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O diagnóstico em psicanálise: do fenômeno à estrutura.

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Academic year: 2017

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RES UMO:Este artigo desenvolve a questão do diagnóstico em psica-nálise a partir de estudos feitos na pesquisa sobre o tem a. Inicial-m ente, aborda-se a própria concepção de pesquisa eInicial-m psicanálise e, a seguir, situa-se o conceito de estrutura, tal com o formulado por Lacan, no cerne da discussão. Finalm ente, apresenta-se a construção de um caso clínico para m elhor localizar a relação entre fenôm eno e estru-tura.

Palavras - chave : psicanálise, diagnóstico, estrutura.

ABSTRACT:Diagnosis in psychoanalysis: from phenom enon to struc-ture. This article develops the issue of diagnosis in psychoanalysis based on research work done on this subject. After dealing w ith the very conception of research in psychoanalysis, we settle the concept of structure, as form ulated by Lacan, in the core of the discussion. Finally, we present a clinical case form ulated in order to situate better the relation between phenom enon and structure.

Ke y w o rds : psychoanalysis, diagnosis, structure.

INTRODUÇÃO

A partir dos estudos desenvolvidos na pesquisa “Diagnóstico, prognóstico e cura em psicanálise” desde m arço de 1998 no Program a de Pós-graduação do Instituto de Psiquiatria/ Ipub/ UFRJ, pudem os avançar na discussão sobre o que vem a ser o diagnóstico em psicanálise visando a produção de saber a partir Ana Cristina Figueiredo

Professora do Program a de Pós-graduação do In stitu to de Psiquiatria, Ipub/ UFRJ. Psicanalista.

Ondina Maria Rodrigues Machado

Supervisora do curso de especialização em Clínica Psicanalítica do Instituto de Psiquiatria, Ipub/ UFRJ. Psicanalista. Mem bro aderente da Escola Brasileira de Psicanálise.

An a Cris tin a Fig u e ire d o e On d in a Ma ria Rod rig u e s Ma ch a d o

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de seu referencial teórico articulado à prática clínica. Nossa proposta é constituir um saber que não seja apenas sobre a psicanálise em seus fundam entos teóricos, e sim a partir da clínica psicanalítica, tendo com o balizador nossa experiência no cam po da psiquiatria. A própria junção entre teoria e prática só pode ser realizada no exercício perm anente da clínica onde os pressupostos teóricos que a funda-m entafunda-m podefunda-m ser postos à prova. Os pressupostos aos quais nos referifunda-m os fazefunda-m parte de um cam po conceitual que Freud denom inou “m etapsicologia”, e do qual Lacan destacou os “conceitos fundam entais” da psicanálise: inconsciente, pulsão, transferência e repetição.

Neste artigo, apresentam os de m odo sucinto algum as reflexões iniciais sobre o diagnóstico em psicanálise destacando a discussão sobre o conceito de estrutura na clínica, especificam ente no que diz respeito ao diagnóstico. Prim eiram ente, dis-correm os sobre a concepção de realidade psíquica em Freud articulada à transfe-rência para, em seguida, desenvolverm os a form ulação de Lacan e seus desdobra-m entos. Ao final, apresentadesdobra-m os o relato clínico parcial de udesdobra-m caso atendido no Ipub e acom panhado pela equipe da pesquisa para ilustrar nossa discussão.

O DIAGNÓSTICO EM PS ICANÁLIS E

Para situarm os o diagnóstico em psicanálise, de início, som os levados a interrogar o estatuto do inconsciente com relação à realidade. O que a psicanálise nos indica é que toda relação do sujeito com o m undo é m ediada pela realidade psíquica. Em seu texto fundador, A interpretação dos sonhos, na form ulação do conceito de inconsciente, Freud ( 1900/ 1978) , postula:

“O inconsciente é a verdadeira realidade psíquica ( ...) em sua natureza interior é tão desconhecido para nós quanto a realidade do m undo externo, e se apresenta de m odo tão incom pleto pelos dados da consciência quanto o m undo externo pelas com

unica-ções dos sentidos.” ( p. 613)

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a partir da qual ele se vê, pensa, fala, sofre, trabalha, enfim , se põe no m undo e até m esm o se desconhece. Nessa realidade se insere um a dim ensão de alteridade que indica que a linguagem , m ais do que um a aquisição instrum ental, vem do Outro, do cam po sim bólico que se im põe na constituição m esm a do sujeito. Logo, não se deve conceber essa realidade a partir das velhas oposições entre objetivo e subjeti-vo, ou entre realidade e fantasia, ou, ainda entre mundo externo e m undo interno. A realidade psíquica é um construto que supõe o intrincam ento desses dois pólos m encionados e, conseqüentem ente, recoloca o que vem a ser o cam po sub-jetivo — o que diz respeito ao sujeito — em um novo patam ar epistêm ico. Se não podem os m ais operar sobre duas realidades distintas, objetiva versus subjetiva, logo tem os que considerar que no modus operandi da clínica psicanalítica o sujeito que observa ( epistêm ico) não é exterior ao sujeito observado ( em pírico) . Ou, ainda, o sujeito ‘observado’ é quem inclui o ‘observador’ em “um a de suas séries psíqui-cas”, pela via da transferência (cf. FREUD, 1912/ 1978, p.100). Os instrumentos de diagnóstico e de tratamento, desde o início, estarão marcados por esta concepção.

A prim eira conseqüência que tiram os disto é que a psicanálise não pode con-fiar no fenôm eno do m esm o m odo que as ciências em píricas, pois ela considera que não há acesso direto ao m undo. A partir daí, o fenôm eno não tem m ais o m esm o valor de verdade. A pertinência e o valor de verdade de um a pesquisa em pírica objetiva encontram -se deste m odo bastante relativizados.

O psicanalista, operando através da transferência, não trabalha com o um leitor de fenôm enos e sim com o nom eador de um m odo de incidência do sujeito na linguagem . O diagnóstico aparece então com o estrutural e não m ais fenom e-nológico. Por diagnóstico estrutural podem os por hora entender com o um diag-nóstico que se dá a partir da fala dirigida ao analista, logo, sob transferência, onde os fenôm enos vão se orientar com referência ao analista com o um operador e não com o pessoa.

