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Processo de doação de órgãos: percepção de familiares de doadores cadáveres.

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PROCESSO DE DOAÇÃO DE ÓRGÃOS: PERCEPÇÃO DE

FAMI LI ARES DE DOADORES CADÁVERES

Mar celo José dos Sant os1

Mar ia Cr ist ina Kom at su Br aga Massar ollo2

Sant os MJ, Massarollo MCKB. Processo de doação de órgãos: percepção de fam iliares de doadores cadáveres. Rev Lat ino- am Enferm agem 2005 m aio- j unho; 13( 3) : 382- 7.

Est e est u do t ev e com o obj et iv o desv elar a per cepção de fam iliar es de doador es cadáv er es sobr e o

p r o ce sso d e d o a çã o d e ó r g ã o s p a r a t r a n sp l a n t e . Fo i r e a l i za d a u m a p e sq u i sa q u a l i t a t i v a , n a v e r t e n t e

f en om en ológ ica, seg u n d o a m od alid ad e “ est r u t u r a d o f en ôm en o sit u ad o” . As p r op osições q u e em er g ir am

r ev elar am qu e, par a os fam iliar es de doador es cadáv er es de ór gãos, o pr ocesso de doação in icia- se com a

in t er n ação do pacien t e e t er m in a som en t e com o sepu lt am en t o do m esm o, sen do con sider ado bu r ocr át ico,

dem orado, desgast ant e e cansat ivo. A sit uação vivenciada é sofrida e est ressant e, m as não há arrependim ent o

quant o à doação dos ór gãos, pois, em bor a a dor da per da não t er m ine, a at it ude da doação confor t a e t r az

sat isf ação.

DESCRI TORES: t r ansplant e de ór gãos; fam ília; per cepção

ORGAN DONATI ON PROCESS: PERCEPTI ON BY RELATI VES OF CADAVEROUS DONORS

This st udy aim ed t o disclose how r elat iv es of cadav er ous donor s per ceiv e t he or gan donat ion pr ocess

for t r an splan t at ion . A ph en om en ological, qu alit at iv e r esear ch w as car r ied ou t on t h e basis of t h e “ sit u at

ed-phenom enon st ruct ure” . The st at em ent s revealed t hat , for t he relat ives of t he donors, t he process of donat ion

begins wit h t he pat ient s’ hospit al adm ission and only ends when t hey are buried. Furt herm ore, it is considered

bur eaucr at ic, long, consum ing and t ir ing. This sit uat ion r esult s in suffer ing and st r ess, but t her e is no r egr et

about t he or gan donat ion since, alt hough t he pain caused by t he loss does not end, t he donat ion init iat iv e

com for t s and br ings sat isfact ion.

DESCRI PTORS: or gan t r ansplant at ion; fam ily ; per cept ion

PROCESO DE DONACI ÓN DE ÓRGANOS: PERCEPCI ÓN DE

FAMI LI ARES DE DONANTES CADÁVERES

La finalidad de est e est udio fue desv elar la per cepción de fam iliar es de donant es cadáv er es sobr e el

p r o ce so d e d o n a ci ó n d e ó r g a n o s p a r a t r a sp l a n t e . Fu e r e a l i za d a u n a i n v e st i g a ci ó n cu a l i t a t i v a d e l t i p o

fenom enológico, según la m odalidad de “ est r uct ur a del fenóm eno sit uado” . Las pr oposiciones que em er gier on

r ev elar on que, par a los fam iliar es de donant es cadáv er es de ór ganos, el pr oceso de donación se inicia con la

int ernación del pacient e y t erm ina solam ent e con el sepelio del m ism o, siendo considerado burocrát ico, t ardado,

desgast ant e y agot ador . La sit uación vivenciada es sufr ida y est r esant e, per o no hay ar r epent im ient o r espect o

a la donación de los órganos pues, aunque el dolor de la pérdida no t erm ine, la act it ud de la donación confort a

y t r ae sat isfacción.

