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Sentir-se impotente: um sentimento expresso por cuidadores de vítimas de violência sexual.

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Academic year: 2017

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SENTI R-SE I MPOTENTE: UM SENTI MENTO EXPRESSO POR CUI DADORES DE

VÍ TI MAS DE VI OLÊNCI A SEXUAL

1

Maria Eduarda Cavadinha Correa2

Liliana Maria Labronici3

Tat iane Herreira Trigueiro4

Trat a- se de pesquisa fenom enológica que t eve com o obj et ivo desvelar o significado da vivência no cuidar de vít im as de violência sexual. Foi realizada de dezem bro de 2006 a m arço de 2007, com 12 profissionais de saúde. A colet a dos discursos ocorreu m ediant e ent revist a sem iest rut urada gravada, e a análise se deu pela descrição, redução e com preensão do fenôm eno. Dessa, em ergiu o t em a: sent ir- se im pot ent e, um sent im ent o expresso por corporeidades cuidadoras de vítim as de violência sexual. O sentim ento de im potência é alim entado cont inuam ent e no cot idiano dos profissionais, diant e da im possibilidade de resolver a sit uação da violência, de problem as que em ergem da subj etividade do outro, bem com o de questões sociais, porque não foram preparados para isso. Assim , é im prescindível que o t em a sej a abordado t ant o na graduação com o na pós- graduação dos cursos da área da saúde e hum anas, a fim de que esses profissionais possam atuar adequadam ente, e que as inst it uições pr om ovam capacit ação per m anent e.

DESCRI TORES: violência sexual; prát ica profissional; pessoal de saúde; relações profissional- pacient e

FEELI NG POW ERLESS: A FEELI NG EXPRESSED BY CAREGI VERS OF

SEXUAL VI OLENCE VI CTI MS

This phenom enological st udy aim ed t o reveal t he m eaning of providing care t o vict im s of sexual violence. The st udy was carried out from Decem ber 2006 t o March 2007 wit h 12 healt h professionals. Dat a were collect ed t hrough t ape- recorded sem i- st ruct ured int erviews, whose analysis followed t he phenom enological t raj ect ory. The following t hem e em erged: Feeling powerless, a feeling expressed by caregivers of sexual violence vict im s. The feeling of powerlessness is cont inuously fed by healt h professionals’ daily rout ines, given t he im possibilit y of solving situations of violence, of problem s that em erge from the other’s subj ectivity, as well as social issues, because t hese pr ofessionals w er e not t r ained for t hat . Thus, it is essent ial t o addr ess t he issue bot h in under gr aduat e and gr aduat e pr ogr am s in healt h and hum an ar eas. I nst it ut ions should pr om ot e cont inuing educat ion so t hat t hese professionals can act properly.

DESCRI PTORS: sexual violence; professional pract ice; healt h personnel; professional- pat ient relat ions

SENTI RSE I MPOTENTE: UN SENTI MI ENTO EXPRESADO POR CUI DADORES

DE VÍ CTI MAS DE VI OLENCI A SEXUAL

Se t rat a de una invest igación fenom enológica que t uvo com o obj et ivo desvelar el significado de la vivencia de cuidar de víctim as de violencia sexual; fue realizada de diciem bre de 2006 a m arzo de 2007, con 12 profesionales de la salud. La recolección de los discursos ocurrió m ediante entrevista sem iestructurada grabada, y el análisis se r ealizó por la descr ipción, r educción y com pr ensión del fenóm eno; de est e, em er gió el t em a: sent ir se im pot ent e, un sent im ient o ex pr esado por el cuer po de las cuidador as de v íct im as de v iolencia sex ual. El sent im ient o de im pot encia es alim ent ado cont inuam ent e en lo cot idiano de los profesionales - delant e de la im posibilidad de resolver la sit uación de la violencia, de solucionar problem as que em ergen de la subj et ividad del ot ro y de cuest iones sociales - porque no fueron preparados para esas sit uaciones. Así, es im prescindible que el t em a sea abordado t ant o en la graduación com o en la posgraduación de los cursos de las áreas de la salud y hum anas, a fin de que esos pr ofesionales puedan act uar adecuadam ent e, y que las inst it uciones pr om uev an capacit ación per m anent e.

