RevPaulPediatr.2015;33(1):42---49
www.rpped.com.br
REVISTA
PAULISTA
DE
PEDIATRIA
ARTIGO
ORIGINAL
Comportamento
alimentar
infantil:
comparac
¸ão
entre
crianc
¸as
sem
e
com
excesso
de
peso
em
uma
escola
do
município
de
Pelotas,
RS
Darlise
Rodrigues
dos
Passos
a,∗,
Denise
Petrucci
Gigante
a,
Francine
Villela
Maciel
ae
Alicia
Matijasevich
baUniversidadeFederaldePelotas(UFPel),Pelotas,RS,Brasil
bUniversidadedeSãoPaulo(USP),SãoPaulo,SP,Brasil
Recebidoem14demarçode2014;aceitoem10dejulhode2014 DisponívelnaInternetem3defevereirode2015
PALAVRAS-CHAVE
Obesidade;
Avaliac¸ãonutricional; Comportamento alimentar; Crianc¸a
Resumo
Objetivo: Avaliardiferenc¸asnocomportamentoalimentarinfantilemfunc¸ãodoestado
nutri-cional,dosexoedaidade.
Métodos: Oestudoincluiucrianc¸asnafaixadeseisadezanos, deambosossexos,deuma
escolaprivada emPelotas (RS),em 2012. Paraavaliarocomportamento alimentar usaram--seassubescalasdoquestionárioChildren’sEatingBehaviourQuestionnaire(CEBQ):resposta àcomida(FR),prazerdecomer(EF), desejodebeber(DD),sobreingestãoemocional(EOE), subingestãoemocional(EUE),respostaàsaciedade(SR),seletividade(FF)eingestãolenta(SE). Avaliou-seoestadonutricionalpormeiodoescore-zdoIMC/idade.
Resultados: Participaram 335 crianc¸as de 87,9±10,4 meses. Apresentaram eutrofia 49,3%
(n=163),sobrepeso26%(n=86),obesidade15%(n=50)eobesidadegrave9,7%(n=32).Crianc¸as comexcessodepesotiverammaiorpontuac¸ãonassubescalasde‘‘interessepelacomida’’(FR, EF,DD,EOE,p<0,001)emenorpontuac¸ãonassubescalasde‘‘desinteressepelacomida’’(SRe SE,p<0,001ep=0,003,respectivamente),secomparadascomascrianc¸ascompesoadequado. Nãoforamobservadasdiferenc¸asnocomportamentoalimentarsegundosexoeidade.
Conclusões: Observou-se que comportamentos alimentares que refletem ‘‘interesse pela
comida’’estãoassociadospositivamenteaoexcessodepeso,masnãofoiencontradaassociac¸ão comosexoeaidadedacrianc¸a.
©2014Associac¸ão dePediatriade SãoPaulo.Publicado porElsevier EditoraLtda.Todosos direitosreservados.
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:darlise.passos@gmail.com(D.R.Passos). http://dx.doi.org/10.1016/j.rpped.2014.11.007
KEYWORDS
Obesity; Nutritional assessment; Feedingbehavior; Child
Children’seatingbehaviour:comparisonbetweennormalandoverweightedchildren inaschoolofPelotas,RioGrandedoSul,Brazil
Abstract
Objective: Toevaluatedifferencesinchildren’seatingbehaviorasafunctionoftheirnutritional
status,sexandage.
Methods: Male andfemalechildren agedsixto tenyearswereincluded. Theywere
recrui-ted fromaprivate schoolinthecity ofPelotas, southernBrazil,in2012. Children’sEating Behaviour Questionnaire(CEBQ)subscaleswere usedtoassesseatingbehaviours:Food Res-ponsiveness(FR),EnjoymentofFood(EF),DesiretoDrink(DD),EmotionalOvereating(EOE), EmotionalUndereating(EUE),SatietyResponsiveness(SR),Fussiness(FF)andSlownessinEating (SE). Age-adjusted body mass index (BMI) z-scores were calculated according to the WHO recommendationstoassessnutritionalstatus.
Results: The study samplecomprised 335 children aged87.9±10.4months and49.3% were
normal weight (n=163), 26% overweight (n=86), 15%obese (n=50) and 9.7%severely obese (n=32).ChildrenwithexcessiveweightshowedhigherscoresontheCEBQsubscalesassociated with‘‘foodapproach’’(FR,EF,DD,EOE,p<0.001)andlowerscoresontwo‘‘foodavoidance’’ subscales(SRandSE,p<0.001andp=0.003,respectively)comparedtonormalweightchildren.
