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A falta conceituada por Lacan: da coisa ao objeto a.

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Academic year: 2017

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RES UMO:Discute-se o m odo com o a falta é conceituada por Lacan em dois m om entos: com a retom ada da Coisa freudiana e com a introdução do objeto a. Tal esforço em conceituar a falta é associado à tentativa de Lacan de resgatar aquilo que se revelou central na ex-periência de Freud. À Coisa e ao objeto a são relacionadas duas for-m as distintas de se pensar a relação entre o conceito e a falta na psicanálise, determ inantes do tipo de aproxim ação que se pode ter do que constitui a experiência analítica.

Palavras - c have : Lacan, conceito, falta, Coisa, objeto a.

ABSTRACT: Lack conceived by Lacan: from the Thing to object a. This study describes the way lack is conceived by Lacan at two differ-ent levels: w ith the retrieval of the Freudian Thing and the introduc-tion of Object a. Such effort to conceptualize lack is associated to Lacan’s attem pt of rescuing that w hich has revealed itself as central in Freud’s experience. Two distinct w ays of thinking the relationship between concept and lack in psychoanalysis are related to the Thing and Object a. Such form s of thinking are determ ining in the type of proxim ity one m ay have of w hat is at stake in the analytical experi-ence.

Ke y w o rds : Lacan, concept, lack, Thing, object a.

O

‘retorno a Freud’ de Lacan teve com o foco a experiência analítica. Os conceitos que foram resgatados da obra freu-diana, bem com o os produzidos em sua trajetória, buscaram tocar aquilo em que consistiria a experiência inaugurada por Freud. Lacan percebeu que a tentativa de conceituação do que se passa na experiência da análise deve levar em conta a dim en são do lim ite do con ceito com a qu al Freu d já se Psicanalista. Doutor

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confron tava.1 Ao buscar retom ar a experiência freudiana, e não tratar os conceitos psicanalíticos com o dissociáveis do contexto de sua produção, Lacan teve que abordar a questão da falta com o central para o trabalho conceitual na psicanálise. O pensam ento psicanalítico, segundo a leitura lacaniana do legado de Freud, passa então pela falta. A com eçar pela questão do objeto, de onde partirem os, em relação à qual a discussão em torno da falta teve seu lugar de eleição desde Freud. No sem inário em que critica a teoria pós-freudiana da relação de objeto, Lacan destacou o lugar central da falta no que concerne ao objeto na psicanálise. Desta falta do objeto, verem os Lacan perseguir um a concepção de objeto que inclua a dim ensão da falta. O que propom os, aqui, é verificar em que term os a falta é conceituada por Lacan, em um prim eiro m om ento, com o resgate da Coisa freu-diana e, em seguida, com a introdução do objeto a.

A FALTA DO OBJETO

Lacan anuncia, com o tem a de seu sem inário no ano 1956-57, a relação de objeto ( LACAN, 1956-57/ 1995, p.9) . Este tem a é escolhido, segundo o autor, por se encontrar em posição central nos desenvolvim entos relativos à teoria e à prática então propostos pela com unidade analítica. Trata-se na verdade, para Lacan, de fazer avançar a crítica ao que ele concebe com o um “desvio da teoria analítica” ( idem , p.12) , desvio que tem seus reflexos na clínica. A valorização do tem a da relação de objeto pelos pós-freudianos2 e o m odo com o esta é apresentada por eles — visto que Freud não se ocupou particularm ente de tal noção3 — são os alvos da crítica de Lacan. O percurso do sem inário é claro: consiste na explicitação dos fundam entos de tal crítica e na tentativa de abordar a questão do objeto por outra via, que possa se diferenciar do que é proposto nos term os da relação de objeto.

Mas em que o uso que se fazia da noção de relação de objeto traía a psicaná-lise? Por que seus efeitos na clínica deveriam ser questionados? O problem a já se apresenta, segundo Lacan, no fato de a teoria da relação de objeto privilegiar um a concepção harm ônica do objeto, contrária aos ensinam entos de Freud. Som os

1 Esta questão do lim ite do conceito na psicanálise, aqui tom ado com o prem issa para a

discus-são, foi desenvolvida em Dar riba ( 2004, p.78-85) . Neste artigo, discutiu-se o ‘inacabam ento’ que m arca o conceito psicanalítico tanto na obra de Freud quanto nos term os de sua retom ada por Lacan.