DESCRI PTORES: violencia sexual; práct ica profesional; personal de salud; relaciones profesional- pacient e

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I NTRODUÇÃO

A

violência é fenôm eno m undial com plexo, que se apresent a m ediant e m ult iplicidade de form as de expressão em todas as sociedades e em diferentes ce n á r i o s. At u a l m e n t e , t o r n o u - se a t ô n i ca d o cot id ian o( 1 ), e é, sem d ú v id a alg u m a, o p r in cip al

problem a que se está enfrentando, um a vez que deixa de ser um fat o exclusivam ent e policial para ser um pr oblem a social( 2), afet ando a população em ger al,

nas diferent es faixas et árias, independent em ent e da et nia, classe social e sit uação econôm ica.

Nunca se falou tanto em violência e em com o com bat ê- la, con t u do, a sen sação de im pot ên cia é cad a v ez m ai o r( 1 ). Um f at o r q u e co r r o b o r a essa

im pot ência é a sua m or bidade, que é difícil de ser m ensur ada, sej a pela escassez de dados sej a pela im p r ecisão d as in f or m ações g er ad as, at r av és d os bolet ins de ocorrências policiais e, ainda, pela pouca visibilidade que t êm det erm inados t ipos de agravos ou pela m ult iplicidade de fat ores que envolvem at os violent os( 3).

No que diz respeit o à violência sexual cont ra a m ulher, o Minist ério da Saúde ent ende que o ideal é q u e o a t e n d i m e n t o se j a p r e st a d o p o r e q u i p e int er disciplinar, com post a por m édicos, psicólogos, en f er m eir os e assist en t es sociais, e qu e cada u m cu m p r a seu p ap el esp ecíf i co . A f i m d e q u e i sso ocor r a, t od os d ev em est ar sen sib ilizad os p ar a as q u est ões d a v iolên cia, e ser em cap acit ad os p ar a a c o l h e r e o f e r e c e r s u p o r t e à s p r i n c i p a i s dem an das( 4 ).

Na ci d a d e d e Cu r i t i b a , PR, a Se cr e t a r i a Municipal, at ravés do program a Mulher de Verdade, vem desenvolvendo o prot ocolo de At enção à Mulher Vít im a d e Violên cia, n a t en t at iv a d e of er ecer ao profissional de saúde m ét odos para det ect ar sinais e si n t o m a s d a a g r e ssã o , f o r m a s d e a b o r d a g e m e acolhim ento, e inform ações para orientar as m ulheres que procuram aj uda nas unidades de saúde.

Os profissionais da saúde, ao desenvolverem o p r ot ocolo d e at en d im en t o, n ão est ão ex p ost os apenas às m arcas det ect áveis at ravés de aparelhos so f i st i ca d o s d e d i a g n ó st i co cl ín i co , q u e p o d e m con d u zir à ex t er ior ização d e q u eix as e sin t om as, d e n o t a n d o p r o b l e m a s d e sa ú d e e v i d e n t e s, e l e s t am bém com part ilham o sofrim ent o, a dor, o m edo, a tristeza, gerados pela violência sofrida, e acum ulam em seus cor pos o v iv ido pelas v ít im as de v iolência sexual, que podem afet á- los.

Diant e do expost o, est a pesquisa t eve com o obj et ivo: desvelar o significado da vivência no cuidar de vít im as de violência sexual.

MÉTODOS

A pesquisa em t ela é fenom enológica e foi fundam ent ada nos conceit os de corpo, corporeidade e percepção( 5). A opção pela fenom enologia se deu,

p or q u an t o, ao p ossib ilit ar ir além d o m u n d o d as a p a r ê n ci a s e d o s co n h e ci m e n t o s t e ó r i co s, a i n v est i g ação b u sca ap r o x i m ar - se d a ex p er i ên ci a hum ana sob novas per spect ivas, par a com pr eendê-la a part ir de sua dim ensão exist ência.