Conclusions: ‘‘Food approach’’ subscales were positively associated to excessive weight in
children.Significantageandgenderdifferencesineatingbehaviourswerenotfound. © 2014Associac¸ão dePediatria deSãoPaulo. Publishedby Elsevier EditoraLtda. Allrights reserved.
Introduc
¸ão
Oestudodocomportamentoalimentarocupapapelcentral naprevenc¸ãoenotratamentodasdoenc¸ascrônicas associa-dasaumaalimentac¸ãoinadequada.1Dentreelasdestaca-se
aobesidade,queéoprincipalagravonutricionalenfrentado
empaísesdesenvolvidoseemdesenvolvimento.2Em2008,
aproximadamente33%dascrianc¸asbrasileirasentrecincoe
noveanosdeidadeapresentavamexcessodepesoe14%já
estavamobesas.3
Estudos têm apontado diferenc¸as em várias dimensões
do comportamento alimentar entre crianc¸as com e sem
excessodepeso.4-17 Acredita-sequecrianc¸ascomexcesso
depesosejammaisresponsivasaestímulosexternos
presen-tesnoambiente(porexemplo,saborecordosalimentos),
demonstrem maiorprazer ao comer e apresentem menor
capacidadederespostaàsaciedadesecomparadascomas
crianc¸ascompesosaudável,oquefazcomqueelascomam
emmaiorquantidadeenaausênciadefomeedemonstrem,
assim,ummaiorinteressepelacomida.4,5,11,13,16Alémdisso,
têmo hábito de comerparalidarcom diferentesestados
emocionais(alegria,ansiedadeeestresse),4,5,13ingerem
fre-quentementebebidasac¸ucaradasaolongododiaecomem
maisrapidamente.14,15 Poroutro lado,crianc¸as combaixo
pesoparecemsermaisseletivasemrelac¸ãoàalimentac¸ão,
consomemrefeic¸õespequenas,comumnúmerorestritode
alimentose maislentamentee refletem,assim,um
desin-teressepelacomida.4,13
Sabe-se que o comportamentoalimentar comec¸a a ser
formado desde os primeiros anos de vida18 e os hábitos
alimentares da idade adulta estão relacionados com os
aprendidos na infância.19 Além disso, mudanc¸as de
com-portamento com o avanc¸ar da idade tendem a ser mais
difíceis deser alcanc¸adas.20 Essascondic¸ões demonstram
aimportânciadeseinvestigarcomportamentosalimentares
em idadesprecoces e sugeremque ac¸ões voltadas paraa
promoc¸ãodehábitosalimentaressaudáveisdeveriamincidir
commaiorênfasenainfância.Faceaoexposto,oobjetivo
dopresenteestudofoiavaliardiferenc¸asnocomportamento
alimentardeacordo como estadonutricional, osexoe a
idadedecrianc¸asdeseisadezanosdeumaescolaprivada
nomunicípiodePelotas.
Método
Estudotransversal,feitoemumaescolaprivadado municí-piodePelotas(RS),demaioajunhode2012.Foramincluídas noestudotodasascrianc¸asnafaixaetáriaentreseisedez anos, matriculadas no 1◦, 2◦ ou 3◦ ano do ensino
funda-mental,cujospaisouresponsáveisderamautorizac¸ãopara participar dapesquisa (359 crianc¸as). Foram excluídas as crianc¸asseminformac¸ãoantropométrica.
O desfecho estudado foi o comportamento alimen-tar, avaliado por meio da percepc¸ão subjetiva dos pais acerca do comportamento de seus filhos ao responde-rem o questionário CEBQ (Children’s Eating Behaviour Questionnaire)4 traduzido e validado para uma amostra
