doutrina cat51i
ca.
Este projeto de universalização da doutrina cató1i
ca encontrou s'ua: realização efetiva através do proj eto eco -:.
nômico e político qu~ vigorava nos séculos XV e XVI na Euro
pa. o expansionismo através de colonização no Oriente, Áfri
ca
e América (13)-.Assim chegá a Igreja ao Brasil, com um projeto po
lítico-pedagó~ico que atuaria através da catequese, da evan
gelizaçio e da instrução. A ordem escolhida para essa mis
são foi a Companhia de Jesus. No dizer de J. Pandiá Ca1óge ' .
-ras, a Companhia de Jesus foi escolhida para a missão de ca
tequizar e instruir as colônias poi·tuguesas por ser uma con
gregaçao católica educadora e militante anti-reformista e
o
ttaI to ideal que propugnava era a soberania do Papa e da fé
católica" (14) •. Ou seja, a Companhia de Jesus representava
o ideal ant~-reformista, num período em que fervilhava o mo
vimento reformista que contestava o poder e a autoridade da
Igreja Apostólica Romana. Continuando, afirma J. Pandiâ Ca
lôgeras, nesse período "no próprio seio das potências cathó
licas existia poderosa corrente reformista,
mesmo para a inteireza do dogma, pois visavam os novadores
(13) Hoornaert, Eduardo. op. cito
31
sanear a Egreja na cabeça e nos membros, desde o supremo p~
der pontifício at~os Gltimos ramusculos da frondosa hierar
chia" (15).
A Companhia de Jesus representava uma força anti
reformista, def~nsora do dogma e da hierarquia da Igreja c~
tólica. Uma força que·auxiliaria o governo português na OCÜ
pação das novas ·terras. Para Fernando de Azevedo, Portugal
encontrou nos jesuítas "·um dos maiores e mais poderosos ins
trumentos de domínio.espíritual e uma das vias mais seguras
de penetração· da cultura europ~ia nas culturas dos povos
c'onquistados, mas'·rebeldes,' das terras descobertas" (16).
Ntrav~s da· catequese a Co'mpanhia de Jesus cristia
nizaria os nativos, e imporia uma ordem "cristã" naquela or
,
-dem "irracional" e "primi tiva". Dizia Anchieta" "essa, raça
selvagem, sem a menor lei, perpetrava-crimes horrendos coh
tra os mandados divinos proferindo impunemente ameaças con
tínua~ e altivos discursos" (17). A proposta de cr{stianiz~
ção incluía uma proposta de "pacificação",' de "hannonizaçãoir
e de "conver'são" não só religiosa mas também de costumes,
Assim que chegaram ao Brasil os "jesuítas assentam,'
logo ao desembarcarem, os seus arraiais, fundam as suas resi
dências ou conventos, a que chamam "colégios", instalam os
seus centros de aç50 e de abastecimerito, ou, se o quiserem,
os seus quart~is, para a conquista e o domínio das almas
(18).
e
necessirio ressaltar que a preocupação primordial(15) Idem.
(16) Azevedo, Fernando"de, A Cultura Brasileira. são Paulo,
4 ed., Ed. Melhoramentos, 1964, p. 503.
(17) Anchieta. Feitos. Versos 825-828, Livro
rr,
p. 83.32
dos jesuítas era a educação. No dizer de Serafim Leite ao
falarmos.das primeiras escolas brasileiras estamos evocan
do a epopéia dos j e.suítas no sé·culo XVI (19).
Os jesuítas fundaram yárias escolas elementares ,
onde o~ filhbs dos índios e dos colonos aprendiam a ler,
escrever, contar e falar portugu~s. Através da instrução
elementar eles propagavam a doutrina católica, Para Fernan
do de Azevedo 'foi através dessas "escolas de ler e escre
v~r, fixas ou ambula~tes~ em peregrinação pelas aldeias e
sertões, que teve de começar a fundamentis a sua grande p~
lftica educativar.e com el~s é que se inaugurou,.no Brasil
ao mesmo t.empo que na Europa, essa educação li terária pop~
lar, de fundo ·religioso; organiiada em consequ~ncia e sob
os influxos das lutas da Reforma e da Contra-Reforma, para
a propagaçao da fê" (20).
Mas não era somente no plano de instrução elemen
tar que os jesuítas atuavam, a gfande meta era a .criaçãb
de escolas superiores para a. "elaboração d,e urna eli te, cul·
ta e religiosa, que realizaria os objetivos místicos e so
ciais de Santo ~nácio" (21).
