RevBrasAnestesiol.2016;66(1):75---77
REVISTA
BRASILEIRA
DE
ANESTESIOLOGIA
PublicaçãoOficialdaSociedadeBrasileiradeAnestesiologiawww.sba.com.br
INFORMAC
¸ÃO
CLÍNICA
Tratamento
de
pacientes
portadores
de
olho
cego
doloroso
por
meio
de
bloqueio
de
gânglio
estrelado
Tatiana
Vaz
Horta
Xavier,
Thiago
Robis
de
Oliveira
∗e
Tereza
Cristina
Bandeira
Silva
Mendes
AmbulatóriodeTratamentodeDorDr.JosefinoFagundesdaSilva,UniversidadeFederaldeMinasGerais(UFMG),BeloHorizonte, MG,Brasil
Recebidoem18defevereirode2012;aceitoem11dedezembrode2012 DisponívelnaInternetem18demarçode2014
PALAVRAS-CHAVE
Dor
ocular;
Manejo
da
dor;
Bloqueio
nervoso
Resumo
Justificativaeobjetivos: omanejodadoremolhoscegosdolorososaindaéumdesafio.
Corti-costeroidesehipotensores,bemcomoeviscerac¸ãoeenucleac¸ão,sãoalgumasdasestratégias atéentãoempregadas,nemsempreeficazeseque,adependerdaestratégia,causamum pro-fundo abaloemocionalnopaciente.Dadasessasquestões,oobjetivodesterelatodecasoé demonstrarumanovaeviávelopc¸ãoparaomanejodessetipodedorpormeiodotratamento do olho cegodoloroso combloqueios degângliocervicotorácico, técnicanunca descritana literaturaparaessefim.
Relatodecaso: foramtratadosseispacientesportadoresdeolhocegodoloroso,todospor
glau-coma,nosquaisaEVA(escalavisualanalógicaparaavaliac¸ãodadoremque0éausênciadedor e10éamaiordorjáexperimentada)variavade7a10.Optou-seporsessõessemanaisde blo-queiodegângliocervicotorácicocom4mLdebupivacaína(0,5%)semvasoconstritoreclonidina 1mcg/Kg.QuatropacientesapresentaramexcelenteresultadoEVA,comvariac¸ãoentre0e3, edoispermaneceramassintomáticos(EVA= 0),semnecessidadedemedicac¸ãosuplementar. Osoutrosdoisusaramgabapentina300 mgde12em12horas.
Conclusão:atualmente,váriassãoasopc¸õesterapêuticasparaotratamentodoolhocego
dolo-roso,entreasquaissedestacamosbloqueiosretrobulbarescomclorpromazina,álcoolefenol. Noentanto,umaestratégiaeficaz,compequenoíndicedecomplicac¸õesgraves,nãomutilante equemelhoreaqualidadedevidadopacienteéimprescindível.Obloqueiodogânglio cervi-cotorácicosurge,pois,comoumaopc¸ãocomprovadamenteviávelepromissoraparaatendera essademanda.
©2014SociedadeBrasileira deAnestesiologia.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Todosos direitosreservados.
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:thiagorobis@gmail.com(T.R.Oliveira).
0034-7094/$–seefrontmatter©2014SociedadeBrasileiradeAnestesiologia.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Todososdireitosreservados.
76
T.V.H.
Xavier
et
al.
KEYWORDS
Eye
pain;
Pain
management;
Nerve
block
Treatment
of
patients
with
painful
blind
eye
by
stellate
ganglion
block
Abstract
Backgroundandobjectives: Managementofpaininpainfulblindeyesisstillachallenge.
Cor-ticosteroidsandhypotensiveagents,aswellaseviscerationandenucleation,aresomeofthe strategiesemployedsofar,notalwayseffective andthat, dependingonthestrategy,cause adeepemotionalshocktothepatient.Giventheseissues,theaimofthiscasereportisto demonstrateanewandviableoptionforthemanagementofsuchpainbytreatingthepainful blindeyewiththestellateganglionblocktechnique,aprocedurethathasbeenneverdescribed intheliteratureforthispurpose.
Casereport: Sixpatientswithpainfulblindeye,allcausedbyglaucoma,weretreated;inthese
patients,VAS(visualanaloguescaleforpainassessment,inwhich0isabsenceofpainand10is theworstpaineverexperienced)rangedfrom7to10.Weoptedforweeklysessionsofstellate ganglionblockwith4mLofbupivacaine(0.5%)withoutvasoconstrictorandclonidine1mcg/kg. FourpatientshadexcellentresultsatEVA,rangingbetween0and3,andtworemained asymp-tomatic(VAS=0),withouttheneedforadditionalmedication.Theothertwousedgabapentin 300mgevery12hours.