de crianc¸as portuguesas.5 Esse questionário contém 35
perguntasdivididasemoitosubescalas,demodoque
qua-tro subescalas investigam comportamentos que refletem
‘‘interesse pela comida’’ --- resposta à comida (FR),
pra-zerde comer(EF), desejo debeber (DD) e sobreingestão
emocional(EOE)--- e asoutrasquatrosubescalasrefletem
comportamentosde ‘‘desinteressepela comida’’ ---
subin-gestãoemocional(EUE),respostaàsaciedade(SR),ingestão
lenta(SE)eseletividade(FF).Exemplosdeperguntas
44 PassosDRetal.
filhopassariaamaiorparte dotempocomendo’’(FR),‘‘O
meufilho adoracomer’’ (EF), ‘‘Setivessea oportunidade
o meufilho passaria o dia bebendocontinuamente
(refri-gerantes ou sucos adoc¸ados)’’ (DD), ‘‘O meu filho come
maisquandoestáansioso’’(EOE),‘‘Omeufilhocomemenos
quandoestácansado’’(EUE),‘‘Omeufilhoficacheioantes
determinararefeic¸ão’’(SR),‘‘Omeufilhocomecadavez
maisdevagaraolongodarefeic¸ão’’(SE)e‘‘Perantenovos
alimentosomeufilhocomec¸aporrecusá-los’’(FF).Os
ques-tionáriosforamenviadospormeiodasprofessorasparaque
ospais ouresponsáveispelas crianc¸as os preenchessem e
assinalassemasrespostasemumaescaladeLikertdecinco
pontos,conformeafrequênciacomqueseusfilhos
apresen-tamcadacomportamento.Apontuac¸ãovariade1a5:nunca
(1),raramente(2),àsvezes(3),frequentemente(4)e
sem-pre(5).Soma-seapontuac¸ãodasperguntaspertencentesà
mesmasubescala,deformaquecadasubescalaapresentará
umvalormédioedesviopadrão.Noscasosdequestõesnão
respondidas,foi feitocontato telefônico afim deobtera
informac¸ão.
Na escola, foram coletadas as medidas
antropométri-casdepeso e altura,por nutricionistasouacadêmicosde
nutric¸ãopreviamentetreinadosepadronizados.Ascrianc¸as
foram pesadas com roupas leves e descalc¸as, em uma
balanc¸adigitaldebioimpedância(Tanita®)comcapacidade
de 150kg e precisão de 100g. A estatura foi obtida com
estadiômetrovertical portátil (Alturexata®) com213cme
precisãode0,1cm.Oestadonutricionaldascrianc¸asfoi
ava-liadopormeiodoescore-zdeíndicedemassacorporalpara
idade (IMC/I)e classificado, conforme ospontos decorte
propostospelaOrganizac¸ão MundialdaSaúde(OMS),21 em
cincocategorias:magreza,eutrofia,sobrepeso, obesidade
eobesidadegrave. Parao cálculodoescore-zfoiusadoo
softwareAnthroPlus®,daOMS.21
Avariávelidadefoicoletadadeformacontínuaemmeses
eposteriormentecategorizadanasseguintesfaixas:<sete
anos,entresete-7,9anoseoitoanosoumais.Paraavaliar
aescolaridadedospaisdeterminou-seopercentualdepais
emãesquetinhamnívelsuperiorcompleto.
Os dados coletados foram duplamente digitados no
EpiData® etodasasanálises feitasnoStata® versão12.0.
Fez-se análise descritiva dos dados por meio de média e
desviopadrãoparaasvariáveiscontínuaseproporc¸õespara
asvariáveis categóricas. Para comparar a média de
pon-tosobtida emcadaumadassubescalasdoCEBQconforme
ascategoriasdasdiferentesvariáveisdeexposic¸ão(estado
nutricional,sexoefaixaetária),usou-seanálisedevariância
(Anova).Foifeitotestedetendêncialinearparamostrara
variac¸ãodapontuac¸ãodassubescalasdoCEBQnas
diferen-tescategoriasdoescore-zdeIMC.Fez-searegressãolinear
paraavaliaraassociac¸ão entreo escore-zdeIMC/idadee
asmédiasdassubescalascomcontroleparapotenciais
fato-resdeconfusão:sexo eidade dascrianc¸as eescolaridade
dospais.Avariávelescore-zdeIMC(categorizada)foi
rela-cionadacomavariávelsexocomtabelasdecontingência.
Foramcalculadasasrespectivasprevalênciasdecrianc¸asem
cadaumadascategoriasdeescore-zdeIMCecomparadas
asprevalênciasentreosexofemininoemasculino.Os
tes-tesestatísticos forambaseadosnotestedequi-quadrado.
