FUNDAÇAo GETÚLIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO.PÚBlICA CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
MARIA ELlZABETH RA VAGNANI ARAOJO CASTRO
REFORMA AGRÃRIA:
CRISE OU SAibA PARA A DEMOCRACIA
MONOGRAFIA APRESENTADA À
ES-CQLA BRASILEIRA DE ADMINISTRA-ÇAO PúBLICA PARA A OBTENADMINISTRA-ÇAO DO GRAU DE MESTRE EMADMINIS-TRAÇA0 PúBLICA.
RIO DE JANEIRO, 1987
.
A REFOR~IA AGRÁRIA: CRISE OU SArDA PARA A DEMOCRACIA
MONOGRAFIA DE MESTRADO APRESENTADA POR MARIA ELIZABETH RAVAGNANI ARAUJO DE CASTRO
E
APROVADA EM 21.08.87
PELA COMISSAO JULGADORA
,
GOFFI MARQUESINI
MESTRE DI ADMINISTRAÇAO POBLICA (MPA)
DIRETORA DE ESTUDOS
PAULO ROBERTO MOTTA
DOUTOR EM DMINISTRAÇAO POBLICA (PHD)
JO-RG-~E-~ +'-I-~-:-;L'EIRO
~
CURSO DE MESTRADO EM ECONOMIA TEORICA
198803 221
T/EBAP C355r
Tendo completado esta tese, compreendo agora que
os agradecimentos que devo expressar merecem igual atenção,
pois falta de memória e a ingratidão tem muito em comum.
Em primeiro lugar, quero expressar minha gratidão
a Dra. Ana Maria Bernardes Goff Marquesini, minha orientado
ra e que muito me estimulou em meu trabalho. Aos membros de
minha banca, Dr. Paulo Roberto Mottae Dr. Jorge Viana Montei
ro, meus sinceros agradecimentos.
Ao Dr.Francisco Tarcizio Goes de Oliveira e Sra, Dr.
Irineu Cabral, Dr. José Ubirajara Timm e ao Dr. José Anto
nio de Oliveira Coimbra, que foram os principais
respon-sáveis pela conclusão do meu curso de mestrado, meus agrad~
cimentos especiais.
Concluo estas notas expressando a minha enorme gr~
tidão a membros de minha família. Dediquei esta tese ao Amau
ry, Renato e Denys, mas seria extremamente injusta se nao
manifestasse o meu reconhecimento a minha mãe, Yolanda, que
me deu apoio material e emocional, protegendo-me dos probl~
mas do dia a dia no Rio de Janeiro e dando-me traquilidade
e calma para que eu pudesse me concentrar nas exigências da
pós-graduação.
E, finalmente, quero me desculpar pelos . ~
lnumeros
nomes aqui não citados, como meus colegas, demais profe~
sores e várias outras pessoas,que muito colaboraram neste meu
1. INTRODUÇÃO
2. O PROBLEMA, O OBJETIVO, A METODOLOGIA E OS CON
CEITOS.
2.1. O Problema
2 .2 . Os Objetivos
2 .3. A Metodologia
2.4. Os Conceitos
2.5. Definição de Reforma Agrária
7
8
8
11
13
13
18
3. EVOLUÇÃO DE ESTRUTURA AGRÁRIA NO PERrODO 1920-1980 19
4. ANTECEDENTES DA REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL 29
4.1. A Antiga História da Reforma Agrária 29
4.1.1. Tratado de Tordesi1has 29
4.1.2. Sesmarias 30
4.1.3. A Lei de Terras - 1850 36
4.2. Período Moderno 43
4.2.1. A Revolução de 1930 43
4.2.2. Aspectos históricos do Estatuto da Ter
ra.
5. A REFORMA AGRÁRIA E O ASPECTO
CIONAL
JURrDICO-CONSTITU
5.1. As Constituições e a Reforma Agrária
5.2. O Estatuto da Terra
5.3. O Plano Nacional de Reforma Agrária
46
49
49
58
7. ASPECTOS POLITICO-SOCIAIS DA REFORMA AGRÁRIA
8. DADOS SOBRE CONFLITOS NO CAMPO
9. A REFORMA AGRÁRIA E SEUS LIMITES; O CAPITALISMO E
87
138
A DEMOCRACIA 144
9.1. A Reforma Agrária e seus Limites
9.2. O Capitalismo
9.3. A Democracia
CONCLUSOES
ANEXO - O Debate em Torno da. Proposta do 19 PNRA da
Nova Repúb1ica;Exp1icações Necessárias (José
Gomes da Silva)
BIBLIOGRAFIA
144
149
153
155
161
1. Evolução do número e area dos estabelecimento ru
raise da população ocupada na agricultura
(1920-1980) 20
2. Evolução do número e are a dos estabelecimentos ru
rais, por classe de área total (1960-1980) 23
3. Variação percentual do número e área dos estabele
cimentos, por classe de área total (1960-1980 e
1970-1980)
4. Decomposição da variação total no número e
dos estabelecimentos, por classe de área
-area
total,
no período 1960-1980, em porcentagem
5. Brasil - Evolução do número de estabelecimentos ru
rais, segundo classes de área total (1970-1980)
6. Brasil
-
Evolução das areas dos estabelecimentosrurais, segundo classes de area total (1970-1980)
-7 . !ndices de Gini calculados para o Brasil e para as
regloes (1970-1980)
8. Composição da estrutura fundiária, a partir da
23
24
27
27
28
classificação dos imóveis utilizados pelo INCRA 61
9. Trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra.
Brasil (1978 e 1984) 66
10. Metas do 19 PNRA da Nova República para o quadri~
12. Plano de Metas, recursos necessários e program~
dos, famílias assentadas e possibilidades de as
sentamentos 132
13. Plano Nacional de Reforma Agrária: áreas desapr~
priadas, áreas com imissão de posse e projetos
criados, por estado e região, no período de 15
de março de 1985 a 26 de riovembro de 1986 134
14. Conflitos pela terra e mortes. Brasil (1971-1984) 138
15. Conflitos no campo. Brasil (1985) 141
16". Violência no campo. Brasil (1985) trabalhadores
rurais, índios e agentes pastorais 142
17. Conflitos no campo, por estado (1985)
18. Terras de latifúndios, terras públicas, terras de
estrangeiros e terras da Igreja
143
- Associação Brasileira de Reforma Agrária ABRA
AID - Associação das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Internacional
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricul
tura
CPT - Comissão Pastoral da Terra
CSN - Conselho de Segurança Nacional
FARSUL - Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul
- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE
INCRA
MEAF
MIRAD
OAB
ONU
- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
- Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários
- Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário
- Ordem dos Advogados do Brasil
- Organização das Nações Unidas
PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária
SEPLAN - Secretaria de Planejamento da Presidência da
blica
SNI - Serviço Nacional de Informações
UDR - União Democrática Ruralista
A Reforma Agrária é um assunto complexo e que alt~
ra os mais diversos ânimos. A prova disso são os acontecimen
tos recentes, no Brasil, sobre esse assunto envolvente e p~
lêmico.
"A Reforma Agrária no Brasil é um enigma", escre
veu o US State Departament, em publicação oficial e editada
pela AID, órgão da ONU, em junho de 1970. Ora, se este assun
to se apresenta obscuro para o organismo de relações exteri~
res do país mais e melhor informado do mundo, o que se pode
esperar, em termos de conhecimento, do povo brasileiro, que
em sua maioria vive em miséria absoluta e com índices eleva
dos de analfabetismo?