DESCRI PTORES: t r asplant e de ór ganos; fam ilia; per cepción

1 Mest re em Enferm agem pela Escola de Enferm agem da Universidade de São Paulo, Enferm eiro da Organização de Procura de Órgãos do Hospit al das

Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e- m ail: m j osan1975@hot m ail.com ; 2 Professor Dout or da Escola de Enferm agem da

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I NTRODUÇÃO

N

o Brasil e no m undo, os avanços científicos, t ecnológicos, or ganizacionais e adm inist r at iv os t êm colabor ado par a o aum ent o ex pr essiv o do núm er o de t r ansplant es, em bor a ainda insuficient e, face à enorm e dem anda acum ulada de órgãos. No Brasil, a t a x a o b t i d a é d e 5 , 4 d o a d o r e s p o r m i l h ã o d e h a b i t a n t e s/ a n o( 1 ). Est u d o s e v i d e n ci a m q u e o s

profissionais de saúde e a população são predispostos à doação de órgãos e que exist e grande núm ero de p o t en ci ai s d o ad o r es, p o r ém , a r eal i d ad e m o st r a e l e v a d o n ú m e r o d e r e cu sa s, o q u e p o d e e st a r relacionado ao processo de doação( 2- 4).

O p r ocesso d e d oação é d ef in id o com o o con j u n t o de ações e pr ocedim en t os qu e con segu e transform ar um potencial doador em doador efetivo( 5).

O pot encial doador é o pacient e com diagnóst ico de m or t e encefálica, no qual t enham sido descar t adas cont ra- indicações clínicas que represent em riscos aos recept ores dos órgãos. Esse processo pode dem orar h or as ou d ias, o q u e p od e cau sar est r esse e ser t r a u m á t i co à f a m íl i a e , co m i sso , co m p r o m e t e r desfavor avelm ent e o núm er o de doações.

Per cebe- se qu e o en t en dim en t o da m or t e encefálica é um dos fatores que influi no processo de d oação d e ór g ãos, p ois, g er alm en t e, as f am ílias apenas ouvem falar desse conceit o quando um ent e quer ido evolui par a t al diagnóst ico, em decor r ência de um a lesão cerebral severa e súbita, o que dificulta a com preensão da idéia da cessação das funções do cé r e b r o e m u m se r a p a r e n t e m e n t e v i v o . O d e sco n h e ci m e n t o e / o u n ã o a ce i t a çã o d a m o r t e e n ce f á l i ca é co m p r e e n sív e l , u m a v e z q u e , classicam ente, a m orte era definida com o a cessação irreversível das funções cardíaca e respiratória, o que ger a r esist ên cia n ão som en t e n a popu lação, m as, t am bém , ent re os profissionais de saúde.

A m ort e é um event o, após o qual podem os e sp e r a r q u e o co r r a o l u t o( 6 ). O l u t o d e v e se r

co n si d e r a d o d u r a n t e o p r o ce sso d e d o a çã o . Os com port am ent os, sent im ent os, sint om as e cognições devem ser analisados e considerados ant es do início da ent r ev ist a, cabendo ao pr ofissional a per cepção sobre o estado em ocional do fam iliar e a identificação da int erferência que esse est ado pode acarret ar.

Após a confirm ação do diagnóst ico de m ort e encefálica, norm alm ente um m om ento bastante difícil para a fam ília, é que o processo de doação de órgãos, pr opr iam ent e dit o, t em início. Nesse m om ent o, os

co o r d e n a d o r e s d e t r a n sp l a n t e , n a m a i o r i a en f er m eir os, q u e t r ab alh am n as Or g an izações d e Pr ocu r a de Ór gãos ( OPOs) , f azem a av aliação do pot encial doador e, se viável, realizam a ent revist a fam iliar quant o à doação.

