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Revista da Associação Médica Brasileira
Online version ISSN 18069282
Rev. Assoc. Med. Bras. vol.46 n.1 São Paulo Jan./Mar. 2000
http://dx.doi.org/10.1590/S010442302000000100003
Artigo Original
Morbidade respiratória nos pacientes
com e sem síndrome pulmonar
obstrutiva submetidos a cirurgia
abdominal alta
E.D.B. Pereira, S.M. Farensin, A.L.G. Fernandes
Universidade Federal de São Paulo Disciplina de Pneumologia Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP.
RESUMO
OBJETIVO: Estudar a morbidade respiratória nos pacientes com síndrome pulmonar obstrutiva submetidos a cirurgia abdominal alta.
CASUÍSTICA E MÉTODO: Durante o préoperatório, 196 pacientes candidatos à cirurgia abdominal alta eletiva responderam a um questionário padronizado e logo em seguida realizaram espirometria. Houve
acompanhamento no pósoperatório até a alta hospitalar ou óbito. Os pacientes foram divididos em quatro grupos: 27 pacientes com DPOC (diagnóstico de bronquite crônica ou enfisema e VEF1/CVF< 70%), 44 pacientes com diagnóstico de asma (obstrução das vias aéreas desencadeada por estímulos provocatívos) com ou sem alteração da espirometria. Outros 23 pacientes apresentavam o complexo bronquite crônicaenfisema, (quadro clínico sugestivo de bronquite ou enfisema porém com VEF1/CVF maior que 70%). O grupo de 102 pacientes apresentou normalidade do ponto de vista clínico e espirométrico. Considerouse como CPP: atelectasia com repercussão clínica e ou gasométrica, broncoespasmo que necessitou de tratamento, insuficiência respiratória aguda, ventilação mecânica e/ou entubação orotraqueal prolongada, infecção traqueobronquica e pneumonia.
RESULTADOS: A incidência de complicações foi maior no grupo de pacientes com limitação do fluxo aéreo (32%) em relação aos normais(6%). Ao estudarmos os quatro grupos separadamente, foi observado que os pacientes com DPOC, apesar de apresentaram maior morbidade no pósoperatório, não diferiram dos demais pneumopatas. Complicaram, respectivamente, (DPOC 37%, BE 34%, asma 29%,normal 6%). Os obstrutivos triplicaram seu tempo de permanência no ventilador (média 3,1 e 1,1; respectivamente, com p<0,05). No entanto, não houve diferença em relação ao tempo de permanência na UTI e no tempo total de dias no pós operatório.
CONCLUSÃO: Os pacientes com limitação do fluxo aéreo apresentaram maior morbidade no pósoperatório de cirurgia abdominal alta. A magnitude deste fator de risco se reflete num risco relativo quase que cinco vezes maior em relação aos pneumopatas com os pacientes normais.
UNITERMOS: Abdome. Cirurgia. Complicação pósoperatória. Obstrução vias aéreas.
INTRODUÇÃO
A avaliação de um paciente com síndrome pulmonar obstrutiva que será submetido a cirurgia tem que ser realizada levando em conta vários aspectos: a indicação e o tipo de cirurgia, a experiência do cirurgião, o tipo de anestesia e o grau de disfunção pulmonar do paciente110.
A incidência de complicações pulmonares no pósoperatório varia muito na literatura em virtude de uma falta de definição. As verdadeiras complicações constituemse numa segunda doença inesperada que traz
repercussão clínica para o paciente e prolonga principalmente o tempo de permanência no pósoperatório.
A pneumopatia aguda ou crônica aumenta o risco de morbidade e mortalidade de causa pulmonar em qualquer procedimento cirúrgico2,3,1115. Entre os pacientes com síndrome pulmonar obstrutiva, principalmente aqueles com DPOC, que se submetem a uma cirurgia nãotorácica, evidenciam maior incidência de complicações pulmonares no pósoperatório, incluindo traqueobronquites, atelectasia, entubação orotraqueal e/ou ventilação mecânica prolongada, insuficiência respiratória aguda. Já nos pacientes asmáticos, as complicações estão mais relacionadas ao aparecimento ou exacerbação de broncoespasmo, principalmente, durante a entubação ou desentubação1617.