Com este trabalho nao pretendemos esgotar o assun
to e muito menos propor soluções que possam parecer ou levar
a pensar que os homens, de repente, vão ser diferentes ou
que a realidade se altere do dia para a noite. Simplesmente,
pretendemos mostrar a realidade em que vive o País e os acon
tecimentos recentes, que tivemos a preocupação de compilar,
através da imprensa, e que futuramente possam servir de sub
sídios a outros estudos. Pretendemos ainda dar nossa visão
sobre o assunto e alguns caminhos que, em nosso entender, p~
deriam ser percorridos sem grandes percalços.
dade brasileira, de certa forma respondidas neste trabalho.
As mais freqUentes: "O que representa a Reforma Agrária ho
je"? "Para llUê"? "Quais seus benefícios"? "Existem forças po L • _
líticas capazes de dar-lhe suporte"? "A classe trabalhadora
está organizada para viabilizá-la, na forma preconizada por
ela"? "O Brasil aumentará sua produção alimentar"? "Haverá
melhor distribuição de renda"? "A democracia depende da Re
forma Agrária"?
A Reforma Agrária, sem dúvida, deve hoje ser discu
tida em todos os lugares: governo, universidades, sindica
tos, confederações, classes patronais, enfim por todo o povo
brasileiro. Somente assim poder-se-á dar subsídios aos seus
executores. Sem respaldo político e sem competência técnica,
podemos afirmar, não existirá qualquer possibilidade da Nova
República fazer alguma coisa que possa ser chamada de Refor
ma Agrária.
2. O PROBLEMA, O OBJETIVO, A METODOLOGIA E OS CONCEITOS
2.1. O Problema
A Reforma Agrária no Brasil sempre foi assunto ex
plosivo. Entretanto, nesses 21 anos de ditadura, o problema
foi mantido em "arquivo morto". Com o lançamento, pelo gove!.
no da Nova República, da "Proposta para Elaboração do 19 PIa
no Nacional de Reforma Agrária", veio à tona um acirrado de
uma dissertação que coloque algumas questões fundamentais do
problema, hoje, no Brasil.
E importante notar que, inicialmente, o governo
colocou em debate uma "proposta", e não um "plano" já elabo
rado, o que dá margem à possibilidade de se questionar quais
foram suas intenções reais ao dar um prazo tão pequeno para
o debate do problema (30 dias, posteriormente prorrogado,por
pressoes internas). A proposta teve efeito bombástico, pelo
simples fato de apresentar algumas sugestões sobre a aplic~
ção de uma lei sancionada em·1964 pelo então presidente Cas
telo Branco.
A intenção do MIRAD deve ser louvada, pois
mente poder-se-ia pôr em marcha a Reforma Agrária com um sim
pIes decreto do Executivo, já que existe uma lei em vigor
(Estatuto da Terra, Lei n9 4.504, de 30 de novembro de 1964) .
Entretanto, acreditamos que e necessário questionar se o g~
verno teria condições e apoio político para fazê-lo e, tam
bém, por que prazos para debate tão curtos?
Após o lançamento da proposta para elaboração do
19 PNRA da Nova República, o governo, depois de quatro meses
de discussões e alterações no documento inicial, lançou o
Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República, que ain
da hoje gera polêmicas tanto entre aqueles que são a favor
como entre os que são contra. Dante de Oliveira, ministro da
Reforma e do Desenvolvimento Agrário, afirmava ao jornal do
"O PNRA causa apreensao até mesmo nos naturais
aliados, que são os pequenos produtores, enquanto a União De
mocrática Ruralista, descaradamente, faz leilões de gado p~
ra investir em candidatos
à
Constituinte e agir contra a Reforma Agrária".
O assunto deve ser analisado mais detidamente sob
o aspecto daquilo que está no fundo de toda essa questão, ou
seja, como conciliar os objetivos de cada indivíduo com os
da sociedade. Como dividir os recursos naturais entre os ho
mens? Quais os critérios a serem seguidos? b evidente que
uma divisão em partes iguais, entre todos os homens, nao re
solveria o problema, porque dotes para manipulação e adminis
tração desses recursos não são igualmente distribuídos por
toda a humanidade e esta divisão pecaria pela própria despr~
porçao em que o fator trabalho (capacidade humana) está dis
tribuÍdo.
Esta e a raiz do problema de eqUidade. Como facul
tar ao homem a distribuição dos recursos, de forma que rever
tam em maior utilidade, sem permitir que esta seja apropri~
da primordialmente pelo grupo dos que manejam tais recursos?
E como, além disso, evitar que estes mesmos recursos sejam
colocados nas mãos de grupos de menor aptidão?
Tais aspectos deverão estar sempre presentes no
decorrer deste trabalho. Evidentemente que não há de nossa
parte a pretenção de resolvê-los, mas simplesmente tornar
que nao poderemos abordar o assunto da Reforma Agrária se
nao o tivermos sempre como uma questão de fundo.
A Reforma Agrária de hoje, devemos recordar, dife
re muito daquela preconizada pela esquerda em 1964, quando
se dizia que ela, reforma, era uma precondição a continuida
de do processo de desenvolvimento capitalista, ou seja, sem
a reforma agrária, o capitalismo no Brasil estagnar-se-ia. O
princípio no qual se fundamentava esse raciocínio era o de
que, uma vez esgotadas as possibilidade de industrialização,
pela substituição de importações, seria preciso ampliar o
mercado interno, fazendo a reforma. Com isso, a renda se ele
varia, aumentando o consumo de bens industriais na agricul
tura e, ao mesmo tempo, fazendo crescer a produção agrícola
para a cidade, o que resultaria no rebaixamento do valor da
força de trabalho no incremento do ritmo da acumulação do ca
pital.
O golpe de 64, entretanto, mostrou claramente a
inconsistência dessa construção lógica. O capitalismo no Bra
si1 se desenvolveu como nunca e na própria agricultura o de
senvolvimento capitalista foi mais acelerado do que em qual
quer outro momento, sem a Reforma Agrária.
2.2. Os Objetivos
Este trabalho
é
fundamentalmente histórico-descritivo, e em sua elaboração utilizamos basicamente informações
análise relativas a uma situação presente. Os dados recentes
sobre o tema Reforma Agrária encontram-se espalhados em di
versos tipos de publicações - revistas, jornais, artigos.Mes
mo alguns livros recentes tratam do tema sob determinado as
pecto específico, em detrimento de uma visão do processo gl~
balo
Assim, pensamos em apresentar aqui uma visão mais
abrangente sobre o assunto, o que vem ase~o objetivo bisico
deste estudo, demonstrando que, em tese, todos são
veis
ã
reforma agriria.favori
Economicamente falando, ela é indispensável; em
termos sociais, desejfivel e imprescindível; politicamente,h~
je, nao e auto-sustentivel; e juridicamente existem barrei
ras quase intransponíveis.
Nossos objetivos específicos, ao preparar este es
tudo sao:
a) analisar, dentro do atual estigio de desenvolv!
mento capitalista no Brasil, com que novas
ressurge a proposta de Reforma Agr~ria;
características
b) verificar as reivindicações presentes na luta
pela Reforma Agrá~ia;
c) verificar a forma de viabilizar a Reforma Agr~
ria, considerando a atual correlação de forças políticas; e,
contribuir para a estabilização ou nao da democracia no
País.
