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ESTRATÉGIAS DESENVOLVIDAS PELOS IDOSOS RESIDENTES NA COMUNIDADE PARA MORAREM SOZINHOS.

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ESTRATÉGIAS DESENVOLVIDAS PELOS IDOSOS RESIDENTES NA

COMUNIDADE PARA MORAREM SOZINHOS

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Francine Melo da Costa2, Priscila Tadei Nakata3, Eliane Pinheiro de Morais4

1 Artigo extraído da dissertação - Estratégias desenvolvidas pelos idosos para morarem sozinhos, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGENF) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2013.

2 Mestre em Enfermagem. Enfermeira do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: mcfrancine@gmail.com

3 Enfermeira da Unidade de Saúde da Família Campo Novo. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: priscilanakata@ gmail.com

4 Doutora em Enfermagem Fundamental. Professora Adjunto do Departamento de Assistência e Orientação Proissional da Escola de Enfermagem e do PPGENF da UFRGS. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: epmorais@hotmail.com

RESUMO: Este estudo objetivou analisar as estratégias desenvolvidas pelos idosos para morarem sozinhos. Trata-se de pesquisa qualitativa do tipo exploratória. Participaram 14 idosos residentes na comunidade pertencente à área de abrangência de uma unidade básica de saúde de um município do Sul do País. As informações foram coletadas por meio de entrevistas e analisadas pela técnica de análise de conteúdo temática. Para a análise das estratégias, foram constituídas três categorias, de acordo com os comportamentos identiicados. Estratégia 1: comportamentos em busca de apoio social; estratégia 2: comportamentos em busca de manter-se ativo; estratégia 3: comportamentos em busca de religiosidade. A análise das estratégias desenvolvidas pelos idosos possibilitou compreender de que forma utilizam os recursos disponíveis para lidar com as diiculdades inerentes ao processo de envelhecimento.

DESCRITORES: Idoso. Comportamento. Habitação.

STRATEGIES DEVELOPED BY COMMUNITY-DWELLING ELDERLY

PEOPLE TO LIVE ALONE

ABSTRACT: The aim of this study was to analyze strategies developed by the elderly in order to live alone. A qualitative, exploratory research was conducted with 14 elderly individuals, who lived in a community that belongs to the area assisted by a basic health unit in a city in southern Brazil. Data were collected through interviews and analyzed by means of the thematic content analysis technique. In order to analyze the strategies, three categories were constructed, according to the identiied behaviors. Strategy 1: behaviors in search of social support; strategy 2: behaviors in search of keeping active; strategy 3: behaviors in search of religiosity. The analysis of the strategies developed by the elderly enabled us to understand how they use the available resources to handle dificulties that are inherent to the process of aging.

DESCRIPTORS: Aged. Behavior. Housing.

ESTRATÉGIAS DESARROLLADAS POR LOS ANCIANOS RESIDENTES

EN LA COMUNIDAD PARA VIVIER SOLOS

RESUMEN:Este estudio objetivó hacer un análisis de las estrategias desarrolladas por los ancianos para que vivan solos. Se trata de una investigación cualitativa de tipo exploratoria. Participaron 14 ancianos residentes en la comunidad perteneciente al área de alcance de una unidad básica de salud de un municipio del sur del País. Las informaciones fueron recolectadas a través de entrevistas y analizadas por medio del contenido temático. Para el análisis de las estrategias se constituyeron tres categorías de acuerdo con los comportamientos identiicados. Estrategia 1: comportamientos en búsqueda de apoyo social; estrategia 2: comportamientos en búsqueda de mantenerse activo; estrategia 3: comportamientos en búsqueda de religiosidad. El análisis de las estrategias desarrolladas por los ancianos posibilita comprender la forma en que utilizan los recursos disponibles para lidiar con las diicultades inherentes al proceso de envejecimiento. DESCRIPTORES: Anciano. Conducta. Vivienda.