A pr opost a fenom enológica é invest igar, de form a direta, as vivências hum anas para com preendê-las sem se pr en der às ex plicações cau sais, ou às gener alizações, e t em com o obj et iv o a obser v ação direta e a descrição dos fenôm enos que são sentidos pela con sciên cia( 6 ). Par a qu e isso se con cr et ize, o

pesquisador deve abdicar de pressupost os, hipót eses ou teorias explicativas, para “ ir- à- coisa- m esm a”, quer dizer, buscar a ex per iência conscient e do indiv íduo que é v iv ida de m odo único e pessoal, cont ida no m undo subj et ivo de cada um , e pode ser conhecida por m eio do que é revelado( 7).

O vivido se dá no corpo, o prim eiro e único lugar da experiência hum ana( 8), é espaço expressivo,

conj unt o de significações vividas, veículo do ser no m undo, que é capaz de ver, de sofrer, de pensar, de expressar. Assim , o corpo é o concret o da exist ência h u m an a e su as m ú lt iplas f or m as de ex pr essão se revelam na corporeidade. É ele que possibilit a, pela percepção, o acesso ao m undo, ao saber. A percepção é o encontro do suj eito com o m undo, e se apresenta com o m osaico “ de um conj unto de obj etos distintos”, devido à “ recordação de experiências ant eriores”( 5).

Os ce n á r i o s o n d e e st a p e sq u i sa f o i desenvolvida for am hospit ais, cent r os de r efer ência da cidade de Curit iba para at endim ent o à vít im a de violência sexual. O período de obtenção dos discursos foi de dezem bro de 2006 a m arço de 2007, com 12 profissionais de saúde, que possuem nível superior e atendem a vítim as de violência sexual: 4 enferm eiros, 3 m édicos, 2 psicólogos e 3 assist ent es sociais.

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e n t r e g u e a o s co m i t ê s d e é t i ca d a s i n st i t u i çõ e s envolvidas na pesquisa para ciência.

Com o int uit o de gar ant ir o anonim at o dos a t o r e s e n v o l v i d o s, f o r a m co l o ca d o s a l g a r i sm o s arábicos de 1 a 12, seguindo a ordem de realização das en t r ev ist as par a a iden t ificação dos discu r sos obt idos.

A obt enção dos discursos ocorreu por m eio de ent revist a sem iest rut urada gravada, e t ranscrit a em su a t o t al i d ad e p ar a b u scar a ex p r essão d as e x p e r i ê n ci a s v i v i d a s, co n t e m p l a n d o a se g u i n t e quest ão: fale- m e sobre a sua experiência em cuidar de vít im as de violência sexual.

Algum as dificuldades pert inent es à obt enção dos discursos foram encont radas: o reduzido núm ero d e p r o f i ssi o n a i s q u e t r a b a l h a m co m v ít i m a s d e violência nos cent ros de referência, a não aceit ação d e 2 p r of ission ais p ar a p ar t icip ar d a p esq u isa, a d i f i cu l d a d e em r el a çã o a o t em p o q u e o s a t o r es part icipant es dispunham para a ent revist a, além da im p ossib ilid ad e d e m ar car ou t r o h or ár io f or a d o am biente de trabalho para a realização da entrevista. A análise dos discursos seguiu os seguint es m om ent os: a descrição, a redução e a com preensão fenom enológica( 9). A descr ição fenom enológica é a

exposição de um fenôm eno de form a contextualizada, e que visa a busca da essência e da t ranscendência a t r a v é s d e su a a n á l i se , i n t e r p r e t a çã o e com pr eensão( 10) . Trat a- se de inv est igação daquilo

que se m ost ra e que é possível ser descobert o, m as n em sem p r e é v ist o. Dá- se m ed ian t e o d iscu r so ingênuo do at or, a part ir de sua experiência vivida, f o r n e ce i n d i ca çã o d e co m o o su j e i t o p e r ce b e det erm inado fenôm eno, é “ a t om ada de posição do suj eit o no m undo de suas significações”( 5).

A r edu ção é u m r et or n o à descr ição par a q u est ion á- la, e t em com o ob j et iv o d et er m in ar e se l e ci o n a r q u a i s a s p a r t e s d a d e scr i çã o sã o consider adas essenciais daquelas que não o são. O que se desej a com ela é encontrar exatam ente quais par t es da ex per iência são v er dadeir am ent e par t es da consciência, difer enciando- as daquelas que são sim plesm ent e supost as( 9) . É nesse m om ent o que se

d á a t r a n sf o r m a çã o d a s ex p r essõ es d o a t o r em linguagem do pesquisador, criando, assim , unidades de significado na t ent at iva de buscar a com preensão d o f e n ô m e n o . Qu a n d o o p e sq u i sa d o r a ssu m e o result ado da redução com o conj unt o de unidades de significados que m ost ram a consciência que o suj eit o

t em d o f en ôm en o, su r g e o t er ceir o m om en t o: a com pr eensão fenom enológica.