Conclusion:Currently,thereareseveraltherapeuticoptionsforthetreatmentofpainfulblind
eye,amongwhichstandouttheretrobulbarblockswithchlorpromazine,alcoholandphenol. However,aneffectivestrategywithlowrateofseriouscomplications,non-mutilatingandthat improvesthequalityoflifeofthepatient,isessential.Then,stellateganglionblockarisesas ademonstrablyviableandpromisingoptiontomeetthisdemand.
©2014SociedadeBrasileiradeAnestesiologia.PublishedbyElsevier EditoraLtda.Allrights reserved.
Introduc
¸ão
O manejo da dorem olhos cegosdolorosos ainda éum desafio econfigura umdos problemasmais frustrantesemoftalmologia. Háanos,inúmerastêmsidoastentativasterapêuticaspara mino-raroquadroálgicoocular.Corticosteroides,hipotensoreselentes decontatoterapêuticastêm semostradoúteisem algunscasos. Eviscerac¸ãoeenucleac¸ão1tendemaserindicadasemcasosmais
resistentesaotratamento. Noentanto, sãoresponsáveis porum profundoabaloemocionalnopacienteenemsempre,noquese refereàeviscerac¸ão,promovemalíviocompletodador.Injec¸ões retrobulbarescomneurolíticoseclorpromazinaconfiguramas estra-tégiasterapêuticasmaisdifundidas,2masfrequentementecursam
comcomplicac¸õesimportantes,comoparalisiapermanentede mús-culosoculares,hemorragiaretrobulbar,atrofiadonervoópticoe perfurac¸ãodogloboocular.Orelatodecasoemquestãoversasobre aopc¸ãoporumanovaestratégiaterapêuticaparaotratamentodo olhocegodolorosoemqueseusouobloqueiodogânglioestrelado, técnicaaindanãodescritanaliteraturaparaessefim.
Relato
de
caso
Foramtratadosseispacientes,portadoresdeolhocegodoloroso, porglaucoma, nosquais o tratamento com tópicos elentes de contato especiais instituídospela oftalmologia não tinha ofere-cidobenefício. A avaliac¸ãoinicial desses pacientes mostrouque a intensidade da dor descrita por eles variava de EVA (escala visual analógica) 7 a 10, o quecomprometia significativamente suasatividadesdiárias.Foipropostoumtratamentocomseis ses-sõessemanaisdebloqueiode gângliocervicotorácico(estrelado) com4 mLdebupivacaínaa0,5%semvasoconstritoreclonidina1 mcg.Kg---1.Essassessõesforamfeitasnoblococirúrgicoeaviapara
afeituradobloqueiofoiparatraqueal.
Resultados
Desdeoperíododeinstituic¸ãodotratamentoatéa alta ambula-torialdecorreuumano.Quatropacientesapresentaramexcelente respostaàterapêuticainstituída,doisdelespermaneceram total-menteassintomáticos,semnecessidadedemedicac¸ãosuplementar, edoispermaneceramcomdorresidualcaracterizadaporelescomo EVA3.Essesmantiveramousodegabapentina300 mgacada12 horas.Emrelac¸ãoaosoutrosdoispacientes,umdelesabandonou oambulatórioapósosbloqueioseumapresentava concomitante-menteaoquadrodedorocular depressãomaioreseencontrava alcoolizada emduasdasconsultas,fatoresessesque comprome-teramsobremaneirao tratamento.Naocasiãoestavaem usode carbamazepina200mgacadaoitohoras,sulfatodemorfina10mg acadaquatrohoras,sertralina150mgumavezaodiaenortriptilina 75mgumavezaodia.
Discussão
SegundoBonica,3adoroftálmicaémarcadapelaintensidadeepela
habilidadedegeraransiedade.Atrásapenasdomedodamorte,o medodacegueiraenvolveumagrandecargaemocionalao paci-enteeaoseumédico.Assim,atenc¸ãoadequadadeveserdadaà dorocular,nãosomenteparaconfortodopacientecomotambém prevenc¸ão etratamentoadequado daquelesportadoresde glau-coma de ângulo fechado, situac¸ão em quea extensãoda lesão estruturalefuncionalestáintimamenterelacionadaaotempode durac¸ãodacriseálgica.Oglaucomapodesercaracterizadocomo umaneuropatiaópticaassociadaadanoscaracterísticosdonervo ótico.4Daísurgeahipótesedequepartedadordoolhocego
glauco-matosopoderiaserexplicadaporessaneuropatiaópticaepordanos estruturais,responsáveispeladorneuropática.5,6Essahipótesede
Tratamento
de
pacientes
portadores
de
olho
cego
doloroso
por
meio
de
bloqueio
de
gânglio
estrelado
77
casonoqualumpacientecomareferidaafecc¸ãofoitratadocom gabapentinaeobteveexcelenteresposta.