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INTRODUÇÃO

Há uma tendência mundial de idosos virem sozinhos, especialmente mulheres mais ve-lhas, viúvas e pobres.1 No Brasil, entre as pessoas com 60 anos ou mais, 13,8% vivem em domicílios unipessoais – aqueles compostos por uma única pessoa. Há evidências de correlação positiva entre a proporção de idosos e a proporção de unidades domésticas unipessoais.2

Investigações nacionais sobre o tema são escassas. Identiicou-se um estudo que pesquisou os diferentes aspectos condicionantes da vida dos idosos que moram sozinhos. Evidenciou-se que a espiritualidade e a atividade social foram estraté-gias utilizadas para lidar com a solidão e, para as situações práticas do cotidiano, os idosos recebiam ajuda principalmente de seus familiares e, em menor número, de amigos e vizinhos. Não houve menção de auxílio oferecido por órgãos do Estado.3

No cenário internacional, diversas pesquisas vêm sendo realizadas nesse âmbito e airmam que residir sozinho, para o idoso, pode ser um fator de risco para morbidade, mortalidade e pior qualidade de vida, gerando grandes demandas para os serviços de saúde.4-5 Isso ocorre devido ao processo de envelhecimento, cujo conjunto de alterações vivenciadas resulta em crescente dependência, que se traduz por uma necessidade de ajuda para a realização das atividades da vida diária; logo, morar só pode ser considerada uma circunstância complexa.

Frente à complexidade de fatores envolvi-dos nessa questão, é necessário conhecer quais as estratégias desenvolvidas pelos idosos para residirem sozinhos, sendo essa uma opção ou circunstância de vida. Consideram-se estratégias “[...] os comportamentos, manifestos ou não, que têm como objetivos minimizar a ação das condi-ções ambientais que causam danos e perdas ao indivíduo e, simultaneamente, aumentar a sua possibilidade de recuperação e bem-estar”.6:1351 As estratégias desenvolvidas materializam-se em comportamentos,6 entendidos como o conjunto de reações de um indivíduo aos estímulos e que são observáveis objetivamente. A adoção de um com-portamento envolve vários fatores, individuais e coletivos, que variam de pessoa para pessoa; a manutenção desse comportamento está vinculada à expectativa de êxito.7

Tendo em vista o evidente aumento no núme-ro de idosos que moram sozinhos no Brasil sendo essa uma situação que carece de investigações na

realidade nacional, questiona-se: quais são as estra-tégias desenvolvidas pelos idosos para que possam morar sozinhos frente às diiculdades físicas, eco -nômicas, emocionais e de saúde que possivelmente surgem com o processo de envelhecimento? Para responder a essa questão, constitui-se objetivo deste estudo analisar as estratégias desenvolvidas pelos idosos para morarem sozinhos.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo exploratório de abor-dagem qualitativa.8 A seleção dos participantes foi realizada a partir do estudo de coorte Porto Alegre Longitudinal Aging (PALA)9 e do cadastro da Unidade Básica de Saúde (UBS) de um hospital universitário do Rio Grande do Sul (RS), unidade de referência para os bairros onde residem os idosos do PALA. Esse serviço, bem como a área do estudo, pertencem ao Distrito sanitário do mu-nicípio com a maior proporção de idosos.10

A escolha por selecionar os participantes da coorte e os usuários da UBS para a investigação pautou-se na recomendação de estudo3 já realizado na realidade brasileira com idosos que moram so-zinhos, o qual alerta sobre a diiculdade de acesso a essa população pelo medo de partilhar informa-ções e pelo sentimento de vulnerabilidade expres-so pelos idoexpres-sos. Logo, pretendeu-se obter maior facilidade de acesso aos participantes, estando eles vinculados a um estudo/serviço de referência com os quais já haviam estabelecido coniança.

Os participantes foram selecionados por amostragem intencional.8 Participaram idosos de diferentes grupos etários, objetivando-se con-templar idosos jovens e idosos mais velhos, de ambos os sexos. Foram critérios de inclusão: ser sujeito da coorte PALA e/ou residir na área de abrangência da referida UBS, estar cadastrado na unidade e declarar-se residindo sozinho há mais de seis meses. Foram critérios de exclusão: não ser encontrado após três tentativas de contato, em diferentes horários e dias da semana, incluindo sábados e domingos, através de contato telefônico ou visita domiciliar.

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As informações foram coletadas no período de abril a setembro de 2012 por meio de entrevista estruturada com perguntas abertas e fechadas. Das 14 entrevistas realizadas, cinco foram conduzidas na presença de um acompanhante, sendo respei-tada a preferência do idoso.