2 A noção de relação de objeto é valorizada já nos trabalhos de Abraham , assim com o ocupa lugar

central na teoria de Melanie Klein. Os term os em que ela é descrita no sem inário, entretanto, indicam que a polêm ica visa autores que lhe são contem porâneos, notadam ente Maurice Bouvet, chefe da Société psychanalytique de Paris, que Lacan havia deixado em 1953. Sua crítica pode ser associada ao conteúdo do artigo sobre a relação de objeto de que Bouvet é autor.

3 Encontrarem os um a referência específica à expressão, por exem plo, em “ Luto e m elancolia”

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lem brados, no sem inário, da observação contundente de Freud de que o objeto é o que há de m ais variável na pulsão, não estando predestinado a satisfazê-la4 ( idem , p.60) . Conceber um objeto harm ônico, um objeto plenam ente satisfató-rio, que seria assim o objeto por excelência, é desviar-se, segundo Lacan, da psicanálise freudiana.

A relação entre sujeito e objeto sendo m arcada pelo conflito, isto é, confron-tada por um a teoria na qual o objeto harm ônico aparece com o objeto term inal, ou seja, com o aquele para o qual convergiriam as etapas parciais do objeto. Lacan questiona a idéia do objeto genital com o sendo o objeto em que culm inariam os estágios pré-genitais do objeto, os quais teriam , então, estatuto provisório em um desenvolvim ento subjetivo considerado saudável. A relação de objeto se ori-entando por um a convergência para o objeto genital rem ete, segundo Lacan, à idéia de um a m aturação da relação do hom em com a realidade ( idem , p.13) . O objeto genital situaria o hom em , portanto, em um a realidade adequada, e é a esta adequação que a clínica deveria aspirar. A crítica de Lacan é inspirada, em grande parte, pela percepção do quão inapropriada é a pretensão de que a análise ten h a o objetivo de favo recer a ‘m atu ração’ da relação do su jeito à realidade. A idéia de ‘norm alização’ do sujeito, aí im plicada, introduz, segundo ele, catego-rias estranhas à perspectiva da análise ( idem , p.16) .

No decorrer do sem inário, seja a falta do objeto enfatizada, sejam os m odelos de objeto concebidos pelos teóricos da relação de objeto contestados, é notável a insistência de Lacan em repetir que o objeto em Freud rem ete à falta.5 Repetição que acabará por lançá-lo no percurso entre sustentar a falta do objeto e conceber um objeto da falta. Pretendem os verificar, na seqüência do artigo, que é este o percurso que Lacan segue após o sem inário 1956-57. Já não estarem os m ais aí diante do resgate da centralidade da falta no objeto para Freud, m as da proposi-ção de um objeto singular na obra de Lacan. Proposiproposi-ção de um objeto em que não há risco de que ele venha a ser confundido com o objeto genital, o objeto term inal ou o objeto em um a relação harm ônica. Isto porque, ao invés de garan-tir um a ‘hom eostase’, se trata antes do objeto que causa o desejo. É a em ergência do ‘objeto a’ que acom panharem os adiante.6 Não sem antes exam inarm os o con-ceito da ‘Coisa’, trabalhado por Lacan no resgate da noção de ‘das Ding’ freudiana.

4 Cf. FREUD, 1915/ 1990, p.143.

5 Cf., por exem plo, Lacan, 1956-1957/ 1995, p.13, 35, 51, 60.

6 A afirm ação por Lacan de um objeto na psicanálise, objeto não m ais passível de ser capturado

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É com tal conceito que ele inicialm ente aborda o real, estabelecendo as bases para a entrada em cena do objeto a.

A FALTA NOS TERMOS DA COIS A

No sem inário 1956-57, com o vim os, Lacan buscou consolidar a idéia de que a questão da falta é central quando se trata de abordar o tem a do objeto na psica-nálise. Continuarem os nossa investigação a partir da dem arcação desta perspecti-va na qual a problem ática do objeto, tal com o trabalhada por Freud, deve ser tom ada pela via da falta. É associando este olhar sobre o objeto à questão do desejo na psicanálise que entendem os poder acom panhar, nos sem inários poste-riores de Lacan, as considerações relativas à questão do objeto.