KROENK et al.11, em 1992, revisando 107 cirurgias em 89 pacientes com DPOC grave (VEF1 <50%),
encontraram 29% de complicações pulmonares no pósoperatório dos mesmos, as quais estavam relacionadas ao tipo e duração da cirurgia, sendo mais comuns após cirurgias coronarianas e procedimentos abdominais extensos. Posteriormente, em 1993, o mesmo autor observou uma alta morbidade e mortalidade de causa pulmonar no pósoperatório de cirurgia torácica e abdominal alta em pacientes com DPOC grave. Neste mesmo estudo também concluiu que as variáveis clínicas se mostraram superiores às variáveis espirometricas no sentido de identificar os pacientes com maior risco de complicações pulmonares no pósoperatório.
O grau de disfunção pulmonar exerce influência importante nas medidas a serem adotadas no préoperatório. Assim, os pacientes classificados como DPOC moderado (VEF1 entre 35% à 40% do previsto) ou grave (VEF1 menor que 35% do previsto) devem ser internados antes da cirurgia e submetidos a terapia medicamentosa fundamentada principalmente em broncodilatadores e fisioterapia respiratória intensiva19.
A importância de preparar adequadamente estes pacientes se reflete num pósoperatório sem muitas
intercorrências ou complicações graves. Embora alguns estudos revelem diminuição da morbidade respiratória no pósoperatório com a utilização da inspirometria de incentivo2021, outros não chegaram a essa conclusão22. Provavelmente, a incapacidade de reverter a inibição reflexa do diafragma que ocorre após uma cirurgia
abdominal alta explique o fracasso das medidas fisioterápicas2325.
A utilidade de exames complementares, como a espirometria e a gasometria arterial no préoperatório, bem como sua superioridade com relação à história e ao exame físico desses pacientes é um assunto amplamente discutido na literatura.
Atualmente, recomendase a realização da espirometria para indivíduos que irão se submeter a cirurgia abdominal alta somente quando apresentem, na história clínica, sintomas respiratórios ou doença pulmonar crônica26. Pereira et. al.27 num estudo prospectivo com 408 pacientes submetidos a cirurgia abdominal alta aletiva concluiu que a espirometria não deve ser solicitada de rotina no préoperatório, mas somente nos casos onde não seja possível, através de uma história e exame físico bem feitos, elucidar a presença de pneumopatia (incluindo DPOC e asma). A análise dos gases arteriais no préoperatório também não deve ser realizada de rotina, embora se espere queda na PaO2 no período pósoperatório2830.
OBJETIVOS
Responder, utilizando um estudo prospectivo, a três perguntas básicas:
1) Qual a incidência de morbidade respiratória nos pacientes com síndrome pulmonar obstrutiva no pós operatório de cirurgia abdominal alta?
2) Em que medida esses pacientes complicam mais que os pacientes sem limitação do fluxo aéreo? 3) Existe diferença, com relação à incidência de complicações, entre os quatro grupos de pacientes respectivamente normais, DPOC, complexo bronquiteenfisema e asma?
METODOLOGIA
aprovado pelo Comitê de Controle Ético de Pesquisas Clínicas In Anima Nobili da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Todos os indivíduos foram submetidos a espirometria para avaliação da função pulmonar. Foi realizada também avaliação pela escala de Torrington & Henderson, que atribuía os seguintes pontos: CVF<50% (um ponto), VEF1/CVF65%75% (um ponto), VEF1/CVF 50%65% (dois pontos), VEF1/CVF<50% (três pontos), idade>65 anos (um ponto), obesidade(um ponto), cirurgia abdominal alta ou torácica (dois pontos), outras cirurgias (um ponto), fumante (um ponto), tosse (um ponto), pneumopatia (um ponto).
No total, foram estudados 196 pacientes, divididos nos seguintes grupos:
1 DPOC pacientes com obstrução do fluxo aéreo devido a bronquite crônica ou enfisema . A obstrução é de carater progressivo, pode ser acompanhada de hiperreatividade brônquica e ser parcialmente reverssível31. Nesta situação, os pacientes devem apresentar um VEF1/CVF< 70% do previsto (27 pacientes).