Na.primeira legislação escolar da Companhia de Je
sus, as "constituições" de 1559, constava a exigência de
dois cursos, um de Letras, .com duração· de cinco anos, e um
para estudos universitários de Filosofia e Teologia com du
ração de sete anos (22).
(19) Leite, Serafim, S.I. op. cito
(20) Azevedo, Feínando.de, op, cito, p. 508. (21) Idem.
(22) Moraes Filho, Evaristo de. O Ensino de Filosofia no
33
Segund'o Serafim Lei te (23), ainda no século XVI, os
jesuítas criaram três faculdades: Letras Humanas, Artes e
Teologia, porque "num jesuíta a ciencia é absolutamente ,ne
cessária quasi tão necessária como a virtude" (24) ..
Em 1556 fundou-se o colégio jesuíta da Bahia, que
no dizer de Serafim Leite foi "a primeira Faculdade de Filo
sofia, primeira e Gnica, no século d6s quinhentos" (25), a
partir de então foram. criados diversos colégios em várias par
tes do Brasil: em 155-4 o· colégio de Santo Inácio em São Pau
10; 1567 o colégio do Rio de Janeiro, onde a filosofia come
çou a ser ensinada a partir' de 1638. Este colégio foi "inco.!:
porado á . seu correspondente em Coimbra, com o título de' "Real,
Colégio das Artes'" (26); em 1652 o de Nossa Senhora da Luz·
em São Luis do Maranhão, neste mesmo ano o de Santo. Alexan
dre em Belém do Pará; em 1654 o de Sã~ Tiago em Vit6ria no
EspíritoSa,nto.
Em 1572 começa a primeira classe de Filosofia' ou Ar
tes no colégio da Bahia. "A primeira colação de grau de ba
charel em Artes
é
de 1575 e, do ano seguinte, a licenciatura" (27).
(23) Leite, Serafim. Op. cito (24)
(25)
(26)
Cf. Deusdado, M.A. Ferreira. ~ducadores Portugueses. Co
imbra, 1910, p. 27.
Leite, Sera~im, S.I. Op. cit., p. 46.
Campos, Fernando Arruda. Reflexão introdut6ria ao estu
do da Filosofia na época colonial no Brasil. In: As
idéias filosóficas no Brasil, coord. Adolpho Crippa, SP,
Convivia, 1978, p. 43~
(27) Leite', Serafim, S.I. "As primeiras escolas do Brasil" •
In: Páginas' de História 'do Brasil, são Paulo, 1937. p.
34
A finalidade desses cursos era nio somente a forma
çao de uma elite intelectual católica, como também a ma
nutençio e a restauração dos princípios da cultura iberica,
constantemente ameaçada pelas invasões assim ~omo pelas in
flu~ncias indígenas e africanas (28). No dizer de Fernando
de Azevedo, "não fossem os jesuítas que se tornaram os
guias intelectuais e sociais da Colônia, durante mais de
dois seculos e teria. sido talvez impossível ao conquistador
lusitano 'resguardar dos perigos que a assaltavam a unidade
de sua cultura e de sua civilização" (29). Alem disso, os
jesuítas lutavam "por assegurar a posse e a unidade do po
der esp'iritual" (30).
Na verdade, a vida intelectual da col6nia girava
em torno dos seminários e colegios católicos. Esta afirma
çãoe corroborada por Fernando de Azevedo: "todos, pois,que
se destinavam, na çasa patriarcal, ã carreira das letras ou
à vida eclesiástica e monacal - e todas as famílias abasta
das se desvaneciam de ter um filho letrado ou um filho pa
dre caíam naturalmente sob a influência da educação ,j~
suíta, em poder desses religiosos desde 1555, constituindo
se os instrumentos mais fiteis de penetração de suas ideias
e de seus inetodos" (31).
,A educação católica pautava-se por uma perspectiva
humanista e~scolástica, que fotmava "letrados" e "erudi
)
(281 C.F. Azevedo, Fernando de. Op" cit,
(29l Azevedo, Fernando de. Op. cit" p~ 510.
(30.} Idem.