Da conclusão lacaniana de que o objeto, segundo os cam inhos trilhados por Freud, deve ser tom ado pela via da falta, resulta a im possibilidade de confinar o desejo, na psicanálise, à sua definição em função do objeto. A dim ensão do dese-jo não se define pela presença de um objeto, já que é precisam ente a falta dele que opera.7 É através da discussão de um a ética da psicanálise, no sem inário conduzido entre 1959 e 1960, que Lacan propõe um a outra via para abordarm os a tem ática do desejo. Neste sentido, cham a a atenção que em sua aula inaugural, quando é anunciado o program a do sem inário naquele ano, a necessidade de exam e do tem a da ética seja associada, por um lado, ao fato de a experiência analítica nos conduzir a aprofundar m ais do que nunca o universo da falta ( LACAN, 1959-60/ 1991, p.10) , e, por outro lado, ao fato de a falta favorecer a função do desejo ( idem , p.12) .

Retroativam ente, poderíam os propor, tam bém em relação ao sem inário 1956-57, um a leitura da discussão de Lacan do ponto de vista de um posicionam ento ético. A crítica à concepção de objeto na qual este é tom ado na perspectiva de um a evolução em direção a um objeto term inal, configurado com o objeto har-m ônico, se liga a uhar-m a crítica que rehar-m ete à dihar-m ensão ética da análise. Não é à toa que Lacan caracteriza a ‘relação de objeto’ com o um a teoria da m aturação da relação do hom em à realidade. Há um a crítica aí a um a ética de adaptação. Tão m ais relevante na m edida em que tal ética se liga, com o percebe o autor, à orien-tação que segue a clínica: o analista passa a ocupar o lugar de m odelo a ser atingido, no que diz respeito a um a adaptação ‘saudável’.

Para além da crítica que se pode depreender do sem inário em que se ocupou da teoria da relação de objeto, Lacan persegue, três anos m ais tarde, um a ética para a psicanálise. Para tal, inicia o percurso do sem inário 1959-60 definindo o problem a da ética com o estando tradicionalm ente ligado à distinção entre o que

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se liga ao prazer e o que caracterizaria um bem final vinculado à instância m oral ( idem , p.30) . Ao antecipar a idéia, que desenvolverá posteriorm ente no sem iná-rio, de que a instância m oral presentifica o real, a discussão fundam ental, na ética, da relação entre prazer e bem é articulada, por Lacan, à discussão da relação entre prazer e realidade. É deste m odo que sua pesquisa sobre a ética da psicaná-lise rapidam ente se volta para a questão freudiana da distinção entre princípio de prazer e princípio de realidade, ocupando-se m ais especificam ente da retom ada da noção de ‘das Ding’, trabalhada por Freud no Projeto para uma psicologia científica

( 1950[ 1895] / 1990) .

O m odo com o a noção de das Ding é trabalhada no sem inário em que Lacan trata do tem a da ética da psicanálise pode ser tom ado em continuidade ao pensa-m ento sobre a questão da falta do objeto, tal copensa-m o estabelecido no sepensa-m inário 1956-57. Se até então tratou-se de estabelecer a centralidade da falta no que diz respeito à problem ática do objeto na psicanálise, o acréscim o que se faz à discus-são, agora, se refere à m aneira pela qual a falta deve ser concebida.

A afirm ação da falta do objeto por Lacan não im pede, por si só, que ela seja interpretada do ponto de vista da perda do objeto. Esta idéia de um objeto perdi-do associa o desejo à busca da reedição de um a experiência em que tal objeto foi tido, ficando a falta referida tão som ente ao fracasso perm anente de tal busca. A falta do objeto não deixa de estar associada a um a origem em pírica do desejo. Ao tom ar em prestada do Projeto de Freud a noção de das Ding, Lacan busca, com o verem os, um alicerce para sustentar a idéia de que a falta rem ete não à em pirici-dade da ‘Coisa’ perdida, m as sim à condição de possibilipirici-dade do desejo.

Prova deste direcionam ento por parte do autor é sua crítica ao que ele iden-tifica com o um a tendência, dentro da psicanálise, a se entender tratar da m ãe no lugar de das Ding ( idem , p.86) . Tal com o no sem inário sobre a relação de objeto, a crítica de Lacan se estende, aqui, ao uso da categoria da ‘fr ustração’ para abranger tal discussão. Para Lacan, das Ding indica a falta na or igem , o que é ignorado quando se restringe a questão ao contexto da interpsicologia crian-ça-m ãe. A falta, portanto, não é relativa a um objeto prim ordial, m as está ela m esm a na origem da experiência do desejo, ou seja, é condição de possibilida-de possibilida-desta últim a. Assim , das Ding se configura com o um a falta central no registro do desejo ( idem , p.91) , consistindo em centro e índice de exterioridade a um só tem po.