A com preensão fenom enológica se const it ui no m om ent o de const rução da sínt ese das unidades de significado, desv ela a consciência que o suj eit o t em do fenôm eno, at ravés da int erpret ação de suas falas, em linguagem que sustente o que o pesquisador está buscando( 10). Assim , ela nada m ais é do que um

exercício de int ersubj et ividade e herm enêut ica, que p e r m i t e a ca p t a çã o d a e x p e r i ê n ci a v i v i d a subj et iv am ent e sem ex plicações.

Ao finalizar essa t raj et ória em ergiu o t em a: sent ir - se im pot ent e - um sent im ent o ex pr esso por cor p or eid ad es cu id ad or as d e v ít im as d e v iolên cia sex u al.

RESULTADOS

Não há nada que possa acont ecer for a do corpo porque ele é o concret o da nossa exist ênciae lu gar on de t odas as ex per iên cias e v iv ên cias são ar m azen ad as d u r an t e a t r aj et ór ia ex ist en cial n as dim ensões pessoal, social e profissional. É o espaço onde “ tudo perm anece; do fazer ver e da fala e onde t udo se m ost ra”( 5).

Os pr of ission ais de saú de qu e at en dem a vít im as de violência sexual m uit as vezes lidam com a própria angúst ia diant e das lim it ações hum anas e do sist em a de saúde, por que, de algum a m aneir a, t o d o s p r eci sa m se ex p o r. Essa ex p o si çã o su p õ e m ostrar as fragilidades, as vulnerabilidades e as suas l i m i t a çõ e s, e p o d e se r co n st a t a d a n o se g u i n t e fragm ent o do discurso:

Eu acho que a lim itação é j ustam ente essa de eu vou

sentar com você e vou chorar j unto sabe, é difícil você se m anter

com os relatos. Você tem vontade de chorar, de gritar. Você conhece

suas lim itações atendendo. Atender essas m ulheres m exe m uito

com suas lim itações, sabe. Até onde que eu consigo ir, até onde

eu estou sendo profissional em atender, até onde, até onde eu

estou deixando o profissional de lado e vou m e indignar com essa

m ulher, ou vou chorar com essa m ulher. Então é isso que eu falo

em m exer com as lim itações ( Ent revist ado 7) .

(4)

A p er cep ção é o sen t id o q u e in au g u r a a abert ura para o m undo com o a proj eção de um ser para fora de si. Quando o ser hum ano se depara com algo qu e se apr esen t a dian t e de su a con sciên cia, prim eiro o not a e o percebe em t ot al harm onia com sua for m a, a par t ir de sua consciência per cept iv a. Após perceber o obj eto, esse entra em sua consciência e p assa a ser u m f en ôm en o. Com a in t en ção d e percebê- lo, o ser hum ano o intui, im agina- o em toda sua plenit ude, e será capaz de descrever o que ele r e a l m e n t e é . D e ssa f o r m a , o co n h e ci m e n t o d o fenôm eno é gerado em t orno do próprio fenôm eno. Assim , “ t od a con sciên cia é p er cep t iv a, m esm o a consciência de nós m esm os”( 5), ou sej a, a consciência

de que som os corpo.