Adotou-seníveldesignificânciade5%.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pes-quisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
p = 0,002
p = 0,002
p = 0,574 p = 0,001
57%
41%
28% 24%
16% 14% 15%
5%
Eutrofia Sobrepeso Obesidade Obesidade grave
Masculino Feminino
Cr
ianças a
valiadas (%)
Figura 1 Estadonutricionalde crianc¸as deseis adezanos deumaescolaprivada,conformesexo(n=331).Pelotas(RS), 2012.
dePelotas,sobprotocolon◦ 26/2012.O termode
consen-timentolivree esclarecidofoiassinadopelosresponsáveis pelascrianc¸as.
Resultados
Participaram 335 crianc¸as, 93,3% dos alunos matriculados nas séries incluídas no estudo (total de recusas: 6,7%). Verificou-seque51,3%dascrianc¸aseramdosexofeminino, 94,3%tinhamcordepelebrancaeamaioriatinhapaiscom nívelsuperiorcompletodeescolaridade(75,7%dasmãese 63,7%dospais,dototalderesponsáveisquepreencheram o questionário).Amédiade idadedapopulac¸ãoestudada foi de 87,9 meses (±10,4), ostrês grupos etários tinham aproximadamenteomesmotamanho:menoresdeseteanos (n=134), entre sete-7,9 anos (n=119) e oito anos oumais (n=82).
Com relac¸ão ao estado nutricional das crianc¸as, encontrou-se prevalência de sobrepeso de 26%, seguida de 15% de obesidade e 10% de obesidade grave. Assim, é interessante observar que metade da populac¸ão avali-ada (51%) apresentou algum grau de excesso de peso. O sobrepesoeaobesidadegraveforammaisfrequentesentre os meninos,quando comparados comas meninas(28% de sobrepeso versus24%,p=0,002;e 15% deobesidadegrave versus5%, p=0,001,entremeninose meninas, respectiva-mente)(fig.1).Detectou-seque49%dascrianc¸asestavam
eutróficas, condic¸ão maisfrequenteentre asmeninasem
relac¸ãoaos meninos(57%versus 41%, p=0,002). Nenhuma
das crianc¸as avaliadasapresentoumagreza pelaavaliac¸ão
doIMC/idadenanossaamostra.
A tabela 1 apresenta a pontuac¸ão obtida nas
subes-calas do CEBQ segundo as categorias de escore-z de
IMC/idade, o sexo e a faixa etária apresentados pelas
crianc¸as. Verificou-se que todas as subescalas mostraram
associac¸ãosignificativacomoestadonutricional,excetoas
subescalas‘‘seletividadealimentar’’e‘‘subingestão
emoci-onal’’(p=0,254ep=0,637,respectivamente).Constatou-se
quetodasassubescalasde‘‘interessepelacomida’’
apre-sentaram maiorpontuac¸ão nas categoriasde obesidadee
obesidade grave (fig. 2). De maneira oposta, dentre as
subescalasquerefletem‘‘desinteressepelacomida’’,duas
delas---‘‘respostaàsaciedade’’e‘‘ingestãolenta’’---
alimentar
infantil:
comparac
¸ã
o
entre
crianc
¸a
s
sem
e
com
excesso
de
peso
45
Tabela1 Média±desviopadrãodassubescalasdoCEBQadeacordocomascategoriasdeíndicedemassacorporalparaidade(IMC/idade)b,osexoeaidadedascrianc¸as Respostaà
comida (FR)
Prazerde comer (EF)
Sobreingestão emocional (EOE)
Desejode beber (DD)
Respostaà saciedade (SR)
Ingestãolenta
(SE)
Seletividade
(FF)
Subingestão emocional (EUE)
IMC/idade(n=331)