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Na discussão que dedica ao Projeto, no sem inário que estam os exam inando, Lacan aproxim a a ‘representação’ (Vorstellung) freudiana da definição do signifi-cante com que trabalhava, afirm ando que as Vorstellungen m odulam -se segundo as leis que regem o funcionam ento da cadeia significante ( idem , p.81) . Na m edida em que, no Projeto, é no nível das Vorstellungen que Freud concebe o desejo com o desejo de objeto, da aproxim ação de Lacan resultará que o desejo com o desejo de objeto se estabelece pela articulação significante. Levando em conta que das Ding, configurado com o central e exterior ao m esm o tem po, é introduzido para dar conta das questões associadas à problem ática do desejo, é coerente com o que acabam os de indicar na afirm ação lacaniana de que se trata, com das Ding, de um centro exterior em relação ao m undo subjetivo do inconsciente organizado em relações significantes ( idem , p.91) .8 Lacan fala da Coisa com o um furo no real introduzido pela m odelagem do significante ( idem , p.153) .

Das im plicações da noção de das Ding para a questão do desejo na psicanálise, som os conduzidos, então, por Lacan, a pensar o lugar que a Coisa ocupa em relação à articulação significante. Assim , na retom ada lacaniana da noção que Freud intro-duzira, ela passa a aparecer associada a enunciados com o ‘o fora-do-significado’ ( idem , p.71) ou ‘o que do real padece do significante’ ( idem , p.149) . A orientação do trabalho de Lacan leva ‘a Coisa’ (das Ding) freudiana ao encontro da ‘Coisa’ que serve de suporte à designação de um real inacessível que é condição da lingua-gem . Com o o próprio autor afirm a, ele acrescentou a idéia de das Ding/ da Coisa com o correlato da lei da fala em sua m ais prim itiva origem ( idem , p.105) .

Essa Coisa que, nas palavras de Lacan, é o que se separou de tudo para que o sujeito com eçasse a nom ear e a articular ( idem , p.106) , aparece com o condição de possibilidade da linguagem . É condição da linguagem a delim itação da Coisa com o inacessível. A discussão de Lacan sobre a ética se voltou para das Ding, em Freud, porque lá som os rem etidos, precisam ente, ao que é inacessível. Entra em cena aí a Lei, presente nos m oldes da interdição do acesso à Coisa. Mas não se trata apenas disso na abordagem de Lacan. A Coisa ausente indica a fenda aberta no real pela articulação significante. E na experiência analítica — entende Lacan, situando seu interesse pela ética, no início ainda do sem inário — é a Lei que presentifica o real ( idem , p.31) . Não que a Lei seja a Coisa — Lacan diz que de m odo algum ( p.106) . Mas não se conhece a Coisa senão pela Lei, “sem a Lei a Coisa estava m orta” ( idem ) .

Façam os um resum o de nosso percurso. Havíam os verificado, antes, que, no sem inário 1956-57, Lacan se dedicou à sustentação da centralidade da falta

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no que diz respeito à questão do objeto na psicanálise. Ao nos ocuparm os da pesquisa que se desenrola no sem inário 1959-60, buscam os identificar a reto-m ada da questão da falta, trabalhada aí ereto-m terreto-m os de coreto-m o ela deve ser situada em relação à experiência que a psicanálise evidencia. A discussão em torno da Coisa por Lacan, resgatando a problem ática levantada por das Ding na obra de Freud, inscreve, com o vim os, a falta na origem desta experiência. Com a Coisa indicando a exclusão necessária à articulação significante, a falta passa a ser tom ada com o condição de possibilidade da m esm a, a qual define, para a psicanálise, o terreno em que a tram a do objeto se desenrola. A lei sim bólica é vista, assim , com o lei de exclusão da Coisa. E o gozo, designando o acesso im possível à Coisa, ao que o significante ‘deixa de fora’, é concebido com o interditado pela lei sim bólica.

Para nossos próxim os passos é im portante atentar para um a distinção que, no contexto da discussão sobre a ética, Lacan estabelece em sua articulação de Kant com Sade. Trata-se da descoberta, em Sade, de um term o que, a seguirm os Kant, estaria ausente da experiência m oral. Lacan está se referindo ao “objeto, o qual, a fim de garanti-lo para a vontade no cum prim ento da Lei, ele [ Kant] é obrigado a rem eter ao im pensável da coisa-em -si” ( LACAN, 1966/ 1998, p.783) . Com Kant, não há objeto concebível para a experiência m oral, ela rem ete exclusiva-m ente à inacessível coisa-eexclusiva-m -si. Já eexclusiva-m Sade, Lacan verifica que o objeto é decaí-do de sua inacessibilidade, reveladecaí-do pelo agente decaí-do torm ento ( idem ) .9 Interessa-nos, a seguir, justam ente acom panhar, no pensam ento lacaniano, o m ovim ento que conduz ao que, em um prim eiro m om ento, precisou ter sua definição arti-culada à condição de ser inacessível, em direção à concepção de um objeto ade-quado a tal definição. Com o conceber um objeto a partir da falta substancial que a Coisa define? Verem os tratar-se, para Lacan, de um a questão fundada na expe-riência analítica.