Par a a m an if est ação d o con sen t im en t o, é i m p o r t a n t e q u e o s f a m i l i a r e s t e n h a m o s esclar ecim en t os n ecessár ios sob r e o p r ocesso d e doação, incluindo o diagnóst ico de m ort e encefálica. No ent ant o, observa- se que m uit as fam ílias parecem t er dif icu ldades par a com pr een der as or ien t ações d ad as e q u e são n ecessár i as p ar a a t o m ad a d e decisão.

No Brasil, um país de dim ensões continentais, co m p o u co s cen t r o s t r an sp l an t ad o r es e g r an d es d i f e r e n ça s so ci a i s, cu l t u r a i s e r e l i g i o sa s, a s d if icu ld ad es r elacion ad as ao p r ocesso d e d oação t o r n a m - se a i n d a m a i o r e s. É e sse n ci a l h a v e r int egr ação ent r e os pr ofissionais env olv idos( 7) afim

de m elhorar a qualidade da assist ência ao pot encial doador e à sua fam ília, cont ribuindo, dessa m aneira, par a incr em ent ar a obt enção de ór gãos adequados para t ransplant e( 8). A doação de órgãos poderia ser

grandem ente facilitada se fosse priorizada e garantida boa qualidade de com unicação ent re os profissionais e a fam ília do doador( 4).

O conhecim ent o da percepção de fam iliares de doadores cadáveres sobre o processo doação de ór g ãos p ar a t r an sp lan t e, ap ós t er v iv en ciad o t al situação, contribui para a im plem entação e otim ização de ações que prom ovam a m elhoria da qualidade do processo de doação de órgãos para t ransplant e.

Assi m , e st e e st u d o t e v e co m o o b j e t i v o d esv el ar a p er cep ção d e f am i l i ar es d e d o ad o r es cadáv er es sobr e o pr ocesso de doação de ór gãos para t ransplant e.

TRAJETÓRI A METODOLÓGI CA

Para o alcance do obj etivo proposto, adotou-se a abor dagem qu alit at iv a, u t ilizan do a v er t en t e fenom enológica, m odalidade est rut ura do fenôm eno situado, segundo o referencial de Martins e Bicudo( 9).

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de Órgãos do m unicípio de São Paulo.

Os suj eit os que vivenciaram o fenôm eno e, dessa form a, part ícipes do est udo, são fam iliares de doador es cadáver es que acom panhar am o pr ocesso de doação. Os discu r sos f or am colet ados, após a aut orização da inst it uição, a aprovação do Com it ê de Ét i ca e m Pe sq u i sa e a a ssi n a t u r a d o Te r m o d e Co n sen t i m en t o Li v r e e Escl ar eci d o ( TCLE) p el o s suj eit os, com a seguint e quest ão nort eadora: “ Com o foi o processo de doação, considerando desde o início at é o final?”. Par t icipar am do est udo fam iliar es de set e d oad or es cad áv er es d e ór g ãos, q u e t in h am vivenciado o processo de doação no período de j unho de 2002 a j unho de 2003, sendo:

- um a t ia, 35 anos, superior com plet o, professora e cat ólica;

- um a irm ã, 42 anos, prim eiro grau com plet o, dona de casa e cat ólica;

- um a filha, 32 anos, superior com pleto, fisioterapeuta e cat ólica;

- u m p a i , 3 6 a n o s, se g u n d o g r a u co m p l e t o , com er ciant e e ev angélico;

- um irm ão, 34 anos, prim eiro grau com plet o, chefe de m arcenaria e cat ólico;

- um a irm ã, 61 anos, prim eiro grau com plet o, dona de casa e cat ólica;

- um a esposa, 56 anos, prim eiro grau com pleto, dona de casa e cat ólica.

As entrevistas foram feitas na residência dos p ar t icip an t es, p or solicit ação e con v en iên cia d os m e sm o s. As e n t r e v i st a s f o r a m g r a v a d a s co m o consent im ent o dos suj eit os, ex pr esso, inclusiv e no TCLE.