Foi utilizada a análise temática,11 com o apoio do software Qualitative Solutions Research NVivo (QSR NVivo) 8.0. Trata-se de uma das técnicas de análise de conteúdo, sendo realizada em três etapas: 1) pré-análise, 2) exploração do material e 3) tratamento e interpretação dos resultados.11 A análise dos dados referentes à caracterização dos participantes foi realizada por meio de estatística descritiva.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob o número 120058/2012 e atendeu termos da Resolução número 196/1996.12 Obteve-se autorização da coordenação do estudo PALA para utilização das informações. Os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,

sendo um elaborado para os idosos do PALA e outro, para os idosos da UBS. A im de preservar o anonimato dos participantes da pesquisa, eles foram identiicados por códigos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dos 14 idosos entrevistados, 11 eram mulhe-res. A idade dos entrevistados variou entre 60 e 91 anos, com média de 79,3 anos (desvio padrão [DP]±9,2). A média de anos de estudo foi de 8,6 anos (DP±4,8). A maior parte era viúva e vivia com até dois salários mínimos. A média de anos em que os idosos moravam sozinhos foi de 19 anos (DP±14,2), variando entre três e 60 anos. Com re-lação aos motivos pelos quais residiam sozinhos, a maioria (12) dos entrevistados referiu ser em razão da morte das pessoas com as quais residiam.

Com a análise do material produzido, foi possível agrupar as falas dos entrevistados em ca-tegorias empíricas, conforme os temas emergidos, apresentadas no quadro 1.

Quadro 1 – Descrição das estratégias desenvolvidas pelos idosos para morarem sozinhos de acordo

com os comportamentos identiicados. Porto Alegre-RS, Brasil, 2013

Estratégias Comportamentos Achados

Estratégia 1 Comportamentos em busca de apoio social

• Buscar apoio de familiares, amigos e vizinhos. • Ser fonte de apoio para a família.

• Morar próximo daqueles que fornecem apoio. • Manter proximidade nas relações afetivas. Estratégia 2 Comportamentos em busca de manter-se ativo • Praticar atividades de lazer.• Participar de atividades da comunidade.

Estratégia 3 Comportamentos em busca de religiosidade • Rezar/orar para ter saúde.• Rezar/orar para evitar a solidão.

Estratégia 1 – Comportamentos em busca de

apoio social

A análise dos achados indica que os idosos entrevistados, mesmo morando sozinhos, apre-sentavam limitações para a realização de algumas atividades diárias e, para tanto, buscavam o apoio de familiares, amigos e vizinhos, especialmente das ilhas, para suprir suas necessidades, como observado na seguinte fala: para arrumar a casa, a

ilha vem e limpa [...] eu almoço com ela [ilha] também.

[Ela que faz a comida para o senhor?] Faz (E13). A maior parte dos idosos entrevistados não relatou necessidade de ajuda no autocuidado, po-rém com frequência foram relatadas diiculdades para as atividades na comunidade, como fazer compras e ir ao banco: se eu preciso sair, eu chamo

o genro ou a ilha. Porque daí já é uma exibição querer

andar sozinha. Porque eu sei que eu tenho 90 anos e

eu sei que tenho que saber o que eu devo fazer (E10).

Essas diiculdades estavam associadas às limita -ções físicas, como o peso das compras e o medo de quedas, ou às questões de segurança, como na ida aos bancos, corroborando com o achado em estudo no qual uma das maiores diiculdades para os idosos que moram sozinhos é a necessidade de segurança física.13

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importantes preditores de saúde física e bem-es-tar, compreendendo um processo que envolve os indivíduos e suas redes sociais, com o objetivo de satisfazer as suas necessidades, prover e comple-mentar os recursos e enfrentar novas situações.14

A rede de apoio social refere-se à organiza-ção do vínculo das pessoas umas com as outras. A rede de apoio formal é composta pelas políticas públicas direcionadas à população idosa em geral, agregando serviços de atenção à saúde. A rede de apoio informal é caracterizada por aspectos como espontaneidade e reciprocidade, que auxiliam o idoso a manter vínculos e proporcionam bem-es-tar, sendo composta pela família, pela comunida-de, pelos amigos e vizinhos.14

No Brasil, tal como evidenciado na presente investigação, os cuidados aos idosos são prestados predominantemente por suas famílias e, na falta delas, por amigos e vizinhos. Não existem pro-gramas formais, por parte do Estado, que sejam efetivamente aplicados para prestar assistência aos idosos que não podem contar com auxílio da família, e para os quais a institucionalização ainda é a principal alternativa.3 A maioria dos idosos en-trevistados também se refere à institucionalização como a primeira escolha quando não puderem mais permanecer sozinhos em seus domicílios, mesmo entre aqueles que têm ilhos: vou ter que me entregar pra uma casa geriátrica, pra uma coisa

assim. (E6).