Na trajetória segundo a qual seguim os o pensam ento lacaniano, encontram o-nos em um ponto no qual a Coisa, tal com o concebida, sustenta a inacessibilida-de inacessibilida-de um objeto inacessibilida-de gozo. A Coisa, inacessibilida-designando um a exclusão, inacessibilida-determ ina que a articulação significante, através da qual se desdobra a experiência do desejo na psicanálise, se organize em torno de um vazio central. Se nos ativerm os ao con-ceito da Coisa, a falta fica associada ao que está excluído da experiência analítica. Nosso objetivo, daqui em diante, é problem atizar, com o próprio Lacan, esta

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dem arcação estrita entre, de um lado, o acesso im possível à Coisa — a experiên-cia interditada de gozo — e, de outro, um a experiênexperiên-cia de desejo para a qual não há objeto pleno. Até então, esta últim a vem se definindo pela exclusão que a outra representa. Querem os verificar, a seguir, que a relação não é tão pontual para Lacan, que não se resum e a um a operação de exclusão que posiciona, de um a vez por todas, a interdição da Coisa com o condição de possibilidade da experiência do desejo, experiência m arcada pela parcialidade do objeto.

DA COIS A AO OBJETO A

É certo que a Coisa lacaniana faz a definição do objeto do desejo — objeto da experiência analítica — avançar da relação com o objeto perdido na origem à relação com a falta na origem . Mas, ainda assim , se supõe um a origem ‘fora’ da experiência para o desejo. Ao passo que, se há desejo e se o desejo se m antém , é porque algo no objeto da experiência do desejo causa o desejo. Bernard Baas fala de um objeto ‘côisico’ (un objet ‘chosique’) que causa o desejo ( BAAS, 1998, p.52) , sustentando que algo da Coisa é assim engajado no objeto do desejo. Já não nos detem os, aí, na Coisa-excluída com o condição de possibilidade para que o obje-to seja, no âm biobje-to do desejo, apresentado pela via da falta.

O m odo com o a falta é trabalhada nos term os da Coisa lacaniana possibilita sua aderência ao conceito de objeto com que passam os a lidar. Isto é, a Coisa prepara o terreno para que, nos m oldes em que a questão da falta passa a estar situada, possam os perseguir um conceito de objeto que desta falta faça substân-cia. Entendem os, assim , que o percurso cum prido até aqui por Lacan — passan-do pela centralidade da falta passan-do objeto na psicanálise e, em seguida, pela introdu-ção da Coisa, recuperando das Ding em Freud — corresponde ao estabelecim ento das coordenadas necessárias à delim itação do objeto a, nos term os em que dele nos ocuparem os. A discussão relativa à Coisa pode ser vista retrospectivam ente, portanto, com o um trabalho conceitual necessário à associação da falta com um conceito de objeto inédito.

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1959-60 nos im põe é de nos voltarm os, no contexto da sublim ação, para a problem á-tica do objeto em diálogo com o que acabara de ser introduzido pela Coisa.

Lacan retom a o que designa com o sendo, para Freud, “a definição funda-m ental do objeto” ( idefunda-m , p.149) . Ele entende que a estrutura essencial na obra freudiana é a do objeto reencontrado, da qual é conseqüência a idéia de que o objeto tenha sido perdido. Não é o objeto perdido que determ ina que a expe-riência do objeto consista em um reencontro, m as a expeexpe-riência do objeto com o reencontrado que nos sugere um objeto perdido. Ao estabelecer o conceito da Coisa, resgatando das Ding em Freud, Lacan precisam ente oferece, para o objeto reencontrado, um a sustentação outra que não a suposição de um objeto perdido, um a sustentação que dispensa a idéia de um objeto perdido. A proposição do objeto com o objeto reencontrado passa a estar associada à concepção da Coisa.