Par a a an álise do con t eú do dos discu r sos for am ut ilizadas as et apas m et odológicas pr opost as p o r Ma r t i n s e Bi cu d o ( o se n t i d o d o t o d o , a d i scr i m i n a çã o d a s u n i d a d e s d e si g n i f i ca d o , a t r a n sf o r m a çã o d a s e x p r e ssõ e s d o su j e i t o e m linguagem do pesquisador e a sínt ese das unidades de significado t ransform adas em proposições) .

Foi feita a análise ideográfica que corresponde à análise individual dos discursos. Buscou- se em cada discurso a essencialidade do processo de doação de ó r g ã o s, v i v e n ci a d o p o r f a m i l i a r e s d e d o a d o r e s ca d á v e r e s. Ap ó s a o b t e n çã o d a s u n i d a d e s d e significado, pr ocedeu- se à r edução fenom enológica, q u a n d o a s e x p r e ssõ e s d o s su j e i t o s f o r a m t ransform adas na linguagem do pesquisador.

Em seguida, foram ident ificadas e agrupadas as u n idades de sign if icado qu e apr esen t av am u m

t e m a co m u m . Assi m , e m e r g i r a m 5 t e m a s: “ A assist ên cia ao pacien t e”, “ A in f or m ação da m or t e encefálica e a solicit ação para a doação”, “A decisão e a autorização para a doação”, “A liberação do corpo” e “ Considerações pós- doação”. Após, r ealizou- se a análise nom ot ét ica que cor r esponde à ident ificação das idéias gerais contidas nas unidades de significado i n t e r p r e t a d a s e p o ssi b i l i t a co m p r e e n d e r a s co n v e r g ê n ci a s e d i v e r g ê n ci a s e n co n t r a d a s n a s descrições. O últ im o passo const it uiu- se na sínt ese, q u e e v i d e n ci o u a l g u n s a sp e ct o s e sse n ci a i s d o f en ôm en o.

CONSTRUI NDO OS RESULTADOS

As p r op osições q u e em er g ir am r ev elar am a l g u m a s d i m e n sõ e s e sse n ci a i s d o f e n ô m e n o , a p er cep çã o d e f a m i l i a r es d e d o a d o r es d e ó r g ã o s cadáveres sobre o processo de doação, realizado por um a Organização de Procura de Órgãos do m unicípio de São Paulo.

Foi revelado que as int ernações ocorrem de f or m a in esper ada e decor r em , pr in cipalm en t e, de causas t raum át icas, podendo ser, t am bém , devido a doenças congênit as ou adquiridas. Com a int ernação, a fam ília é inform ada sobre a ocorrência do fat o, a gr av idade do quadr o clínico e o r isco de m or t e do p acien t e. An t es m esm o d a in f or m ação m éd ica, a f a m íl i a , m u i t a s v e ze s, p e r ce b e a g r a v i d a d e d a sit uação e a proxim idade da m ort e do pacient e.

A fam ília con sider a a assist ên cia pr est ada durante a internação do paciente satisfatória, quando obser v a qu e o at en dim en t o é adequ ado e qu e os pr ofission ais est ão em pen h ados n o t r at am en t o do p a ci e n t e . A o b se r v a çã o d e q u e t o d o s r e cu r so s m at er iais e h u m an os, n ecessár ios à t en t at iv a d e r ecuper ação do pacient e, são ut ilizados, am eniza a angúst ia e confor t a a fam ília. Além da assist ência p r est ad a ao p acien t e, o cu id ad o d isp en sad o aos fam iliares, durante a internação, interfere na avaliação f eit a d a in st it u ição h osp it alar on d e o p acien t e é assistido. Quando há a crença na falta de assistência adequada ou o descontentam ento com o atendim ento pr est ado, os fam iliar es ficam r ev olt ados e desej am ex p r essar essa r ev olt a f azen d o a r eclam ação n o p r ó p r i o h o sp i t a l e / o u d i v u l g a n d o a si t u a çã o n a im prensa, com o intuito de que o paciente sej a tratado adequ adam en t e.