Um aspecto preocupante relacionado com a capacidade de realizar as atividades diárias e o autocuidado foi o número signiicativo de relatos de quedas. Dentre os entrevistados, dez relataram ter sofrido ao menos uma queda no domicílio ou na rua no último ano: esses tempos eu cai lá perto da

porta da frente, aí não podia levantar e não podia nem

pegar o telefone, quando eu caio não posso levantar [...]

aí, fui igual uma criança me arrastando pra perto do

sofá (E1). Investigação aponta que os idosos que

moram sozinhos tendem a apresentar maior nú-mero de quedas em relação aos idosos que moram acompanhados.4

As quedas normalmente ocorrem em casa. As consequências das lesões sofridas em uma ida-de avançada são mais graves do que entre pessoas mais jovens. Para lesões da mesma gravidade, os idosos experimentam mais incapacidade, período de internação e reabilitação mais longo, maior de-pendência posterior e, inclusive, risco de morte.1

A percepção tradicional de que as quedas sejam “acidentes” resultou em uma negligência histórica nessa área da saúde pública. A maior

parte das quedas pode ser prevenida. As constru-ções devem considerar as necessidades de saúde e de segurança das pessoas idosas, assim como os obstáculos presentes nas residências. A avaliação dos proissionais da saúde, por meio de visita do -miciliar, é uma alternativa, sendo possível sugerir ou auxiliar nas adaptações no domicílio.1

Mesmo não sendo questionados sobre o assunto, os idosos salientaram que, muitas vezes, eram eles os fornecedores de apoiopara a família, os amigos, os vizinhos e, especialmente, para os ilhos e netos. A principal forma de ajuda fornecida é a inanceira: agora o meu neto está desempregado. Ele não tinha terminado a faculdade e eu estou pagando para

ele [...] eu me sinto feliz com isso (E4). Chama atenção a importância atribuída pelos idosos ao fato de que eles também são provedores de apoio. Estudo aponta que, devido à percepção de dependência, falta de autonomia e incapacidade em retribuir a ajuda recebida, o idoso pode ter sua autoestima abalada. Assim, quanto mais balanceadas as rela-ções de troca, maiores serão os benefícios físicos e psicológicos para os idosos,14 podendo ser uma possível explicação para a sua satisfação em ajudar familiares e amigos, salientando tal ajuda.

Identiicou-se ainda na fala dos idosos que residir próximo às pessoas que forneciam apoio era facilitador para recebê-lo: morar perto das

pes-soas, que sozinho ninguém vive. Posso viver sozinho, mas à direita ou à esquerda tem que ter alguém para

pedir socorro. É lógico! (E12). Os idosos que tinham mais de um ilho residiam próximo daquele que fornecia mais apoio. Os achados evidenciam que a proximidade da residência dos ilhos pode ser entendida como um comportamento tanto do idoso quanto da família para auxiliá-lo em suas atividades diárias e estar rapidamente disponível em caso de necessidade. As falas da entrevistada E3 e de sua ilha (presente na entrevista) exempli -icam esse achado: eu estou sempre controlando ela [idosa]. De manhã, eu boto o jornal embaixo da porta,

com um pedacinho pra fora, assim eu ico cuidando, se ela já pegou o jornal, sinal que ela já levantou, que ela

está bem, entendeu? (Filha da E3).

Além da proximidade geográica, a proximi -dade das relações afetivas com amigos e vizinhos também foi apontada como um aspecto importante para a busca de apoio social, especialmente entre aqueles que não moravam próximo aos ilhos ou aqueles que não os tinham: ali no bazar [próximo à casa da idosa] também dei a minha chave [de casa].

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eles têm a chave. Eles são muito atenciosos, são muito

bons para mim (E8).

Essa proximidade e/ou o bom relaciona-mento com amigos e vizinhos é essencial para a manutenção da amizade e do companheirismo. Além disso, serve para que o idoso tenha a quem recorrer em caso de necessidade, ou mesmo para auxiliar em algumas tarefas diárias, inclusive para a manutenção de sua segurança.3 Idosos que nunca se casaram ou não tiveram ilhos desenvolvem, ao longo dos anos, um estilo de vida extrafamiliar, ampliando suas relações com amigos e garantin-do a manutenção de uma vida independente na velhice.15

A estratégia que compreende comporta-mentos de busca por apoio social, especialmente o apoio informal, aquele fornecido por familiares, amigos e vizinhos, é bastante utilizada. Os achados desta investigação indicam que, apesar do estilo de vida independente, os idosos entrevistados apresentam limitações para algumas atividades diárias, sendo essencial receber apoio para que possam realizá-las e, ao mesmo tempo, permane-cer sozinhos e seguros em seus domicílios.