2 Asma pacientes com episódios recorrentes de obstrução das vias aéreas com reverssibilidade, quer expontaneamente, quer com tratamento adequado32. Portanto, apresentaram espirometria alterada ou normal (44 pacientes).
3 Bronquite crônicaenfisema presença de tosse crônica por mais de três meses, em dois anos
sucessivos, tendo sido afastada outras causas de tosse crônica ou expectoração31. Além do diagnóstico clínico, foi também usado o diagnóstico radiológico, como: enfisema retroesternal, retificação das cúpulas
diafragmáticas, aumento dos espaços intercostais. Neste grupo de pacientes o VEF1/CVF era maior que 70% (23 pacientes).
4 Normais pacientes assintomáticos, sem doença pulmonar e com espirometria normal (102 pacientes). Para categorizar melhor os pacientes estudados, as seguintes definições foram utilizadas:
1) Fumante atual aquele que refere ter fumado no mínimo um cigarro por dia por mais de um ano ou mais que 20 maços de cigarro ou dois pacotes de fumo e está em uso de cigarros no momento ou parou de fumar há menos de oito semanas;
2) Anosmaço modo de expressar o consumo de cigarros individualmente é obtido através do produto entre o tempo em anos do consumo e o número de maços (conjunto de 20 cigarros) fumados por dia.
Doença clínica associada: incluiu a pesquisa ativa de hipertensão arterial sistêmica (HAS), cardiopatia e diabetes mellitus.
A avaliação funcional seguiu as recomendações da American Thoracic Society de 1995. Foi utilizado um espirômetro da marca Vitatrace VT 130SL acoplado ao computador Tawer 286 e à impressora VT 810SL,utilizandose o programa Spiromatic versão da Engelógica Engenharia de Sistemas Ltda.
Concluída a avaliação, uma ficha foi anexada ao prontuário de cada paciente com a conclusão do caso e
recomendações básicas aos médicosassistentes para serem desenvolvidas no préoperatório, durante a cirurgia ou no pósoperatório, objetivando medidas profiláticas mínimas.
Realizada a cirurgia, houve acompanhamento diário de cada paciente desde o pósoperatório imediato até a alta ou a ocorrência de óbito hospitalar. A seguir, as seguintes complicações pulmonares foram computadas:
a) Infecção respiratória aguda:
1) Pneumonia: aparecimento de infiltrado pulmonar recente no radiograma de torax, associado a pelo menos dois dos seguintes sinais: secreção traqueobrônquica purulenta, elevação da temperatura corporal (superior à 38 ºC) e aumento do numero de leucócitos circulantes (superior a 25% do numero basal).
2) Traqueobronquite: aumento da quantidade ou modificação da cor ou aspecto purulento da secreção traqueobrônquica com radiograma de tórax normal.
b) Atelectasia com repercussão clínica: evidência de atelectasia pulmonar no radiograma de tórax associada a sintomas respiratórios agudos.
c) Insuficiência respiratória aguda: quadro clínico resultante da troca gasosa pulmonar agudamente deficiente, ocorrendo a necessidade de ventilação mecânica para tratamento.
d) Entubação orotraqueal prolongada: necessidade de entubação orotraqueal por mais de 48 horas, devido à manutenção da ventilação mecânica para o tratamento de insuficiência respiratória aguda ou aspiração de secreção traqueobrônquica naqueles impossibilitados de eliminála espontaneamente.
e) Ventilação mecânica prolongada: necessidade de ventilação mecânica por mais de 48 horas para tratamento de insuficiência respiratória aguda.
necessidade de terapêutica medicamentosa.
As informações dos pacientes foram armazenadas em computador, usando o programa gerenciador de banco de dados dBASE III plus (AshtonTate).