2.3. A Metodologia
Com este trabalho abordaremos um setor específico
da agricultura nacio~al, com base em uma série de estudos e
pesquisas sobre o processo da Reforma Agrária no País. Reco~
remos a vários autores especializados e fundamentalmente a
imprensa - sendo o assunto muito recente (o lançamento do
PNRA da Nova República) quase não existem trabalhos escritos
sobre a fase recentíssima da Reforma Agrária. No momento da
redação final deste documento ainda eclodem fatos da maior
importância. Entretanto, por motivos óbvios, nao poderíamos
aguardar todo o desenrolar do processo.
Assim, foram realizadas entrevistas em aberto e
consultas a especialistas da área. Devemos ressaltar que a
divisão do estudo em áreas específicas - jurídica, econômica
e político-social - ocorreu por uma questão puramente meto
dológica, para melhor facilitar o estudo. Entretanto, quer~
mos deixar bem claro que essas áreas estão intrinsecamente
ligadas e, na realidade, torna-se quase impossível
dissociá-las, talo ponto de interação entre as mesmas.
2.4. Os Conceitos
Uma definição importante sobre o tema
é
a da estru"A estrutura fundiária corresponde a uma situação
dada, em um momento histórico,quando se observa como ela se
distribui entre os habitantes e quais as condições de exp1~
ração".
Um dos problemas mais sérios no estudo da questão
agrária, quer do ponto de vista teórico, quer do empírico, é
a forma como se distribui a propriedade da terra entre os
habitantes de um país, ligado a outro problema, ou seja, o
maior ou menor acesso a esse bem por parte de agricultores
não-proprietários. Tais condições são normalmente resultado
da história do país, de opções políticas e do nível tecno1ó
giço existente.
Na história nao se tem notícia de qualquer sistema
de posse e uso da terra que não tenha partido de um ato de
violência, de imposição de um grupo, quase sempre
rio.
minoritá
A questão fundiária encerra essencialmente um pr~
blema de eqUidade. Por isso, ao se diagnosticar uma
estrutu-ra .de posse e uso da terestrutu-ra como inadequada, não é suficiente
analisar suas causas e disfunções. S forçoso que se tenha em
mente um modelo considerado superior ao existente. Dados os
padrões éticos dominantes, tal modelo servirá para que se
cumpra, deforma plena, a chamada função social da propried!
de.
A legislação brasileira preve que o direito de
nado ao interesse socia1
1/.
Este aspectoé
abordado pelo Estatuto da Terra, segundo o qual "a propriedade da terra de
sempenha integralmente sua função social quando, simu1tanea
mente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservaçao dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as
justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cu1ti
vam"
}:J
Estes seriam, portanto, os critérios que assegur~
riam a preservação do interesse social quanto à
proprieda-de da terra. Tais critérios prevêem, implicitamente, a uti1i
zaçao da terra para fins produtivos e, explicitamente, o be
nefício social e econ6mico para os que dela trabalham (a1í
neas "a" e "d") e para os que nela dependem hoje e no futuro
(alíneas "b" e "c").
Outros artigos dessa lei deixam claro que aquelas
condições deverão ser preenchidas no intervalo entre dois p~
1/ Estatuto da Terra, Lei n9 4.504, de 30 de novembro de
1964, art. 12.
râmetros: o "módulo rural", identificado como conceito de
"propriedade familiar", e o 1atif:Jl1dio por
dimensão~/.
Afirma, também, que o "Poder Público promoverá a gradativa extin
çao das formas de ocupaçao e de exploração da terra que con
trariem sua função social" e que este poder "facilitará e
prestigiará a criação e a expansão de empresas rurais de pe~
soas físicas e jurídicas que tenham por finalidade o racio
na1 desenvolvimento extrativo agrícola, pecuário ou agroi~
dústria1".i/
3/ Lei n9 4.504/64, art. 49 Propriedade familiar é definida
como imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado p~
lo agricultor e sua família, "lhes absorva toda a força
de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico ... "
o
latifúndio por dimensão é definido em função de ~area máxima fixada de maneira estabelecida na mesma lei.
~ também definido o latifúndio por exploração como imóvel
cuja área se situa entre os dois parâmetros acima cita
dos, mas que "seja mantido inexplorado em relação às po~
sibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, com
fins especulativos, ou seja, deficiente ou inadequadamen
te explorado, de modo a vedar-lhe a inclusão do conceito
de empresa rural".
4/ Lei n9 4.504/64, arts. 13 e 14. Empresa rural é definida
(art. 49 , item VI) como o "empreendimento de pessoa fís i
ca ou jurídica, pública ou privada, que explore econômi
ca e racionalmente imóvel rural, dentro da condição de
rendimento econômico da região em que se situe e que ex
Sob este contexto foi definido o modelo de propri~
dade privada da terra que atende ao interesse da sociedade
brasileira. Cabe, porém,. notar alguns aspectos de expressa0
teórica. Os requisitos preliminares que definem a função so
cial da propriedade da terra não fazem qualquer mençao à di
mensão dessa propriedade. Realmente, do ponto de vista for
mal, não há por que estabelecer, por antecipação, limites fí
sicos ao uso de recursos produtivos, desde que obedecidos os
critérios sociais relevantes.
Por que razao, então, a lei preve, posteriormente,
através do módulo rural, dois parãmetros físicos, entre os
quais se situariam as dimensões de propriedade da terra so
cialmente aceitáveis? Porque a lei não poderia ser aplicada
sem que a entidade incumbida de sua execução fosse orientada
quanto aos padrões de mensuração que deveria utilizar
assegurar o seu cumprimento. O módulo rural, estimado
para
para
cada região e tipo de exploração, implica no reconhecimento
de que há dimensões mínimas da propriedade abaixo das quais
não há possibilidade de se desenvolver, adequadamente, uma
exploração racional e remunerativa da terra. De outra pa~
te, há dimensões máximas, acima das quais se configura um
controle absoluto do fator terra que pode levar ao risco de
práticas competitivas socialmente indesejáveis.
Evidentemente, a aplicação do módulo rural como
unidade de medida envolve juízos probabilísticos quanto à ca
pacidade de trabalho e ao nível de subsistência coerentes
2.5. Definição de Reforma Agrária
"A modificação da estrutura fundiária de um
ou região, com vista a uma distribuição mais eqUitativa
terra e da renda agrícola é a definição mais usual da
ma Agrária" (Veiga, 1983). A Reforma Agrária não deve
confundida com transformação agrária, que é a mudança
..
palS,
da
Refor
ser
natu
ralou espontânea da estrutura fundiária de um país ou re
gião, imposta pelo crescimento econômico e por suas crises.
o
Estatuto da Terra define Reforma Agrária como "oconjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição
de terra, mediante modificações no regime de sua posse e
uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao
aumento· da produtividade".
Entretanto, dada a singular complexidade que cara~
teriza a Reforma Agrária, o fato demanda análise e considera
ções mais profundas.A reforma é uma expressão vaga, muito
usada e, acreditamos, poucas vezes compreendida. Uns a men
cionam como se fosse a cura para os males do Brasil e outros
como se fosse um flagelo social.