Estratégia 2 - Comportamentos em busca de

manter-se ativo

Os achados indicam que, apesar das possí-veis limitações inerentes à idade, os idosos entre-vistados tentam manter-se ativos: eu saio muito de

dia, de dia tu não me encontra em casa, porque eu tenho

muita atividade [...] eu faço ginástica, faço exercícios,

faço o meu tricô, faço fuxico, faço um monte de coisa.

Bordo ponto cruz. É muito legal, é uma coisa muito boa. É um entretenimento (E5).

Para os participantes da pesquisa, essas atividades receberam importante destaque nas falas, pois representam uma forma de trabalhar o corpo e a mente, mantendo-se ocupados e produ-tivos. Esse fato diverge de estudos realizados com essa população,3,16 que não apresentam em seus resultados aspectos relacionados às atividades de lazer. Infere-se que a maior escolaridade e os melhores níveis socioeconômicos característicos da região, onde os idosos entrevistados residem, podem ter inluência na adoção dessas atividades. Estudo com idosos paulistanos constatou que as atividades de lazer, como assistir à televisão e realizar atividades manuais, podem ter efeito pro-tetor sobre a capacidade funcional, já que envolvem aprendizagem, estímulo cognitivo e mecanismos compensatórios da rede de apoio social.17

A consciência de que certos comportamen-tos trazem benefícios ao indivíduo atua como fator motivacional para a sua manutenção,7 algo bastante observado em relação a essa categoria, como exempliicado na fala a seguir: eu faço palavra

cruzada diicílima. Então eu tenho uma memória muito

boa. Eu não preciso tomar nota das coisas [...] os idosos

às vezes têm diiculdades, mas isso é porque não fazem

palavra cruzada (E4).

Outro comportamento identiicado, que pa -rece repercutir positivamente entre os idosos, é a participação em atividades da comunidade. Dos 14 entrevistados, nove participavam de grupos vinculados à universidade, aos serviços de saúde, aos clubes sociais, às instituições de voluntariado ou religiosas: procurar ter uma atividade, participar,

porque não adianta a pessoa morar sozinha e icar socada dentro de casa sem ter com quem falar. Esse meu grupo é uma diversão e a turma é muito boa! Lá a gente tem várias atividades, por exemplo, na próxima sexta, o grupo vai fazer um carreteiro. Dia 29, a gente vai fazer

a nossa festa junina [...] e já está programado agora pra

setembro um piquete [...] aquela turma que tu simpa

-tizas mais, tu trocas telefone, e-mail, tudoisso (E14). A participação dessa população em grupos é pouco relatada em outros estudos, o que diverge desta investigação. Os grupos de convivência de-sempenham um papel importante para os idosos que moram sozinhos, porém esse tipo de iniciativa ainda é incipiente e não supre a demanda criada por aqueles que não se adaptam a determinadas atividades.3,16 Essas são ações importantes, já que se sentir socialmente inserido oferece um benefício considerável para esse grupo, seja diminuindo a monotonia e a tristeza, seja reairmando a possibi -lidade de ser ativo.7 Além disso, o relacionamento com amigos decorrente da participação em grupos protege da perda funcional e proporciona relações de cooperação e interatividade, demonstrando a relevância das relações sociais e afetivas.17

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grupos em comunidade mais isoladas. Isto facilita o deslocamento dos que residem nesses locais e, consequentemente, amplia sua participação.

Estratégia 3 - Comportamentos em busca de

religiosidade

Neste estudo, optou-se pelo termo “religio-sidade”, pois todos os idosos izeram referência a alguma religião especíica, com suas práticas e seus rituais. Religião pode ser deinida como um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos destinados a facilitar a proximidade do indivíduo com o sagrado ou o transcendente.18

As práticas religiosas foram destacadas como aspectos importantes para a maioria dos idosos desta pesquisa, considerando-se que os comporta-mentos religiosos são bastante frequentes na idade avançada.19 As atividades mais mencionadas foram práticas individuais, como rezar/orar. Práticas em grupo como ir a missas, cultos e encontros, apesar de mencionadas, receberam menor destaque. Es-tudo que investigou a religiosidade entre idosos internados em uma enfermaria geriátrica destacou que as limitações físicas com as quais se deparam, como diiculdade de locomoção, medo de quedas e medo de sair sem companhia, fazem com que as práticas individuais sejam as preferidas.20