Dor
neuropática
e
sistema
nervoso
simpático
Estudos mostram que alodínia e hiperalgesia parecem envolver tantoosistemanervosocentralquantooperiférico.Ador neuropá-ticadetecidosperiféricoségeradaoumantidapornervossensitivos sozinhosouac¸õesaberrantesdosistemanervososimpáticoem ner-vossensitivos.8
Já é conhecido que a lesão de nervo periférico proporciona alterac¸õesplásticastantodoaferenteprimáriocomodosneurônios simpáticospós-ganglionares,nadependênciadotipodelesão,total ouparcial.Essaplasticidadeneuronalcaracteriza-seporalterac¸ões degenerativas,regenerativas ereorganizac¸ões queculminamem ligac¸õesbioquímicasentreneurôniosaferentesprimáriose simpá-ticospós-ganglionares,bemcomoligac¸õescolateraisnogânglioda raizdorsalporpartedosneurôniosnãolesados.Essasligac¸õessão responsáveis pela ativac¸ão dosaferentes primários pelo sistema nervososimpático,noqualoprovávelmediadoréanoradrenalina.9
Assim, pode-seinferirquepartedadorocular temosistema nervososimpáticocomoseumantenedor,apesarde essenão ser suacausaprimária.Adormantidapelosistemanervososimpático écaracterizadaporsensac¸ãodequeimac¸ão,alodínia,hiperalgesia aofrio eaotoque,10 sintomasessesapresentadospelos
pacien-testratadosnodescritorelatodecaso.Parestesiaehiperestesia sãofrequentesepode haveredemaeoutrossinaisde disfunc¸ão autonômica.
Estratégias
de
tratamento
da
dor
ocular
Háanosváriasforamasestratégiasdesenvolvidasparatratamento da dor ocular. Em 1918 Gruter descreveu sua experiência com injec¸õesretrobulbarescomálcool.11,12Apóseleváriosoutros
des-creveramsuasexperiências,algunstambémcomousodefenolem substituic¸ãoaoálcool.Ambossãoagentesneurolíticosainda usa-dos,masquevêmsendoabandonadosemalgunscentros,poistêm efeitoanalgésicolimitado,emtornodostrêsmeses,epodem cur-sarcomcomplicac¸õesimportantes,comohemorragiaretrobulbar, paralisiapermanentedemúsculosoculareseptosepermanente.
Atécnicamaisdifundidaatualmentetemsidoasinjec¸ões retro-bulbarescomclorpromazina,13sugeridapelaprimeiravezem1980
porFiore e em 1989 porBastrikof, com relato de alívioda dor em 84%dospacientes dosestudos.14 Noentanto, éumatécnica
comdurac¸ãolimitada,emtornodosseismeses.Alémdisso, exis-temrelatosdefalhanatécnicadebloqueio,bemcomodeefeitos colateraisimportantes,comoedema,ptose,celuliteorbital esté-ril,limitac¸ãotransitóriademovimentosextraoculares,hemorragia retrobulbarelesãoemepitéliodecórnea,dentreoutros.
Enucleac¸ão eeviscerac¸ãoainda são as opc¸õespara os casos emqueadorédebilitanteenãoresponsivaanenhumdos trata-mentosmencionados.Sobretudoquandooolhoestá desfigurado, a eviscerac¸ãoea enucleac¸ão findam por seros tratamentosde escolha.15 Deve-seteremmenteoprofundoabaloemocionaldos
pacientessubmetidosaessatécnica,sobretudonoscasosemqueo olho,apesardedoloroso,encontra-secombomaspecto.Soma-se aissoofatodequenemsempreaenucleac¸ãoéeficaz,osnervos ciliarespodempermanecerintactosetransmitir,assim,umador residual.
Bloqueio
do
gânglio
estrelado
Ogânglioestreladoéformadonormalmentepelafusãodosgânglios cervicalinferioreosprimeirostorácicoseéresponsávelpelamaior partedainervac¸ãosimpática dacabec¸a,dopescoc¸oedobrac¸o. Seubloqueiojáfoidescritocomotratamentodeváriasafecc¸ões.