Seguindo essa vertente, chegam os a interrogar o diagnóstico m enos com o um a descrição objetiva e m ais com o um a operação descritiva do analista, em que a nom eação da estrutura do paciente incide sobre a conduta do tratam ento em vá-rios níveis. Este tipo de diagnóstico pode perm itir ao analista m anter no horizonte a produção de um a verdade singular e a em ergência de um a história única. Deste ponto de vista, as categorias diagnósticas clássicas da psiquiatria perdem em m ui-to sua significação, devendo ser novam ente situadas tanui-to em seu estatuui-to quanui-to em sua função.

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verdade, algo que se sobreponha à m assa de inform ações clínicas, organizando-as. Introduzim os, assim , um a escolha m etodológica que reflete a necessidade de in-corporar um viés subjetivo em nossos dados que prejudica, até certo ponto, as generalizações possíveis de nossos resultados. Estam os, entretanto, seguindo os passos de Freud, que não pode ser classificado nem entre os em piristas, apesar de partir do fenôm eno, nem entre os racionalistas, apesar de fundar sua interpretação do fenôm eno em noções anteriores a este. Vejam os, por exem plo, um trecho de

As pulsões e seus destinos em que Freud ( 1915/ 1978) tom a posição:

“O verdadeiro início da atividade científica consiste sobretudo na descrição dos fenômenos

[Erscheinungen] que são em seguida reunidos, ordenados e inseridos em relações [Zusammenhänge] . Desde o m om ento da descrição, não podem os evitar aplicar ao m

ate-rial certas idéias abstratas [abstrakten Ideen] que tom am os aqui ou lá e certamente não

unica-mente da experiência atual [Ehrfahrung] .”( p.117) ( grifo nosso)

Freud parte do fenôm eno, m as este não está no fundam ento de sua teorização, ao m enos não exclusivam ente. Àqueles que insistiriam ainda em situá-lo sob a rubrica do em pirism o ele dará um a resposta definitiva. Em suas N ovas conferências ( 1933/ 1978) afirm a:

“Senhoras e Senhores, vocês não se surpreenderão ao ouvir que tenho que

trazer-lhes algum as novidades com relação à nossa concepção [Auffassung] da angústia e das

pulsões fundam entais [Grundtriebe] da vida psíquica ( ...) . Falo aqui de “concepção”

com um a intenção precisa ( ...) trata-se aqui verdadeiram ente de concepções, ou seja,

de introduzir as idéias abstratas [abstrakten Vorstellungen] corretas cuja aplicação trará

ordem e clareza ao m aterial bruto da observação.” ( p. 81)

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produções discursivas que acolhe. E, principalm ente, trabalhar sobre seus efeitos no sujeito os quais não são previsíveis, pelo m enos não ao m odo das generaliza-ções e descrigeneraliza-ções de regularidades presentes em outros m étodos clínicos.

Nesse estado de coisas, as fronteiras entre as ‘realidades’ são relativizadas e o diagnóstico se atrela de um m odo particular ao tratam ento. Trata-se então de retraçar com detalhe os cam inhos pelos quais se chegou ao diagnóstico, as construções necessárias para tanto e os saberes aí m obilizados, sem pre considerando o tem po dos efeitos, o tem po da posterioridade (N achträglichkeit)2 conceituado por Freud

com o o que constitui desde a realidade psíquica, passando pela form ulação do traum a, até o próprio funcionam ento do tratam ento psicanalítico, aí incluindo a ação do analista. Não se trata de um tem po que retorna ao passado, ao m odo da idéia de ‘regressão’. Não é um tem po linear, evolutivo. Trata-se de um presente que retroage sobre um passado cujo resultado é a preparação de um futuro m arcado por essa retroação, e não o encadeam ento de passado-presente-futuro num tem po de evolução-regressão. Ele ‘retroage’ para produzir um a significação. A pesquisa deve apreender esse m ovim ento em seus desdobram entos. Podem os m esm o hipotetizar que esse m ovim ento é que possibilitaria um a nom eação em relação a um diagnóstico.

Algum as outras observações se fazem necessárias. Nosso procedim ento se dá com o um a m aneira de avançar sobre nosso objeto de estudo sem cair no erro de constituir uma pesquisa puramente empírica que se reduza apenas ao campo da clas-sificação diagnóstica. Se isto acontece, estaríamos deslocando a psicanálise de seu cam-po essencialmente articulado aos caminhos da subjetividade e de seus distúrbios.

Freud ( 1937/ 1978) deixa claro em seu texto Construções em análise que não são os fenôm enos que são confirm ados ou infirm ados pela clínica, m as sim as cons-truções do analista, naquilo que elas têm de um a certa apreensão do que acontece

2 Cf. HANS, Luiz, Dicionário com entado do alem ão de Freud, Im ago, 1996, p. 80-88: “ O prefixo nach indica volta a um evento passado para fazer um acréscim o. O substantivo N achträg significa adendo, acréscim o. O adjetivo nachträglich tem duas possibilidades: 1) indicar que o sujeito continua a carregar (trägen) até hoje o evento, e que som ente a posteriori o efeito se m anifesta; 2) significar que o sujeito volta ao passado ao encontro do evento, ( ..) que o sujeito traz do passado o evento para o presente ( p. 81) . Em português, a posteriori e posteriorm ente evocam a idéia de que o sujeito se afastou tem poralm ente do evento e agora, com a devida distância, reconsidera o significado do m esm o. ( ...) Em alem ão nachträglich enfoca a perm anência de um a conexão entre o agora e o m om ento de então, m antendo am bos interligados ( p. 83) . Com en-tários do autor: “ aquilo que é nachträglich evoca um trânsito entre o presente e o passado ( ...) pode ocorrer um retorno ao passado ( ou equivalente, um a presentificação do passado) , reali-zando-se um acréscim o a posteriori de novos significados a serem agregados aos antigos eventos ( p. 87) . Nas suas diversas concepções, os m ecanism os de interpretação retroativa e de eficácia

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com o paciente e naquilo em que elas, com o toda construção, são obra tam bém do analista e estão sujeitas a revisão.