Assim, um dos comportamentos identiica -dos foi rezar/orar para ter saúde, conforme exem-pliicado nas falas a seguir: eu iquei 40 dias ‘baixado’ e ‘os doutor’ disseram que eu não ia mais caminhar,

mas com a minha reza eu voltei a caminhar (E12). Eu agradeço a Deus todos os dias [...] Jesus me dá a bênção

que eu não preciso comprar remédio (E9). Para o idoso,

manter a independência e a autonomia costuma estar mais associado à saúde do que a ausência de doenças, fato evidenciado na seguinte fala: eu me

atendo sozinha e peço todo dia quando eu rezo, peço a

Deus que me ajude a continuar assim (E3).

Estudos constatam as implicações que a religiosidade pode ter sobre os fenômenos rela-cionados à saúde e ao adoecer, com ênfase em seu papel como estratégia de enfrentamento na expe-riência do processo saúde/doença.19,21-22 Pesquisa veriicou que o enfrentamento religioso tem como função regular a resposta emocional causada pela experiência corporal de incapacidade, tendo em vista que, na percepção dos idosos desse estudo, a realidade da incapacidade funcional era difícil e dolorosa.21

Para alguns idosos da presente pesquisa, além das repercussões na saúde física, a prática

religiosa de rezar/orar ajuda a evitar a solidão implicada na circunstância de morar só: tem dias

que eu levanto triste, não sei. Aí eu brigo comigo mes

-ma, digo: Te acorda! Vai trabalhar! Esses dias, a minha

irmã foi me visitar, ela foi lá na cozinha e disse: ‘Mas tu tá falando com quem?’ Deus está me ouvindo! Ele

não me deixa sozinha! (E11). Para esses idosos, “a

presença de Deus” proporciona uma companhia que alivia a solidão, compensando a necessidade de outro ser humano.21

Pesquisas nacionais evidenciaram que, para lidar com a solidão, idosas que viviam sozinhas adotavam mecanismos compensatórios relaciona-dos à religiosidade.3,16 No contexto internacional, uma revisão com quase 850 pesquisas examinou a relação da religiosidade com a saúde mental refor-çando a associação do envolvimento religioso com maiores níveis de satisfação com a vida, bem-estar, esperança e otimismo.23

A estratégia que engloba os comportamentos em busca de religiosidade repercute positivamen-te na saúde física e mental dos idosos, positivamen-tendo em vista que, conforme evidenciado na literatura, oferece benefícios especíicos para aqueles que moram sozinhos, especialmente com relação aos mecanismos compensatórios para evitar a solidão. No entanto, é necessário reletir sobre essa prática. Pesquisa adverte que a crença religiosa é carregada de uma descrença nos serviços públicos de saúde. Quando os idosos rezam para resolver seus proble-mas de saúde, incapacidade ou solidão, transferem a Deus a responsabilidade pelo enfrentamento ou pela solução de sua realidade. Tal comportamento gera passividade e conformismo, os quais tendem a naturalizar o processo de envelhecimento com incapacidade. Essa é uma característica da cultura brasileira que colabora para minimizar a respon-sabilidade social e governamental.21

CONCLUSÕES

A análise das estratégias desenvolvidas pelos idosos para morarem sozinhos auxilia a apro-fundar o conhecimento sobre o seu cotidiano e a compreender como fazem para lidar diariamente com as diiculdades enfrentadas e os recursos disponíveis para isso.

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indicado analisar grupos de diferentes níveis so-cioeconômicos e contextos culturais, já que pode haver diferenças consideráveis nas estratégias desenvolvidas e em suas características.

Conclui-se que há nítidos problemas de enfermagem envolvendo os idosos que moram sozinhos, como, por exemplo, as limitações para a realização de algumas atividades diárias e o alto número de quedas. A atuação da enfermagem e da equipe de saúde, como um importante dis-positivo de intervenção sobre esses problemas, pode pautar-se no maior estímulo à adoção dos comportamentos identiicados neste estudo e na avaliação adequada dos idosos capazes ou não de morar sozinhos, além de conhecer suas famílias. Dessa maneira, mais alternativas de apoio formal seriam desenvolvidas, qualificando a prática assistencial e permitindo o planejamento de ações de saúde voltadas a esses indivíduos, em uma perspectiva de avaliação individual e de apoio social. Tal medida estimularia comporta-mentos promotores e protetores tanto da saúde quanto do bem-estar, auxiliando os idosos na “tarefa” de morar sozinho.

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Referências

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