Na maioria das vezes, as pessoas conceituam Refor
ma Agrária com melhor lhes convém, e muitas autoridades de
turpam seu conceito para uso pessoal e por conveniência ideo
lógica. Então, o conceito em si não é o importante; o funda
mental torna-se a global idade dos componentes que nela se in
co-sociais, as econômico-financeiras, o trabalhador, a pr~
dução e as condições de vida no campo etc. Entretanto, acre
ditamos que, apesar de o conceito não ser a questão primo~
dia1, é necessário, de certa forma, globa1izar os compone~
tes e emitir a nossa opinião sobre a Reforma Agrária.
Assim, podemos afirmar que a Reforma Agrária é a
revisão e o reajustamento das normas jurídico-sociais e eco
nômico-financeiras que regem a estrutura agrária do País,
vi
sando
ã
valorização do trabalhador do campo e ao incrementoda produção, mediante a distribuição, utilização e
ção sociais e racionais da propriedade agrícola, ã
exp10r~
melhor
organização e extensão do crédito rural e ao melhoramento das
condições de vida do homem do campo.
3. EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA AGRÁRIA NO PERIoDO 1920-1980
Os censos agropecuários revelam que nos últimos 60
anos houve contínua expansão da ocupação do espaço com esta
be1ecimentos rurais, passando a área ocupada de 175 milhões
de hectares, em 1920, para aproximadamente 370 milhões em
1980 (Tabela 3-1). Deve-se notar, contudo, que o numero de
estabelecimentos cresceu muito mais rapidamente no mesmo p~
ríodo, passando de 648 mil para cerca de 5,2 milhões. Conse
qUentemente, houve redução acentuada na área média dos esta
be1ecimentos - de 270 hectares, em 1920, para 71,5 hectares
em 1980.
Item 1920 1940 1950 1960 1970 1975 1980
(1) Estabelecimentos 648.153 1.904.589 2.064.642 3.337.769 4.924.019 4.993.252 5.167.578
(2) Área (ha) 175.104.675 197.720.247 232.211.106 249.862.124 294.145.466 323.896.082 369.587.921
(3) Área média (ha) 270,2 103,8 112,5 74,9 59,7 64,9 71 ,5
(4) Pessoal ocupado 6.312.323 11.343.415 10.996.834 15.633.985 17.582.089 20.345.692 21.109.890
(5) Pessoas/estabelecimento 9,74 5,96 5,33 4,68 3,57 4,07 4,08
(6) Pessoas/ha 0,036
,q
,057 0,047 0,062 "0'060,
,9,063 :0,057(7) População total rural 40.978.751 38.616.153
(8) (4)/(7) .100 42,9 54,7
FONTE: Fundação IBGE: Censo Agropecuário (vários anos).
N
transformações ocorreram no período 1920-1940, quando o núme
'ro de estabelecimentos praticamente triplicou, enquanto a
area total ocupada experimentou um modesto incremento de
13%.
De outra parte, a população economicamente ativa
na agricultura (definida pelo número de pessoas ocupadas) ,no
período 1920-1980, mais que triplicou. Identicamente ao ocor
rido com o número de estabelecimentos, o pessoal ocupado qu~
se que dobrou no período 1929-1940. Para que esse fenômeno
ocorresse novamente foram necessários outros 40 anos (perí~
do 1940-1980), o que se reflete em uma taxa de crescimento
relativamente baixa, especialmente entre 1960-1980.Denota-se
para todo o período uma tendência acentuada de decréscimo no
numero de pessoas ocupadas por estabelecimento (passou
9,74%, em 1920, para 4,08, em 1980), enquanto que o
por unidade de área tendeu a se estabilizar a partir
1940.
de
~
numero
de
Tomando-se somente o período 1970-1980, é interes
sante notar que, a despeito de uma redução absoluta na pop~
1ação considerada como rural, a população economicamente ati
va no setor cresceu: em 1970, ela representava 42,9 por cen
to da população rural total; em 1980, passou para 54,7 por
cento. Esses dados permitem inferir que, no agregado, a tran~
ferência de população do setor rural ~ara o setor urbano nao
tem sido acompanhada por redução no emprego. Entretanto, es
te, pelo menos no período 1970-1980, cresceu menos,
cionalmente, em relação ao aumento na incorporação de ~
dos estabelecimentos.
As tendências geraIs apresentadas anteriormente p~
dem ser melhor entendidas com o exame de dados mais desagr~
gados nos períodos mais recentes. As Tabelas 3-2, 3-3 e 3-4
resumem as informações pertinentes
ã
evolução dos numeros eáreas dos estabelecimentos agrícolas e do pessoal ocupado na
agricultura, levando em conta as diferenças nas dimensões
(definidas pela área total) dos estabelecimentos no período
1960-1980.
Os dados contidos na Tabela 3-2 sao analisados com
o auxílio das informações apresentadas nas Tabelas 3-3e 3-4.
As tendências dignas de nota são:
a) no período 1960-1980, enquanto o numero de esta
belecimentos cresceu 54,8 por cento, a área ocupada cresceu
pouco menos, 47,9 por cento. Note-se, contudo, que a maior
parte do acréscimo no numero de estabelecimentos ocorreu na
década 1960-1970. O reverso ocorreu com a area. ConseqUent~
mente, entre 1970 e 1980 houve aumento na área média dos es
tabelecimentos;
b) em termos relativos (Tabela 3-3), no período
1960-1980 o maior incremento no número ocorreu na classe de
estabelecimentos com área inferior a 10 hectares (74,1 por
cento). Entretanto, na década 1970-1980 o crescimento relati
vo do numero de estabelecimentos com área superior a mil hec
Tabela 3-2 - Evolução do número e área dos estabelecimentos rurais, por classe de área total (1960-1980).
Classes de 1960 1970 1980
área total
(ha) N9 Área N9 Área N9 Área
< 10 1.495.020 5.952.380 2.519.630 2.083.490 2.603.576 8.994.710
10 - 100 1.491.415 47.566.290 1.934.392 60.069.700 2.015.821 64.456.450
100 - 1.000 314.831 86.029.450 414.746 108.742.670 489.303 126.936.130
1.000 - 10.000 30.883 71.420.900 35.425 80.059.160 45.906 105.655.580
> 10.000 1.597 38.893.110 1.449 36.190.420 2.410 63.545.050
Sem declaração 4.023
-
18.377-
10.562-'lOTAL 3.337.769 249.862.140 4.924.019 294.145.460 5.167.578 369.587.920
FONTE: Fundação IBGE. Censo Agropecuário - vários anos, e Sinopse Preliminar do Ce~
so Agropecuário de 1980.
Tabela 3-3 - Variação percentual do nUmero e área dos estabelecimentos, por classe de área total (1960-1980 e 1970-1980)
Classes de NUmero Área
área total
(ha) 1960-1980 1970-1980 1960-1980 1970-1980
< 10 +74,1 + 3,3 +51,1 - 1,0
10 - 100 +35,2 + 4,2 +35,5 + 7,3
100 - 1.000 +55,4 +18,0 +47,5 +16,7
1.000 - 10.000 +48,6 +29,6 +47 ,9 +32,0
>
10.000 +50,9 +66,3 +63,4 +75,6TOTAL +54,8 + 4,9 +47,9 +25,6
Tabela 3-4 - Decomposição da variação total no número e área dos estabelecimentos, por classe de área total, no período 1960-1980, em porcentagem.