Para avaliar a diferença entre os quatro grupos foi usada a análise de variância para as variáveis contínuas, inicialmente foi feito o teste de Bartlett para verificar a igualdade das variancias e posteriormente foi realizado o teste de Bonferroni. O teste do quiquadrado foi utilizado para variáveis categóricas, respeitando os graus de liberdade, para análise dos grupos 2X2 foi realizado a partição do quiquadrado. Foi utilizado o Teste "t" de student para duas amostras independentes (t cal), ao estudar variáveis contínuas expressas através de média e desvio padrão e o teste de MANNWHITNEY para duas amostras independentes, ao estudar variáveis contínuas que não obedeciam a uma distribuição normal. O cálculo do risco relativo com seu intervalo de confiança de 95% foi utilizado para quantificar a associação entre a presença de obstrução ao fluxo aéreo e o
desenvolvimento de complicação pulmonar. O programa estatístico utilizado foi o Stata 4.0.
RESULTADOS
Entre os quatro grupos de pacientes respectivamente normais (N), complexo bronquiteenfisema (BE), asmáticos e DPOC não houve diferença quanto a idade, tempo de cirurgia e presença de doença clínica
associada. Quanto ao sexo, o grupo de pacientes normais diferiu daqueles com BE. Quanto ao hábito de fumar, os normais diferiram dos DPOC e BE e os asmáticos diferiram dos DPOC e BE. Ao levarmos em conta o tempo de tabagismo, apenas os normais diferiram dos DPOC e BE. Em relação ao VEF1, houve diferença dos DPOC com relação aos normais e BE. Ao aplicarmos a escala de risco pulmonar de Torrington (CHEST,1988), apenas os normais diferiram dos demais grupos (p<0,05), (tabela 1).
Ao compararmos os quatro grupos entre si com relação a incidência de complicações pulmonares no pós operatório, apenas os normais diferiram dos pneumopatas. (p<0,01) (gráfico). Foi observado que os pacientes asmáticos apresentaram um risco de complicação 1,32 com relação aos normais (p<0,05), aqueles com o complexo bronquiteenfisema o risco foi de 1,43(p<0,05), o risco de complicação nos pacientes com DPOC foi 1,48 (p<0,05). Na combinação 2x2 dos demais gupos não houve diferença estatisticamente significante (tabela 2). O teste realizado foi o quiquadrado.
A incidência de complicações pulmonares no pósoperatório no grupo de pacientes com sd. pulmonar obstrutiva (DPOC, asma, complexo bronquiteenfisema) foi de 32%(31/94), portanto maior que no grupo normal 6% (7/102). Apresentado um risco relativo de 4,8 ( intervalo de confiança 2,2 10,3), (tabela 3).
Ao compararmos o grupo de pacientes com síndrome pulmonar obstrutiva com os pacientes sem síndrome pulmonar obstrutiva, foi observado que os obstrutivos triplicaram seu tempo de permanência no ventilador (média 3,1 e 1,1;mediana 2,25 e 0,75 respectivamente, com p<0,05). No entanto, não houve diferença com relação ao número de dias em que eles ficaram na UTI e no tempo total de dias de internação no pós operatório (p>0,05), (tabela 4).
DISCUSSÃO
As cirurgias em pacientes com sd. pulmonar obstrutiva estão associadas com maior morbidade e mortalidade principalmente devido ao fato da associação com outras doenças cardiovasculares, assim como a persistência do consumo tabágico e o próprio grau de disfunção pulmonar3,1113,15,2028.
A incidência de complicações pulmonares parece ser diferente conforme a pneumopatia em questão, mas, à primeira vista, deveria guardar estreita correlação entre o grau de alteração funcional e morbidade de causa pulmonar no pósoperatório. Entretanto, nós observamos que a classificação sindrómica (sd. Pulmonar obstrutiva) baseada principalmente em critérios clínicos foi importante para demonstrar evidente associação entre doenças obstrutivas e complicações pulmonares no pósoperatório (tabela 3).
A experiência clínica mostra que o pósoperatório de cirurgia abdominal alta é sempre mais conturbado em pacientes com sindrome pulmonar obstrutiva e, embora haja poucos trabalhos sobre este assunto na literatura médica1112,31,35, mais difícil ainda é encontrar dados sobre a evolução pósoperatória de pacientes com restrição pulmonar.