“ Não preten dem os qu e u m a con stru ção in dividu al seja algo m ais do qu e u m a

conjectura que aguarda exam e, confirm ação ou rejeição. Não reivindicam os autorida-de para ela, não exigim os um a concordância direta do paciente, não discutim os com ele, caso a princípio a negue. Em sum a, conduzim o-nos segundo m odelo de conheci-da figura de um a conheci-das farsas de Nestroy — o criado que tem nos lábios um a só

res-posta para qualquer questão ou objeção: ‘Tudo se tornará claro no decorrer dos de-senvolvim entos futuros.’” ( p. 265)

DE FREUD A LACAN: A ESTRUTURA NA CLÍNICA

De início é necessário esclarecer que a m aneira de Lacan pensar e fazer o diagnós-tico foi distinta, a partir das variações na concepção do sim bólico, ao longo de novas form ulações em sua teoria dos três registros.

De form a esquem ática, podem os delim itar que até os anos 60 Lacan trabalhava com as categorias da psiquiatria clássica, utilizando-se principalm ente dos ensi-nam entos de Cléram bault, a quem dedicou sua tese de doutorado em psiquiatria ( 1932) e a quem considerou com o seu único m estre. Utilizou-se do autom atism o m ental e dos fenôm enos elem entares de Cléram bault com o traços distintivos para o diagnóstico da psicose.

Nos anos 70, Lacan, cada vez m ais referido à topologia, vai trabalhar o diag-nóstico a partir dos m odos de am arração dos três registros no nó borrom eano.

Devem os situar tam bém que, diferentem ente de Freud, Lacan vem da psiquia-tria, tendo trabalhado desde o com eço de sua vida profissional em hospitais psi-quiátricos e que seu interesse pela psicose, sendo este o tem a de sua tese de doutoram ento, m arca todo o percurso de seu ensino.

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Lacan ( citado em SOLER, 1996) não escolheu as categorias clássicas por desco-nhecer as novas form as de classificação. Ele acom panhou o DSM I e II m as conside-rou-os com o sendo feitos pelo m esm o m étodo das descrições clássicas e ponde-rou que as prim eiras seriam m ais ricas e m enos objetivantes que as segundas. Soler ( 1996) deduz que para Lacan tanto a clínica clássica quanto os DSMs tinham em com um a construção dos sintom as pelo aspecto descritivo e que isso redundava em um a clínica descritiva. Assim sendo, ele tom ou as categorias psiquiátricas à luz dos postulados psicanalíticos. Ao invés da proliferação de categorias nosológicas, ele busca reduzi-las, inicialm ente, a dois grandes cam pos, neurose e psicose, e, posteriorm ente, com a topologia dos nós, a um a única concepção de estrutura com m odos diferentes de am arração.

Irem os percorrer, de form a breve, o m odo de diagnóstico que Lacan em preen-deu até os anos 60, cham ado de período clássico por Milner ( 1996) ou de prim ei-ra clínica por Miller e outros ( MILLER, HENRY & JOLIBOIS,1997/ 1998) .

Nesse período Lacan concebia o sim bólico com o o registro que organizava a estruturação psíquica, na captura da cadeia significante, produzindo um furo no real, tam bém cham ado de assassinato da Coisa. Mas na m esm a m edida em que abre um furo no real tem o poder de reconstituí-lo pela palavra.

A definição de que o sim bólico produz o furo e é capaz de prom over, ele m es-m o, a restituição sies-m bólica do objeto originales-m ente perdido, faz coes-m que possa-m os falar deste período copossa-m o aquele da suprepossa-m acia do sipossa-m bólico epossa-m relação ao im aginário, senão vejam os:

“Nossa doutrina do significante é, para com eçar, a disciplina na qual aqueles a quem

form am os se exercitam nos m odos de efeito do significante no advento do significa-do, única via para conceber que, ao se inscrever aí, a interpretação possa produzir algo novo.” ( LACAN, 1958 c/ 1998, p. 600)

O im aginário era o lugar da ilusão, do desconhecim ento e da alienação ( LACAN, 1953-1954/ 1983) , que m esm o tendo com o função dar conta da im aturidade do hom em ao nascer, prom ovendo a unificação do corpo, dependia diretam ente de um a operação sim bólica que abarcasse, na constituição do eu, a constituição do sujeito enquanto referido ao Outro da linguagem .

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onde ‘o isso pensa’. Ele quer com isso m ostrar que segue as indicações freudianas do inconsciente, entendendo que, se ele não é feito dos m esm os pensam entos da consciência, m esm o assim , é feito de pensam entos que são articulados por um a lei, que não se situam em outro lugar senão no sim bólico.

“( ...) o estado do sujeito S ( neurose ou psicose) depende do que se desenrola no Outro A. O que nele se desenrola articula-se com o um discurso ( o inconsciente é o discurso do Outro) , do qual Freud procurou inicialm ente definir a sintaxe relativa aos

fragm entos que nos chegam em m om entos privilegiados, sonhos, lapsos, chiste.” ( op. cit., p. 555)

A partir dessa concepção do sim bólico, Lacan ( op. cit.) postula a psicose com o um acidente no registro do sim bólico ( p. 582) ou, com o diz Soler ( 1996) , “um déficit do sim bólico” ( p. 26) . Este acidente é a foraclusão do Nom e-do-Pai no lugar do Outro, o fracasso da m etáfora paterna em significar o desejo da Mãe.

O efeito deste ‘déficit’ no sim bólico é produzir no im aginário um a desordem denotada nos fenôm enos psicóticos de rupturas na cadeia significante, onde um significante ao ficar fora, desconectado do sim bólico, retorna no real na form a de alucinações e delírios.

A psicose para Lacan tam bém pode ter com o condição esse acidente e a dire-ção do tratam ento cam inhava no m esm o sentido: restabelecer, através de um a su-plência sim bólica, a conexão com a cadeia significante, criando um a m etáfora delirante que desse conta, im aginariam ente, do furo do sim bólico.

Partindo de Freud, Lacan vai considerar a castração com o o ponto a partir do qual a estrutura se organiza. A castração vista por Freud com o com plexo é alçada, por Lacan, à condição de lei.

Tom ando o com plexo de Édipo freudiano com o um operador da estrutura, Lacan vai entender a castração com o um a lei e o falo com o um significante.