Classes de
área total Número Área
Cha)
«
10 +60,6 + 2,510 - 100 +28,7 +14,1
100 - 1.000 + 9,5 +34,2
1.000 - 10.000 + 0,8 +28,6
:> 10.000 + +20,6
Sem declaração + 0,4 +
-TafAL 100,0 100,0
outra parte, a área total cresceu mais, relativamente, .com
os estabelecimentos com ársa superior a 10 mil hectares para
o período 1960-1980. O quadro se mostrd mais claro na última
década (1970-1980): a área total ocupada com os estabeleci
mentos menores (área inferior a 10 hectares) chegou a decres
cer em um por cento, enquanto para aqueles com mais de 10
mil hectares a área aumentou 75,6 por cento;
c) mais interessante é a decomposição da varlaçao
no numero de estabelecimentos (Tabela 3-4). No período
1960-1980, aproximadamente 61 por cento do incremento total no nú
mero de estabelecimentos ocorreram com aqueles cuja área e
inferior a 10 hectares e quase 90% com estabelecimentos com
área inferior a 100 hectares. De outra parte, os pequenos e~
tabelecimentos (área inferior a 10 hectares) responderam
por somente 2,5 por cento do incremento da área total - os
estabelecimentos com area superior a mil hectares respond~
ram por quase metade daquele incremento. Tais dados sugerem
que, no agregado, deve ter ocorrido um deterioramento na dis
tribuição da propriedade da terra, causando uma maior concen
tração.
Pelas Tabelas 3-5 e 3-6, ao examinarmos o comport~
mento da área total ocupada pelos estabelecimentos podemos
~
observar que a area total dos pequenos estabelecimentos (in
ferior a 10 hectares) decresceu em um por cento, enquanto o
número de estabelecimentos cresceu em 3,3 por cento. Pode
mos notar claramente, que a quase totalidade da variação na
incremento no númeroena área dos estabelecimentos com ~ area
superior a 100 hectares, especialmente daqueles com mais de
mil hectares.
o
exame da evolução da estrutura fundiária, com osdados precedentes, já permitiu deduzir que a propriedade da
terra no Brasil tende a ser bastante concentrada, o que pode
ser confirmado pelos !ndices de Gini estimados (Tabela 3-7),
os quais mostram que, para o Brasil como um todo, no perí~
do 1970-1980 a concentração, além de muito alta, tende sem
pre a aumentar.
Em resumo, a estrutura fundiária analisada até o
momento permite concluir que:
a) tem havido contínua expansao da ocupaçao do es
paço territorial com estabelecimentos rurais, com acentuada
redução na área média dos estabelecimentos;
b) em períodos mais recentes tem havido tendência
para um crescimento menos do que proporcional no número dos
pequenos estabelecimentos, sendo observada até mesmo uma
redução, em termos absolutos, da área total por eles ocup~
da. No outro extremo, tem sido observado um aumento mais do
que proporcional na área ocupada pelos grandes estabelecimen
tos (área superior a mil hectares);
c) a propriedade da terra no Brasil tende a ser
Tabela 3-5 - Brasil - Evolução do número de estabelecimentos rurais, segundo classes de área total (1970 e 1980)
Classes de Número de estabelecimentos
área total
(ha) 1980 1970
Menos 10 2.603.576 2.519.630
10 - 100 2.015.821 1.934.392
100 - 1.000 489;303 414.746
1.000 - 10.000 45.906 35.425
Mais 10.000 2.410 1.449
Total 5.157.016 4.905.642
FONTE: Fundação IBGE, Censo Agropecuário, 1970 e 1980
Tabela 3-6 - Brasi1- Evolução das áreas dos estabelecimentos rurais, segundo
classes de área total (1970-1980)
Classes de Área total dos estabelecimentos (ha)
área total
(ha) 1980 1970
Menos 10 8.994.715 9.083.947
10 - 100 64 .456 .450 60.069.703
100 - 1.000 126.936.134 108.742.679
1.000 - 10.000 105.655.583 80.059.163
Mais 10.000 63.545.029 36.190.430
Total 369.587.911 294.145.472
Tabela 3-7 - rndices de Gini calculados para o Brasil e para as regiões (1970-1980)
RegiõeJ/ 1970 1980
R I 0,6851 0,7053
R II 0,7803 0,7687
R III 0,8234 0,8445
R IV 0,8317 0,8053
R V 0,7985 0,7812
Brasil 0,7934 0,8219
1/ Região I - Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Região 11 - Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Ser
gipe.
RegiãolIl - Maranhão, Piauí e Bahia.
Região IV - Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal.
no de 0,82 (em 1980). Há, contudo marcantes diferenças, tan
to entre as regiões como de comportamento temporal: os índi
ces tendem a ser mais baixos nas regiões tradicionais e mais
altos nas regiões pioneiras.
4. ANTECEDENTES DA REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL
A Reforma Agrária, apesar de parecer um assunto re
cente na história do País, vem sendo discutida desde o B r a
sil Colônia. Assim, para facilitar a exposição, dividimos o
seu ciclo evolutivo em dois grandes períodos: o antigo, que
começa com o Tratado de Tordesilhas e termina com a Revolu
.ção de 1930, e o moderno, que se inicia após a Revolução de
1930 até os nosos dias.
4.1. A Antiga História da Reforma Agrária
4.1.1. Tratado de Tordesilhas
Esta fase da história do Brasil (1494-1930) pode
parecer muito longa, entretanto, uma análise mais profunda
sobre o assunto demonstra que nesses longos anos o problema
agrário foi criado e progressivamente agravado.
Vários estudiosos da questão agrária brasileira cos
tumam dizer que a história do nosso País começa com um par~
doxo: antes de descoberto o Brasil, suas terras já perte~
ciam a Portugal. De fato, o Tratado de Tordesilhas, firmado
era de domínio da Coroa Portuguesa e da jurisdição da Ordem
de Cristo. Portanto, quando Cabral pisou em terras brasi1ei
ras, em 1500, já havia o acordo sobre o território brasi1ei
ro.
O Tratado de Tordesi1has, na prática, "dividiu o
mercado da época em dois imensos fazendões: um, o dos reis
de Caste1a e Aragão; o outro, no qual fomos incluídos, pe!
tencente ao rei de Portugal. Separando-os, ficava a cerca
simbólica do famoso meridiano. Atuando como tabelião, funcio
nou na transação o Papa Alexandre VI, Bórgia, que, chamado
a desempenhar a pendência, sugeriu a divisão, finalmente acei
ta, situando a linha divisória a 300 léguas a oeste do arqu~
pélago ~e Cabo Verde. Como administrador do imenso fundo ap~
rece Pedro Álvares Cabral, cuja chegada ao Brasil
tuiu apenas um ato de posse e não uma descoberta"
1971) .
consti
(Silva,
Em consequência, as novas terras passaram a
reger-se pelas leis portuguesas, subordinando-reger-se ao regime das reger-ses
marias.
4.1.2. Sesmarias
O regime de sesmarias era antigo costume verifica
do em algumas regiões da Península Ibérica, que consistia na
divisão de terras particulares inaproveitadas, ainda que co~
traavontade do respectivo proprietário, para fins de distri
minado período, mediante o pagamento de uma renda equiva1e~
te
ã
sexta parte dos fundos produzidos. As bases desse regime se assentavam na Lei de 26 de junho de 1375, do rei Dom
Fernando.