O que afirm am os se assenta na observação lacaniana de que a definição da Coisa com o inacessível im plica que ela só possa ser representada, sem pre, por ‘outra coisa’ ( idem ) . Neste caso, se Lacan chega a falar do objeto que representa a Coisa ( idem , p.150) , é porque a definição do objeto, com o vim os, converge para o objeto reencontrado. Isto é, tom ando o objeto reencontrado no sentido de que há algo que difere a cada encontro do objeto, poderem os falar do objeto que representa a Coisa, já que lidarem os aí com um objeto que é, por definição, ‘sem pre outro’. Com esta condição de ser sem pre outro, o objeto, de algum m odo, passa a se articular à Coisa, rem etendo ao vazio associado à Coisa. Isto porque a concepção de um objeto ‘sem pre outro’ im plica pensarm os que não há objeto que se sedim ente naquele lugar, o que acaba por configurar um vazio.

Vale notar que nos deparam os aí com um a configuração particular do vazio. Vejam os com o Lacan, enfocando novam ente a sublim ação, enuncia a questão:

“Essa Coisa, da qual todas as form as criadas pelo hom em são do registro da sublim a-ção, será sem pre representada por um vazio, precisam ente pelo fato de ela não poder

ser representada por outra coisa — ou, m ais exatam ente, de ela não poder ser repre-sentada senão por outra coisa” ( LACAN, 1959-60/ 1991 p.162) .

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não há objeto que coincida com o que a Coisa designa, por outro, há tam bém a face do objeto, agora revelada, em que, do m odo com o se entende concebido na psicanálise — com o sem pre outro — ele atualiza, na experiência, aquilo de que fala a Coisa. Ao tratar do tem a da sublim ação, no sem inário 1959-60, Lacan resgata, para o objeto da experiência analítica, algo da Coisa que, em um prim ei-ro m om ento, rem etia puram ente ao intangível.

Seguindo com o percurso de Lacan, no sem inário do ano de 1964 vem os a discussão que envolvia a Coisa, introduzida com o inacessível, e o gozo, com o interditado, se m odificar, passando a ser trabalhada na perspectiva de um retor-no. Se a Coisa lacaniana nasceu associada à dim ensão do real — ela designa, com o vim os, o furo no real produzido pela m odelagem significante — é justa-m ente ejusta-m relação ao real que a questão do retorno é retojusta-m ada neste sejusta-m inário. O real é então definido com o “o que retorna sem pre ao m esm o lugar” ( LACAN, 1964/ 1988, p.52) , saindo da condição de puro excluído e exigindo que se pen-se sua articulação com a ordem significante. Tal m ovim ento pen-se dá, no pen-sem inário, em torno do enfoque que nele ganha o tem a da repetição.

Através da repetição, Lacan dispõe do real e da ordem significante sem confiná-los em um a relação excludente. Ele faz isso resgatando a relação estabelecida por Aristóteles entre autômaton e tiquê, dizendo tratar-se, no prim eiro caso, da rede significante e, no segundo, do encontro com o real ( idem , p.54) . Recorrendo à distinção de Aristóteles entre o autômaton e a tiquê, Lacan pretende indicar que, “para além do autômaton, do retorno, da volta, da insistência dos signos” ( p.56) , vige o real com o encontro com a falta. A repetição não pode ser tom ada, na psicanálise, apenas no sentido da reincidência de um a tram a significante que exclui o real, m as tam bém no sentido de que o real retorna com o encontro faltoso. Já não lidam os aí apenas com um a exclusão no real sustentando a ordem significante, m as com um real que, em sua insistência, se atualiza com o encontro faltoso no âm bito m esm o da articulação significante.

A noção de repetição, dizendo respeito ao m esm o tem po à rede significante e ao encontro com o real, consolida um a inflexão no enfoque do pensam ento lacaniano que é revelada desde o início do sem inário neste ano de 1964. Ao iniciar seu exam e dos conceitos fundam entais da psicanálise pelo inconsciente, a cujo entendim ento pela via da articulação significante dedicou grande parte de seu trabalho nos anos anteriores, Lacan se volta, com atenção inédita, a um outro aspecto identificado com a experiência do inconsciente. Passa a ter posição cen-tral em sua leitura do inconsciente o m odo da descontinuidade, do ‘tropeço’, pelo qual ele essencialm ente se verifica em Freud.

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época em posição de introduzir a lei do significante, não deixa de ser necessário, “se querem os com preender o de que se trata na psicanálise, tornar a evocar o conceito de inconsciente nos tem pos em que Freud procedeu para forjá-lo — pois não podem os com pletá-lo sem levá-lo ao seu lim ite” ( idem , p.28) .