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n ecessár ios sob r e as ocor r ên cias com o p acien t e durant e o período de int ernação, fazendo com que, quando possív el, a fam ília solicit e a int er m ediação d e p e sso a s co n h e ci d a s p a r a a o b t e n çã o d e i n f o r m a çõ es. O p r o f i ssi o n a l m u d a a a t i t u d e e a post u r a qu an t o ao at en d im en t o do p acien t e e d a fam ília quando percebe que essa é esclarecida.

A f a m íl i a , m e sm o co m a i n f o r m a çã o d a ir r ev er sib ilid ad e d o q u ad r o d o p acien t e e com a cer t eza de qu e o pacien t e est á m or t o, m an t ém a esper ança de v ida do pacient e at é o m om ent o da confirm ação da m ort e encefálica.

A condição do pacient e ger a pensam ent os conflitantes, por um lado, há o desej o que o paciente sobreviva, por outro, a desconfiguração é tão grande que a essência do pacient e par ece não est ar m ais present e, em ergindo o desej o da m ort e do m esm o.

A dor sen t ida é m u it o in t en sa, n ão sen do d esej ad a n em m esm o aos d esaf et os. O t em p o é im port ant e para acost um ar- se com a idéia da m ort e do pacient e, condição que nem sem pr e é possív el, um a vez que a inform ação da m orte vem seguida da so l i ci t a çã o d e m a n i f e st a çã o d a d o a çã o , n ã o p o ssi b i l i t a n d o q u e o s f a m i l i a r e s e l a b o r e m e ssa r ealidade.

Quant o à inform ação da m ort e encefálica e a solicit ação da doação de órgãos, há a convocação da fam ília ao hospital, nesse m om ento, um profissional in for m a o diagn óst ico clín ico de m or t e en cefálica, ex p l i ca q u e é n ecessár i a a r eal i zação d e ex am e com plem ent ar para const at ar a m ort e, que o quadro é irreversível e que os órgãos funcionam com o auxílio de aparelhos e m edicações. A inform ação de que o p a ci e n t e e st á e m m o r t e e n ce f á l i ca g e r a d o r e desespero nos fam iliar es. A fam ília fica chocada ao r e ce b e r a i n f o r m a çã o d o d i a g n ó st i co d e m o r t e encefálica quando não há esclarecim ento prévio sobre a possibilidade de ocor r ên cia dessa sit u ação, j á a fam ília que é infor m ada sobr e o início dos ex am es para confirm ação do diagnóst ico t em a possibilidade de preparar- se para a m ort e do pacient e.

I m ediat am ent e após a inform ação da m ort e do pacient e, um pr ofissional coloca a possibilidade da doação de órgãos, averigua o conhecim ent o e o preparo da fam ília sobre a questão, explica o processo d e d o ação e aco n sel h a q u e o s f am i l i ar es sej am consult ados para a t om ada de decisão.

As p e sso a s q u e co m p r e e n d e m a m o r t e e n ce f á l i ca t ê m m a i o r f a ci l i d a d e e m p e n sa r n a possibilidade da doação de órgãos, m as aquelas que

não com preendem , ou que acreditam na possibilidade de reversão do quadro do pacient e, ficam irrit adas e espant adas ao ser em abor dadas quant o à doação. I n icialm en t e, a fam ília descon fia da solicit ação da doação de ór gãos, por acr edit ar qu e o qu adr o do pacient e possa ser r ever sível.

Um d o s m o t i v o s q u e co n t r i b u em p a r a a dificuldade na com pr eensão e/ ou não aceit ação do diagnóst ico de m or t e encefálica adv ém do fat o do p a ci e n t e a p r e se n t a r b a t i m e n t o s ca r d ía co s, m ovim ent os respirat órios e t em perat ura corpórea. A fam ília não percebe o pacient e com o m ort o e crê na possibilidade de reversão do quadro, evidenciando a necessidade de esclarecim ent os à população sobre o conceit o de m ort e encefálica e sua irreversibilidade, ant es da r ealização de cam panhas publicit ár ias em prol da doação de órgãos.