Tal sistema de concessao de terras, todavia, nao
foi imediatamente transportado para o Brasil. Achando-se Por
tugal na disputa pela hegemonia econômica da Europa, deixou
as terras brasileiras relegadas ao semi-abandono. Assim, ex~
cutada a doação da Ilha de São João (hoje Fernando de Noro
nha) , em 1504, e a distribuição de algumas áreas do litoral,
entre as quais aquelas concedidas por Martin Afonso de Sou
za aos integrantes da sua expedição, em 1532, a Coroa port~
guesa não fez outras concessões de terras até 1534, quando
a colonização efetivamente se iniciou através das Capitanias
Hereditárias. Conforme Bandecchi (1964), "Dom João 111 man
dou Martin Afonso de Souza ao Brasil, nomeando-o governador
e capitão-mor, resolvendo posteriormente, e sem consultá-lo,
retalhar a colônia em capitanias hereditárias". Essa fórmula
de solução para o problema do aparelhamento político-admini~
trativo já fora experimentada por Portugual nas suas ilhas
do Atlintico e não representava encargos para o .Reino,
ã
ép~ca inteiramente incapacitado para assumir o vultoso ônus da
colonização de tão vasto território.
Entre 1534 e 1536, o Brasil foi dividido, administr~
tivamente, em 14 capitanias hereditárias, que tinham de 20 a
100 léguas de costa e limites paralelos entre si, até a li
ampla delegação de poderes, o capitão-mor, objetivando p~
voar e colonizar a terra recebida, deveria dividi-la e
doá-la em sesmarias e quaisquer pessoas, desde que fossem cris
tãos. Os concessionários das sesmarias ficavam obrigados ao
pagamento do dízimo, isto é, da décima parte de tudo o que
produzissem.
O instituto da sesmaria adquiriu, desde logo, con
figuração diferente daquela vigente em Portugal .. Lá, as ter
ras cujo proprietário não quisesse, ele próprio, explorar,
vender ou arrendar, eram divididas e distribuídas a tercei
ros que assumissem a obrigação de cultivá-las por tempo de
terminado. No Brasil, doavam-se terras de domínio da Coroa,
em caráter perpétuo, mediante compromisso de efetivo aprovei
tamento. Pode-se dizer, em síntese, que em Portugual o insti
tuto da sesmaria implicava em verdadeiro confisco de terras
privadas, para fins de distribuição a quem não as possuia,ao
passo que, no Brasil, traduzia-se em doação, com encargos,de
terras pertencentes ao Reino. Além disso, os fins almejados
em Portugal nao se identificavam com os que se procurava
atingir no Brasil. Lá, o objetivo era o incremento da prod~
ção agropecuária, através de redistribuição de terras; aqui,
buscava-se consolidar a ocupação do território. Em conseqtle~
cia, esse regime de concessão de terras produziu efeitos ra
dicalmente opostos em ambos os países. Em Portugual, reino
de proporções minúsculas e densamente povoado, as sesmarias
induziram à fragmentação de grandes áreas, provocando a de
sagregação de latifúndios improdutivos. No Brasil, ao contrá
os latifúndios proliferaram rapidamente.
Devemos ressaltar "que aos donatários das capit~
nias era apenas concedido o benefício, o usufruto das ter
ras, e nao a propriedade territorial. Isso não impedia que,
dentro das mesmas capitanias, o monarca concedesse também a
cada donatário, em verdadeira doação, uma parte de terras
que podia arrendar e aforar enfiteuta, ou em pessoas, ou co
mo quiser e lhe convier, e por os tribunais e foros que qui
ser" (Silva, 1971).
Os anos decorridos foram suficientes para demons
trar o fracasso, quase generalizado, das capitanias heredi
tárias como sistema colonizador, pois a 17 de setembro de
1548 restabelecia~se a administração centralizada, com a no
meação do primeiro governador-geral, Tomé de Souza, a quem
os donatários passaram a ser subordinados, muito embora nao
perdessem, com isso, a faculdade de continuar concedendo ses
marias. Com o correr do tempo, no entanto, as concessoes tor
naram-se objeto de favorecimento a pessoas ligadas ao gove!
nandor, dando origem a uma classe privilegiada, detentora de
-enormes areas desocupadas e inaproveitadas - a aristocracia
rural. Não mais se observou, então, o princípio sempre fir
mado de que nao se devia dar a uma pessoa terras a mais do
que ela pudesse aproveitar. As concessoes tornaram-se ces
sões, fontes de escândalos administrativos.
Na segunda metade do século XVII, o assunto perti
pelas Ordenações do Reino. A diversidade de situações, toda
via, especialmente aquelas criadas em decorr~ncia das irre
gu1aridades e abusos praticados, deu ensejo a inúmeras nor
mas especiais visando
ã
regulamentação da matéria, até que,finalmente, toda ela foi consolidada em um alvará promu1g~
~
do em 1975. Esse diploma, inadequado para a epoca, face as
exig~ncias que impunha ao concessionário da sesmaria, foi
suspenso no ano seguinte e, em conseqU~ncia, nada se fez p~
ra pôr ordem
ã
confusa situação fundiária da então colôniaportuguesa.
A concessao de sesmaria, desde a longínqua Lei de
1375, de Dom Fernando, tinha como corolário o aproveitamento
da terra. Em todas as leis, forais, alvarás e resoluções que
trataram do assunto, a concessão de sesmaria sempre esteve
associada ã idéia de exploração agropecuária. Era, portanto,
uma obrigação imposta ao concessionário. Não satisfeita essa
obrigação dentro de determinado período, a concessao caía em
comissão, isto é, o concessionário perdia as terras recebi
das, que se reincorporavam ao patrimônio da Coroa portugu~
sa. Outras exig~ncias havia, como a necessidade de medição,
confirmação e pagamento do dízimo. Tais condições, no
entan-to, nem sempre foram cumpridas, seja pelas irregularidades e
abusos cometidos, seja pela absoluta impossibilidade de me
dir as terras, fato que, aliás, motivou a suspensão do Alva
rá de 1795, acima referido.
O regime das sesmarias adotado no período colonial,
nio português nessa parte da América, produziu efeitos dano
sos na sociedade brasileira. Tal situação, aliada ao caos do
minial decorrente do descaso governamental diante do probl~
ma fundiário, demonstrava os efeitos nocivos de uma política
colonizadora marcada por abusos e escãndalos, que se multi
plicavam ao final de três séculos. Diante desse quadro tumul
tuado, o então príncipe regente, Dom Pedro I, tendo tomado
conhecimento de pedido a ele dirigido por humilde agricu!
tor, que desejava "ser conservado na posse das terras em que
vivia há mais de 20 anos com sua numerosa família e netos",
determinou que se suspendessem as concessões de sesmarias.E~
sa decisão histórica, corporificada na Resolução de 17 de j~
lho de 1822, vinha abolir definitivamente a forma de aqui si
çao de terras por meio de concessoes de sesmarias. Menos de
dois meses após, em sete de setembro de 1822, o Brasil tor
nou-se independente de Portugual e, com isso, toda a legisl~
ção relativa
ã
concessão de terras ficou inapelavelmente revogada.
Suspensas as concessoes de sesmarias e nao havendo
nenhuma lei regulando a aquisição de terras no País, surgiu
uma nova fase na formação da estrutura fundiária brasileira:
a fase da ocupação. Sem nenhuma restrição legal, todas as
terras que não houvessem sido dadas em sesmaria ficaram in
teiramente
ã
mercê de quem quisesse ocupá-las. A ocupação tornou-se, posteriormente, modo de aquisição da propriedade ru
rale
gal que disciplinasse a ocupaçao e a aquisição de terras
agravou sobremaneira a já então confusa situação fundiária.