Paralelamente, no diaadia, a avaliação préoperatória de pacientes com restrição pulmonar é infreqüente, enquanto que quase diariamente nos deparamos com a avaliação de pacientes portadores de asma, complexo bronquite crônica e enfisema e DPOC. Por isso resolvemos estudar a evolução de tais pacientes submetidos a cirurgia abdominal alta eletiva.
Nesse estudo, a incidência de complicações pulmonares no pósoperatório de cirurgia abdominal alta nos pacientes com síndrome pulmonar obstrutiva foi de 32%, enquanto que os pacientes sem doença pulmonar apresentaram uma incidência de apenas 6%. Este fato torna os pneumopatas pacientes de risco para morbidade respiratória no pósoperatório3,11,12,13,15,20,26,27,3638 . Observamos também que entre os pacientes com síndrome pulmonar obstrutiva, apesar daqueles com o diagnóstico de DPOC apresentaram uma maior incidência de complicações pulmonares no pósoperatório (37% dos pacientes) não houve diferança com relação a,
asmáticos e portadores do complexo bronquiteenfisema (respectivamente 29%, 34%). Apenas os normais diferiram desses grupos (tabela 2). Este fato torna evidente que os pacientes com sd. pulmonar obstrutiva são mais críticos do ponto de vista pulmonar para complicações respiratórias no pósoperatório e, portanto, merecem maior atenção na avaliação clínica no préoperatório.
É importante ressaltar que nós consideramos como complicação respiratória uma segunda doença inesperada que se seguiu após o ato cirúrgico e que necessitou de uma abordagem mais cuidadosa para melhorar os sintomas e prevenir o óbito. A necessidade de sermos criteriosos quanto a esta definição se reflete no fato de encontrarmos na literatura uma discrepância quanto à incidência de morbidade respiratória no pós
operatório6,1112,3435 , e isto ocorre devido ao fato dos autores não distinguirem uma complicação pulmonar de um achado clínico20. Além disso, muitos autores1,20,30 consideraram como complicação pulmonar a presença de febre sem causa determinada, microatelectasias e, até mesmo, embolia pulmonar.
A morbidade respiratória mais freqüentemente observada no nosso estudo foi a presença de broncoespasmo, que levou os pacientes a necessitarem de medicação broncodilatadora e ou corticóide. Levando em conta os 38 pacientes que complicaram, foi observada uma incidência de broncoespasmo de 63% (tabela 5). Esse tipo de complicação é muito comum, porque os pacientes apresentam uma associação de hiperresponsividade brônquica, limitação do fluxo aéreo e hipersecreção de muco38.
A presença de infecção respiratória que se apresentou como um quadro de pneumonia ou traqueobronquite teve uma incidência entre os 38 pacientes que complicaram de 36%.
A magnitude das infecções respiratórias se refletiu no fato de que dos 36% de pacientes infectados no pós operatório, aproximadamente um terço evoluíram para um quadro de insuficiência respiratória aguda necessitando de entubação e ventilação mecânica por mais de quarenta e oito horas.
As infecções respiratórias no pósoperatório, principalmente as pneumonias, se apresentam de uma forma grave e com prognóstico reservado. As cirurgias tóracoabdominais por si só constituem fatores de risco importantes para as pneumonias nosocomiais33. É importante também ressaltar que um dos microorganismos mais freqüentes são os anaeróbios.
Outra complicação bastante freqüente foi a presença de atelectasia com repercussão clínica e/ou gasométrica, com uma incidência de 34%. Cerca de 28% dos pacientes que apresentaram complicação pulmonar no pós operatório necessitaram de entubação orotraqueal e ventilação mecânica prolongada e 26% evoluíram para insuficiência respiratória aguda (tabela 5).
A importância de identificar os pacientes com sindrome pulmonar obstrutiva candidatos a cirurgia abdominal alta eletiva se refletiu no fato de que os mesmos necessitaram permanecer um número maior de dias no ventilador com relação aos pacientes sem síndrome pulmonar obstrutiva (respectivamente 3,1+1;1,5+1). Isso sugere que os pneumopatas possam apresentam maior dificuldade de desmame do ventilador. No entanto, um estudo com um maior número de pacientes onde possa se fazer uma estratificação melhor dos grupos e definindo critérios mais rigorosos para desmame possa se chegar a melhores resultados.