A fam ília é inform ada que, após a autorização da doação de órgãos, o potencial doador é transferido p a r a u m h o sp i t a l , q u a n d o n e ce ssá r i o , p a r a a r e a l i za çã o d o e x a m e co m p l e m e n t a r p a r a a confir m ação do diagnóst ico de m or t e encefálica. O coordenador de t ransplant e assegura que, caso esse diagnóst ico não se confirm e, a fam ília é com unicada. A fam ília inform ada do diagnóst ico clínico de m ort e encefálica e consciente da irreversibilidade do quadro, sent e- se t r anqüila e segur a quando é const at ada a m ort e at ravés do exam e com plem ent ar.

Quant o à decisão e à aut orização da doação de ór gãos, dem an da t em po a t om ada de decisão, pois a fam ília quer ter certeza de que tom ará a atitude correta. É difícil tom ar a decisão quanto à doação de ó r g ão s d ev i d o à d i f i cu l d ad e d e co m p r een são d o co n ce i t o d e m o r t e e n ce f á l i ca , à r e co r d a çã o d o com entário das pessoas de que m édicos m atam para r et ir ar os ór gãos, à im possibilidade de conhecer os r ecep t o r es, à i m p r essão d e est ar au t o r i zan d o o desligam ent o dos apar elhos e ao desconhecim ent o da vont ade do pacient e.

O desconhecim ent o do desej o do pacient e quant o à doação decorre da inexist ência de diálogo sobre o assunto. A ausência de diálogo sobre doação é atribuída à crença de que é rem ota a probabilidade da m ort e de algum m em bro da fam ília, ou pelo fat o de t er m edo da m ort e.

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ant es m esm o da conclusão do diagnóst ico de m ort e encefálica. A fam ília não quest iona o diagnóst ico de m orte encefálica, quando sabe que todos os recursos possív eis for am em pr egados com int uit o de que o p a ci e n t e se r e cu p e r a sse . A p o ssi b i l i d a d e d e acom panhar os exam es par a t al diagnóst ico ger a a segur ança de que a ex t r ação dos ór gãos som ent e ocorre após a confirm ação da m ort e.

O responsável legal sente- se tranqüilo quando a decisão é tom ada em com um acordo com a fam ília. Há f am iliar es qu e au t or izam a doação de ór gãos, respeitando a vontade do paciente, em vida, m as nem sem pre esse desej o é respeit ado. Nos casos em que a fam ília desconhece a vontade do paciente quanto à doação de órgãos, a decisão favorável é at ribuída ao desej o de aj udar pessoas, à consideração de que após a m ort e não deve haver apego à m at éria, à crença de qu e t odas as pessoas dev am ser f av or áv eis à doação, à consideração de que o paciente se sentiria feliz e concordaria com a doação, por t er sido um a pessoa bon dosa. A n ão au t or ização da doação de ór gãos é v ist a pelos f am iliar es com o u m a at it u de egoíst a e decorrent e da ignorância.

Qu an t o à lib er ação d o cor p o, a f am ília é i n f o r m a d a so b r e a p o ssi b i l i d a d e d e a t r a so s e in t er cor r ên cias n a r ealização d os ex am es p ar a o diagnóst ico de m or t e encefálica, sobr e o t em po de cirurgia necessário para a extração dos órgãos e sobre o encam inham ento do corpo ao I nstituto Médico Legal ( I ML) , nos casos de m ort e t raum át ica.