O corpo é unicidade e m ediador da relação hum ana com o m undo, est ar no m undo e o hom em se relaciona com esse e com o out ro m ediant e sua corporeidade, isto é, sua form a de se expressar. Então, o at endim ent o aos cor pos v iolent ados sex ualm ent e é ex er cid o p or cor p os v iv en t es, e o seu f azer é constituído na corporeidade e pela corporeidade, onde os profissionais têm o cuidar do hum ano com o proj eto exist encial. Nessa perspect iva, os corpos cuidadores t êm o seu “ ser - aí” en v olv id o com os cor p os q u e p r e ci sa m d o cu i d a d o , p o r q u e v i v e n ci a r a m u m m om en t o d e f r ag ilid ad e ex ist en cial, g er ad a p ela violência, e que com partilham durante o atendim ento. A violência é problem a com plexo com sérias consequências, pois afet a a m ult idim ensionalidade da pessoa. E a preocupação dos profissionais de saúde é t r a t a r a v ít i m a , u t i l i za n d o o p r o t o co l o d e at endim ent o, que não responde pelas quest ões que en v olv em a su bj et iv idade do ou t r o, os pr oblem as sociais. Essa pr essa no at endim ent o pode pr oduzir resultado oposto ao esperado, isto é, outra violência, j á que pode desrespeit ar a t raj et ória dessa vít im a, e acabar á por f r u st r á- la. Assim , sen t ir - se- ão pou co “ resolut ivos” em sanar o problem a( 11), e essa pouca

r esolu t iv id ad e é sen t id a p elos p r of ission ais com o expresso nas falas a seguir.

Há vários outros tipos de violência, com o a violência

crônica [ ...] com etida pelo parceiro, pelo com panheiro ou pelo

m arido, j á é um perfil que eu acho que a m inha interferência, a

m inha participação é m enor, porque envolve outras coisas do

contexto fam iliar, social da paciente a que a gente acaba não

conseguindo dar tanta resolutividade ( Ent revist ado 2) .

Os pacientes que sofrem violência crônica ( ...) eu sinto

que eles vêm aqui m ais em purrados; m as, assim , eu sinto que

não vai ser um a coisa que vai resolver de im ediato, porque aquilo

é um a bola- de- neve, sabe. Mas, assim , são coisas que fogem do

meu limite. E aí eu vejo que não tem resolutividade. E é por isso que

o povo anseia, fica angustiado, inclusive, eu (Entrevistado 3).

A sensação de não resolut ividade pode levar ao sent im ent o de im pot ência que, m uit as vezes, se instala no cenário do trabalho, e pode ocorrer quando o profissional confunde os seus obj etivos e lim itações com os da out r a cor por eidade, que pede aj uda( 12).

Esse sentim ento esteve constantem ente presente nos d iscu r sos d os p r of ission ais en t r ev ist ad os q u e se desv elou com o u m dos sen t im en t os qu e os af et a enquant o pr ofissionais.

Eu acho que o sentim ento de im potência m uitas vezes

faz você ficar angustiada, que você olha para pessoa e pensa: ‘eu

vou fazer o quê?’. Muit as vezes eu m e sint o im pot ent e no

atendim ento. Muitas vezes eu tenho vontade de fazer algum a

coisa ( ...) . Então existem essas coisas que m e incom odam , a

im potência e tam bém o fato de aquela m ulher estar ali, representar

a violência ( Ent revist ado 7) .

O se n t i m e n t o d e i m p o t ê n ci a t a m b é m apar ece, m uit as v ezes, quando o pr ofissional est á assist indo clinicam ent e a criança ou o adolescent e, e são obrigados a lhes dar alt a e ent regá- los de volt a aos r esponsáv eis. Assim , t êm que ignor ar o que o fut uro t rará para esses client es( 13). Essa sit uação foi

percebida no fragm ent o do seguint e discurso:

O m ais difícil eu vej o é a criança e a violência ( sexual)

crônica. Mas pela questão da desproteção, porque a criança não

tem a experiência nem a condição de sair daquela situação; m esm o

a gente consegue enxergar a im posição social dos valores que

fica ali m uito forte. Eu m e sinto im potente ( Ent revist ado 2) . O q u e é p e r ce b i d o p o r u m a p e sso a ( f en ôm en o) acon t ece n u m cam po do qu al ela f az parte. A identidade do m undo percebido vai ocorrendo at r av és d as su as p r óp r ias p er sp ect iv as, e v ai se construindo em m ovim entos de retom ada do passado e aber t u r a par a o fu t u r o, sem pr e sen do possív eis novas perspectivas( 5). Os profissionais ficam m arcados

por essas ex per iên cias, lem br am - se de cada u m a delas com det alhes, m esm o quando acont eceram no p a ssa d o d i st a n t e . Ap e sa r d e n ã o e x p l i ci t a r e m , sent em - se causador es de um m al, cor r esponsáv eis por não poderem agir fora do âm bit o de seu ofício, m esm o porque, quando o fazem , em nada resulta( 13).