Esse período findou em 1850, com a promulgação da Lei n9
601.
4.1.3. A Lei de Terras - 1850
A Lei n9 601, de 1850, veio caracterizar uma
reformista. Fonte primordial de todas as leis agrárias
açao
bra
sileiras promulgadas até hoje, a Lei n9 601 representou a
primeira tentativa do Poder Público em solucionar os probl~
mas fundiários da época.
Instituindo os meios e estabelecendo as condições
que permitissem um reordenamento da ocupação territorial, a
referida lei, definindo o que era terra devoluta, fixou re
gras concernentes
ã
revalidação de sesmarias,ã
legitimaçãode posses,
ã
venda de terras,ã
imigração de agricultores,ã
discriminação de terras devolutas,
ã
colonização oficial, aoregistro de terras possuídas, além de outros dispositivos
inovadores, de elevada significação dentro do contexto de
política fundiária.
No tocante
ã
revalidação de sesmarias, a Lei n9601 estabeleceu as exigências de cultura e morada habitual,
do respectivo sesmeiro ou de quem o representasse, e impôs o
requisito de prévia medição, dentro de prazos fatais, que se
riam marcados para esse fim, para aquelas que ainda não ti
çao no prazo fixado, cairia em comisso, isto é, o concessio
nário perdia as terras recebidas, que se incorporavam ao p~
trimônio da Coroa portuguesa, perdendo definitivamente o di
reito à propriedade da área concedida. Nesta hipótese, o di
reito do sesmeiro restringir-se-ia apenas à área que
even-tualmente estivesse cultivada. Entretanto, a anális8 da Lei
n9 601 não deve deter-se somente ao texto legal, mas ao mo
mento conjuntural que o País estava vivendo. Assim, a Lei de
Terras e instituída como uma nova forma de apropriação da
terra: a da mediação pelo mercado. As terras devolutas so
poderiam ser apropriadas mediante compra e venda, extingui~
do-se o regime de posse. Os valores de compra das terras fo
ram elevados, fixando-se preços superiores aos vigentes na
época. Os lotes só poderiam ser adquiridos em hasta e à vis
ta, com o que o acesso as terras restringiu-se somente aqu~
les que tivessem dinheiro imediatamente disponível para com
piá-las. O produto dessas vendas era destinado a
a vinda de colonos da Europa.
financiar
"Para entender sua aprovaçao, e preciso situá-la
num contexto mais amplo, onde deve ser considerada uma série
de elementos. Em primeiro lugar, em meados do século pass~
do, o café estava em pleno desenvolvimento, requisitando uma
grande quantidade de trabalhadores. No entanto, nesse momen
to, a Inglaterra está no auge de sua campanha contra o tráfi
co de escravos, o que vai resultar na sua proibição definiti
va em 1851. A alta de preços dos escravos, decorrente das
restrições inglesas ao seu comércio e, posteriormente, a
po de trabalhador gera uma séria situação de carência de
mão-de-obra. A contrapartida é uma política de apoio à imi
graçao, que viria prover a lavoura cafeeira de braços neces
sários. Trata-se,pois, de impedir que esses imigrantes se
tornassem proprietários de terra e, em consequência, se des
viassem do que seria seu papel: força de trabalho para a cul
tura de café" (Araújo, 1985).
B de se registrar ainda que, por detrás da Lei de
Terras está a pressão política por parte dos grandes propri~
tários, interessados em fomentar o sistema de latifúndios
que constituía a base da economia política brasileira, nem
que, para isso, dessem ao governo o poder de controlar a ter
ra e o trabalho, desde que assegurassem o sucesso da
econo-mia baseada no latifúndio.
Para os grandes proprietários, era importante con
tar com mão-de-obra barata e abundante. Mesmo que, para tal
intento, tivessem que dificultar o acesso dos trabalhadores
livres à posse da terra. Segundo o sociológo José Arthur
Rios, esta era uma idéia que estava no ar, anterior à Lei de
1850. Em 1842, era o seguinte o teor de uma consulta do Con
selho de Estado a uma proposta de Bernardo de Vasconcellos
e José Cesário de Miranda Ribeiro: "Um dos benefícios da pr~
vidência que a seção tem a honra de propor a Vossa Majestade
Imperial e tornar mais custosa a aquisição de terras ... Como
a profusão em datas de terra tem, mais que outras causas,
contribuído para a dificuldade que hoje se sente de obter
jam as terras vendidas sem exceçao alguma. Aumentando-se, as
sim, o valor das terras e dificultando-se, conseqtientemente,
a sua aquisição, ê de se esperar que o imigrado pobre alu
gue seu trabalho efetivamente por algum tempo, antes de ob
ter meios de se fazer proprietário" (Rios, 1978).
o
governo imperial nao conhecia a verdadeira extensao das terras devolutas que lhe pertenciam, nem a das ter
ras possuídas por proprietários (sesmarias e concessionários)
ou por simples posseiros. Esse fato levou-o a instituir um
registro de terras, obrigando todos os possuidores, a qual
quer título, a prestarem declarações informando, por
escri-to, a extensão das terras, se conhecido, sua situação jurídi
ca e limites. Esse registro, por ser efetuado junto à autori
dade eclesiástica, passou a ser conhecida como "Registro Pa
roquial" ou "Registro de Vigário". Discute-se, ainda, se es
se registro tinha função meramente estatística ou se, em de
corrência dele, as posses registradas erigiram-se em situa
ções dominiais.
Um dos dispositivos de grande relevância e lneg~ .
-vel atualidade, insculpido na lei em questão, diz respeito
ao hoje denominado "processo discriminatório de terras devo
lutas", que consiste em separá-las, delimitando-as daquelas
de proprietade privada. A Lei n9 601 não disciplinou esse
processo, mas previu-o, estabelecendo que "o governo provera
o modo prático de extremar o domínio público do particular".
o
Decreto n9 1.318, de 30 de janeiro de 1854, que regu1ame~revalidação e legitimação, nao o disciplinando conveniente
mente. Não obstante, há de se reconhecer que a idéia de se
estabelecer um "modo prático" de separar as terras devolutas
transpôs o tempo e foi disciplinada na Lei n9 6.383, de sete
de dezembro de 1976, constituindo-se num dos principais ins
trumento de regularização fundiária.
Ainda com relação à Lei n9 601, é importante obse~
var que, para assegurar a manutenção das fronteiras brasilei
ras, ficou reservada ao Império uma faixa de 66 quilômetros
(10 léguas), a partir da linha limítrofe com outros países.
Nessa faixa, as terras devolutas seriam concedidas gratuit~
mente, segundo a lei, e de acordo com o decreto que a
lamentou ali seriam estabelecidas colônias militares.
reg~
A Lei n9 601, como se ve, representou o primeiro
grande passo na tentativa de recompor uma estrutura fundiá
ria marcada por múltiplas situações dominiais e possessórias
irregulares, que tinham origem num processo de ocupação do
solo desordenado e maldirigido. Diz-se que referida lei re
presentou uma "tentativa" de solução porque, embora ela te
nha definido e, em grande parte, consolidado a propriedade
territorial rural, quase nada se fez com relação à venda de
terras, à legitimação e ã revalidação de sesmarias, face aos
obstáculos e entraves burocráticos que se antepunham a quai~
quer medidas nesse sentido.