Jacques-Alain Miller afirm a, sobre este início do sem inário de 1964, que Lacan descreve o inconsciente com o jam ais o havia feito ( MILLER, 1999, p.16) . Segundo ele, o inconsciente era descrito, preferencialm ente, até então, com o um a ordem , um a cadeia, um a regularidade, ao passo que, agora, ele é recentrado sobre a descontinuidade. Descontinuidade que, Miller enfatiza, não corresponde tão som ente à descontinuidade que é com patível com a ordem significante. Lacan descreve o inconsciente com o um a borda que se abre e se fecha. Deste m odo, tornando o inconsciente hom ogêneo ao que é próprio da ‘zona erógena’ freu-diana, Lacan prom ove, diz Miller, a com unhão de estrutura entre o inconsciente sim bólico e o funcionam ento da pulsão. É a esta inflexão que dissem os respon-der a posterior im bricação, que verificam os neste m esm o sem inário, da ordem significante com o real. Quanto a isso, vale indicar que Lacan afirm a, ao longo do sem inário, que “o real é, no sujeito, o m aior cúm plice da pulsão” ( LACAN, 1964/ 1988, p.71) .

Retom em os os dois conceitos lacanianos que querem os pôr em contraste — a Coisa e o objeto a. O m ovim ento que a obra de Lacan percorre é o m ovi-m ento que parte de uovi-m a perspectiva na qual a falta reovi-m ete a uovi-m terovi-m o fora do jogo significante em que se assenta a experiência da busca do objeto, o que é designado pela Coisa; e que se dir ige para um a outra perspectiva na qual, na m edida em que ao objeto é atribuído o estatuto do objeto a, o que se apresenta sob o m odo da falta passa a se referir a algo que se atualiza nesta experiência m esm a. A experiência analítica foi pensada em um prim eiro m om ento, por Lacan, segundo um a lógica em que a sustentação da rede significante — causa para o sujeito — dependia da exclusão de um term o, o qual se configurava, assim , com o um exterior inassim ilável na experiência. Com o objeto a, um novo passo é dado, pois não m ais se trata, apenas, de um a lógica de pensam en-to que se entende com patível com o que é próprio da experiência analítica, m as deste exterior inassim ilável sendo ‘experim entado’ pelo sujeito. O resto da operação significante não rem ete a um a transcendência, m as retorna, ele sim , com o causa na experiência.

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2002, p.59) . O objeto a se refere à experiência, a cada vez reeditada pelo sujeito desejante, da falta no objeto. Vim os que a Coisa lacaniana, indicando que é a falta m esm a, que deve ser situada na origem , se opõe à delim itação de um a experiên-cia originária do objeto, em relação à qual a falta seria verificada retrospectiva-m ente. Coretrospectiva-m o objeto a, por sua vez, o próprio estabelecim ento de um m om ento originário é problem atizado, pois a falta passa a estar em um a relação de sincro-nia com a experiência do objeto na psicanálise, ou seja, não tem origem outra se não ser ‘experim entada’ a cada encontro com o objeto. Lacan chega com o objeto

a, portanto, a um objeto da falta.

A FALTA NOS TERMOS DO OBJETO A

Entendem os que a Coisa, ou m esm o o real, ou ainda o gozo já eram conceitos que, no percurso lacaniano, se ligavam à problem ática da falta. Com o objeto a, entre-tanto, direm os que o lugar central da falta na experiência analítica não é apenas designado, com o nestes outros conceitos. Vem os sim um a tentativa de ‘tocar’ a experiência da falta que está no cerne da psicanálise. Ou seja, não se trata apenas do conceito organizando, em torno de um a falta, nosso entendim ento da experiência analítica, m as do conceito pretendendo se dirigir à experiência da falta no que ela coincide com a experiência analítica. Neste sentido, podem os cham ar a atenção para a afirm ação de Lacan, em “Radiofonia” ( 1970) , de que o objeto a só é dedu-tível na m edida da análise de cada um ( LACAN, 1970/ 1977, p.26) .