Nesses casos, a im potência provoca tensão perceptível n o s e n t r e v i st a d o s, a co m p a n h a d a d e a n g ú st i a e t r ist eza, qu e f icam ar m azen ados em seu s cor pos, conform e explicit ado na seguint e fala:

Teve um caso que deu vontade de adotar duas m eninas

(5)

da idade das m inhas filhas, m as a gente tem de trabalhar isso

tam bém . Eu fiquei arrasada, eu fiquei doente e aí vem aquele

sentim ento de im potência ( Ent revist ado 11) .

O sent im ent o de im pot ência or a diant e da “ inut ilidade”, ora da violência ou da incapacidade de t ir ar t oda a dor do pacien t e n aqu ele det er m in ado m om ent o do at endim ent o, par ece ser r esquício de n o ssa f o r m ação b i o m éd i ca. Não se t r at a d a d o r concebida com o o quinto sinal vital, m as daquela que t ranscende o físico e parece perm anecer na essência do corpo. Essa vem à tona, quando se com partilha o ser e est ar no m undo com o corporeidades, ou sej a, quando se desvela o invisível. O invisível passa a ter visibilidade, quando se expõe a própria subj et ividade para o out ro que a capt a pela percepção, vist o que essa é o m odo de acesso ao m undo( 5). O conhecim ento

da subj etividade do outro não é abordado no m odelo b iom éd ico, p or q u e essa f or m ação f az com q u e o pr ofissional v alor ize r esult ados pr át icos e em cur t o prazo. Quando isso não ocorre, gera falsa sensação de que não se está fazendo m uito pelo cliente e isso pôde ser const at ado a seguir.

Muitas vezes vem aquele sentim ento de im potência,

de você não poder fazer nada, sabe! Eu não posso te dar um a

aspirina pra passar a dor, não existe um rem édio que você dê e

possa dizer que vai passar. Você não pode colocar um sorinho, dar

um a picadinha que vai passar. É diferente da picadinha, não

passa, não vai passar. É um m istério da vida. É com o a dor da

perda, dor da m orte, dor de paixões. Só que eu acho que é um a dor

pior ( Ent revist ado 8) .

Os p r o f i ssi o n a i s d e sa ú d e q u e a t e n d e m vít im as de violência sexual passam a com part ilhar a experiência que gera o sent im ent o de im pot ência, o que leva a subest im arem suas próprias capacidades e co n h eci m en t o s, e n ão p er ceb er o s r ecu r so s e possibilidades dos client es.

É im p or t an t e q u e as v ít im as d e v iolên cia sex u al p ossam com p ar t i r su as v i v ên ci as com os profissionais, pois essa é um a possibilidade, um a pré-co n d i çã o p a r a a r e st i t u i çã o d e u m m u n d o pré-co m significado. Aj udá- las a encont r ar um nov o sent ido em sua exist ência significa ent rar na subj et ividade. Nesse sentido, fica evidente a necessidade de a equipe de saúde ent r ar em cont at o com o sofr im ent o e a realidade deles, aj udando- os a reconstruir um m undo int erno m ais confiável e m enos am eaçador( 14).

No m om ent o em que os cor pos cuidador es a ssu m e m o cu i d a d o d o s co r p o s v i o l e n t a d o s sex u al m en t e p assam a ser - co m - o - o u t r o , e essa r elação afet a a sua ex ist ência. Apar ent em ent e, os

p r o f i ssi o n a i s n ã o sã o p r e p a r a d o s, n e m adequadam ent e inst r um ent alizados, par a lidar com os sen t im en t os de im pot ên cia, r aiv a e an siedade, e n t r e o u t r o s . Tr a b a l h a r e s s e s s e n t i m e n t o s beneficiar á e facilit ar á seu t r abalho, m as, par a que isso ocor r a, é n ecessár io en t r ar em con t at o com s e u s p r ó p r i o s p r e c o n c e i t o s , v a l o r e s m o r a i s e sen t i m en t o s em r el ação às v ít i m as d e v i o l ên ci a s e x u a l , t r a z e n d o e s s a s q u e s t õ e s p a r a o “ con scien t e”, a f im de qu e possam ser m ais bem e l a b o r a d a s, e v i t a n d o , a ssi m , q u e i n t e r f i r a m d e m an eir a n eg at iv a n o at en d im en t o e n a su a v id a profissional, porquant o, deve- se considerar que t udo o que um client e t raz é pert inent e e apropriado, ele n u n ca pode ser cu lpado por r eav iv ar qu est ões do pr ofissional ou “ m ov ê- lo” em ocionalm ent e.