Existemrelatosdetratamentoparaglaucomaededoresfaciaiscom ousodessetipodebloqueio.6,16,17Otratamentodedororofacial
combloqueiodegânglioestreladojáfoibemabordadonaliteratura emfunc¸ãodojáconhecidoenvolvimentodosistemanervoso simpá-ticonessetipodedor.18Jáem1953,Millermostrouqueobloqueio
dessegânglioalteraapressãointraoculardeolhosglaucomatosos.19
Noentanto,tratamentodeolhocegodolorosopós-glaucomacom bloqueiodegângliocervicotoráciconuncafoidescritonaliteratura.
Conclusão
Otratamentodeolhocegodolorosoécontroversoepouco abor-dadonaliteratura.Entreasváriasopc¸õesterapêuticas,obloqueio cervicotorácicopodeserpropostaviávelepromissora.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
Referências
1.CusterPL,ResitadCE.Enucleationofblind,painfuleyes.OphtalmolPlast ReconstSurg.2000;16:326---9.
2.ChenTC,AhnYuenSJ,SangalangMA,etal.Retrobulbar chlorproma-zineinjectionsforthemanagementofblindandseeingpainfuleyes.J Glaucoma.2002;11:209---13.
3.BonicaJJ,LoeserJD,ButlerSH,ChapmanRC,TurkDC.Bonica’s mana-gementofpain.4a
ed.Baltimore:LippincottWilliamseWilkins;2010. p.723---54.
4.Foster PJ,Buhrmann R, Quigley HA,Johnson GJ.The definition an classification of glaucoma in prevalence surveys. Br J Opthalmol. 2002;86:238---42.
5.HardenRN.Chronicneuropaticpain.Mechanisms,diagnosis,and treat-ment.Neurologist.2005;11:111---22.
6.DrummondPD,FinchPM.Persistanceofpaininducedbystartleand foreheadcoolingaftersympatheticblockadeinpatientswithcomplex regionalpainsyndrome.JNeurolNeurosurgPsychiatry.2004;75:835---41. 7.KavaliteratosCS,DimouT.Gabapentintherapyforpainful,blind
glauco-matouseyes:casereport.PainMed.2008;9:377---8.
8.GibbsGF,DrummondPD,FinchPM,PhilipsJK.Unravellingthe pathophy-siologyofcomplex regionalpainsyndrome:focusonsympathetically maintainedpain.ClinExperimPharmacolPhysiol.2008;35:717---24. 9.BallantyneJ,FishmanSM,AbdiS.-MassachusettsGeneralHospital.
Manualdecontroledador.2a
ed.RiodeJaneiro:Guanabara-Koogan; 2004.p.53---9.
10.Sawyer J, Febbraro S, MasudS, Ashburn MA, CampbellJC. Heated lidocaine/tetracaine patch (Synera, Rapydan) compared with lido-caine/prilocainecream(EMLA)fortopicalanaesthesiabeforevascular access.BrJAnaesth.2009;102:210---5.
11.eMasudS,WasnichRD,RuckleJL,GarlandWT,HalpernSW,Mee-Lee D,etal.Contributionofaheatingelementtotopicalanesthesiapatch efficacypriortovascularaccess:resultsfromtworandomized, double--blindstudies.JPainSymptomManage.2010;40:510---9.
12.GruterW.Orbitalinjectionofalcoholforreliefpaininblindeyes.Bericht dOphtalGesellschaft.1918;1:85.
13.FioreC,LupidiG,SantoniG.Retrobulbarinjectionofchlorpromazinein theabsoluteglaucoma.JFrOphtalmol.1980;3:397---9.
14.GruterW.Reviewof experienceswithintraorbitalalcoholinjections accordingtoGruter.ArchOphtalmol.1941;144:92---5.
15.EstafanousMF,KaiserPK,BaerveldtG.Retrobulbarchlorpromazinein blindandseeingpainfuleyes.Retina.2000;20:555---8.
16.Maebs SL. Management of blind painful eye. Ophtalmol Clin Nam. 2006;19:287---92.
17.MatsuuraM,AndoF,SahashiK,ToriiY,HiroseH.Theeffectofstellate ganglionblockonprolongedpost-operativeocularpain.NipponGanka GankkaiZasshi.2003;107:607---12.
18.SalvaggioI,AdducciE,Dell’AquilaL,etal.Facialpain:apossibletherapy withstellateganglionblock.PainMed.2008;9:958---62.