Eutrofia(n=163) 1,87(0,56) 2,82(0,78) 1,72(0,66) 2,48(1,03) 3,07(0,60) 2,79(0,57) 2,98(0,33) 2,63(0,92) Sobrepeso(n=86) 2,10(0,68) 3,03(0,75) 1,97(0,81) 2,52(1,05) 2,88(0,52) 2,62(0,59) 2,98(0,25) 2,68(0,82) Obesidade(n=50) 2,80(0,93) 3,55(0,81) 2,68(0,96) 2,76(1,17) 2,93(0,42) 2,69(0,45) 3,06(0,25) 2,63(0,82) Obesidadegrave(n=32) 3,33(0,93) 3,94(0,77) 2,74(1,02) 3,38(1,17) 2,61(0,49) 2,43(0,46) 2,94(0,29) 2,45(0,82) pc <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 0,003 0,254 0,637
pd <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 0,752 0,450 Sexo(n=335)
Masculino(n=163) 2,26(0,83) 3,10(0,86) 2,12(0,87) 2,80(1,11) 2,97(0,55) 2,72(0,57) 2,99(0,28) 2,70(0,85) Feminino(n=172) 2,17(0,87) 3,08(0,87) 1,95(0,90) 2,47(1,07) 2,94(0,58) 2,68(0,54) 2,99(0,31) 2,58(0,90) pc 0,377 0,857 0,070 0,005 0,643 0,490 0,894 0,199 Idade(n=335)
<7anos(n=134) 2,15(0,79) 3,04(0,90) 1,94(0,84) 2,56(1,10) 3,00(0,57) 2,81(0,57) 2,97(0,32) 2,68(0,86) 7-7,9anos(n=119) 2,26(0,87) 3,11(0,90) 2,11(0,90) 2,76(1,08) 2,96(0,54) 2,66(0,56) 3,00(0,27) 2,61(0,86)
≥8anos(n=82) 2,25(0,90) 3,15(0,74) 2,08(0,92) 2,58(1,14) 2,88(0,58) 2,55(0,49) 3,00(0,28) 2,60(0,90) pc 0,529 0,602 0,279 0,319 0,313 0,002 0,717 0,751
a CEBQ,Children’sEatingBehaviour(questionárioparaavaliarocomportamentoalimentarinfantil.
b Classificac¸ãoconformepontosdecortepreconizadospelaOrganizac¸ãoMundialdaSaúde(2007)paracrianc¸asmaioresdecincoanos.
c ValorppelotesteAnova.
46 PassosDRetal.
Eutrofia Sobrepeso Obesidade
categoria IMC
categoria IMC
Obesidade grave
Eutrofia Sobrepeso Obesidade Obesidade grave 4,50
4,00
3,50
3,00
2,50
2,00
1,50
1,00
0,50
0,00
4,50 4,00 3,50 3,00 2,50 2,00 1,50 1,00 0,50
0,00
P
ontuação média nas subescalas
do CEBQ
P
ontuação média nas subescalas
do CEBQ
Resposta à comida (FR) Prazer em comer (EF) Sobre ingestão alimentar (EOE) Desejo de beber (DD)
Resposta à saciedade (SR) Ingestão lenta (SE) Seletividade (FF)
Sub ingestão emocional (EUE)
A
B
Figura2 Pontuac¸ãomédiadassubescalasde‘‘interessepelacomida’’(A)ede‘‘desinteressepelacomida’’(B)doCEBQ,conforme ascategoriasdoíndicedemassacorporaldascrianc¸as(n=331).Pelotas,RS,2012.
enquantoparaasoutrasduas---‘‘seletividadealimentar’’e ‘‘subingestãoemocional’’---nãofoiobservadatendência sig-nificativanavariac¸ãodospontosconformeascategoriasde escore-zdeIMC/idade(fig.2).
De modo geral, o comportamento alimentar foi muito
semelhanteentreosmeninoseasmeninas.Aúnica
subes-calaqueapresentoudiferenc¸aentreossexosfoia‘‘desejo
debeber’’.Amédiadepontosfoisignificativamentemaior
entreosmeninoscomparados comasmeninas(2,80±1,11
versus2,47±1,07,respectivamente,p=0,005)(tabela1).O
comportamentoalimentarfoi muitoparecido em todasas
faixasetáriaseapenasasubescala‘‘ingestãolenta’’
apre-sentoudiferenc¸asignificativaentreascategoriasdeidade.
Houve umadiminuic¸ão nos pontos dessasubescala com o
aumentodaidade(tabela1).
Fez-seanálisemultivariadadaassociac¸ãoentrecadauma
dassubescalaseascategoriasdeescore-zdeIMCcomajuste
paraasvariáveissexoe idadedascrianc¸as eescolaridade
dospais(tabela2).Osresultadosobtidosna análisebruta
paracadaumadassubescalasnãosemodificouapósajustee
manteve-seaassociac¸ãoentretodasassubescalasdoCEBQ
eascategoriasdeescore-zdeIMC,excetoparaas
subesca-las‘‘seletividade alimentar’’e ‘‘subingestão emocional’’,
comohaviasidoobservadonatabela1.