Nos casos d e m or t e t r au m át ica, t or n a- se necessário lavrar o bolet im de ocorrência do óbit o, a fim de que o delegado solicit e o t ransport e do corpo a o I ML, p a r a a r e a l i za çã o d a n e cr o p si a . As inform ações sobre com o proceder, onde ir e o tem po par a a liber ação do cor po são im pr ecisas, fazendo com que os fam iliares considerem que os únicos que são at enciosos e que dão inform ações claras são as pessoas que v endem o ser v iço funer ár io em fr ent e ao I ML. O longo tem po, os trâm ites e as inform ações contraditórias no processo de liberação do corpo pelo I ML causam t ranst ornos e incom odam os fam iliares. A sensação de im pot ência, diant e da única perspect iva “ esperar” pela liberação do corpo, causa est r esse na fam ília, que se encont r a cansada, sem en er gia e n u m est ado deplor áv el. Além disso, n a si t u ação d e esp er a p el a l i b er ação , o est r esse é intensificado e a situação torna- se insuportável quando ex ist e a possibilidade de at r aso ou a pr essão dos

dem ais m em bros da fam ília, que desej am a liberação rápida do corpo.

A fam ília usa os r ecur sos disponív eis par a ag i l i zar a l i b er ação d o cor p o p el o I ML, p od en d o solicit ar a int ervenção de pessoa influent e, pois há o desej o da resolução rápida dos problem as. A fam ília t em a im pressão que a liberação pode ser agilizada se com pr ado o ser v iço funer ár io que é v endido na port a do I ML.

Há fam ílias que não consideram a liberação do cor po com plicada, en t en den do a dem or a com o norm al e decorrent e da burocracia exist ent e.

Quant o às consider ações pós- doação, par a a f am ília, o p r ocesso d e d oação in icia- se com a in t er n ação do pacien t e e t er m in a som en t e com o sepult am ent o do m esm o. O pr ocesso de doação é bur ocr át ico, desor ganizado, dem or ado, desgast ant e e cansativo. Em bora a situação vivenciada sej a sofrida e est r essan t e, n ão h á ar r ep en d i m en t o q u an t o à doação dos órgãos, havendo, inclusive, a crença de q u e, se ocor r er n ov am en t e a sit u ação, a f am ília concordará com a doação.

São m encionados com o fat ores dificult adores d o p r o ce sso d e d o a çã o a n ã o co m p r e e n sã o d o con ceit o d e m or t e en cef álica, o asp ect o r elig ioso envolvido e a dem ora na liberação do corpo pelo I ML. O f at o d e con h ecer ou sab er q u e alg u ém necessita de um transplante sensibiliza o fam iliar e o t orna propenso à doação.

É m a n i f e st a d o o d e se j o d e co n h e ce r o s r e ce p t o r e s d o s ó r g ã o s d o a d o s. Essa v o n t a d e é j ust ificada pela necessidade da const at ação de que os ór gãos for am ut ilizados e beneficiar am pessoas, n ão h av en d o a in t en ção d e cr iar v ín cu lo com os r ecept or es ou causar t r anst or no. A fam ília lam ent a ao receber a inform ação sobre a im possibilidade de conhecer os r ecept or es.

O benefício funerário oferecido pela Prefeitura do m unicípio de São Paulo, após a doação de órgãos, é apontado com o aspecto positivo, pois aj uda a fam ília com as d esp esas d o f u n er al, m as é con sid er ad o insuficient e.

A assistência dispensada à fam ília do doador, p elos p r of ission ais d a Or g an ização d e Pr ocu r a d e Ór gãos e dem ais fu n cion ár ios do h ospit al, on de é r eal i zad a a cap t ação d o s ó r g ão s, é co n si d er ad a sat isfat ór ia.

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dada um a aj uda às fam ílias dos doador es, quando essas necessit am .

A consideração de que o pacient e não t eve um a m ort e e um a cerim ônia funeral digna ent rist ece o s f a m i l i a r e s. É n e ce ssá r i o t e r co r a g e m p a r a reconhecer o corpo no I ML, pois esse ato gera m uito sofrim ent o na fam ília.