35
tos". Isto porque os jesuítas, eram "humanistas por excele!!.
cia, e os maiores de seu tempo, concentraram todo o ·seu es
forço, do ponto de vista intelectual, em desenvolver, nos
seus discípulos, as atividades literirias e acadêmicas que
correspondiam, de resto, aos ideais de 'homem culto' em
Portugal.,. O a~ego ao dogma, i autoridade~ i tradição es
cdlistica elite~iria, o desinteresse quase total pela ~iêg
cia e a repugnincia pelas atividades t6cnicas e artísticas
tinham forçosamente de caracterizar, na colônia, toda a edu
cação modelada pela metrópole, que se manteve fechada e
redutível ao espí!ito crítico e de análise,
â
pesquisa eexperimentação"
.
(32J .
ir
-a
Dentro desse espírito, moldou-se a educação brasi
leira, e, principalmente, o ensino de filosofia. A filoso·
fia que embasava o projeto político-p~dagógico ~os jes~ítas
era a interpretação tomista segundo a escolástica portugu~
sa.
A
proposta pedagógica dos jesuítas estava sintetizada na Ratio Studiorum, "verdadeiro código pedagógico dos
jesuítas C ... ) O primeiro esboço da Ratio data de 1586, sendo
consultados homens sibios e experimentados no ensinoC •.• ) e
promulgou-se C ... ) como lei g.eral da Companhia de. Jesus I no
dia 8 de janeiro de 1959" (33),
A Ratio tinha como objetivo o conhecimento do alu
no e a finalidade a atingir .era a "glória de Deus", Sua pro
posta· pedagógica comportava três cursos fundamentais: Letras
~ , ( .
(32) Idem, p. 516.
36
Humanas, Artes ou Filosofia ~ Teologia. Estes tr~s cursos
formavam uma hierarquia rígida cujo ponto mais alto era a
Teologta. Tanto Letras quanto Filosofia preparavam o estu
dante ·para o curso considerado mais elevado, o de Teologia.
Segundo as diretrizes pedagógicas da Ratio Studio
rum, o ensino de filosofia, nos col€gios e seminirios cat6
licos, devia estar embasado no estudo de Arist6teles e Tomis
de Aquino.·A Ratio preocupava-se em preservar a doutrina a
ristotélico-tomista de interpretações não aprovadas pelos
escolásticos do século XIII, O professor não deveria se a
fastar de Aristóteles e Tomás de Aquino, salvo raras exce
ções. Não deveria discutir rtada qu~ fosse conflitante cam a
fê católica (34).
A filosofia ensinada.no período colonial tem uma
profunda influência de pensamento escolástico:Principalmeg
te do movimento escolástico portugu&s, ·que tem como princ!
paI represent~ntel Pedro.da Fonseca. Inclusive a obra de Pe
dro da Fonseca, Comentários à Metafísica, foi a base de Cur
sus Conimbricensis, livro adotado no ensino de filosofia no
Brasil colonial. Este livro era uma espécie de encic10pêdia
pautada numa visão escolástica do séxulo XIII (35). Além
deste livro, outros etam adotados no curso de filosofia·tais
como: Cursus Philosophicus de Arriaga, que chegou a Bahia
em 163g; o Curso de Filosofia de Antonio Vieira, que parece
ter sido o primeiro livro escrito no Brasid (entre 1629/
1632); o Cursus Philosophicus de Domingos Ramos; Cursos Phi
. (
37
losophicus de Antonio Andrade e a Quaestione Selectiores de
Philosophia Problematic~ expositae de Lufs de Carvalho (36).
( . .
o
curso de· filosofia pautava~se na leitura dos manuais citados acima. Os alunos deveriam reproduzir com exa
tidão, os conhecimentos adquiridos através desses manuais,
sempre com o cuidado de não exceder ou' cri tic'ar o conheci
mento exposto pelos comentadores de Aristóteles e São Tomás.
Segundo' Fernando de Azevedo, "o curso de filosofia
e de Ci~ncias, também chamado de Artes e dividido em tr~s
anos, tinha por fim a formação do filósofo, pelos estudos
d~ lógica, metafísica geral., matemáticas elementares e supe
riores, ética, teodicéia e das ci~ncias físicas e naturais,
tomadas pela e~colástic~ e estudada ainda a esse tempo como
ci~ncias constitufdas definitivamente pelas especulações a
ristotélicas. Em Aristóteles, segundo-os escolásticos, esta
va tudo: nada que investigar ou que discutir, só havia o
que comentar" (37).
Os jesuítas preocupavam-se em perpetuar e resguar
dar a interpretação escolástica de São Tomás e Aristóteles.