Discussão
Osachados dopresente estudo sugeremque o comporta-mentoalimentarestevefortementeassociadocomoestado nutricionaldacrianc¸a.Crianc¸ascomexcessodepeso apre-sentarammaiorpontuac¸ãoemtodasassubescalasdoCEBQ
querefletem‘‘interesse pelacomida’’emenorpontuac¸ão nas subescalas que refletem ‘‘desinteresse pela comida’’ quandocomparadascomascrianc¸aseutróficas.Demaneira geral,nãoforamobservadasdiferenc¸asnocomportamento alimentar entre meninos e meninas, nem em func¸ão da idade.
Ascrianc¸ascomexcessodepesodemonstraramtermaior respostaàcomida,prazerdecomer,aumentodaingestão dealimentosemfunc¸ãodoestadoemocionalemaiordesejo porbebidase,poroutrolado,menorcapacidadederesposta àsaciedadeepadrãodeingestãomaisrápidoquando com-paradascomascrianc¸aseutróficas.Resultadossemelhantes foram encontrados previamente em estudos4-7,13 que
usa-ramoCEBQparacompararocomportamentoalimentarem
amostrasdecrianc¸aseadolescentesingleses,portuguesese
holandeses.
Observou-sequeascrianc¸ascommaiorIMC/idade
obti-verampontuac¸õesmaiselevadasnassubescalas‘‘prazerde
comer’’e‘‘respostaàcomida’’,oquecoincidecomestudos
queapontamque crianc¸as comexcessodepeso têm
inte-resseaumentadoporcomidaeumacapacidadederesposta
maispronunciadaàinfluênciadosatributosexternosdos
ali-mentos, taiscomo sabor, cor e aroma.4,6,7,13,22 Essasduas
dimensõesdocomportamentoalimentartambémsão
inves-tigadasnoDutchEatingBehaviorQuestionnaireforChildren
(DEBQ-C),10nasubescala‘‘comerexterno’’,queindicouque
crianc¸ascomexcessodepesopontuarammaispara‘‘comer
externo’’doqueaquelascompesonormal(p=0,02),
seme-lhantementeaosachadosdopresenteestudoestudo.
Verificou-sequeascrianc¸ascom maiorIMC/idade
obti-veram pontuac¸õesmaiselevadas nasubescala‘‘desejode
alimentar
infantil:
comparac
¸ã
o
entre
crianc
¸a
s
sem
e
com
excesso
de
peso
47
Tabela2 Análisederegressãolinearparaosescores-zdeIMC(categoriadereferência:eutrofia)nassubescalasdoCEBQ(n=331)
Subescalas Coeficientebruto(EP) pa Coeficienteajustadob(EP) pa
Sobrepeso Obesidade Obesidadegrave Sobrepeso Obesidade Obesidadegrave
Respostaàcomida (FR)
0,22(0,09) 0,93(0,11) 1,46(0,13) <0,001 0,22(0,10) 0,93(0,12) 1,49(0,14) <0,001
Prazerdecomer (EF)
0,21(0,10) 0,73(0,12) 1,11(0,15) <0,001 0,21(0,10) 0,76(0,13) 1,16(0,15) <0,001
Sobreingestão emocional(EOE)
0,25(0,10) 0,96(0,13) 1,02(0,15) <0,001 0,21(0,11) 0,94(0,13) 1,00(0,16) <0,001
Desejodebeber (DD)
0,04(0,14) 0,28(0,17) 0,89(0,21) <0,001 0,05(0,14) 0,24(0,18) 0,75(0,21) <0,001
Respostaà saciedade(SR)
−0,18(0,07) −0,14(0,09) −0,46(0,11) <0,001 −0,19(0,07) −0,14(0,09) −0,48(0,11) 0,002
Ingestãolenta(SE) −0,17(0,07) −0,10(0,09) −0,36(0,11) 0,003 −0,15(0,07) −0,09(0,09) −0,36(0,11) <0,001 Seletividade(FF) −0,0009(0,04) 0,08(0,05) −0,04(0,06) 0,254 −0,004(0,04) 0,09(0,05) −0,05(0,06) 0,480 Subingestão
emocional(EUE)
0,05(0,12) −0,005(0,14) −0,18(0,17) 0,637 0,03(0,12) −0,01(0,14) −0,21(0,17) 0,811
EP,erro-padrão.
a ValorppelotestedeWald.