Para exam inar em outra perspectiva o que propom os, lem brem os m ais um a vez que o sem inário de 1964, que se ocupa do conceito psicanalítico, já se inicia enfocando o m ovim ento de abertura e fecham ento que caracteriza a experiência do inconsciente em Freud, experiência fundadora da psicanálise. Nestes term os, o que buscam os indicar é que o conceito de objeto a representa o esforço de Lacan em fazer o pensam ento psicanalítico se deter na abertura. Pois, se ele ob-serva que a descontinuidade é a dim ensão sem a qual não se traz à vida a experi-ência de Freud, é preciso perseguir um conceito que não a suture, um conceito que, no lim ite, se detenha na abertura. A sutura equivaleria aí à idéia do encerra-m ento da psicanálise eencerra-m uencerra-m a teoria acabada. Coencerra-m o objeto a, o conceito se propõe a não em udecer o real que irrom pe a cada abertura e fecham ento, a psicanálise assum indo um potencial de perm anente reinvenção.

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análise, assim com o para definir o que entende ser o lugar do analista. Na afir-m ação lacaniana a que nos referiafir-m os dois parágrafos aciafir-m a, é afir-m esafir-m o atestado que a dedução do objeto a se restringe ao contexto da análise de cada um .

O conceito do objeto a sintetiza, segundo sua form ulação por Lacan, a condi-ção do conceito na psicanálise de só poder ser pensado em articulacondi-ção com a atualidade da experiência clínica. A afirm ação recorrente entre os psicanalistas de que a produção conceitual e a clínica devem estar associadas na psicanálise não vem acom panhada, em geral, pela apresentação dos term os que a fundam enta-riam . Segundo o viés em que vem os operar o objeto a de Lacan, entendem os que tal afirm ação com eça a nos dizer algo. Sem um conceito com o o objeto a, estarí-am os diante de um enunciado que, tom ado isoladestarí-am ente, carece de sentido.

Quase concom itante à introdução do objeto a é sua associação à discussão sobre o lugar do analista. Trata-se, assim , de um conceito com o qual Lacan busca se dirigir ao que está no cerne m esm o da experiência da análise, com o qual busca tocar o que é específico a esta últim a. Ele afirm a que o que causa a transfe-rência é o objeto a ( 1964/ 1988, p.128) . É a partir, então, do que se tenta designar com o objeto a que a psicanálise seria posta em jogo. Tal conceito sustenta, portan-to, em relação à psicanálise, a própria questão da causa. O objeto a, tom ado por causa da transferência na psicanálise, im pede que a construção da tram a conceitual psicanalítica pretenda se alicerçar sobre o sepultam ento da questão da causa.

O objeto a, conceito de objeto-causa, im põe com o horizonte para o pensa-m ento psicanalítico a questão da causa. Copensa-m isso, ele faz acopensa-m panhar sepensa-m pre de um a interrogação a experiência da análise, não podendo ser esta tom ada por m ero espaço inerte ao qual se aplica um saber predefinido. O objeto a busca responder à questão do lugar do analista com o causa do desejo do analisando. Lacan diz do objeto a que ele é a substância da posição do analista, situando este com o ponto de m ira da operação que designam os por psicanálise. Esta operação singular tem neste objeto privilegiado, descoberta da análise ( idem , p.242) , um conceito que interroga a própria causa de tal operação.

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A discussão de Lacan em torno da Coisa acom panhou sua leitura do pensa-m ento freudiano, copensa-m base na qual sustentou a crítica à perspectiva epensa-m que determ inados autores pretenderam se apropriar da tram a conceitual da psicaná-lise. Com o objeto a, no entanto, já não se tratou apenas de ser fiel a Freud, m as do que foi introduzido pelo próprio Lacan. Pretendem os tom ar o conceito lacaniano do objeto a com o um a tentativa sua, inédita, de responder ao proble-m a da relação entre o conceito e a falta na psicanálise. Nesta, o que se transproble-m ite não é o conceito sob a form a de um a definição últim a, nem m esm o um conceito que situaria a falta. O que se transm ite, através de um a relação com o conceito que m arca o trabalho de Freud e Lacan, é a falta que é experim entada na análise.

Recebido em 23/ 9/ 2004. Aprovado em 11/ 5/ 2005.

REFERÊNCIAS

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DARRIBA, V. ( 2004) O ‘inacabam ento’ do conceito na psicanálise, Pulsional Revista de Psicanálise, ano 17, n.179, São Paulo: Escuta.

FREUD, S. ( 1990) Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Im ago.

( 1950[ 1895] ) “ Projeto para um a psicologia científica” , v.I, p.385-529.

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LACAN, J. ( 1956-1957/ 1995) O Sem ináriolivro 4 , A relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

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QUINET, A. ( 2002) Um olhar a m ais: ver e ser visto na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Vinicius Darriba

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