A associação de síndrome pulmonar obstrutiva e necessidade de ventilação mecânica prolongada também foi observada por Cohen et al.13 que estudaram comparativamente um grupo de pacientes com DPOC e um grupo de pacientes sem doença pulmonar submetidos a revascularização coronariana.
Por outro lado, ao levarmos em conta os dias de internação na UTI e o tempo total de internação durante o período de pósoperatório, não houve diferença estatisticamente significante entre os dois grupos (tabela 3). Provavelmente, isso ocorreu devido ao fato dos pacientes que pertenciam ao grupo de normais em relação a patologias pulmonares apresentarem uma alta incidência de doença clínica associada (46/102;45%) e um tempo cirúrgico elevado (média 258 min), variáveis conhecidas na literatura como fatores de risco para complicação pulmonar no pósoperatório de cirurgia abdominal alta67,14,35 e, conseqüentemente, dificultando a pronta recuperação desses pacientes.
Kroenke et al.12, ao estudar pacientes portadores de DPOC e pacientes normais submetidos a cirurgia abdominal alta e torácica, não observou diferença quanto à necessidade de ventilação mecânica prolongada, dias de internação na UTI e dias de internação no pósoperatório.
A espirometria não se mostrou um instrumento importante para selecionar nossos pacientes quanto ao risco de complicação pulmonar no pósoperatório. Pois os pacientes com DPOC, que tinham como critério diagnóstico a relação VEF1/CVF abaixo de 70%, não diferiram quanto aos demais grupos de pneumopatas (tabela 2).
Por outro lado, ainda é importante ressaltar que a espirometria não está totalmente descartada como meio de avaliação préoperatória. Na realidade, é preciso que se estabeleçam critérios de indicação mais restritos, a fim de valorizar o índice espirométrico como meio para se calcular a probabilidade de complicação pulmonar no pósoperatório de cirurgia abdominal alta.
CONCLUSÕES
• A presença de síndrome pulmonar obstrutiva está associada à maior incidência de morbidade respiratória no pósoperatório de cirurgia abdominal alta.
complicaram quase que cinco vezes mais que os pacientes sem doença pulmonar.
SUMMARY
Respiratory morbidity in patients with and without pulmonary obstrutive syndrome after upper abdominal surgery.
BACKGROUND: We wanted to determine the postoperative pulmonary complicatiosn after upper abdominal surgery in patients with pulmonary obstrutive syndrome.
METHODS: We have studied 196 patients prospectively analyzed in preoperative period with spirometry and followed for observation of PPC. The patients were divided in four groups: COPD those with chronic bronchitis or emphysema and VEF1/CVF< 70% (27 patients). ASMA patients with obstruction of the airway in response to provoking stimuli (44 patients). CHRONIC BRONCHITISEMPHYSEMA those with the clinical diagnoses of the respective diseases but VEF1/CVF > 70% (23 patients). NORMAL patients without pulmonary disease and normal spirometry (102 patients).
RESULTS: Postoperative pulmonary complication was recognized when the patient presented atelectasis with clinical or gasometric alterations; bronchospasm that needed bronchodilator therapy; respiratory failure; mechanical ventilation or orotracheal entubation more than 48 hours in postosurgery period; tracheobronchitis characterized by the presence of purulent sputum with normal xray; pneumonia. Patients with pulmonary obstruction had experienced higher rates of pulmonar complications (32% vs 6%,p<0,05). The presence of obstuctive lung disease was associated with an increased number of ventilator days, but was not associeted with longer intensive care unit or hospital stay.
CONCLUSIONS: The incidence of postoperative pulmonary complications was strongly associated with the presence of pulmonary obstrutive syndrome. [Rev Ass Med Bras 2000; 46(1): 1522]
KEY WORDS: Abdominal surgery. Postoperative complications. Airway Obstruction
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