Esta nova ordem , da castração com o lei, im plica que um significante m etaforize o Desejo da Mãe, im pondo-lhe um a proibição que fará com que a criança tenha que lançar mão de outros recursos para se situar como sujeito na trama edípica. A este significante do pai que barra a mãe Lacan chamou o Nome-do-Pai, e a operação em que este faz valer a lei do pai, inclusive para a mãe, ele chamou de Metáfora Paterna.

“( ...) é na m edida em que o objeto do desejo da m ãe é tocado pela proibição paterna que o círculo não se fecha com pletam ente em torno da criança e ela não se torna, pura

e sim plesm ente, o objeto do desejo da m ãe.” ( Idem , p. 210)

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do Outro, um objeto m etoním ico que tentaria dar conta daquilo que o neurótico supõe faltar ao Outro, é isto que o faz inventar respostas para o enigm a ‘o que o Outro quer de m im ?’ Com o efeito sim bólico tem os o falo articu lado à lin gu agem , portan to, com o sign ifican te da falta, propriam en te dita, in serin do o su -jeito no discurso, possibilitando-lhe produzir significações sobre a vida, a m orte e o sexo.

“O falo é o significante privilegiado dessa m arca, onde a parte do logos se con-juga com o advento do desejo” ( LACAN, 1958b/ 1998, p. 699) , já que o desejo é efeito da falta: sem falta não há desejo.

No sujeito psicótico, o segundo tem po do Édipo não se dá da m esm a m aneira que no neurótico. Na psicose a m etáfora paterna não opera, im possibilitando as-sim , a “colocação substitutiva do pai com o sím bolo, ou significante, no lugar da m ãe” ( LACAN, 1957-58/ 1999, p. 186) , ou seja, há a foraclusão do Nom e-do-Pai. Nesse m om ento do ensino de Lacan, a foraclusão do Nom e-do-Pai significa que a m etáfora paterna não operou porque, diante da espera de um significante da lei do pai que viesse barrar o Outro-Mãe, não veio nada. O prazo para que esta operação se desse expirou e o sujeito perdeu o direito de criar para si um a pergun-ta, um enigm a sobre o desejo do Outro. A criança não pôde m etaforizar o desejo da m ãe e, no lugar de um a pergunta neurótica sobre o que o Outro quer, o que veio foi um a certeza psicótica, isto é, surgiu algo no real que foi tom ado com o um a resposta para um a pergunta que sequer foi form ulada.

A conseqüência m aior da foraclusão do Nom e-do-Pai é a não-subm issão à castração sim bólica, acarretando a im possibilidade da função fálica. Com o efeito da não-operação da função fálica tem os a dificuldade do sujeito psicótico se situar em relação à partilha dos sexos, já que nesta partilha está em jogo o significante da diferença. Em seu Seminário sobre As psicoses, Lacan ( 1955-56/ 1985) afirm a:

“Para que o ser hum ano possa estabelecer a relação m ais natural, aquela do m acho

com a fêm ea, é preciso que intervenha um terceiro, que seja a im agem de algum a coisa de bem -sucedido, o m odelo da harm onia. ( ...) é preciso aí um a lei, um a cadeia, um a ordem sim bólica, a intervenção da ordem da palavra, isto é, do pai. Não o pai natural, m as do que se cham a o pai. A ordem que im pede a colisão e o rebentar da

situação no conjunto está fundada na existência desse nom e do pai.” ( p. 114)

Esta passagem é a prim eira m enção que Lacan faz ao Nom e-do-Pai, situando-o com o a lei sim bólica que vai ordenar a partilha dos sexos.

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característicos da psicose. Na psicose, diz Lacan, “o sujeito se situa em relação ao conjunto da ordem sim bólica, da ordem original, m eio distinto do m eio real e da dim ensão im aginária, com a qual o hom em sem pre lida, e que é constitutivo da realidade hum ana” ( idem , p. 141) .

Por esse déficit da função sim bólica tem os, em conseqüência, um desarranjo no im aginário. Ao estudar o caso do presidente Schreber, Lacan ( 1955-56/ 1985) vai situar este prejuízo da função im aginária através do term o ‘dissolução im agi-nária’. Com isso ele quer apontar as repercussões im aginárias da não-inserção do sujeito na ordem fálica.

“É sugestivo ver que, para que tudo não se reduza de repente a nada, para que toda tela da relação im aginária não torne a enrolar-se a um só tem po, e não desapareça

num preto hiante, do qual Schreber não estava tão longe do início, é preciso aí essa rede de natureza sim bólica, que conserva um a certa estabilidade da im agem nas

rela-ções inter-hum anas.”( idem , p. 117)

Este prejuízo pode ser da ordem do corpo e da ordem da linguagem .

Freud havia trabalhado a form ação do eu através do narcisism o — teoria do eu e de suas relações com os objetos. No texto Sobre o narcisismo: uma introdução, Freud ( 1914/ 1996) evocava um narcisism o prim ário, auto-erótico, em que todos os investim entos libidinais estavam dirigidos ao eu, sem que este eu ainda estivesse constituído: ele se constituiria, justam ente destes investim entos. Um segundo m om ento seria o do narcisism o secundário em que a energia libidinal depositada nos objetos retornaria ao eu através de um m ovim ento de reversão da libido. Já em Freud podem os entender o narcisism o com o fundador do eu, aquele que vai pro-ceder às identificações no com plexo de Édipo, e que perm itirá ao sujeito um a im agem de totalidade em relação ao seu corpo.

Lacan ( 1914/ 1996) , por sua vez, vai trabalhar o narcisism o freudiano através do que ele cham ou o estádio do espelho — m om ento coincidente com o prim ei-ro tem po do Édipo lacaniano. Ele faz uso da m etáfora do espelho para explicar com o o eu se constitui de im agens, de im agens fora dele, na superfície do espelho. Assim o eu se constitui a partir de um outro especular, de um a im agem com pleta, que cria no eu a convicção de totalidade. É justam ente esta operação im aginária que possibilita ao ser hum ano não se considerar apenas um punhado de órgãos, que lhe dá a experiência da unidade, da consistência, fundam entais para poder se relacionar com seus sem elhantes sem risco de perda da integridade psíquica. É tam bém , em contrapartida, a operação que o aliena no outro, sede da am biva-lência que o dividirá de forma radical. O estádio do espelho funcionaria como uma m atriz sim bólica, a imago prim ordial, por onde se instaura a ordem sim bólica.