CONSI DERAÇÕES FI NAI S

É n ecessár io p r est ar at en ção, con st an t e-m ent e, no cor po par a que se possa per ceber seus sinais, reconhecê- lo e com preendê- lo m elhor, e a si mesmo. O autoconhecimento é fundamental para se cap-tar o outro que necessita de cuidado, de atendimento.

Capt ar o out ro na sua m ult idim ensionalidade sig n if ica p er ceb ê- lo. Qu an d o isso ocor r e, est á- se diant e da possibilidade de aj udá- lo na reconst it uição de sua aut oim agem , aut oeest im a, na t ranscendência do seu aqui e agora, que em ergiu de um passado no qual a v iolência sex ual deix ou cicat r izes v isív eis e invisíveis em seu corpo e o fez vivenciar sit uação de fr agilidade ex ist encial.

O profissional de saúde não se depara apenas com u m cor po qu e apr esen t a sin ais e sin t om as e necessit a de t rat am ent o que pode ser encont rado no pr ot ocolo de at endim ent o. Muit as v ezes é colocado frente a problem áticas de ordem social para as quais não é pr epar ado, j á que do at endim ent o em er gem em oções, sentim entos e sofrim ento tam bém por parte dele. Os depoim ent os ou r elat os que as vít im as de violência sexual t razem , durant e o at endim ent o, são densos e colocam os profissionais em posição delicada, f r á g i l , d i a n t e d a i m p o ssi b i l i d a d e d e r e so l v e r o p r o b l e m a , p o r q u e e x t r a p o l a o s l i m i t e s d e com pet ência, o que pode gerar nesses profissionais um sent im ent o de im pot ência.

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depoim en t os den sos das v ít im as, qu e t am bém os afet am , m ot iv o pelo qual se faz necessár io pensar em estratégias a serem im plantadas nos serviços que p r o p i ci e m e g a r a n t a m t a m b é m a sa ú d e d o t rabalhador, um a vez que não r eceberam for m ação a d e q u a d a p a r a l i d a r e m co m a s q u e st õ e s q u e envolvem o fenôm eno da violência sexual.

É preciso que a instituição construa e garanta um cotidiano acolhedor e seguro para os profissionais d e saú d e, v i st o q u e cu i d am d o o u t r o , m as n em sem pre cuidam de si adequadam ent e. O cuidar dos profissionais est á relacionado à criação de condições e m o ci o n a i s p a r a a j u d á - l o s a l i d a r co m se u s p r o b l e m a s. D e ssa f o r m a , o so f r i m e n t o p síq u i co inerent e à at ividade deles pode ser t ransform ado em d e se n v o l v i m e n t o p e sso a l e co n st r u çã o d e

conhecim ent os, se for cot idianam ent e com preendido e elaborado pelos seus prot agonist as.

Dest ar t e, é im pr escindív el que o t em a em t ela sej a abordado nos cursos de graduação e pós-graduação das áreas da saúde e hum anas, a fim de capacitar os futuros profissionais para o cuidado com v ít i m as d e v i o l ên ci a sex u al , e, t am b ém , q u e as i n st i t u i çõ e s d e sa ú d e i m p l a n t e m a ca p a ci t a çã o p e r m a n e n t e , cr i e m g r u p o s d i r i g i d o s p o r u m pr ofissional especializado, par a que os pr ofissionais d a sa ú d e , q u e cu i d a m d e ssa s v i t i m a s, p o ssa m t r abalhar não apenas o sent im ent o de im pot ência, m as as ex per iências e sofr im ent os com par t ilhados q u e v ã o a cu m u l a n d o e p o d em a f et á - l o s n a su a m u lt id im en sion alid ad e, e im p lan t em u m a p olít ica institucional ética que valorize a saúde do trabalhador.

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