Dessa forma pre$ervavam também a veiculação dos dogmas e dos
princípios t·radicionais da doutrina católica, pautadas na
autoridade, no espírito cons~rvador e na discipliria (38)
Assim como preparavam os es·tudantes de filosofia para o cur
so de Teologia.
Pode-se afirmar qu~ o contefido veiculado pelo ensi
(36) Idem.
38
no de filosofia na fase colonial privilegiava algumas idéias
fundamentais da'doutrina tradicional católica, a "hierarqu!
zação das idéias", a disciplina da razao e a sua submissão à
fé e ã concepção de "ordem". Era a maneira encont.rada pela I
greja, de resguardar a concepção de mundo catôlico das cor
rentes racionalistas e empiristas que pioliferavam nos secu
.
los XVI, XVII e XVIII. No dizer de Fernando Arruda Campos,
"a escolástica no Brasil-colônia é, assim, o reflexo da dou
trina ar~stôtelico-t?mista dos conimbricenses, cujo conteúdo
é de natureza dogmática" (39}.
O método utilizado nos cursos de filosofia baseava
se em re~etições diárias e semanais, feitas em casa ou na es
cola, quando os estudantes discutiam uns com os outros os
pontos mais' dif!ceis. A Ratio Studiorum tamb6m determinava
desafios entre os alunos do mesmo n!vel, e ordenava que se
enviassem ao padre provincial composições ou dissertações p~
ra comprovar os estudos feitos,
Dentro dos princfpios da Ratio Studiorum, segundo
as interpretações aristotélico-tomistas da escolástica portu
guesa, o ensino de filosofia.permanece-inalterado até o sécu
lo XVI I I •.
Mas, em 1759, agravou-se a situação do ensino no
Brasil. Devido ã dissidência com Pombal, os jesu!tas foram
expulso~ da colônia, fato que provocou a rufna do sistema co
.
lonial de ensino. Esta expulsão afetou não somente o ensino
elementar, como também o ensino de filosofia e teologia. As
(391 Campos, Fernando Arruda, Tomismo e Neotomismo no Brasil.
39
reformas realizadas por P·omb.a1 em Portugal não supriram o
vazio deixado pelos jesuítas na estrutura educacional do Bra
.
-si1. Nesse período .fo~am fechad~s cerca de 17 colégios e se
minários "sem contar os seminários menores e as escolas de
ler e escrever, instaladas em quase todas as aldeias e P2
voações oride existiam casas da Companhia" (40).
'\
No final do século XVIII, o ensino de filosofia fi
cou praticamente acéfalo. Não ocorreu uma nova reestrutura
çio, a partir de novos princípios, e o ensino tradicional
dos jesuítas sofreu um forte abalo.
No meado.do século XVIII, em reaçã~ i corrente es
co1ástica implantada através do ensino na Companhia de Je
sus, surge o movimento antiesco1·ástico 1 iniciado em Portugal
sob o governo de Pombal. Este movimento teve como elemento
fundamental as Cartas de Verney; que foram a base da refor
-.-ma da Universidade em Portugal. Mas estas refor-.-mas não atin
giram o Brasil, o sistema educaciohal ficou totalmente de
sestruturado. No curso de filosofia, a única modificação ob
servada foi a mudança de manual. Adota·se, a partir de en
tão, o livro de Antonio Genovesi, as Instituições de Lógica,_
o Genuense, -que passa a ser o livro oficial do ensino de fi
10sofia. Neste livro percebe~se a orientação aristotélico
tomista mesclada ao empiri~mo lockeano,
A acefalia do sistema de ensino brasileiro começou
a provocar discussões, acirrando a luta pela implantação de
uma universidade no Brasil. Até o século XVIII, Porq.lgal
proibia a instalação de qualquer instituição de nível sup~
. c ,
40
rior na Colônia.
A partir do meado do século XVIII agravaram-se as
lutas políticas no Brasil, e eclodiram os movimentos liber
tários, profundamente influenciados pelas idéias iluminis'
tas. Essa nova .concepção filos6fica trouxe uma outra conceE
çio de educação. Os conjurados mineiros por essa época, el~
boravam planos para a criaçio de uma Universidade em Vila
Rica (41).