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m atriz, pois, som ente a partir da significação produzida por essa ultim a, será pos-sível ao hom em se constituir com o corpo significado, isto é, inserir o corpo na linguagem.

Assim , a ordem sim bólica opera pela assunção im aginária do eu, e quando isto não ocorre, o que se tem são os efeitos brutos de um im aginário não constituído, sem ordenação significante, o corpo é puro corpo, em toda a sua dim ensão escatológica. É o im aginário, enquanto lugar de ilusão e de alienação m as tam bém de unificação, que possibilita ao sujeito ir vivendo sem pensar no sangue que lhe corre nas veias, na form a tão estupidam ente estranha com o vem ao m undo, na incom preensibilidade do ato sexual, enfim em toda a incidência do real sobre nós. Ainda hoje, podem os dizer que o im aginário põe véus sobre o real sustentado no sim bólico.

O sujeito psicótico, ao contrário do neurótico, estaria exposto ao real sem ne-nhum a interm ediação sim bólica. É disso que podem os deduzir a m aneira peculiar com o o psicótico lida com o corpo e com a linguagem .

Na ordem do corpo tem os, com o efeito desta dissolução im aginária, os fenô-m enos da fragfenô-m entação corporal, efenô-m que o sujeito não consegue ifenô-m aginar seu corpo com o um a unidade. Trata-se do corpo despedaçado, fenôm eno tão com um na esquizofrenia. Tem os tam bém as sensações de estranham ento, de invasão e m a-nipulação do corpo. Esta perspectiva é o resultado da não incidência no corpo do significante enquanto prom otor do corpo sim bolizado, im pondo ao psicótico um a disjunção entre o significante e os órgãos do corpo.

Na ordem da linguagem tem os as alucinações classificadas em fenôm enos de dois tipos, conform e Lacan ( 1958a/ 1998) propõe no texto “De um a questão pre-lim inar a todo tratam ento possível da psicose”: são eles os fenôm enos de código e os fenôm enos de m ensagem .

Prim eiro teríam os os fenôm enos de código que consistem nos neologism os, nas significações neológicas, na reduplicação dos significantes sem que para eles contribua nenhum sentido e nos significantes desprovidos de significação m as que justam ente por isso tom am para o sujeito um valor de certeza.

Nos fenôm enos de m ensagem estariam as m ensagens interrom pidas no exato m om ento em que a significação iria se dar, isto é, são frases que “se interrom pem no ponto em que os term os no código indicam a posição do sujeito a partir da m ensagem e que são designados por shifters” ( QUINET, 1997, p. 16-17) .

Lacan, então, retira a alucinação do âm bito da percepção e a coloca fora do ouvido, no lugar do Outro: a alucinação é a voz do Outro. É a voz que tenta signi-ficar o sujeito psicótico. É um a voz direta que vem do Outro com o im perativa, sem equívocos ou possíveis negociações.

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diferente daquela da palavra, pois que com porta, além do dizer, a intenção de sig-nificação. A voz, para Lacan, é um a função da cadeia significante, não estando, portanto, ligada a qualquer órgão dos sentidos. Essa voz que vem do Outro é a que o sujeito psicótico ouve e para a qual o neurótico ensurdece com o efeito da opera-ção da m etáfora paterna.

A alucinação nas form as psicóticas delirantes funciona com o suplente deste vazio de significação, porém , existem alucinações onde não se tem este efeito de assentam ento na cadeia significante do delírio. São vozes que se infinitizam por-que seu estatuto não dá conta de dizer nada do sujeito. O sujeito fica, assim com o as vozes, à deriva. Um eterno deslizam ento m etoním ico que não ancora o sujeito a nenhum porto. Elas se infinitizam justam ente porque não conseguem am arrar o sujeito num a significação. Mesm o não dando conta im aginariam ente do sujeito, há nelas um ponto de certeza inabalável próprio da alucinação psicótica.

Freud ( 1915/ 1996) diz que o psicótico crê na realidade da alucinação, enten-dendo que esta crença está baseada na certeza que lhe é dada pela realidade com que vivencia o fenôm eno alucinatório. Vam os, porém , tentar provar que a crença nesses fenôm enos tem estatutos diferenciados na neurose e na psicose.

A crença do neurótico se baseia na possibilidade da descrença. O neurótico está sem pre dividido por um a afirm ação prim ordial (Bejahung) e um a denegação (Verneinung) desta afirm ação, tendo em vista que a denegação, com o nos explica Jean Hyppolite ( 1954/ 1998) , é um processo dialético que nega para afirm ar, que suprim e para conservar. Diferentem ente do neurótico, o psicótico está im erso num a certeza sem vacilações porque esta afirm ação prim ordial (Bejahung) não foi negada — e assim afirm ada — ou, segundo Freud, o que se passa é que a pessoa se recusa a crer na autocensura ( FREUD, 1892/ 1996) , sendo a autocensura o prim eiro tem -po desta negação.

A partir destas considerações podem os tentar entender que a certeza que o psicótico tem das suas alucinações seja fruto justam ente disto que lhe falta, ou seja, o recalque, e que a certeza que o assola vem em lugar daquilo que ficou foracluído: o Nom e-do-Pai.

As alucinações nos casos psicóticos vêm de um Outro que goza dele, um Outro que para o sujeito existe, é consistente a ponto de falar com ele, dem onstrando assim a falta de um significante que venha m etaforizar o desejo do Outro e que inscreva o sujeito na ordem fálica.

Agora, retom arem os um ponto que havia ficado suspenso até então. Trata-se da concepção do sim bólico que Lacan form ula a partir dos anos 70. Este estudo não será tão exaustivo quanto gostaríam os porque ele está em andam ento neste m o-m ento da pesquisa, na qual se baseia o presente artigo.

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Isto acarretou um a m odificação com relação à prim azia do sim bólico em relação aos dem ais registros.