A carta de agradecim ento da instituição, pela doação dos órgãos, gera felicidade, pela inform ação de qu e pessoas se ben ef iciar am com a doação, e t rist eza, pela recordação da m ort e do ent e querido. Qu an do o n ú m er o de ben ef iciados com a doação, infor m ado na car t a, não condiz com o núm er o de ór gãos doados, su r ge o qu est ion am en t o qu an t o à efet ivação do t ransplant e. Há a crença de que t odos os ór gãos doados são efet ivam ent e t r ansplant ados, ev idenciando a ausência de esclar ecim ent o sobr e a possibilidade de não ut ilização desses órgãos.

A p o ssi b i l i d a d e d e a l e g r a r p e sso a s q u e esperam por um t ransplant e, at ravés da doação de ór gãos, consola e r ecom pensa a fam ília, em bor a a dor não t er m ine. Há a m anifest ação do desej o da f a m íl i a d e a j u d a r a i n ce n t i v a r a d o a çã o p a r a

p o ssi b i l i t a r q u e a q u e l e s q u e n e ce ssi t a m d e u m t ransplant e cont inuem a viver.

SÍ NTESE

Foi desvelado que o processo de doação inicia-se com a int ernação do pacient e e t erm ina som ent e com o sepult am ent o do m esm o, sendo consider ado bur ocr át ico, dem or ado, desgast ant e e cansat iv o. É p e r ce b i d o co m o u m a si t u a çã o d e e m p e n h o , com plicações e esper ança no t r at am ent o adequado e recuperação do paciente; de choque, dor, desespero e dúvidas com a inform ação do diagnóstico de m orte encefálica; de espant o, irrit ação e desconfiança com a solicit ação da doação de órgãos; de dificuldade e insegurança na t om ada de decisão; de ansiedade na liberação do corpo e satisfação pela aj uda às pessoas por m eio da doação de órgãos. A situação vivenciada é sofrida e est ressant e, m as não há arrependim ent o quant o à doação dos órgãos, pois em bora a dor da per da não t er m ine, a at it ude da doação confor t a e t r az sat isfação.

REFERÊNCI AS BI BLI OGRÁFI CAS

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2. Abbud M Filho, Ram alho H, Pires HS, Silveira JA, At t it udes and awareness regarding organ donat ion in t he west ern region of São Paulo, Brazil. Transplant Proc 1995; 27( 2) : 1835- 95. 3. Abbud M Filho, Miyasaki COS, Ram alho HJ, Dom ingos N, Garcia R, Pucci F. Survey of concept s and at t it udes am ong h e a l t h ca r e p r o f e ssi o n a l s t o w a r d o r g a n d o n a t i o n a n d t ransplant at ion, Brazil. Transplant Pr oc 1997; 29( 8) : 3242-3 .

4 . St e i n A, Ho p e T, Ba u m JD. Or g a n t r a n sp l a n t a t i o n : approaching t he donor´ s fam ily. BMJ 1995; 1310: 1149- 50. 5 . Secr et ar i a d e Est ad o d a Saú d e d e São Pau l o . ( SP) . Coor denação do Sist em a Est adual de Transplant e. Doação de órgãos e t ecidos. São Paulo ( SP) : SES; 2002.

6. Parkes CM. Lut o, est udos sobre a perda na vida adult a. São Paulo ( SP) : Sum us; 1998.

7. Massarollo MCKB, Kurcgant P. O vivencial dos enferm eiros no program a de t ransplant e de fígado de um hospit al público. Rev Lat ino- am Enferm agem 2000 j ulho- agost o; 8( 4) : 66- 72. 8. Ferreira U. Capt ação de órgãos para t ransplant e. São Paulo ( SP) : Tecla Tipo; 1997.

9 . Ma r t i n s J, Bi cu d o MAV. A p e sq u i sa q u a l i t a t i v a e m psicologia: fundam ent os e recursos básicos. São Paulo ( SP) : Mor aes; 1 9 8 9 .

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