Mas os movimentos libertários fracassaram, e com
eles o sonho de mudanças educacionais a nível estrutural. O
Brasil entra no século XIX sem Universidade, e os princíp.!
os da educação contin~aram, ainda, apoiados na doutrina a
ristotélica~tomista. Isto porque, expulsos. os jesuítas, con
tinuaram outras ord~ns cat6licas, tais como francisCanos e
carmelitas, a atuar como pilares da educação no Brasil.
No início do século XIX, surgem esperanças de alte
raçoes no contexto cultural brasileiro, devido à instala
ção do reinado de D. João VI no Brasil. Essa nova situação
política promoveu algt~as mudanças no campo da cultura. Fo
ram criados a Imp~ensa Régia, a Biblioteca Nacional, um mu
seu e algumas escolas de nivel superior; o curso de Medici
na na Bahia e no Rio de Janeiro, a Escola Militar, a Escola
Naval, etc.
Mas apesar da criação de algumas escolas superi~
res, a situaçio do ensino como um todo permaneceu inaltera
da. No caso da filosofia continuou~se adotando o manual Ge
nuense. Contrário a adoção deste. manual, o professor de fi
..
41
losofia Silvestre Pinheiro Ferreira, membro da comitiva de
D. João VI, fez-'lhe sérias críticas e tentou, com a publica
ção de seu livro (42), afastar o compendio oficial usado ~as
escolas brasileiras.
No período do Império voltaram a acirrar-se os de
bates em torno da criação da Universidade e do ensino sup~
rior de filosofia no Brasil. Surgiram vários projetos que
propunham a.criação ~e cursos superiores, e principalmente,
de uma Universidade, ·onde existisse um curso de filosofia.
Mas até meados do século XIX, não se cogitava da
fundação de uma Universidade no Brasil, e principalmente, de
um curs~superior de filosofia. Este curso era visto corno
desnecessário naquele momento. Na Constituinte de 1823, de
clarava o Sr. Antônio Carlos R. de Andrade Machado:.
"o
colégio filosófico não insta tanto à vista da necessidade' que
temos d~ magistiados e advogados" (43). E continou a filoso
fia a fazer parte apenas das escolas secundárias e de . cursos
preparatórios para o ensino superior .
. Questionando essa situação; dizia Tobias Barieto
"na verdade o qli;e- é a Filosofia entre nós ? Simplesmente o
nome de um preparatório que a lei diz ser preciso para fa
zer-se o curso de certos estudos superiores" (44).
(42)
(43)
o
livro do professor Silvestre Pinheiro Ferreira intitulava-se "Preleçoes Filosóficas sobre a Teórica do
discurso e da linguagem, a estética, a diceosina e a
cosmologia". .
Moacir, Primitivo. A Instituição e o Império (subsídi
os para a história da educação no Brasil), São Paulo: Ed. Nacional, 1936/1938, p. 71.
(44) Barreto, Tobias. Estudo$ Alemães, Ed. do Governo de
42
A filosofia era obrigatória nos liceus e nos giná
sios do Império~ onde se ministrava um ensino sem grandes no
vidades, no qual os velhos manuais ainda eram seguindos,priQ
cipalmente, aqueles fundamentados no tomismo.
No século XIX, os parcos estudos de filosofia a ní
vel superior eram dàdos exclusivamente, nas faculdades de
Dire i to e nos Seminários ca tôlicos. Estes eram os 'dois espa
ços onde se cultivavam estudos de cunho especulativo, O cur .
-so de Direito era um' dos centros de formação de intelectua
is no século XIX e início do século XX. Nas palavras de Nel
son Werneck Sodré, os cursos de Direito "forneceram, como
era da's~a finalidade, conhecimentos que permitiam a ativi
dade ligada ao Direito, mas forneceram, paralelamente e
até o fim da fase de que nos ocupamos, unicamente ~ aqu~
les conhecimentos ainda que em nível rudimentar, que ~eriam,
fornecidos, adiante, por centros especializados de est~dos,
~
e, bem mais adiante, pelas Faculdades de Filosofia, isto e,
o saber unlvers'al, humanístico, filosófico ~ com alguma li
cença nessa~ qualificaç6es. De sort~ que os bacharéis nao
se habilitavam qpenas ao exercício profissional, mas às le
tras, ao jornalismo, ã política, ao magistério, sem falar
nas funç6es públicas •. , l i (45).
A filosofia cultivada nos ginásios, liceus e fa
culdades de Direito durante o . século XX, continuava pre
dominantemente tomista. Isto porque recrutavam-se os
(45) Sodré, Nelson Werneck. Síntese de História da Cultura