A partir de 1966, algum as form alizações de Lacan já apontam para um novo estatuto para o sim bólico. Soler ( 1996) cita o Seminário A lógica da fantasia ( LACAN, 1966-67/ 1998)e o texto A posição do inconsciente ( LACAN, 1960/ 1998) para locali-zar esta virada em relação ao sim bólico. A estes dois textos nós som am os um ter-ceiro: Do Trieb de Freud e do desejo do psicanalista de 1964. Neles, o que está em jogo é a idéia de que o desejo não pode ser capturado todo pela linguagem , portanto, que no sim bólico falta um significante e que “o desejo é desejo de desejo, desejo do Outro ( ...) subm etido à Lei” ( LACAN, 1964/ 1998, p. 866) .

A lei à qual o significante está subm etido é a lei da castração — “é antes a assunção da castração que cria a falta pela qual se institui o desejo” ( ibid.) , porque “a lei está a serviço do desejo que ela institui pela proibição do incesto” ( ibid.) .

Mas esta lei não é propriam ente a da am eaça de castração. Lacan teria tentado diferenciar o m ito edípico da estrutura da linguagem fazendo com que de um lado estivesse a castração na linguagem que nos rem eteria à “falta real de um significan-te capaz de nom ear o desejo fem inino” e de outro a am eaça de castração com o “um a falta im aginária, fantasia edípica, que antes encobre a falta real do que a revela” ( COELHO DOS SANTOS, 1998, p.180) .

Tendo a linguagem com o estrutura ( MILLER, 1994) o que se esboça é que esta falta é um dado da estrutura, falta fundam ental em torno da qual o sujeito se orga-niza. Se à estrutura falta algo, com o poderíam os conceber o sim bólico com o sem buracos? Assim , não só o sim bólico “cria buracos no real, com o tam bém ele m es-m o tees-m seu buraco irredutível” ( SOLER, 1996, p. 27) . Este buraco, diz Soler, é tam ponado pela fantasia, “há algo, de um a só vez im aginário e real, na fantasia que pode cum prir a função de tam pão” ( p. 28) .

Tom ando o sim bólico com o não-todo, e sendo esta um a condição da estrutu-ra, tem os que adm itir que isto ocorre tanto para a neurose quanto para a psicose. Neste ponto, um a questão se im põe: com o entender, a partir deste novo estatu-to do sim bólico, as estruturas clínicas organizadas em estatu-torno da operação da m etá-fora paterna, tendo o Nom e-do-Pai com o o significante da lei?

A princípio constata-se que se a castração opera na linguagem e esta é a lei da estrutura, não há porque se entender que na neurose opera o Nom e-do-Pai en-quanto que na psicose ele está foracluído. Pois se a castração está para todos, a foraclusão de um significante que venha no lugar da falta na estrutura tam bém existe para todos.

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significante que falta no Outro, entendendo o Outro na vertente do lugar dos sig-nificantes.

O Nom e-do-Pai tem então a função de ser um significante que am arre os três registros — Real, Sim bólico e Im aginário. Com o significante, o Nom e-do-Pai é um a exceção pois ele não é um significante que significa o sujeito para outro sig-nificante, sua função é outra, é a de possibilitar que o sujeito venha a ser represen-tado pelo significante ( SOLER, 1991) . Ele, portanto, não tam pona a falta m as pos-sibilita que tam pões se constituam .

Na m edida que o Nom edoPai não tam pona a falta no Outro, esta falta sem -pre estará em jogo para o sujeito que tentará significá-la a seu m odo. Com o esta tentativa será sem pre um a tentativa, ela deixará restos e é deles que o neurótico tentará extrair o gozo, atribuindo ao Outro um desejo que para ele, neurótico, será enigm ático. Na psicose o gozo não é enigm ático, é tirânico, nela o que tem os é o gozo do Outro que xinga o sujeito e o hum ilha através do que as vozes lhe dizem . Mas em am bos os casos tem os um efeito de sentido: o Outro quer que eu seja brilhante ou o Outro faz com que eu goze com o um a m ulher ( no caso Schreber) . Este efeito é dado pelo ponto de basta, ou seja, o que retroativam ente produz sen-tido, qualquer que seja ele. E havendo produção de sensen-tido, há sujeito, m esm o que o sentido se produza na form a de um delírio.

Assim, teríamos que pensar que, o que está em jogo na psicose não é a foraclusão do Nom e-do-Pai m as um m odo de Nom e-do-Pai, um m odo do ponto de basta produzir sentido: pelo sintom a ou pelo delírio. A referência às três categorias — neurose, psicose e perversão — fica, então, relativizada.

É a partir da teoria dos nós que Lacan vai passar a fazer os seus diagnósticos, afastando-se das categorias psiquiátricas. Isto im plica que as estruturas clínicas não seriam ordenadas pelo ‘ter’ ou ‘não ter’ o Nom e-do-Pai e sim por um a grada-ção entre diferentes m aneiras de operar com o Nom e-do-Pai fazendo-o equivaler ao sintom a. Vam os tentar ir um pouco m ais adiante nesta discussão.

No sem inário inédito Le Sinthome, Lacan ( 1975-76) vai fazer essa equivalência do Nom e-do-Pai ao sintom a. Para isso, faz uso da hom ofonia entre perversão e

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relação ao ponto de basta, um a gradação em relação ao com prom isso estrutural do sujeito com a linguagem . Nela não caberia a idéia de que na psicose haveria um déficit no sim bólico, o que traz conseqüências para a clínica da psicose e, princi-palm ente, para seu diagnóstico.

Pelo percurso feito em nossa exposição, tem os duas concepções de diagnósti-co que não se opõem necessariam ente e m arcam dois m om entos das form ulações lacanianas sobre o diagnóstico: a prim eira pautando as categorias psiquiátricas sobre a estrutura e a segunda pautando a estrutura sobre a topologia. Podem os então superpor esta segunda clínica à prim eira e terem os indicações de critérios m oebianos de diagnóstico em que o dentro e o fora da fita estariam apontando para um a m aior ou m enor consistência do Outro com o um divisor de águas em que se poderiam localizar efeitos de linguagem com o psicose ou neurose respecti-vam ente.

O DIAGNÓSTICO NA ESTRUTURA: RELATO DE UM CAS O

A grande questão que se im põe em nossa discussão diagnóstica é a definição de estrutura em seu funcionam ento no cam po da experiência, ou dos fenôm enos propriam ente ditos.