48 PassosDRetal.
consigobebidascombaixovalornutricionalealtadensidade energética (refrigerantes e sucos adoc¸ados). Estudos23,24
têmdemonstrado umaassociac¸ão positivaentre consumo
debebidasac¸ucaradasevaloresdeIMC,oquesugereque
umdeclínionoconsumoderefrigerantespoderiaresultarem
umareduc¸ãononúmerodecrianc¸ascomexcessodepeso.
As crianc¸as com excesso de peso exibiram pontuac¸ão
mais elevada na subescala ‘‘sobreingestão emocional’’
quandocomparadas comas eutróficas, maspara a
subes-cala‘‘subingestãoemocional’’nãofoiencontradadiferenc¸a
significativaentreosgrupos,semelhantementeaosachados
doestudodeWebberetal.13 Nossos resultadosaumentam
adiscussão acercadarelac¸ão entreingestão emocionale
estado nutricional. Tanofsky-Kraff et al.12 desenvolveram
uma escala específica para avaliar o comportamento de
ingestãoemocional(EmotionalEatingScaleadaptedfor
chil-drenandadolescents---EES-C)e,ao estudarumaamostra
dejovenscomesemexcessodepeso,verificaramquenão
houveassociac¸ãoentreingestãoemocionaleopeso
corpo-ral.Por outrolado,estudosqueusaram oCEBQ apontam,
demaneirageral,queasobreingestãoemocionalestá
posi-tivamente associada com o IMC, enquanto a subingestão
emocionalnegativamenterelacionadacomoIMC.5,6
AssubescalasdoCEBQquerefletem‘‘desinteressepela
comida’’ (resposta à saciedade, ingestão lenta,
subinges-tão emocional e seletividade alimentar) parecem melhor
caracterizar o comportamentoalimentar de crianc¸as com
baixo peso.4-7,13 Nosso estudo, mesmo não tendo
encon-tradocrianc¸acombaixopeso,conseguiuobservardiferenc¸a
significativanapontuac¸ãodassubescalas‘‘respostaà
saci-edade’’e‘‘ingestãolenta’’entrecrianc¸ascomexcessode
pesoeeutróficas,emboraparaassubescalas‘‘seletividade
alimentar’’e‘‘subingestãoalimentar’’nenhumadiferenc¸a
tenhasidoencontrada.
As crianc¸as com excesso de peso tiveram menor
pontuac¸ão na subescala ‘‘resposta à saciedade’’ quando
comparadascomaseutróficas,oquevaideencontroàideia
deque umadiminuic¸ão na resposta à saciedade torna as
crianc¸as menoscapazes deregular o consumo de
alimen-tos e contribui para o ganho de peso excessivo.5-7,13,16,22
Estudos25-27 apontamque as estratégias que os paisusam
parafazercomqueosfilhoscomam arefeic¸ão ou
experi-mentemnovosalimentospodemdificultaraaprendizagem
dacapacidadederegulac¸ãodoapetite.Nopresenteestudo,
ascrianc¸ascomexcessodepesoexibirammenorpontuac¸ão
nasubescala‘‘ingestãolenta’’,oquedemonstraumpadrão
dealimentac¸ãomaisrápida.Estudoexperimental14avaliou
ocomportamentoalimentarde80crianc¸asentreoitoe12
anosduranteumarefeic¸ão-testeemlaboratórionapresenc¸a
dasmãesedemonstrouquecrianc¸ascomsobrepeso
come-rammaisrapidamenteecom tamanhodemordidasmaior
quando comparadas com as com peso adequado. Outro
estudo experimental semelhante, feito por Berkowitz et
al,15verificouqueocomportamentodeingestãoalimentar
rápida,caracterizadoporummaiornúmerodemordidaspor
minutodurantearefeic¸ão,foideterminante parao ganho
depeso excessivoenasmudanc¸as noIMCdos quatropara
osseisanos,enquantofatorescomotaxadeconsumo
caló-ricoeouavisosrecebidospelospaisdurantearefeic¸ãonão
interferiramnoganhodepeso.