A venda de terras devolutas, por exemplo,tornou-se
impraticável a partir do momento em que se exigiu a sua ~
via medição e demarcação nos termos do artigo 14, § 19, da
Lei n9 601. Além disso, não existiam terras devolutas em dis
ponibilidade suficiente no litoral, onde se concentrava a
população brasileira da época. As que existiam no interior
localizavam-se em regiões de difícil acesso, sem estradas
que as servissem, fator que tornaria extremamente onerosa a
sua prévia medição e demarcação, nos casos em que essa medi
da fosse fisicamente possível. A legitimação, assim como a
revalidação de sesmarias, exigia prova de "cultura efetiva e
moradia habitual", além do requisito de medição e demarca
ção, condições que dentre outras alinhadas na lei e no decre
to que a regulamentou representariam um complicado proced~
mento, sujeito
ã
decisão da Corte ou das autoridades das pr~víncias. Verificou-se, em conseqtiência, a ocupaçao indiscri
minada de terras ociosas, inexploradas, devolutas ou nao,
agràvando-se mais ainda a já então complexa situação fundiá
ria que a lei pretendeu corrlglr.
A Lei n9 601 produziu efeitos positivos e negatl
vos. Examinada sob o prisma da política fundiária, a lei em
questão mostra-se realista e generosa, dando para cada caso
soluções fundadas na eqUidade. Não se dirá o mesmo, porem,se
se considerá-la como norma disciplinadora nas atividades do
Estado.
Nesse aspecto, a lei e, mais ainda, o decreto que
a regulamentou impunham ~ma série de providências a um gove!
no que não contava com a necessária estrutura administrativa
ram, assim, anulados pela falta de uma administração prepar~
da para executá-la.
No final do século XIX, o pensamento liberal, que
contribuíra para operar profundas transformações econômicas,
políticas e culturais na Europa, encontrou campo propício ao
seu desenvolvimento no Brasil. As transformações realizadas
na sociedade brasileira - iniciadas com a expansão da
cultura cafeeira, que já não utilizava o trabalho escravo
-resultaram no desenvolvimento urbano-industrial, contribuin
do para gerar novas aspirações nas camadas sociais inferio
res, dominadas pelas elites agrárias tradicionais.
A agitação político, que há muito comprometia a
aparente estabilidade do regime monárquico, resultou numa se
rie de conflitos que culminaram, finalmente, com a
procla-maçao da República, em 1889. Dois anos após, em 25 de feve
reiro de 1891, era promulgada a Constituição.
"A mudança de sistema política que a naçao experi:.
mentou nesse interregno - a passagem de Império a República
- não foi, de nenhum modo, isenta de publicações 1atifundis
tas, já que a derrubada de Pedro II é considerada por mui
tos historiadores como conseqUência fatal da sua experiência
liberal extinguindo a escravidão, com isso desagradando aos
grandes senhores de terras que, dessa forma, ficaram priv~
dos da mão-de-obra barata que lhes propiciava o braço escra
volt (Silva, 1971).
corre até à epoca da história moderna da Reforma Agrária br~
sileira, ape~~s a crise de 1929 ajuda um pouco a abalar o la
tifúndio em seus alicerces econômicos, gerando a Revolução
de 1930, o Tenentismo, Vargas e todo o desdobramento históri
co que marcou o início do liberalismo do País" (Silva, 1971).
4.2. Período Moderno
4.2.1. A Revolução de 1930
A Revolução de 1930 foi um dos cinco acontecimen
tos que conseguiram abalar a tranqUilidade do latifúndio na
cional. Ela pode ser considerada como um marco divisor entre
os períodos antigo e moderno da história da Reforma Agrária
brasileira.
"A partir de 1930, a discussão já começa a se fa
zer em torno da desapropriação por interesse social, ou se
ja, já se inicia a tratar do tema 'reforma agrária'. Com o
advento do Estado Novo e com o paternalismo implantado pelo
populismo de Vargas, o Estado se dispôs a realizar certas
formas de concessão às camadas populares. Entretanto, dirigl
da em proveito do proletariado urbano, visando o desenvolvi
mento industrial enquanto que, na area rural, a dominação
oligárquica permaneceu a mesma" (Araújo, 1985).
"O segundo acontecimento foi a crlaçao, pelo pr~
sidente Jânio Quadros, da Comissão Milton Campos, mais ou me
o mais intempestivo de quantos foi agente o então chefe do
Executivo, e o que mais chocou a corrente conservadora que
pro~overa a sua candidatura: a visita de Ernesto ("Che") Gue
vara, a Brasília C .•. ) OS outros três acontecimento foram: o
famoso comício da Central do Brasil, em que o presidente João
Goulart assinou o decreto das 'terras marginais'; a promul
gação do Estatuto da Terra, no tempo do presidente Castelo
Branco, e o Ato Institucional n9 9, mediante o qual o pres!
dente Costa e Silva introduziu nova e radical mecânica de de
sapropriação de terras não-cultivadas ( ... ) A Comissão Mil
ton Campos nasceu com a marca convencional dos contrastes j~
nistas; escolhia-se uma figura importante, respeitável, mas
demasiadamente idosa e formal para poder promover a
esquema-tização jurídica de um processo agressivo de câmbio social
como o da Reforma Agrária. De qualquer forma, ao encarregar
o seu ex-companheiro de campanha presidencial da elaboração
de um anteprojeto de lei da Reforma Agrária, o presidente Jâ
nio Quadros quis dar-lhe a ênfase devida, assegurando-se, ao
mesmo tempo, de que nada de revolucionário resultaria. Ainda
assim, a atitude do então presidente, recebendo (e sobretu
do condecorando) o homem que impulsionara a Reforma Agrária
em Cuba, e as suas conhecidas ligações políticas e pessoais
com Coutinho Cavalcanti - estudioso médico paulista que and~
ra pela ilha de Cuba colaborando na elaboração de um projeto
de reforma agrária que, segundo alguns, acabou sendo aprove!
tado por Fidel Castro - tiraram algum sossego dos latifundiá
rios que, desde Vargas, vinham percebendo que algo
para acontecer em seus domínios". (Silva, 1971).
A pretensão reformista do presidente Jânio Quadros
foi tão efêmera quanto o seu próprio governo. O tímido pr~
jeto reformista de positivo apresentou apenas algumas idéias
liberais, facilmente abafadas no seio do grupo conservador,
e o nome ressonante usado para designar as medidas legislati
vas que propunha: "Estatuto da Terra". Aliás, essa denomina
çao foi retornada em 1964 pelo grupo de trabalho criado pelo
presidente Castelo Branco e, finalmente, incorporada à legis
lação brasileira.
No agitado período do governo do presidente João
Goulart o latifundiário sofreu alguns maus períodos, princl
palmente com o famoso comício da Central do Brasil, quandô
foi assinado o "decreto de desapropriação das terras margi.
nais". Com esse ato, o governo pretendia dedicar à Reforma
Agrária, corno seu primeiro passo,as terras situadas as mar
gens das estradas, ferrovias e açudes construídos pela
União. Este foi o terceiro acontecimento a pertubar a tran
qUilidade dos latifundiários.
O quarto acontecimento, e talvez o mais importante
evento da história da Reforma Agrária, foi a promulgação do
Estatuto da Terra, em 30 de novembro de 1964.
O último dos cinco grandes acontecimentos foi a
edição do Ato Institucional n9 9, de 25 de abril de 1969, no
qual o presidente Costa e Silva introduziu o rito sumário