A estrutura se diferencia das categorias. Este é um ponto sobre o qual não deve-m os ceder. Para tal, sodeve-m os levados a postular que há apenas udeve-m a estrutura — a estrutura da linguagem — e a partir dela há diferentes efeitos de sujeito que, num a prim eira abordagem , caracterizam o que Freud aponta com o a ‘escolha’ seja da neurose, psicose ou perversão. A estrutura dá ao m undo um a organização e fica-m os diante do problefica-m a da fixidez, da possibilidade ou ifica-m possibilidade de acon-tecer o novo.

Um a questão que daí deriva, diz respeito à am arração do sentido fundam ental. Com o se constitui esta am arração? Um elem ento ‘atravessa’ o código, faz algum sentido para o sujeito e, assim , am arra o sujeito na estrutura — num sintom a, que tom am os com o fundam ental, portanto, irredutível.

O sintom a seria esse ponto de am arração ou, pelo m enos, um a m odalidade de am arração por onde o sujeito se situa na estrutura. Para o diagnóstico, não é tão im portante questionar a idéia de ‘ter’ ou ‘não ter’ a am arração, já que estam os todos na linguagem , e sim com o ela se dá: seja pelo delírio, pelas vozes, pela fanta-sia ou frase fundam ental.

Se o critério é ter ou não o NP ( Nom e-do-Pai) , diferenciam os neurose e psico-se nos term os de um a descontinuidade. O ponto, então, é discutir as form as pos-síveis de am arração do sujeito na estrutura para aí situarm os um a diferença entre neurose e psicose.

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terreno das categorias, da classificação, do cam po nosográfico por excelência. Se abandonam os esse divisor, caím os no continuísm o e correm os o risco de retornar ao em pirism o evolucionista que supõe um ‘bom ’ cam inho da psicose à neurose, ou ainda, um m ovim ento intercam biável entre am bas, que elide diferenças im -portantes na direção do tratam ento.

Podem os pensar que se partirm os de um a estrutura única que produz com o efeito posições diferentes, estas posições não têm diferença hierárquica. A foraclusão deixaria de ser pensada apenas para a psicose com o déficit que a definiria e a idéia de ‘suplência’ poderia ser plural. Neste sentido, seria m ais producente pensar em ‘suplências’ com o Lacan aponta em suas form ulações posteriores.

Se tudo o que há são suplências, cada sujeito se constitui de form a singular. Mas, o problem a retorna: em m eio às continuidades, qual seria o divisor? O divisor poderia estar, então, na diferença em relação a um a variação de m aior ou m enor consistência do Outro com o pontos-lim ite. Este é um outro aspecto das form ula-ções de Lacan que deve ser elaborado à m edida que nos deparam os com o que poderíam os cham ar de casos-lim ite ou que nos lançam no desafio de ressituar o estatuto da neurose e da psicose na clínica psicanalítica.

Passem os agora ao relato de um caso que foi elaborado a partir do trabalho da pesquisa.

Trata-se de um a senhora de m ais de 60 anos, casada, com filhos e netos. É levada para internação pelo m arido porque há quatro dias não com e, não fala, não evacua nem urina, só fica deitada e se recusa a tom ar banho. Já foi internada m ais de 20 vezes, em diferentes instituições, sendo isto um a constante em sua vida nos últim os 20 anos, sem pre pelos m esm os m otivos. Em todas as internações anteriores esta senhora só saiu da crise através da utilização de um a m édia de cinco sessões de ECT ( eletroconvulsoterapia) , sendo este o pedido que a fam ília faz a cada vez que a interna, alegando que ela “fica boa, volta à vida norm al fazendo as tarefas de casa” etc.

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Um m ês após essa últim a internação, a paciente é levada para a entrevista psica-nalítica pela equipe clínica que a acom panha.3 Essa entrevista vem sendo realizada quinzenalm ente com pacientes voluntários com o parte da pesquisa diagnóstica em psicanálise.4

Convém esclarecer que, neste caso, a entrevista psicanalítica foi solicitada pela equipe clínica devido a um a dúvida diagnóstica surgida a partir do m om ento em que esta equipe, não cedendo às pressões da fam ília, não aplicou o eletrochoque. Foi utilizada m edicação benzodiazepínica e houve visitas constantes ao leito da paciente. No final de duas sem anas, a paciente saiu da crise e a equipe, m esm o acreditando e apostando na sua conduta, acabou por se surpreender com o resul-tado. Este resultado funcionou com o resposta à prova terapêutica que a equipe fez. A dúvida foi: com o pode um estupor catatônico ser debelado com benzodia-zepínicos e conversas ao leito? Esta pergunta provoca a psiquiatria e instaura a dúvida em relação ao diagnóstico do caso.

Nossa perspectiva é o diagnóstico estrutural, e para tal vam os tom ar alguns elem entos trazidos pela paciente à entrevista com o psicanalista e com eles cons-truir o caso. Esta construção é que vai nos levar à estrutura, aqui o que conta são os ditos do paciente articulados ao dizer, à enunciação, e é daí que tentarem os cernir a posição do sujeito na estrutura.

A partir dos ditos de Am anda, podem os localizar sua divisão subjetiva: ela diz que não fala, m as que quer falar. Seu sintom a é não falar, ela não sabe por que isto acontece. Acha que é de fam ília pois alguns de seus irm ãos, em especial o m ais velho, e sua avó m orreram loucos. Entretanto, na entrevista, ela fala articulada-m ente e conta sua história. Diz que não sabe por que é assiarticulada-m , que “dá essa coisa de não falar”, não fazer nada, m as que ela não sente nada: “fico lá parada sem reagir”.

Privilegiam os o recorte de duas cenas para desenvolver nosso argum ento. Prim eira cena: ela nos conta que quando era pequena, viu sua m ãe pedindo ao irm ão para falar e este não o fez. Ela diz: “ele ficava nervoso, ficava sem falar, a m inha m ãe ficava falando com ele, ele não respondia, ficava assim nervoso, aí eu tam bém ficava nervosa”. Esta cena se repete toda vez que Am anda adoece. Os ou-tros pedem que ela fale e ela não fala. Podem os inferir que ela se coloca num a posição especular em relação ao irm ão, tom ando este traço ‘não falar’ com o um

3 A equipe clínica é um a equipe m ultiprofissional com posta por psiquiatras, residentes em

psiquiatria, psicólogos, assistente social, terapeuta de fam ília, terapeuta ocupacional, enfer-m eiro e outros. Sua função é receber o paciente e ocupar-se dele ao longo do trataenfer-m ento na instituição.