Demaneirageral,meninosemeninasapresentaram
com-portamentoalimentarmuitosemelhanteem nossoestudo,
houvediferenc¸ana médiadepontosapenasparaa
subes-cala‘‘desejodebeber’’,naqualosmeninostiverammaior
pontuac¸ão. Issocoincide comestudo português7 que
ava-liou 249jovensentretrês e13anos. Essecomportamento
vemsendoapontadoentreasprováveiscausasdoaumento
daobesidadeinfantil.23,24 Nopresenteestudo,osmeninos
apresentaramsimultaneamentemaiorinteresseporbebidas
ac¸ucaradas e maiorprevalência de sobrepeso e de
obesi-dade grave.Aspesquisasaindanãomostramconsensoem
relac¸ãoàvariac¸ãodocomportamentoalimentaremfunc¸ão
do sexo da crianc¸a.4-6 No estudo de validac¸ão doCEBQ,4
osautorestambémnãoencontraramdiferenc¸asde
compor-tamentoentreossexosediscutemque,provavelmente,é
duranteaadolescênciaqueseobservammaioresdiferenc¸as
entremeninosemeninas,vistosernessafasequeas
meni-nascomec¸amasepreocuparcomaautoimagemcorporal,
oquelevaaatitudesderestric¸ãoalimentareaumentodo
cuidadocomaestética.28,29
No presente estudo não foram observadas diferenc¸as
nocomportamento alimentar conforme a faixaetária das
crianc¸as,excetoparaasubescala‘‘ingestãolenta’’,naqual
apontuac¸ãodiminuiucomoaumentodaidade,oquesugere
que ascrianc¸as maisvelhastendema comermais
rapida-mente.Estudo5queavalioujovensemumafaixaetáriamais
ampla(3-13anos)conseguiuobservardiferenc¸as
significati-vasemtodasassubescalasdoCEBQconformeaidade,com
excec¸ãodassubescalas‘‘subingestãoemocional’’e‘‘desejo
debeber’’.Algunsestudos4,5,30discutemque,àmedidaque
ascrianc¸ascrescemetêmautonomiaparaescolhero que
desejamcomereemqualquantidade,seucomportamento
alimentartendeasofrermudanc¸as,dentreelasumaumento
navelocidadedeingestão.
A relevância do presente estudo deve-se ao fato de
ser um dos primeiros trabalhos em nosso país a
investi-gar aspectos psicobiológicos docomportamentoalimentar
infantil pormeio deum questionáriovalidado
internacio-nalmente (CEBQ). Diferentemente de outros estudos que
usam a metodologia de envio de questionários para
pre-enchimentopelospais,nossoestudoobteveumaalta taxa
de respostas (93%). No entanto, a presente pesquisa tem
algumaslimitac¸ões quedevem serconsideradas.A
princi-paldelasdizrespeitoàamostradeconveniência,aqualse
restringiuacrianc¸as pertencentesaumaúnicaescola
pri-vada domunicípio dePelotas. Crianc¸as combaixo peso e
menornívelderendanãoestãorepresentadasnesteestudo.
Necessita-se, assim, de cautela para a generalizac¸ão dos
dadosaquiencontradosparaoutraspopulac¸ões.Cabe
des-tacar que o comportamento das crianc¸as foi avaliado por
meio dapercepc¸ão subjetiva dos pais, usada como proxy
docomportamentoalimentar,pormeiodeumquestionário
validado em umaamostrade crianc¸as portuguesas,e não
brasileiras.Alémdisso,odelineamentotransversalacarreta
umalimitac¸ãonainferênciacausal,umavezquenãoé
pos-sívelverificarseoscomportamentosalimentaresanalisados
foramdeterminantesouconsequênciadoexcessodepeso.
Pesquisasqueinvestigamfatoresassociadosao excesso
de peso infantil, aindahoje, centram-se nos
determinan-tesbiológicosedoestilodevida,sem,contudo,considerar
aspectos do comportamento alimentar que podem estar
envolvidos nesse processo. Nossos resultados apontam a
existência deinúmerasdiferenc¸as comportamentaisentre
encontradadiferenc¸anocomportamentoalimentarentreos
sexose nemem func¸ão daidade. Ressalta-sequeestudos
comdelineamentolongitudinalsãonecessáriospara
fortale-cerabasedeevidênciassobreopapeldoscomportamentos
alimentaresnaetiologiadaobesidadeeparaacompreensão
daspossíveisdiferenc¸ascomportamentaisdeacordocomo
sexoeafaixaetáriadacrianc¸a.Osresultadosaqui
encon-tradospoderãoauxiliarnodesenvolvimentodeintervenc¸ões
nutricionais efetivasparaapromoc¸ãodecomportamentos
alimentares saudáveis entre as crianc¸as e na reduc¸ão do
excessodepesoinfantilemnossopaís.
Financiamento
Bolsa de mestrado do Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil processo: 558620/2010-8.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
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