4 A entrevista faz parte do projeto desenvolvido pelo psicanalista Antonio Quinet, com o tem a

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traço identificatório. Ela não se identifica com o irm ão e sim com aquilo que nele não atende à dem anda da m ãe. Am anda supõe, pela dem anda insistente da m ãe ao filho, que é este traço que causa o desejo na m ãe.

Segunda cena: ela conta que ao conversar com a m ãe sobre o pai que já havia m orrido diz, “eu acho que o papai não gostava de m im ”. Ao que a m ãe retruca: ‘gostava sim , porque ele pediu pra m im perdoar você’; “a m inha m ãe não quis m e perdoar, aí ele ajoelhou nos pés dela e pediu pra ela m e perdoar. Aí ela m e per-doou.” Esta cena tem especial interesse porque no a posteriori vai dar sentido ao ato falho que aparece logo no com eço da entrevista quando diz: “m inha doença co-m eçou aos 18 anos”. Esta teria sido a idade coco-m que fugiu de casa para se casar. Depois, ao ser solicitada a fazer as contas, ela confirm a que adoecera 18 anos e não aos 18 anos.

Através desse ato falho, ela nos diz que o que se constituiu com o um a cena traum ática foi a sua fuga de casa para se casar. Abandona o am or do pai para fugir com o m arido e, através dele, tentar obter o am or que supunha não ter do pai. Essa suposição se assenta no fato de ela dizer que o pai preferia a irm ã m ais velha.

O que podem os inferir neste caso é que a fuga de casa configurou-se com o um apelo ao pai na form a de um a dem anda de am or e é este apelo ao pai que fracassa com o tal quando, logo após a m orte deste, ela adoece pela prim eira vez.

Articulando a prim eira cena, da recusa do filho à dem anda da m ãe, com a segunda, do apelo fracassado ao am or do pai, podem os construir um a série onde Am anda se inscreve num a recusa ao Outro, agora encarnado no m arido, na fam ília atual e no tratam ento, e, por outro lado, fracassa em sua tentativa de se pôr com o objeto de am or do pai.

Tom ando o pai com o o que vem no lugar do Outro m etaforizar a m ãe, o apelo dirigido ao Outro tom a a form a de um apelo de am or ao pai, ser a filha preferida, ser o alvo do perdão paterno e dos apelos deste à m ãe. É a partir do pai no lugar do Outro que Am anda busca um a significação que a sustente, nesse caso, com o obje-to de am or, com o ‘am ada’. Um a doença ‘cedo dem ais’ ( o lapso dos 18 anos) para um am or que vem ‘tarde dem ais’ ( o pai m orto pode ser o desencadeador de sua doença atual) apontando um a falha em sua sustentação sim bólica.

No sintom a se condensam as duas cenas e Am anda se coloca em relação ao m arido na posição análoga à de seu irm ão para com a m ãe, dado o fracasso do apelo ao pai. A relação especular se dá com o irm ão em função da identificação produzida com o traço ‘não falar’.

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neurose. É o Nom e-do-Pai sob a form a de sintom a que possibilita que as séries se liguem e se superponham , articulando desejo, dem anda e gozo.

A estrutura existe pelos seus efeitos, portanto, vam os buscar estes efeitos. Am anda não apresenta nenhum dos fenôm enos típicos da psicose: não tem fenôm enos elem entares, não alucina nem delira e não produz neologism os. O que em erge é um a form ação do inconsciente que retorna sob a form a do sintom a que está lá para ser decifrado. Não retorna no real dos fenôm enos psicóticos, retorna no cam po do sim bólico sob a form a m etafórica do sintom a.

A esse propósito podem os pensar, a partir das indicações psiquiátricas, que o estado estuporoso apresentado pela paciente não é da ordem da catatonia pois não responde a um a form a de gozo absoluto do Outro. O Outro não goza dela, é ela que goza, quando entra no estado estuporoso, com o objeto de cuidados e preocu-pação. Ela sai deste estado com o eletrochoque m as isso não se sustenta por m uito tem po. A hipótese dos efeitos do ECT pode ir na direção de um a punição ou um a resposta absoluta do Outro sem apelação. De qualquer m odo, ela sem pre volta para apontar o furo no Outro, a inconsistência do saber m édico e de seus instru-m entos de força.

O seu gozo está inserido na ordem fálica, é um gozo na form a de sintom a articulado à cadeia significante. Ele vem no lugar daquilo que aponta um a falta no Outro, seu m utism o se lança com o enigm a ao Outro m ostrando nele um a incon-sistência.

Da m esm a form a, podem os dizer que seu estupor não é m elancólico, pois não estão presentes os fenômenos típicos da melancolia, quais sejam, a autocomiseração, a auto-acusação e a autoflagelação. O que aparece é um a indiferença com relação ao seu estado, um a ‘bela indiferença’, onde ela não se im plica no sintom a — “é de fam ília”; onde são os outros que querem que ela fale, são os outros que sofrem por ela, são os outros que devem cuidar dela.

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respondeu com toda a sua am bigüidade de falar dizendo que não podia falar, ora com o quem está im possibilitado ( um a identificação) ora com o quem guarda um segredo ( de am or?) .

Se quiserm os pensar em term os de um a nosologia, tem os que situar este sujei-to com o histérico, m as na verdade o que é fundam ental é que dando valor ao seu próprio discurso podem os destacar um significante que o representa e, neste caso, este está em seu próprio nom e: AMA. Estas três letras m arcam este sujeito no seu universo sim bólico, não só na sua particularidade m as tam bém na universalidade da estrutura da linguagem . Curiosam ente, AMA está presente no nom e de todos os seus irm ãos, im prim indo neles um a heráldica da união do casal parental. Tom an-do suas próprias palavras, na crise subseqüente à relatada, Am anda sai dizenan-do para a chefe da equipe: “É doutora, o m eu m al é am ar dem ais.”

Recebido em 31/ 1/ 2000.Aceito em 14/ 8/ 2000.

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Ana Cristina Figueiredo

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